OS ÍNDIOS XUKURU-KARIRI NA MATA DA CAFURNA EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS: RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO SEMIÁRIDO ALAGOANO (1979 a 2016) - Mary Hellen Lima das Neves

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MARY HELLEN LIMA DAS NEVES

OS ÍNDIOS XUKURU-KARIRI NA MATA DA CAFURNA EM PALMEIRA DOS
ÍNDIOS: RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO SEMIÁRIDO ALAGOANO
(1979 a 2016)

MACEIÓ
2019

MARY HELLEN LIMA DAS NEVES

OS ÍNDIOS XUKURU-KARIRI NA MATA DA CAFURNA EM PALMEIRA DOS
ÍNDIOS: RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO SEMIÁRIDO ALAGOANO
(1979 a 2016)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Alagoas, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em História.
Orientador: Profª. Drª. Michelle Reis de Macedo.

MACEIÓ
2019

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale – CRB4 - 661
N518i

Neves, Mary Hellen Lima das.
Os índios Xukuru-Kariri na Mata da Cafurna em Palmeira dos Índios : relações
socioambientais no semiárido alagoano (1979 a 2016) / Mary Hellen Lima das Neves.
– 2019.
123 f. : il. color.
Orientadora: Michelle Reis de Macedo.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Alagoas. Instituto de
Ciências Humanas, Comunicação e Artes. Programa de Pós-Graduação em História.
Maceió, 2019.
Bibliografia: f. 116-123.
1. Índios da América do Sul – Brasil, Nordeste. 2. Índios Xucuru-Kariri – Memórias
– 1979-2016. 3. Conflitos étnicos. 4. Índios – Relações socioambientais. 5. Semiárido
– Alagoas I. Título.

CDU: 397(=981)

Ao povo Xukuru-Kariri;
Aos meus professores pelo apoio incondicional;
A minha família.

AGRADECIMENTOS

Certa vez li algo que dizia que a gente só chega a algum lugar dando a mão para
alguém, mas comigo foi diferente, pois minhas mãos se encontraram com várias outras, e não
apenas uma, e isso é muito significativo. Nestes últimos dois anos o sentimento que
predomina é o de gratidão. Cursar o mestrado foi um desafio maior do que eu podia imaginar,
ir a Maceió semanalmente, pagar os créditos das disciplinas, aventurar-me em uma cidade
maior, participar dos eventos, lidar com uma realidade diferente da então vivida, foi muito
importante para minha formação como acadêmica, mas principalmente como ser humano.
Tomar a decisão de participar do Programa de seleção da Pós Graduação da UFAL
implicou em vários apoios dos quais não poderia deixar de citar, pois certamente foram os que
me permitiram chegar até aqui. Agradeço a Simone Lopes, amiga de longas datas que me
enviou o edital da seleção; a Vitória Paixão, minha amiga tão querida, que por conhecer o
processo incentivou-me a tentar, me fazendo acreditar que era possível conseguir. Ao meu
orientador e amigo durante a graduação Prof. Adelson Lopes pelo compromisso com a
Educação, com os povos indígenas e com orientandos, cada passo que dou é por que
inicialmente alguém acreditou em mim e esse alguém foi você.
Em seguida agradeço a Universidade Estadual de Alagoas, Campus III, Palmeira dos
Índios, que mesmo com tantas dificuldades estruturais e recursos humanos ofertou um ensino
de qualidade, em especial aos professores que passaram pelo curso de História, Wellington
Lopes, Amélia Florêncio, Luziano Pereira e Francisca Neta, pessoa esta, que além de
professora tornou-se amiga. As aulas de Introdução ao Estudos Históricos e Teoria me
fizeram perceber que estava no caminho certo, muito obrigada “Fran”.
Durante a graduação e mesmo depois de concluí-la, me tornei membro do Grupo de
Pesquisa em História Indígena de Alagoas (GPHIAL), este grupo foi e ainda é base para nós
que pesquisamos a temática, sendo referência em Alagoas e também regionalmente. Ser parte
dele foi muito importante para compreender textos, esclarecer dúvidas, produzir textos, mas
além dos estudos fizemos importantes amizades que a cada ano se intensificam. Gostaria de
fazer um agradecimento especial dentre os componentes do Grupo a Amanda Antero, Adauto
Rocha, Brunemberg Soares e Luan Moraes, com Amanda e Bruno realizamos coletivamente
diversos trabalhos de campo, partilhamos as dificuldades da pesquisa, socializamos fontes. A
Adauto pelas fotografias cedidas e conversas partilhadas; o Brunemberg que tantas vezes me
levou a Aldeia, mesmo sem precisar ir mais, apenas para me ajudar, minimizando meus custos
e sendo apoio, muito obrigada por estas atitudes, pois me dizem muito sobre você. Agradeço a

Luan com quem compartilhei a ansiedade e a alegria do resultado da seleção, além do período
em sala de aula.
Na UFAL outros vínculos foram criados com meus colegas de curso. A Andreza
agradeço pelas orientações com os ônibus, nas companhias ao APA 1, nos almoços e jantares
no RU2. Pelas leituras de resumos, fichamentos e pelo cuidado enquanto estive em Maceió; A
Ricardo, colega centrado, que gentilmente oferecia carona, diminuindo os percursos da UFAL
até em casa; A Robson pela dedicação e compromisso, também por tornar mais leve os fardos
com humor sempre aguçado; A Ângela que com sua personalidade discreta dividiu muitas
histórias com todos nós. No segundo semestre estas relações aumentaram, se estendendo aos
estudantes da linha de pesquisa de História Cultural, César, Klíscia, Carlos e Benjamim; e
nosso querido Oseas, que mesmo em fase de conclusão, cursava disciplinas conosco,
mostrando sempre disponibilidade em ajudar, principalmente a quem não residia em Maceió.
E com isto tornou-se parte da turma, vocês fizeram a diferença e juntos vivemos muitas
experiências, tanto positivas quanto negativas.
A minha família foi essencial no decorrer deste período, meus pais Maria Luísa e
Francisco Elias, que mesmo sem entender muito apoiaram-me; aos meus irmãos Magnólia,
Cristiane, Flávio e Jadson, este último dividiu comigo a responsabilidade do trabalho além da
pesquisa e nos últimos meses vem assumindo tudo praticamente sozinho; ao Júnio (irmão) e a
esposa Juliana que desde a graduação tem me dado sua casa para eu também chamar de
minha, possibilitando que eu conseguisse concluir estas etapas. Muito obrigada, sem o apoio
de vocês, teria sido muito difícil.
A Yuri Franklin agradeço pelas contribuições na elaboração dos gráficos, pela
configuração final, pelas sugestões no texto e pela amizade que surgiu e da qual eu muito
valorizo. A Carlos André, que conheci durante o processo seletivo e pela amizade que surgiu
a partir dali, pelo laço que firmou-se entre nós. A Maria da Penha, pesquisadora, pessoa
querida e muito solícita que me recebeu inúmeras vezes em sua residência quando participei
de eventos, muito obrigada. A Deisiane Bezerra, amiga, professora e pesquisadora, pessoa que
se faz presente em minha vida há um bom tempo. Obrigada pela mão estendida, pelos puxões
de orelha e por me compreender mesmo quando ninguém compreende, espero fazer por
merecer tanto carinho e amizade. A Elaine Cristina, Larissa Costa e Tatiana Costa pela
amizade desde a graduação, e a Kawanny Ferreira e Viviane Melo na Especialização, cada
uma ao seu modo foi e é muito importante em minha vida.
1
2

Arquivo Público de Alagoas.
Restaurante Universitário.

Após acontecer o Exame de Qualificação tive a certeza de que não poderíamos ter
escolhido uma banca melhor, os professores convidados além de competentes, são
extremamente humanos, o que na lógica, deveria ser uma regra e não exceção. Me senti
respeitada e acolhida pelos professores Aldemir Barros e Edson Silva, e mantive contato com
ambos quando necessário para sanar dúvidas ou solicitar indicações de textos ou fontes, muito
obrigada professores. Agradeço a minha orientadora Profª Michelle Reis de Macedo, que me
aceitou como orientanda e desafiou-se comigo nessa pesquisa, mesmo tendo tantas
atribuições, compreendendo minhas limitações e minha ansiedade pulsante, muito obrigada.
Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
que financiou a pesquisa, a participação em eventos e a aquisição de materiais como livros
necessários à pesquisa, além do corpo de docentes da UFAL e a Secretária do PPGH Luciana
Pimentel, sempre atenciosa e disposta a ajudar.
Preciso externar minha gratidão também a uma pessoa que ressurgiu com o mestrado
já em andamento, Júnior Leite pelo reencontro e pelo cuidado comigo e minha família durante
a descoberta do problema de saúde do meu pai. Por ter agilizado muito do que nós não
tínhamos conhecimento; e com isso possibilitando que eu desse andamento à pesquisa, nada
do que eu diga expressa meu carinho e gratidão a você.
Por fim, mas não menos importante, agradeço ao povo Xukuru-Kariri por todo carinho
e recepção a mim dedicados nas diversas idas ao território indígena da Aldeia Mata da
Cafurna, a Dona Salete e Sr. Antônio pelas conversas acompanhadas de um bom café ou de
um suco bem gelado; a Lenoir pelas diversas conversas, levantamento de dados e idas ao
campo e disposição em nos receber; a Tanawy, Suyane e Corã pelas contribuições. Ao Sr.
Antônio Celestino que gentilmente nos recebeu acompanhado de Dilson seu sobrinho, e
juntos nos relataram sobre os Xukuru-Kariri em uma conversa muito agradável; aos indígenas
que concederam entrevistas, mas que por medo de represálias solicitaram que seus nomes
fossem ocultados. Infelizmente a conjuntura social política ainda nos torna reféns de nossa
trajetória, mas haverá um dia que isso não mais existirá. A todos e todas meu sincero
sentimento de gratidão por construir esta dissertação, sem o apoio de vocês não seria possível.

LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1: Os Xukuru-Kariri no Posto Indígena Irineu dos Santos, Palmeira dos Índios,
Alagoas, 1952.. .................................................................................................................... 34
Fotografia 2: Primeira retomada na Mata da Cafurna (1979) ............................................... 37
Fotografia 3: Escola Estadual Indígena Mata da Cafurna (2019).......................................... 50
Fotografia 4: Jaqueira no pátio da Escola. ........................................................................... 52
Fotografia 5: Posto de Saúde da Família na Aldeia Mata da Cafurna. .................................. 54
Fotografia 6: Pólo Base de Saúde Indígena Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios/AL. ...... 55
Fotografia 7: Vista panorâmica da cidade de Palmeira dos Índios/AL (2011). ..................... 62
Fotografia 8: Via de acesso a Aldeia Mata da Cafurna (2018). ............................................ 65
Fotografia 9: Cotidiano na Aldeia Mata da Cafurna (2019) ................................................. 66
Fotografia 10: Biomas na Aldeia Mata da Cafurna. ............................................................. 69
Fotografia 11: Estradas de acesso inicial a Aldeia Mata da Cafurna. .................................... 95
Fotografia 12: Estradas de acesso já próxima a Aldeia Mata da Cafurna. .... Error! Bookmark
not defined.
Fotografia 13: Açude na Aldeia Mata da Cafurna. ............................................................... 96
Fotografia 14: Abastecimento de água em Palmeira dos Índios (1940) com água do açude na
Mata da Cafurna................................................................................................................... 97
Fotografia 15: Abastecimento de água em Palmeira dos Índios (1940) com água do açude na
Mata da Cafurna................................................................................................................... 98
Fotografia 16: Antiga Lagoa na Mata da Cafurna. ............................................................... 99
Fotografia 17: Nascente próxima a Lagoa na Aldeia Mata da Cafurna. .............................. 101
Fotografia 18: Nascente próximo ao açude na Aldeia Mata da Cafurna. ............................ 102
Fotografia 19: Paisagem na Aldeia Mata da Cafurna. ........................................................ 109

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Sobre o conceito de Território, Territorialidade, (des) territorialização e
(re)territorialização .............................................................................................................. 45
Gráfico 2: Lideranças políticas Xukuru-Kariri com destaque para a família Celestino. ......... 47

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Semiárido alagoano. .............................................................................................. 60
Mapa 2: Seminário brasileiro .............................................................................................. 61
Mapa 3: Mapa de Alagoas, destacando o município de Palmeira dos Índios. ....................... 63
Mapa 4: Área indígena em Palmeira dos Índios/AL demarcada pela Funai. ......................... 64
Mapa 5: Localização da bacia hidrográfica do Rio Coruripe, Alagoas. Error! Bookmark not
defined.

LISTA DE QUADROS

Tabela 1: Aldeias dos índios na Província das Alagoas (séc XIX) ........................................ 28
Tabela 2: Variedade de plantas nativas existentes na Aldeia Mata da Cafurna. ..................... 77
Tabela 3: Variedade de espécies de animais encontrados na aldeia. ...................................... 80
Tabela 4: Ocupações para retomada total da Aldeia Mata da Cafurna. .................................. 90

LISTA DE ABREVIATURAS

APOINME: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
ASA/BRASIL: Articulação do Semiárido brasileiro
CIMI: Conselho Indigenista Missionário
CLIND: Curso de Licenciatura Intercultural Indígena
EJA: Educação de Jovens e Adultos
FUNAI: Fundação Nacional do Índio
FUNASA: Fundação Nacional de Saúde
GPHIAL: Grupo de Pesquisas em História Indígena de Alagoas
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IMA: Instituto do Meio Ambiente
ISA: Instituto Socioambiental
ha: hectares
PE: Pernambuco
PI: Posto Indígena
PSF: Posto de Saúde da Família
MEPE: Museu do Estado de Pernambuco
NEPEF: Núcleo de Estudos Políticos e Filosóficos
RDS: Reserva de Desenvolvimento Sustentável
SESAI: Secretaria Especial de Saúde Indígena
SPI: Serviço de Proteção aos Índios
SPITLN: Serviço de Proteção e Localização de Trabalhadores Nacionais
TI: Terra Indígena

RESUMO
Esta pesquisa é sobre o território indígena da Aldeia Mata da Cafurna habitada pelo povo
Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios/AL, Semiárido alagoano, tendo como objetivo
compreender a importância da ocupação deste território para os indígenas, bem como os
significados das relações socioculturais que estabeleceram com o Ambiente no acesso e
utilização dos recursos naturais, entre 1979 e 2016. A área da referida Aldeia foi retomada em
1979 e após um longo processo jurídico foi regulamentada um total de 620,6 ha, abrigando
cerca de 150 famílias e em média 812 pessoas, segundo dados internos dos habitantes
referente ao ano de 2018. Estes constituem suas moradias, produzem parte de sua base
alimentar, praticam os rituais religiosos e procuram assegurar o equilíbrio com o Ambiente e
com isto, afirmam-se identitária e socioculturalmente. Outra aldeia era habitada pelos
Xukuru-Kariri antes da Aldeia Mata da Cafurna ser retomada, a Fazenda Canto, mas com o
passar dos anos sua população cresceu consideravelmente e a quantidade de terras disponíveis
naquele espaço tornou-se insuficiente para assegurar as mínimas condições de sobrevivência
para aquelas famílias, o que desencadeou conflitos e novas retomadas territoriais, sendo a
primeira delas a Mata da Cafurna. A pesquisa foi realizada no campo da História, a partir de
conceitos, além de documentos oficiais do processo de reconhecimento da citada terra
indígena, acervos documentais particulares e pesquisas consolidadas sobre os Xukuru-Kariri;
sobretudo, entrevistas com os indígenas habitantes na Aldeia, principalmente os anciãos e
com não-índios que participaram em vários momentos da trajetória histórica local. O estudo
está também ancorado nas reflexões da História Ambiental que procura discutir as relações
históricas dos grupos humanos com o Ambiente tendo como aportes teóricos as pesquisas
realizadas, e como principal característica a interdisciplinaridade, possibilitando que diversas
áreas de conhecimento dialoguem de forma ampla.

Palavras-chave: Ambiente. Conflitos. Interdisciplinaridade. Memórias. Território.

ABSTRACT

This research is about the Mata da Cafurna Village, frequented by the indigenous people of
Xukuru-Kariri, in Palmeira dos Índios / AL, Alagoan Semiaride, having as an important
characteristic the occupation of this nation for the Indians, as well as the meanings of the
socio-cultural relations that with the Environment without access and use of natural resources
between 1979 and 2016. The village village area was redone in 1979 and had a little organic
support with a total area of 275.6 ha, housing about 150 families and an average of 812
people, organizations, organizations, people who are part of their food base, practice religious
rituals and ensure their balance with the environment and with their identity and socio-cultural
affirmation. Once again it was inhabited by the Xukuru-Kariri before the Village Mata of
Cafurna was remade, the Canto Farm, but the feast of the previous year owes to families,
which triggers and the new territorial actions, the first being a Mata da Cafurna. The research
was carried out in the field of History, having been used for document recognition purposes,
and the consolidated results on the Xukuru-Kariri processes; More recently, with the
population surveyed in the Village, mainly the elderly and with non-Indians who participated
in several moments of the local local trajectory. The study is also anchored in reflections of
the history has not been an instrumental and activities have been made. They have as main
characteristic an interdisciplinarity allowing several areas of knowledge to dialogue in a broad
way.

Keywords: Environment. Conflicts Interdisciplinarity. Memoirs. Territory.

