Michelle Reis de Macedo
MICHELLE REIS DE MACEDO
Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Bolsista de Produtividade do CNPq (PQ2), desenvolvendo o projeto de pesquisa intitulado “Mário Juruna em espaços de colonialidade: a trajetória política do indígena Xavante que se tornou deputado federal (décadas de 1970 e 1980)”. Professora dos cursos de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde coordena o Grupo de Pesquisa em História Indígena no Brasil Republicano. Desenvolve pesquisas sobre povos indígenas, Brasil republicano, lideranças e movimentos indígenas, colonialidade e decolonialidade, direitos indígenas, saberes ancestrais, meio ambiente e justiça ambiental.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9864655486093379
Linha de pesquisa: Culturas Políticas, Representações, Discursos e Narrativas
Temáticas de orientação: História Indígena do Brasil Republicano; lideranças e coletividades indígenas; movimentos de resistência indígenas; políticas indígenas e indigenistas; movimentos políticos e sociais relacionados à questão indígena; direitos indígenas; retomadas indígenas territoriais e étnicas; colonialidade e decolonialidade; racismo estrutural contra povos indígenas; relações entre seres humanos e meio ambiente; racismo e justiça ambiental.
Email: michelle.macedo@ichca.ufal.br
Projetos de pesquisa em andamento:
1.A Presença dos Povos Indígenas no Brasil Republicano: por uma outra narrativa da História
Durante o século XIX e grande parte do XX, a escrita da História reproduziu narrativas que silenciavam os povos indígenas enquanto agentes históricos. Esse imaginário reforçava a ideia de que, por extermínio físico ou assimilação à civilização, a tendência era o desaparecimento desses grupos. Acreditava-se que seus modos de vida eram incompatíveis com o progresso da nação. Até recentemente essa crença sustentava políticas indigenistas e análises acadêmicas, provocando resultados desastrosos. Mas nas décadas de 1970 e 1980, a luta e o caráter educativo do Movimento Indígena impuseram à sociedade uma revisão nas suas concepções sobre eles, resultando em avanços jurídico-políticos dos direitos indígenas e em revisões científicas. Na área da História, o protagonismo dos povos originários passou a ocupar espaços de interesse na historiografia. Desde então, pesquisas históricas sobre a temática indígena ganharam notoriedade. No entanto, se para os períodos colonial e imperial da História do Brasil o avanço foi significativo, o mesmo não ocorreu para o recorte temporal mais recente. Este diagnóstico pode ser, em parte, explicado pelo velho mito do desaparecimento, ainda arraigado na sociedade brasileira, sustentada por concepções racistas, que supõem uma natural incapacidade de sobrevivência dos povos indígenas ao desenvolvimento econômico do país. Portanto, este projeto de pesquisa pretende desconstruir essas crenças sobre os povos originários, demonstrando sua ocupação de espaços sociais diversificados como estratégias de (re)existência ao longo dos séculos XX e XXI. Para isso, a proposta é dar visibilidade a outras narrativas da História do Brasil republicano contadas por eles e com eles a partir da perspectiva dos seus protagonismos como agentes políticos e sociais.
2.Da aldeia ao Congresso Nacional : a trajetória política do índio xavante Mário Juruna (décadas de 1970 e 1980)
Prisões, torturas, maus-tratos, remoções forçadas, assassinatos e desaparecimentos, trabalho forçado, esbulhos de terras indígenas e apropriação de suas riquezas, certidões negativas fraudulentas são alguns dos crimes cometidos contra povos indígenas durante a ditadura militar em prol de políticas estatais desenvolvimentistas e de interesses privados. Diante desse quadro político tão desfavorável para as comunidades indígenas, é, no mínimo, curioso constatar que o processo de ascensão política do índio xavante Mário Juruna tenha ocorrido justamente neste período histórico. Durante a década de 1970, dentre vários outros líderes indígenas, Juruna decidiu reivindicar pessoalmente às autoridades as demandas de sua comunidade e, por isso, passou a realizar viagens frequentes à capital do país. Por sua ousada persistência, o cacique da aldeia Namunkurá conquistou a opinião pública, estendendo sua fama nas páginas da imprensa brasileira e internacional. Depois de aproximadamente duas décadas a partir do primeiro contato com não-índios, ele provou que havia apreendido e adaptado valores, significados e práticas políticas de um mundo diferente do seu para lutar e sobreviver. No início dos anos 1980, já em processo de desmonte da ditadura, Juruna foi além e percebeu a importância da luta institucional para o regime democrático que estava em processo de construção. Sendo assim, filiou-se ao Partido Democrático Brasileiro (PDT) e conseguiu se eleger para deputado federal nas eleições de 1982. Era a primeira vez que um índio brasileiro ocupava uma cadeira no Congresso Nacional. Enfrentando preconceitos e estereótipos nesse espaço social, Mário Juruna desafiou as dificuldades para continuar sua luta. Diante do esquecimento da memória de um personagem tão importante para a construção da democracia no Brasil, a proposta aqui é dar destaque à sua trajetória política. A intenção não é heroiciza-lo, mas lembrar do seu caminho percorrido até a conquista de um espaço, entendido pelo senso comum como inerente à sociedade civilizada e estranho ao mundo primitivo do índio. No imaginário social brasileiro, ainda habita a imagem preconceituosa e estereotipada de um índio infantilizado preso ao passado e, portanto, incapaz de participar das disputas políticas. Esse artigo pretende questiona-la por meio de evidências históricas recentes de um índio xavante que, com limites e contradições, aliás próprios de qualquer biografia, representou demandas dos povos indígenas na política institucional.