SUMÁRIO

Agradecimentos ................................................................................................................... vi
Lista de fotografias ............................................................................................................. ix
Lista de gráficos ................................................................................................................. ixi
Lista de mapas.................................................................................................................... xii
Lista de quadros ................................................................................................................. xii
Lista de abreviaturas ........................................................................................................ xiii
Resumo .............................................................................................................................. xiv
Abstract .............................................................................................................................. xv
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................................................... 16
CAPÍTULO I INDÍGENAS EM RETOMADA DE TERRAS: REIVINDICAÇÕES E
CONFLITOS ...................................................................................................................... 23
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5

Os Xukuru-Kariri em Alagoas e em Palmeira dos Índios .......................................... 23
O silenciamento historiográfico ................................................................................ 27
Emergências Étnicas ................................................................................................. 32
A conquista da Mata da Cafurna ............................................................................... 36
As relações sociopolíticas, mobilizações e protagonismos ........................................ 48

CAPÍTULO II
HABITANDO NA MATA DA CAFURNA: AFIRMAÇÃO
IDENTITÁRIA E SOCIOAMBIENTAL NO SEMIÁRIDO ALAGOANO .................... 59
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5

A formação socioespacial do Semiárido alagoano ..................................................... 59
Biomas e a vegetação local ....................................................................................... 67
História indígena e História Ambiental ..................................................................... 70
A biodiversidade na Mata da Cafurna ....................................................................... 76
A Aldeia Mata da Cafurna como espaço identitário .................................................. 81

CAPÍTULO III
O TEMPO E A TERRA: O AMBIENTE COMO UMA
CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA ...................................................................................... 87
3.1 Memórias, oralidades e situação fundiária ................................................................ 87
3.2 Ouvindo memórias: O espaço ambiental encontrado versus o espaço ambiental
transformado .................................................................................................................... 92
3.3 Mapeando a Mata da Cafurna: território Xukuru-Kariri ............................................ 94
3.4 O Rio Coruripe e a bacia hidrográfica ..................................................................... 103
3.4 O conceito de retomada e reconquista para os Xukuru-Kariri.................................. 106
3.5 Paisagem nos territórios indígenas .......................................................................... 108
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................111
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 114
Fontes ............................................................................................................................... 120
Entrevistas ........................................................................................................................ 120
ANEXOS................................................................................................................................111

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A realização desta pesquisa foi motivada por uma série de situações; primeiro por
cursar História em uma cidade interiorana onde o nome faz alusão a índios; segundo, por ter
cursado a cadeira optativa (na época) de História Indígena com o Prof. Adelson Lopes, que
um pouco, tornou-se meu orientador. Cursar esta cadeira me fez refletir sobre a negação e os
preconceitos contra os povos indígenas, com mais ênfase aos habitantes em Palmeira dos
Índios/AL. O que me estimulou a saber mais sobre os Xukuru-Kariri, a história e cultura. A
partir de então passei a frequentar o Núcleo de Estudos Políticos e Filosóficos (NEPEF) na
UNEAL, campus III em Palmeira dos Índios.
Além de mim outros estudantes evidenciaram interesses em pesquisar a temática, até
que o coordenador entendeu que seria necessário criar um grupo de estudos mais específico.
O Grupo de Pesquisas em História Indígena de Alagoas (GPHIAL) do qual faço parte desde o
início. Este grupo possibilitou inicialmente fazer leituras locais e regionais, e posteriormente
leituras mais complexas, quando percebemos a importância em ler, discutir e escrever sobre
os povos indígenas. Iniciamos as produções de artigos e participamos de eventos acadêmicos
durante a graduação e no decorrer do mestrado.
A pesquisa foi por meio do Programa de Pós Graduação em História na Universidade
Federal de Alagoas, campus Maceió, e está inserida na linha de pesquisa de História Social. O
objetivo da pesquisa foi observar como os indígenas Xukuru-Kariri habitantes na Mata
Cafurna, Semiárido alagoano, ressignificaram o território enquanto espaço de relações
socioculturais e ambientais; e quais as formas de acesso e uso dos recursos naturais que ao
longo dos anos transformaram a Aldeia e o cotidiano dos habitantes.
Para isto, foi necessário antes, conhecer o processo de mobilizações do povo XukuruKariri para a reafirmação étnica, seguido do processo de reivindicação dos territórios que
resultou na regularização territorial da Aldeia Mata da Cafurna. E uma vez, conhecidos estes
processos, buscamos compreender a importância histórica da citada Aldeia enquanto espaço
no Semiárido, entre os anos de 1979 e 2016, recorte temporal da pesquisa. O ano de 1979 por
ser o ano que os indígenas retomaram a Aldeia Mata da Cafurna e 2016 por destacar-se como
o ano em que lideranças jovens da referida Aldeia se mobilizaram e demostraram poder de
mobilização.
A pesquisa pretendeu contribuir com novas discussões para compreender as relações
daqueles indígenas com o ambiente natural e a importância disto para o município. Os
Xukuru-Kariri vivenciaram profundas mudanças ao longo dos tempos, com perseguições e

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dispersões, dando lugar à invisibilidade dos indígenas. Após muitos anos de silenciamento,
emergiram, organizaram-se e quando conseguiram as terras, foram moldando os espaços e
sendo também moldados. Voltaram a inserir sem medo no cotidiano, as práticas ritualísticas.
O que desencadeou um sentimento de pertencimento com o território, e um novo sentido foi
ressignificando as práticas socioambientais.
A documentação utilizada para a pesquisa foram compostas por diversas fontes; o
primeiro conjunto é parte do Acervo de Luís B. Torres, memorialista, natural de Palmeira dos
Índios, que pesquisou principalmente sobre os Xukuru-Kariri; após o falecimento, o filho
Byron P. Torres assumiu a responsabilidade pelo acervo, mas com a morte de Byron a família
optou por doar o acervo a quem tivesse interesse; ciente da situação o Prof. Adelson solicitou
e recebeu a documentação que encontra-se sob guarda do GPHIAL. Outro acervo foi
importante para a pesquisa, foi o do Conselho Indigenista Missionário, onde encontramos
documentações sobre os processos de retomadas na Aldeia, o que contribuiu bastante para
compreender as dinâmicas vividas pelos indígenas, posseiros e população local.
O instituto Socioambiental disponibiliza virtualmente documentações sobre vários
povos, inclusive os Xukuru-Kariri, que também contribuíram. O Arquivo Público de Alagoas
foi o local que possibilitou que encontrássemos documentações que faziam breves referências
aos indígenas em Alagoas, entre eles os do Aldeamento de Palmeira, documentos que
serviram de base para que Antunes (1973) escrevesse o livro; Waconã Kariri Xukuru.
A pesquisa envolveu concepções metodológicas e teóricas de outros campos do
conhecimento, como por exemplo, a Ecologia, a fim de possibilitar compreender o passado,
para refletir acerca do presente, buscando perceber de que forma ocorreu a organização e a
funcionabilidade de um Ambiente num dado tempo e espaço (LOPES, 2010; PÁDUA, 2010).
Além da História Ambiental, a Antropologia, a Geografia, a Biologia, e os conceitos como de
memória, identidade, cultura, emergências étnicas, paisagem, biomas entre outros foram
discutidos no decorrer do texto, a partir da ideia da interdisciplinaridade.
A abordagem metodológica para realizar este estudo seguiu várias etapas, inicialmente
pelo levantamento bibliográfico, o trabalho de campo, a coleta, análise e interpretação de
dados, entrevistas semiestruturadas, observação participante, em que o dia a dia dos
entrevistados, as narrativas, histórias e memórias de vida foram registradas. A história oral foi
aplicada a partir das entrevistas, e por meio das transcrições foi possível produzir mais
documentos, possibilitando minimizar as lacunas históricas. Alberti (2004) evidenciando a
importância da história oral enquanto suporte metodológico multidisciplinar para minimizar

18

possíveis lacunas documentais, também minimizar os discursos elitizados, e por fim
possibilitar voz aos invisibilizados.
A dissertação foi dividida em três capítulos, e estão associados ao texto fotografias,
também gráficos, mapas e quadros com o objetivo de complementar as discussões. No
capítulo I, “Indígenas em retomada de terras: reivindicações e conflitos”, foram apresentadas
discussões sobre os indígenas Xukuru-Kariri e os processos de retomada na Aldeia Mata da
Cafurna, tratando também sobre os conflitos entre indígenas, posseiros e representantes de
órgãos oficiais como o SPI3 e a FUNAI4, em meio a uma rede de disputas, tramas e conexões.
A trajetória do povo Xukuru-Kariri e o percurso dos indígenas até a região que
posteriormente tornou-se Palmeira dos Índios/AL foram discutidos neste capítulo, traçando
assim um panorama amplo até o âmbito local. Apresentando também os resultados das
relações coloniais, além de como ocorreu as interações entre o Estado brasileiro, os índios e as
tentativas de torná-los trabalhadores civis e militares, negando-lhes assim a identidade
indígena.
Uma vez habitando o território, em data anterior a criação da cidade de Palmeira dos
Índios ainda no século XVIII, os índios estabeleceram uma boa relação com Frei Domingos
de São José que na tentativa de convertê-los ao Cristianismo solicitou aos donos da sesmaria a
doação da área já habitada pelos indígenas; No entanto, o religioso conseguiu uma área maior,
meia légua de terras em quadra, para a construção de uma Igreja em homenagem a Bom Jesus
da Boa Morte. Na época, a situação despertou a atenção dos fazendeiros que viam naquelas
mesmas terras um lugar para a exploração e lucro, gerando então os primeiros conflitos e
perseguições aos indígenas (TORRES, 1984, p. 28).
Cientes dos riscos e pensando resguardar as próprias vidas, os indígenas decidiram
temporariamente camuflar-se em meio a população não indígenas e nas duas últimas décadas
do século XIX, principalmente nos subúrbios e periferias da cidade, silenciando sua
identidade étnica, suas expressões socioculturais e religião. Com a Lei de Terras em 1850 e
posteriormente a extinção dos aldeamentos em Alagoas a partir de 1872, tomou força a
estratégia de silenciamento dos indígenas, objetivando sobrevivências; reforçou-se então o
discurso de que não existiam aldeamentos em Palmeira dos Índios. Ambas as situações
contribuíram e muito para invisibilidade e marginalização historiográfica dos povos
indígenas, e também para a demora da retomada pelos indígenas dos territórios tradicionais,

3
4

Serviço de proteção ao Índio, criado em 1910.
Fundação Nacional do Índio, criado em 1967.

19

sendo necessário aguardar um momento oportuno para ressurgirem, situação comum aos
povos indígenas em Alagoas e no Nordeste (SILVA JUNIOR, 2013, p. 11).
Em meados do século XX os indígenas no Nordeste afirmaram a identidade
reivindicando direitos aos territórios. Em Palmeira dos Índios esta visibilidade foi marcada
pela assistência do SPI aos Xukuru-Kariri com a instalação de um Posto indígena e o
reconhecimento enquanto etnia, sendo também uma oportunidade dos indígenas se
reorganizarem socialmente. No entanto, o espaço habitado com o passar dos anos tornou-se
insuficiente, provocando a necessidade de retomar mais territórios em posse de
fazendeiros/posseiros locais. Além disso, o que contribuiu bastante para a retomada de novos
espaços e os conflitos internos entre os indígenas e não indígenas no município.
Em 1979, várias famílias deixaram a Fazenda Canto e se organizaram para retomar a
Mata da Cafurna; durante o período até que o processo em favor dos indígenas fosse
concluído, o que demorou muitos anos, estendendo-se até 1994. A Mata da Cafurna, além de
ser uma área territorial indígena, tem consigo uma Natureza que muito contribui para a
afirmação sociocultural do povo, além de possibilitar uma prática constante de rituais
religiosos, o que os fortalece culturalmente. E para além do espaço físico, a aldeia se
configura como um espaço político, assumindo características diversas e totalmente
interligadas (FUINI, 2017, p.20).
O capítulo apresentou as estruturas físicas existentes na aldeia, desde a Escola, o Posto
de Saúde e como funcionam, também os espaços coletivos como o açude e a constante
mobilização pela revitalização da lagoa; O protagonismo, as mobilizações e a reafirmação
identitária são aspectos evidentes ao povo estudado, pois diante de tantas perseguições e
violências conseguiram superar estereótipos e se afirmarem enquanto povos com diversidades
socioculturais e direitos específicos.
No capítulo II, intitulado “Habitando na Mata da Cafurna: afirmação identitária e
socioambiental no Semiárido alagoano”, foram apresentadas discussões a partir de uma
revisão de literatura, seguido de um levantamento de dados oficiais, e por fim, o trabalho de
campo, interligados a uma perspectiva interdisciplinar, com diversas áreas do conhecimento.
O objetivo inicial do capítulo foi compreender o processo de formação socioespacial em
Alagoas, como ocorreu principalmente a partir das expansões coloniais no Sertão, e o avanço
das atividades agropecuárias e produções açucareiras. Para o sucesso dos empreendimentos,
os colonizadores ignoraram as populações indígenas e posteriormente os negros, que fugindo
das imposições adentraram as regiões chamadas de Sertão. Ocorreram conflitos territoriais,
além dos impactos socioambientais, uma vez que a exploração das terras pelos colonizadores,

20

visava apenas o lucro, sem preocupação com as possíveis consequências causadas ao solo. O
Semiárido é um dos novos conceitos abordados, por se tratar de uma discussão que a partir de
uma série de reflexões, sejam nos aspectos social ou cultural;
Em Alagoas são 38 os municípios oficialmente reconhecidos como no Semiárido,
entre os quais está Palmeira dos Índios, mesmo que tradicionalmente seja localizado em uma
região chamada também de Agreste. O município cresceu ao redor de um brejo de altitude,
onde são encontradas diversas espécies da Mata Atlântica, Caatinga e espécies endêmicas
com a presença de fauna e flora diversas em uma altitude variando entre 300m a 1000m,
cercado por matas úmidas, o que contribui para produção de alimentos para consumo e
mercado externo.
O texto nos trouxe informações acerca da Aldeia Mata da Cafurna e a importância
deste território para os habitantes, pois trata-se das relações entre os indivíduos e a Natureza,
em um lugar que antes era apenas um espaço geográfico, mas que configurou-se como o
território Xukuru-Kariri. Espaço de reafirmação identitária em relações muito estreitas com o
Ambiente, possibilitando também relações íntimas com o sagrado. Além de onde são
extraídos os recursos para produção da arte indígena, produção de remédios naturais, parte da
alimentação e parte das rendas, configurando-se também como espaço para sobrevivência
sociocultural enquanto povo indígena.
A flora e a fauna em todo território estão em sintonia nas relações indígena-Natureza.
Por meio das entrevistas realizadas, foi possível elaborar tabelas apresentando parte da
biodiversidade existente no local. Entre os recursos naturais, é marcante a riqueza hídrica,
atualmente atendendo apenas aos indígenas, mas que em outros períodos abasteceu parte do
município. No local existe também um açude, uma lagoa e nascentes do Rio Coruripe.
Dos biomas existentes no Brasil e mais predominantes na região Nordeste, dois deles
serão utilizados para compreender a vegetação local, a Mata Atlântica e a Caatinga no
ecossistema estudado. Ocorre portanto, uma variação onde possuem formações de Mata
Atlântica circundadas pela Caatinga com uma outra característica, inseridos em um brejo de
altitude, constituindo zonas de exceção, matas úmidas, mesmo no Semiárido, situados em
perímetros das secas no Nordeste brasileiro.
Apresentamos também discussões acerca da história indígena e da História Ambiental,
favorecendo uma revisão historiográfica que desconstruísse a ideia em que História e
Natureza são opostas. A História Ambiental foi estudada e pensada no sentido de “reconhecer
que os atos humanos acontecem dentro de uma rede de relações, processos e sistemas que são
tão naturais quantos são culturais” (ESPÍNDOLA, 2012, p. 169). Estes estudos contribuíram

21

também para pensar os indígenas, pois evidenciaram e acompanharam as transformações
históricas, possibilitando a consolidação de uma história de “baixo para cima” tendo como
base a interdisciplinaridade, marco central naquele momento, de uma nova história.
A partir das entrevistas realizadas foi possível compreender que a posse dos territórios
indígenas significa além de possuir a terra. A terra é condição para ser e existir do povo
indígena, que mesmo com inúmeras perseguições e violências se mobilizam para afirmaremse.
No capítulo III, intitulado “O tempo e a terra: o Ambiente como uma construção
identitária”, teve como objetivo observar quais foram as características ambientais
encontradas, as transformações ocorridas e vivenciadas pelos habitantes na Aldeia Mata da
Cafurna buscando um comparativo entre o que foi o território no passado e como se compõe
na atualidade, tendo como recorte geral da pesquisa, os anos de 1979 a 2016. E tomando
como base as entrevistas e a pesquisa de campo. A retomada da primeira parte daquele
território, fortaleceu as relações socioculturais entre os indígenas e o Ambiente. Também
evidenciou-se como bastante significativo na afirmação da identidade Xukuru-Kariri, marcada
pelo protagonismo dos indígenas nas mobilizações pela afirmação das expressões
socioculturais, buscando desconstruir os estereótipos e discriminações que enfrentam em
Palmeira dos Índios, principalmente pela juventude indígena. Para tanto, foi muito importante
o acesso as memórias e oralidades dos indígenas, principalmente os mais velhos, pessoas
muito respeitadas pelos demais indígenas pelas experiências ao longo da vida, pois “a
constituição da memória é importante por que está atrelada à construção da identidade”
(ALBERTI, 2004, p. 27) em um contexto social e coletivo.