3.Mário Juruna em espaços de colonialidade A trajetória política do indígena Xavante que se tornou deputado federal (décadas de 1970 e 1980)
Na década de 1970, entre os movimentos sociais organizados que fortaleceram as lutas democráticas, o Movimento Indígena foi um dos que mais surpreendeu a sociedade brasileira, que, em grande maioria, acreditava no processo de desaparecimento dos povos originários considerados incompatíveis com o progresso do país. E o Xavante Mário Juruna foi uma das lideranças que mais se destacaram. Assim como outros indígenas, o cacique da aldeia Namunkurá, em Barra do Garça, Mato Grosso, fazia viagens frequentes à capital do país e perambulava pelos corredores do Congresso Nacional, do Poder Executivo e da FUNAI para, a princípio, denunciar as invasões de suas terras por fazendeiros locais e pedir produtos de necessidade básica, como agasalhos, vestimentas, máquinas e instrumentos de trabalho. Aos poucos, as exigências foram se complexificando e Juruna não titubeou em exigir mudanças na política indigenista do Estado autoritário. O projeto econômico da ditadura militar previa a expansão da fronteira agrícola do agronegócio e grandes obras de infraestrutura em terras indígenas, motivando o acirramento de muitos conflitos. Prisões, torturas, maus-tratos, remoções forçadas, assassinatos por armas de fogo, bombardeios aéreos, envenenamento, casos de desaparecimentos, trabalho forçado, estupros, esbulhos de terras indígenas e apropriação de suas riquezas, certidões negativas fraudulentas foram algumas das experiências traumáticas vividas por povos indígenas, sobretudo nos anos 1960 e 1970. Percebendo semelhanças e identificando-se com outras etnias, Juruna passou a lutar por causas para além das demandas locais de sua comunidade. Mário Juruna provocava desconfianças por ser um indígena que vestia “roupa de branco”, atuava em espaços urbanos e se apropriava de estratégias políticas consideradas incompatíveis com sua cultura. Mas ele provou que havia apreendido e adaptado valores, significados e práticas políticas de um mundo diferente do seu para lutar e sobreviver; compreendeu a importância da democracia para conquistar demandas do Movimento Indígena e escolheu se inserir nas regras da política institucional. Filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), se candidatou para deputado federal e foi eleito em 1982, tornando-se o primeiro – e único até 2018 – indígena a ocupar um cargo federal eletivo. No Congresso Nacional, sofreu muito preconceito, pois a sociedade achava estranho um indígena ocupar uma cadeira no Poder Legislativo, como se ele não fosse digno e civilizado o suficiente para exercer aquele cargo. Mas o fato de ele estar lá e enfrentar seus algozes, defendendo pautas indígenas foi fundamental para o fortalecimento dos debates sobre a questão indígena, que culminou com a garantia de direitos indígenas na Constituição de 1988. Diante do silenciamento historiográfico e social de um personagem tão importante para a construção da democracia no Brasil, a proposta aqui é dar destaque à sua trajetória política. A intenção não é heroiciza-lo, mas lembrar e refletir sobre seu caminho percorrido até a conquista de um espaço, entendido pelo senso comum como inerente à sociedade civilizada e estranho ao mundo primitivo do índio. No imaginário social brasileiro, ainda habita a imagem preconceituosa e estereotipada de um índio infantilizado preso ao passado e, portanto, incapaz de participar das disputas políticas. Esse projeto de pesquisa pretende questiona-la por meio de evidências históricas recentes de um indígena Xavante que, com limites e contradições, aliás próprios de qualquer biografia, representou demandas dos povos indígenas na política institucional.