Sobre a situação fundiária dos territórios indígenas no município foram apresentados
um panorama com o intuito de reconhecer o que os indígenas tem de área regularizada e o que
ainda falta regularizar. Também apresentando dados que possibilitam evidenciar que a
morosidade no processo de homologação das áreas indígenas no município ocorreu por conta
das relações de poder, situação denunciada pelos próprios indígenas de forma recorrente.
Objetivamos ainda a realização do mapeamento no território da Aldeia pesquisada
evidenciando o cuidado do indígena com o território, com os recursos naturais, analisando
questões como os acessos e estradas para a Aldeia, as matas, a água, a educação escolar, a
saúde, as nascentes. E uma vez estudados estes aspectos, problematizaremos sobre como gerir
os recursos naturais. A discussão sobre recursos hídricos foi um dos tópicos abordados, pois
na Aldeia Mata da Cafurna existem várias nascentes que desaguam no Rio Panelas, um

22

afluente do Rio Coruripe e sua bacia hidrográfica muito importante para a economia do
Estado, mas também com importância biológica, antropológica, histórica e cultural.
Compreendemos que os Xukuru-Kariri expressam uma identidade sociocultural
intrinsecamente relacionada aos territórios atributos onde habitam; que ao longo dos anos,
estes espaços assumem características que antes não existiam, com vínculos ainda mais fortes,
no campo simbólico com um sentimento de pertencimento à terra, à história, às práticas, às
vivências, as memórias, aos rituais entre outros aspectos. Configurando-os em uma identidade
diferenciada para os demais habitantes em Palmeira dos Índios. Esse contexto no Nordeste foi
discutido por João Pacheco de Oliveira (1993) ao tecer reflexões acerca de etnicidade,
territorialização, visibilidade social e também sobre as experiências dos indígenas na Região
em processos de mobilizações para reafirmações identitárias.
Portanto, a proposta foi discutir a importância histórica do território da Aldeia Mata da
Cafurna para os Xukuru-Kariri, observando o quanto o ecossistema influencia nas relações
indivíduo e Natureza, buscando compreender como indígenas percebem as mudanças
climáticas, os índices de chuvas, o acesso a água, as condições de solo, as plantas nativas e a
diversidade animal ao longo dos tempos, e como tais variações influenciaram o cotidiano
indígena.
Planejei realizar a pesquisa de campo a partir de maio de 2017 e, quando convidada
pelas lideranças indígenas apresentei o projeto, solicitando autorização para realizá-la; A
permissão foi concedida mediante a exigência de evidencia-los como povos indígenas. Foi
uma espécie de ritual para o início de um novo ciclo. Após aquele momento, com mais
colegas que também realizavam pesquisas, nos organizamos para retornar outras vezes. Em
dezembro de 2017 voltamos ao território indígena, em um evento sobre práticas integrativas.
Retornamos em março de 2018, depois junho, novembro e dezembro, e em 2019 ainda
estivemos mais uma vez na Aldeia Mata da Cafurna.
Para uma reflexão na perspectiva da História Ambiental e história indígena buscamos
utilizar fontes que possibilitassem a análise das relações entre o ser humano e o Ambiente,
entre as diversas áreas de conhecimento, adentrando no campo das representações e
simbologias na constituição de espaços como identidade sociocultural com uma herança
histórica contemplando as relações com a Natureza. Estas discussões possibilitam novas
abordagens históricas na realização de pesquisas sobre aspectos socioculturais dos diferentes
grupos humanos, contribuindo para novas discussões sobre os processos históricos das
relações humanas com a Natureza.

23

CAPÍTULO I
INDÍGENAS EM RETOMADA DE TERRAS: REIVINDICAÇÕES E CONFLITOS

1.1

Os Xukuru-Kariri em Alagoas e em Palmeira dos Índios
O Nordeste é uma das regiões no Brasil que mais foi impactada pela colonização

portuguesa, os povos indígenas foram esbulhados das terras, os considerados inimigos foram
escravizados, enquanto que os aliados estabeleceram relações de interesse com os europeus.
Como forma de resistência os indígenas elaboraram estratégias que possibilitaram a
existência; muitos, por exemplo, aparentaram assimilação 5 à cultura dos colonizadores, outros
fugiram e adentraram cada vez mais as regiões chamadas de “Sertão”. 6 Para terem êxito na
colônia, os portugueses primeiro negaram a diversidade populacional nomeando todos os
nativos de índios, generalizando-os; segundo os dividiu entre aliados e inimigos, sendo esta
concepção muito ressaltada pelos cronistas que escreveram sobre o Brasil (SILVA, 2017).
Para justificar a conversão religiosa acompanhados de muitas violências, ação
precisava ser compreendida por quem não fosse indígena como uma simples, merecida e
necessária reação que legitimasse a ação do colonizador e, para isso, defendeu-se a ideia de
uma natureza má das populações nativas. Extermínio e tutela são, portanto, os nomes de dois
aspectos da colonização que nas autorepresentações nacionais aparecem como antagônicos,
mas que na prática constituem aspectos alternados e solidários da ação colonial (OLIVEIRA,
2016, p.19). E durante o século XIX a realidade e o tratamento dado aos indígenas não
implicaram em mudanças, os nativos eram pensados a partir de figuras selvagens que
precisavam ser combatidos e transformados em cidadãos brasileiros e também mão de obra.
Em 1910, foi criado o SPILTN7 para prestar assistência e fixar o índio à terra,
contribuindo para o povoamento no interior do Brasil. Além de liberar as terras para expansão
econômica, também usar a força de trabalho indígena no aumento da produtividade agrícola,
com a ideia de fortalecer o sentimento indígena de pertencer a uma nação. Em 1918, a agência
tornou-se apenas SPI e o primeiro diretor geral foi o Marechal Cândido Mariano da Silva

5

O termo refere-se às diversas estratégias utilizadas pelos indígenas para sobreviverem em meio as
circunstâncias a partir do contato com os europeus, em alguns momentos os nativos se adaptaram culturalmente
buscando formas de resistir as imposições. Obviamente que não se pode negar que houve a transformação
cultural, mas não necessariamente a aceitação, pois houve muita resistência por parte dos indígenas (ALMEIDA,
2010, p.14).
6
Denominação dos colonizadores portugueses às regiões ainda não desbravadas, consideradas incivilizadas,
opostas ao litoral.
7
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais.

24

Rondon, patrono da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao
Amazonas, também primeiro brasileiro indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1958.
Em 1967, o SPI, que era subordinado ao Ministério da Agricultura, Comércio e
Indústria, foi substituído pela FUNAI sob acusações graves acusações de corrupção, por razão
de envolver-se em jogos partidários e protagonizar diversos escândalos. Tanto o SPI quanto a
FUNAI tinham como objetivo uma política indigenista que resultasse em medidas práticas
formuladas pelo poder estatizado que fossem direcionadas aos povos indígenas. Ambas as
agências foram peças determinantes na produção de sentidos generalizáveis para a
heterogeneidade da vida social brasileira (LIMA, 1995, p. 20).
Pesquisadores buscaram analisar se ocorreram avanços como expansão geográfica dos
territórios por partes dos indígenas e quais eram os limites e contribuições, a partir da
existência destes órgãos. Segundo Lima (1995), o poder tutelar pode ser visto como modo de
integração territorial e político, operado desde um aparelho estatizado, parte do conjunto de
redes sociais e relações componentes de um Estado, o qual em diferentes momentos do tempo
e implicando múltiplas relações entre distintos segmentos sociais, tem procurado se
representar como nacional (LIMA, 1995, p. 42).
O direito à posse das terras aos índios brasileiros foi garantido nas Constituições
federais de 1934, 1937, 1946 e 1967 e a Emenda Constitucional nº 01 em 1969 dizia que “as
terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis (...) a eles cabendo a sua posse permanente e
ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as
utilidades nelas existentes”. No entanto, sempre que necessário encontravam-se brechas que
impediam a regularização das terras para os povos indígenas.
A substituição do SPI pela FUNAI, em 1967, trouxe poucas mudanças, pois ambas as
agências representavam interesses do Estado e não dos povos indígenas. A principal intenção
era inclui-los nos espaços e enfraquecê-los tentando negar a existência sociocultural, burlando
os direitos, cumprindo assim com os interesses do Estado que permaneceu com a assistência
aos índios através das incalculáveis tentativas de desconstrução da identidade indígena no
Brasil.
Os indígenas no Nordeste foram inicialmente vistos como figuras folclóricas e
exóticas, e isto exemplificava-se nos museus, quando a cultura das populações eram
representadas por peças arqueológicas ou coleções etnográficas de índios que habitavam
apenas a região amazônica, ignorando a pluralidade étnica no país,

25

A categoria Índios do Nordeste, foi compreendida como uma unidade um conjunto
étnico e histórico com um caráter regional e particularizante, integrado pelos
diversos povos adaptativamente relacionados a caatinga e historicamente associados
as frentes pastoris e ao padrão missionário dos séculos XVI e XVIII (OLIVEIRA,
2004, p. 18).

Na segunda metade do século XX, os indígenas chamados de “misturados” eram
sertanejos, pobres e sem acesso à terra. O órgão indigenista atuava em raras situações, mesmo
tendo várias demandas solicitadas pelos indígenas, como por exemplo, o reconhecimento
étnico e consequentemente a demarcação dos territórios. A disparidade de assistência e
tratamento dos índios no Nordeste para com os índios das regiões do Xingu ou da Amazônia
eram muito visíveis. O órgão indigenista precisava antes de tudo entender que os indígenas
habitantes na região Nordeste eram tão índios quanto quaisquer outros e não “caboclos” ou
“remanescentes de indígenas”, expressões frequentemente utilizadas por funcionários destes
órgãos que deveriam prestar assistência aos indígenas, mas que eram os primeiros a
reforçarem tais estereótipos.
O município de Palmeira dos Índios, interior de Alagoas, tem como parte da
população indígenas Xukuru-Kariri8 habitando em 08 aldeias reconhecidas pela Funai e pelos
próprios indígenas, e mais 01 em processo de reconhecimento. Na maioria os Xukuru-Kariri
habitam Palmeira dos Índios, mas ocorreram migrações para outros estados como Bahia e
Minas Gerais9.
Os Xukuru-Kariri são originários de duas etnias: os Xukuru vindos de Pesqueira em
Pernambuco e os Kariri que viviam as margens do Rio São Francisco, próximo à atual cidade
de Porto Real do Colégio em Alagoas:

8

A denominação Xukuru-Kariri resultou de algumas variações ao longo das relações destes índios com a
sociedade envolvente e com o Estado; podendo ser citadas como exemplo: Kariri, Xucuru, Shucuru, Xukuru,
Aconâ-Kariri-Xucuru, Kariri-Xucuru. Em nossas reflexões optamos pela grafia Xukuru-Kariri.
9
Os indígenas Xukuru-Kariri habitam Alagoas no município de Palmeira dos Índios, mas também no município
de Nova Glória na Bahia e Caldas Novas em Minas Gerais.

26

Um relato do Vigário Maia Mello, Presbítero secular da Igreja de São Pedro (Roma)
e sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, tendo sido
pároco de Palmeira entre os anos de 1847 e 1899, dá explicações sobre os etnônimos
Xucuru e Kariri, relacionando-os também a migrações de índios originários de
diferentes localidades: Cita que em 1740 desceram índios da Aldeia de Simbres do
alto Sertão de Pernambuco (local do município de Pesqueira, onde ainda hoje vivem
os Xucuru) e vieram outros d'Aldeia do Colégio do Rio São Francisco desta
Província (hoje, Porto Real do Colégio, onde localizam-se os Kariri Xocó), ...
aqueles da Tribo Chucuru e estes da Tribu Cariry. Esse autor ainda identifica
diferentes localidades em Palmeira dos Índios, nas quais ...os Chucuru se aldeiaram
à margem do pequeno ribeiro, Cafurna, entre terras da fazenda Olhos d'água do
Accioly e Serra da Palmeira, fizeram o nome o seu aldeamento ...e os Cariris,
também deram o nome do lugar onde se aldearam, Serra do Cariry, onde fizeram
uma pequena Igreja, de palha de palmeira (apud ANTUNES,1973:45). Essa
percepção de que os índios que atualmente localizam-se em Palmeira dos Índios
migraram de outros lugares, é, portanto, encontrada em várias fontes (MARTINS,
1994, p. 21).

O processo que resultou no deslocamento dos índios para a atual região de Palmeira
dos Índios ocorreu em razão da utilização da mão de obra indígena escravizada. Como
estratégia de resistência alguns índios se aliaram aos colonizadores, outros fugiram e após
uma longa jornada alguns chegaram a Mata dos Palmares 10. Palmeira dos Índios foi elevada a
cidade em 1899 e está inserida em uma região considerada Agreste (Semiárido), que
apresenta condições climáticas subúmidas em uma microrregião com características
semiáridas moderadas, possuindo assim, tanto características agrestinas, quanto do Sertão
alagoano. A cidade destacou-se por diversas produções agrícolas, desde o algodão, banana,
milho e feijão, na maioria das vezes de forma consorciada, além da atividade pecuária
paralela às lavouras citadas (MELO, 1980, p. 264).
O território onde localiza-se Palmeira dos Índios foi o espaço que possibilitou o
encontro e habitação das citadas duas etnias ainda no século XVIII, provavelmente em 1740,
data anterior da criação da cidade, quando a região dispunha de terras produtivas e cultiváveis
inicialmente utilizadas pelos índios. Além disso, está inserida em regiões serranas,
favorecendo estrategicamente a defesa dos índios contra os ataques dos colonizadores
portugueses.
Após o início da colonização europeia naquela região, Frei Domingos 11 de São José,
no fim do século XVIII, conquistou a confiança dos índios e os incentivou a conversão
Região assim nomeada em razão de palmeiras entre as serras e o “Vale da promissão’. (TORRES, 1984).
As origens do Frei Domingos antes da chegada a Palmeira dos Índios são desconhecidas, bem como a ordem
religiosa a que pertencia, apesar de ser recorrente referências a vida religiosa como um Franciscano ou
Capuchinho devido a relatos de que o mesmo vestia-se roupa de cor marrom. (TORRES, 1984).
No acervo de Luís B. Torres sob guarda do GPHIAL foi encontrado uma correspondência a Torre do Tombo
solicitando informações sobre a vinda do Frei a Palmeira dos Índios, mas não obteve respostas.
Em entrevista com o indígena Antônio Celestino no dia 24/12/2018 na Aldeia Boqueirão, o entrevistado afirmou
não acreditar na existência do Frei, pois os pais, avós ou parentes nunca falaram sobre o religioso, mas sim sobre
outras figuras religiosas.
10
11

27

mobilizando-os para construção de uma capela de taipa e palha. Com o passar dos anos, o
religioso tomou conhecimento que a região onde fora construída a capela estivera em posse
do Cel. Manoel da Cruz Vilela 12 que, falecido, deixara as terras como herança para a esposa
Dona Maria Pereira Gonçalves e filhos.
O religioso solicitou e recebeu dos herdeiros do Cel. Manoel meia légua de terras em
quadra para a construção de uma Capela em homenagem a Bom Jesus da Boa Morte. A
doação foi registrada em cartório na cidade de Garanhuns/PE em 1773 (PEIXOTO, 2013,
p.35). Mesmo assim, os índios continuaram a enfrentar pressões por parte dos fazendeiros e
dos que viram nas terras indígenas formas de exploração, além de a todo custo forçar os
índios a aceitarem uma nova crença, novos hábitos, adversos as expressões socioculturais.
O território habitado pelos índios e depois disputado pelos fazendeiros, comerciantes e
oligarquias locais passou por muitos trâmites burocráticos até tornar-se um município
independente. Em 1835, desmembrou-se de Atalaia e foi chamado Vila da Palmeira, mas em
1838 perdeu o título, voltando a pertencer a Atalaia, pois os conflitos entre os fazendeiros que
disputavam o poder era uma constante (TORRES, 1973, p. 28).

1.2 O silenciamento historiográfico
Os indígenas vivenciaram vários momentos de tensões, perseguições e imposições de
outrem e por essa razão, inúmeras vezes negaram sua identidade étnica, silenciaram as
expressões socioculturais e a religião. Como ocorreu com os indígenas em todo país, inclusive
com os habitantes em Alagoas.
O século XVIII em Alagoas foi um período em que os povos indígenas foram pouco
citados em documentos estatais, mas os poucos registros existentes na atualidade são de
grande importância para pesquisas sobre a temática. Os documentos abordam várias situações,
parte deles inferioriza e marginaliza os indígenas, mesmo assim os reconhecem como povo,
determinando que os direitos aos territórios fossem garantidos, o que fortaleceu as
mobilizações indígenas.
Em uma de suas obras, o antropólogo Clóvis Antunes (1973) elaborou os escritos a
partir de documentos encontrados no Arquivo Público de Alagoas/APA, que tratavam dos
índios em Alagoas, na maioria, circulando entre a Assembleia Legislativa da Província das
Alagoas e a Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios. Em um dos documentos
apresentados, o Presidente da Província das Alagoas afirmou que “os índios Cariris e Chucurus
12

Proprietário da Sesmaria de Burgos, falecido, que através de sua esposa e filhos doou as terras.

28

vieram de São Paulo para destruir Palmares, mas é bem provável que também sejam descentes
dos Tabajaras e Caetés que estavam no litoral e Sertão da Província na época do descobrimento
do Brasil” (ANTUNES, 1973, p. 27).
A partir dos anos finais do século XIX e até meados do século seguinte foi cada vez
mais difícil encontrar documentação estatal citando a presença de índios, alguns com raras
exceções foram produzidos por pesquisadores que tinham interesse acadêmico e compromisso
com a história indígena, como foi o caso de Clóvis Antunes. O autor citou os aldeamentos de
Atalaia, Urucu, Santo Amaro, Limoeiro, Cocal, Jacuípe, Porto Real do Colégio e Palmeira dos
Índios, o que de certa forma contribuiu para os habitantes nestes aldeamentos, uma vez
reconhecidos pelo Estado, sendo importante destacar que,
[...] dos oito aldeamentos extintos oficialmente em 1872, apenas dois deles
sobreviveram na configuração do século XX, o de Porto Real do Colégio e o de
Palmeira dos Índios. Os demais, seus habitantes foram incorporados às massas de
trabalhadores dos respectivos municípios aos quais estavam vinculados
territorialmente (FERREIRA, 2016, p.65).

Dentre os aldeamentos citados, o de Palmeira dos Índios é aquele que pesquisamos,
que na época era uma vila, e eram conhecidos os seguintes dados: 201 fogos (famílias) e 572
almas (índios) rendendo cerca de 200$000 réis não possuindo relações com os povoados
vizinhos. O governo provisório em 1822 determinou a demarcação às terras que os índios
possuíam há mais de 80 anos (ANTUNES, 1973, p. 28-29).
Quadro 1: Aldeias dos índios na Província das Alagoas (séc XIX)

Fonte: Clóvis Antunes, 1973, p.14.

29

Estudiosos pesquisaram os indígenas em Alagoas no Século XX. Os primeiros foram
Carlos Estevão, Clóvis Antunes, Luiz Torres e Ivan Barros, além de Sávio Almeida, Silvia
Martins, Siloé Amorim, Aldemir Barros e Adelson Lopes mais recentemente. No geral, os
estudos realizados trazem subsídios para novas pesquisas de muita importância para a
visibilidade dos indígenas em Alagoas.
Carlos Estevão13 publicou o texto “O ossuário da ‘Gruta-do-Padre’ em Itaparica e
algumas notícias sobre os remanescentes indígenas do Nordeste”, apresentado em uma
palestra no Museu Nacional/RJ. E sobre os Xukuru-Kariri escreveu:
De todos os remanescentes indígenas que tenho visitado no Nordeste, são aqueles
caboclos os que se apresentam em melhor estado de pureza física. Naqueles
“Chucurús” “Caririzeiros” como eles se proclamam, os traços característicos da raça
estão ainda muito bem conservados. Achei-os os também bastante inteligentes. De
raciocínio mais pronto, não tenho ideia de haver encontrado nenhum outro povo nos
grupos que visitei (ESTEVÃO, 1937, p. 174).

A citação acima pode ser compreendida na atualidade como algo negativo, pois o
estudioso fez uso de termos como “pureza física” como condição para ser ou não indígena, ou
“remanescentes indígenas” como se separasse o índio do passado e estes na época
pesquisados pelo autor, deslegitimando a reivindicação dos territórios. Atualmente entre os
indigenistas, tais discussões foram superadas, mas é importante continuar combatendo tais
termos. No entanto, é necessário considerar que a palestra ocorreu no final da terceira década
do século XX, momento histórico em que os indígenas estavam vivenciando o processo de
emergências, ressurgimento e visibilidade social. Tais características tão ressaltadas por
Estevão evidenciavam e fortaleciam as mobilizações indígenas, pois os órgãos oficiais como o
SPI e posteriormente a FUNAI, determinavam que para serem reconhecidos como índios, os
traços físicos eram fundamentais, além da dança do Toré, entre outros aspectos. E ainda
complementou o pesquisador:
[...] é precaríssima a situação daqueles caboclos. De acordo com as declarações que
me fizeram, até as fontes em que abastecem d’água, os “brancos” lhes tiraram. E
muito maiores seriam seus sofrimentos se lhes faltasse a valiosa proteção do Padre
Francisco Macedo, vigário de Palmeira (ESTEVÃO, 1937, p. 174).

13

Pernambucano, formado em Direito. Mudou-se para Belém do Pará no início do século XX, após o
falecimento do pai. No Pará assumiu vários cargos públicos, entre estes foi Diretor do Museu Paraense Emílio
Goeld. Dedicou-se aos estudos sobre índios no Nordeste, buscando conhecer essas populações e subsidiar o
Estado com o objetivo de assisti-los e protege-los, conforme a mentalidade da época. Também iniciou os
primeiros passos rumo a construção de um novo campo de produção do conhecimento científico. Entre os
indígenas estudados por Estevão estavam os Chucurus em Palmeira dos Índios-Alagoas a partir dos anos 30 no
século XX (SECUNDINO, 2018).

30

O antropólogo Clóvis Antunes14 foi outro pesquisador que muito contribuiu para os
estudos sobre os indígenas em Alagoas, com reflexões baseadas na pesquisa etnográfica e em
arquivos. Utilizando também documentos oficiais da Província, elaborou uma nova produção
que em muito favoreceu as demarcações de terras indígenas em Alagoas.
No livro Wakona-Kariri-Xukuru, o citado pesquisador abordou vários momentos da
trajetória dos Xukuru-Kariri, tendo sempre como pano de fundo Palmeira dos Índios, desde
quando era vila, depois freguesia, posteriormente comarca e município. E é importante
destacar ao longo dos anos a continuidade da presença indígena no município, mesmo sendo
expulsos das terras por meios diversos, principalmente com ações de fazendeiros e parte da
Igreja Católica Romana e mesmo depois de camuflados na população local, como forma de
sobrevivência,
Em 1821, os indígenas fizeram um apelo ao Presidente da Província das Alagoas
alegando o direito de posse, no sentido de lhes serem doadas terras onde pudessem
trabalhar. A 27 de dezembro de 1822, Junta Governativa atendeu ao apelo e
determinou que fosse feita a demarcação das “terras dos Índios”. A data certa da
criação da Freguesia de Palmeira dos Índios remonta a 1798 (ANTUNES, 1973,
p.38).

Mesmo diante das tensões vivenciadas, os indígenas continuavam se mobilizando
pelos meios legais para retomar as terras, como afirma a citação acima. Argumentavam a
necessidade das terras para trabalhar e sustentar suas famílias, mas não somente para isto,
queriam retomá-las para praticarem os rituais e viverem coletivamente, fortalecendo as
expressões socioculturais e afirmando a identidade. Os ofícios, enviados pelo Diretor Parcial
dos índios sobre o aldeamento de Palmeira, justificam a necessidade e o direito imemorial às
terras em disputa:
[...] acontece presentemente verem-se espoliados em todas as terras por possuidores,
talvez com títulos fictos e sem equivalência à sua possessão e reduzidos ao fim de
não poderem rossar, nem plantarem para sua sustentação, e de seos filhos, que elles
todos vivem do trabalho pela necessidade de sua indigencia, propria de sua Nassão:
Os suplicantes tão bem são Cidadãos e subditos de S. Majestade e protigidos pela
Nasção, e não devem ser espoliados daquela gleba que escolherão para se aldêarem,
como declara Lei de 1° de Abril de 1680, Lei de 10 de Novembro de 1647 em que se
declarão livres suas fazendas, e moradias, protegendo estas os Governadores das
Provincias [...] (ANTUNES, 1984, p.73).

Um Alvará Régio de 1700 associado ao Regimento das Missões ordenava a doação de
uma légua de terras em quadra para a sustentação dos índios e missionários, assim os
indígenas tinham legitimamente as terras reconhecidas. No entanto a Carta Régia de 1808
14

Alagoano, Professor Adjunto de na Universidade Federal de Alagoas, autor de diversas obras sobre povos
indígenas em Alagoas.

31

declarou devolutas as terras dos índios, o que também implicou no reconhecimento dos
demais indígenas as terras (CUNHA, 1992, p. 141). Em 1822 acabaram-se as concessões de
Sesmarias no Brasil, e só a partir de 1850 é que foi criada uma nova legislação de terras no
país. A Lei era a 601, e entre várias outras questões determinava a demarcação das terras por
meio de títulos das Sesmarias legítimas ou posses mansas 15. A Lei só foi regulamentada em
1854 e efetivada em anos distintos por todo o país.
A Lei contribuiu e muito para a invisibilidade social e marginalização historiográfica
dos indígenas. Sendo a terra representatividade de poder, uma vez a Lei regulamentada,
tornou-se mais difícil um trabalhador possuir terras, por outro lado facilitava ainda mais o
acesso das oligarquias para comprar terras, além de estreitar suas relações políticas. A questão
indígena no século XIX deixou de ser essencialmente uma questão de mão de obra, para se
tornar uma questão de terras (CUNHA, 1992, p. 133). O impacto desta Lei sobre os indígenas
foi enorme, as diversas formas de como ocorreu na prática, baseando-se no que se previa na
legislação fez os indígenas se reinventarem a partir das experiências, recriando novas formas
de ser indígenas, sem afetar o sentimento de pertencimento.
Em Alagoas, a Lei de Terras vigorou a partir de 1872, período em que se acirrou os
conflitos territoriais entre índios e posseiros, como ocorre ainda na atualidade, também no
mesmo período em que política indigenista imperial estava sob a incumbência da Direção
Geral dos Índios, em Alagoas dos vários aldeamentos extintos oficialmente, apenas dois deles
sobreviveram, o de Porto Real do Colégio e o de Palmeira dos Índios. Em 1874, a Câmara de
Vereadores de Palmeira dos Índios solicitou ao governo terras para construírem o patrimônio
municipal (PEIXOTO, 2013, p.48), o que denunciava a apropriação das terras indígenas.
A Lei acabou com os sistemas de concessão e doação para transformar a terra em
propriedade privada, favorecendo, assim, os grandes proprietários rurais que passavam a ser
os únicos detentores dos meios de produção agrícola, principalmente a terra, tornando-as um
bem comercial, tirando delas o caráter de status social derivado da própria posse. Na maioria
das situações, as terras indígenas foram consideradas devolutas, loteadas e transferidas por
meio de título de vendas a terceiros (SILVA JÚNIOR, 2013, p.13) e os invasores objetivavam
ocupar as terras habitadas pelos indígenas para expandir as produções agrícolas e pastoris.
Em Alagoas, a dinâmica local por conta da efetivação da Lei, contribuiu
principalmente como estratégia do Estado para negar a presença indígena, argumentando que
se não haviam mais aldeamentos, também não existiam índios, instalando-se um momento de
15

Consideradas devolutas, cedidas apenas a título oneroso, empresas particulares ou estabelecimentos de
colônias.

32

silenciamento estatal e administrativo da população indígena, que entendendo aquela
dinâmica, decidiram por temporariamente silenciar-se para se resguardarem.
Ainda no século XIX16 o Agreste alagoano foi palco de um processo político em que
os índios vivenciaram perseguições dos posseiros e de oligarquias locais que criaram
inúmeras estratégias para expulsar o povo Xukuru-Kariri das terras. Afirmou Dilson, indígena
Xukuru-Kariri:
Dois pedacinhos de terra que foi bem resistente nessas época em que o restante foi
retomado pelo grileiro, pelo posseiro e pelo branco, foi ali no pé da Cafurna de
Baixo e no Capela, na Serra do Capela, foi tanto que a Mata da Cafurna ficou em
posse da Prefeitura17.

Os índios que fugiram da imposição e exploração dos colonizadores camuflaram-se
entre os não indígenas vivendo principalmente nas áreas de subúrbios e periferias na cidade
de Palmeira dos Índios (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 11), mas antes disso, os indígenas
narraram que se escondiam nas proximidades das áreas até então habitadas, nos locais mais
improváveis, mas não foi possível por muito tempo como menciona o indígena Antônio:
[...] nas grotas, grota da Mata da Cafurna foi uma, é que nem uma furna, os cantos
mió de acesso todo mundo escolhe, o canto mió pra sobreviver, e índio ia escolher
cabeça de serra pra se esconder? Não, a gente queria escapar da perseguição.
Chegamo agora, nem cabeça de serra, nem montanha, nem grota, nem nada mais18.

No entanto, essa estratégia gerou consequências irreversíveis principalmente às
expressões

socioculturais,

também

a

não

oficialização

dos

povos

indígenas

e

consequentemente a conquista dos territórios tradicionais. A partir deste anonimato e
amenizada as perseguições, os indígenas aguardaram o momento oportuno de afirmarem a
identidade, situação comum aos povos indígenas em Alagoas e no Nordeste.

1.3 Emergências étnicas
Em meados do século XX os índios mobilizaram-se e ganharam apoio a fim de serem
reconhecidos enquanto povos indígenas com suas expressões socioculturais. O processo de
mobilização para as retomadas de territórios, visibilidade política e reconhecimento, sempre
foi uma necessidade e os indígenas habitando no Nordeste reivindicaram este
16

Nesse período os aldeamentos foram oficialmente extintos. E em Alagoas por decreto provincial em 1872. Era
como se não mais existissem índios na região e quem se declarasse índio corria o risco de morte. (SILVA
JÚNIOR, 2013).
17
Entrevista com Dilson Ferreira, feita pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.
18
Entrevista com Antônio Celestino, feita pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.

33

reconhecimento: “iniciando entre os anos de 1920, prolongando-se por duas décadas, quando
foram interrompidos por um longo período, até serem retomados com visibilidade social nos
anos 70” (PARISI, 2008, p.30) sempre visando as retomadas territoriais.
A partir das reivindicações dos indígenas, por volta de 1950 o Serviço de Proteção ao
Índio-SPI iniciou a atuação em Palmeira dos Índios:
Carlos Estevão de Oliveira entrou em contato com os Xukuru-Kariri e, junto ao
Deputado Federal alagoano Medeiros Neto, iniciou o processo de reconhecimento
pelo SPI. Os indígenas, no entanto, aguardaram, até 1952, para que o órgão estatal
adquirisse uma fazenda, instalasse um Posto Indígena e depois passasse a reunir e a
receber famílias indígenas oriundas de diferentes localidades próximas (FERREIRA,
2016, p. 84).

O órgão indigenista oficial tinha como objetivo “assistir” os índios na Região Nordeste
com a instalação de Postos Indígenas (PI) e reconhecendo os índios perante o Estado
brasileiro, pois antes deste reconhecimento, os indígenas em muitos momentos foram tratados
como “fiapos da humanidade” sujeitos ao desaparecimento e incompatíveis com o avanço da
“civilização” (SOUZA, 1998). Superar estes estereótipos e interpretações tidos como verdade
durante muito tempo consiste em um desafio ainda na atualidade.
Este período foi significativo em Alagoas, a partir da década de 1950 no século XX,
momento em que os indígenas e indigenistas intensificaram as mobilizações até serem
reconhecidos pelo Estado, pela diversidade étnica, amenizando atos de exclusão e
marginalização social. O silenciamento imposto teve fim a partir do reconhecimento oficial, e
em Palmeira dos Índios destacou-se pelo retorno de famílias indígenas que haviam fugido
para outras localidades temendo perseguições. Este importante momento histórico,
possibilitou que os índios pudessem voltar a se afirmarem como indígenas, fazendo também o
uso do aparelho administrativo que o SPI oferecia,
O retorno da família Ricardo para as terras de Palmeira dos Índios se deu somente
no ano de 1952, data que marca a aquisição de uma fazenda para a formação da
aldeia Fazenda Canto. A compra da propriedade só foi possível graças à ajuda
financeira de índios do Paraná e pelo intermédio do SPI (Serviço de Proteção aos
Índios), do Padre Alfredo Dâmaso entre outros (PEIXOTO; ROCHA, 2017, p. 03).

Em Alagoas, inicialmente foram reconhecidos os Kariri-Xokó (1944) em Porto Real
do Colégio e os Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios (1952). Em Palmeira dos Índios, o SPI
instalou um PI na Aldeia Fazenda Canto, sendo essa a primeira Aldeia Xucuru-Kariri no
período republicano (SILVA JÚNIOR, 2007, p. 13). Com a proposta de organização dos
índios com a compra da Fazenda Canto, destacando principalmente o empenho das famílias

34

Ricardo e Celestino, além de indigenistas, políticos e religiosos, a história dos indígenas no
município viveu um marco, um momento de reconhecimento étnico e reorganização.

Fotografia 1: Os Xukuru-Kariri no Posto Indígena Irineu dos Santos, Palmeira dos Índios, Alagoas

Fonte: Acervo Museu do Estado de Pernambuco/MEPE

A fotografia acima, está localizada na Coleção Etnográfica de Carlos Estevão de
Oliveira, no site do MEPE. Segundo a fonte, os registros foram feitos entre os anos de 1908 a
1946. No entanto, o momento desta fotografia aconteceu provavelmente entre os anos de 1952
e 1953, quando a Aldeia Fazenda Canto foi comprada e os indígenas Xukuru-Kariri passaram
a habitar o local. Embora entre os anos de 1936 e 1940, Estevão tenha empreendido visitas
para estudos de grupos indígenas no Nordeste (Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e
Alagoas), não nos esclareceu de forma precisa a fonte segura das origens. De todo modo, a
fotografia nos possibilita pensar como foi viver novamente aldeado, só que desta vez a
iniciativa partiu do povo Xukuru-Kariri e indigenistas ligados ao campo acadêmico, político e
também religioso e com o aparato público do SPI, que por meio desta rede de relações
conseguiu reunir parte do povo Xukuru-Kariri mais uma vez. O SPI pretendia acompanhar o
cotidiano dos indígenas, obviamente interferindo no modo de vida, e os indígenas tinham essa
consciência, ao mesmo tempo que compreendiam que eram alianças necessárias. Aldear

35

significava também assegurar o controle sobre o povo, as atividades e organizações, tornando
supostamente mais fácil colocá-los sobre influência do Estado.
[...] o poder tutelar é uma forma reelaborada de uma guerra, ou, de maneira muito
mais específica, do que se pode construir como um modelo formal de uma das
formas de relacionamento possível entre um “eu” e um “outro” afastados por uma
alteridade radical, isto é, a conquista, cujos os princípios primeiros se repetem como
toda repetição, de forma diferenciada a cada pacificação (LIMA, 1995, P.43).

Para os índios foi adquirida a Aldeia Fazenda Canto como propriedade para usufruto.
Antes pertencera a Manoel Sampaio Luz, então Prefeito de Palmeira dos Índios, e no local foi
instalado o Posto Indígena Irineu dos Santos. Os trâmites burocráticos para a compra da
fazenda e futura Aldeia na época, ocorreram de forma rápida, aparentemente tomada de
intenções, principalmente por parte do então “proprietário” das terras citado acima. O SPI
intermediou o processo de compra, mas sua efetivação só foi possível por conta do fundo do
Patrimônio Indígena, mais especificamente por parte dos indígenas que habitavam a região
Sul do país, que doaram o pagamento integral das terras para a compra da Aldeia Fazenda
Canto, que além de ter sido vendida por um alto valor , Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil
cruzeiros), a quantidade de terras acordada foi uma e a quantidade de terras entregue foi outra.
O valor pago pela fazenda correspondiam a 372 ha, mas quando foi entregue a terra
registrada, a área foi reduzida para 272 ha. Este equívoco e ato de má fé não foi revertido até
os dias atuais. Mesmo assim o sonho da Aldeia concretizou-se, embora tenha tido as
proporções reduzidas, o que mais na frente desencadeou um problema grave, a insuficiência
de espaço para o atendimento das necessidades básicas do grupo. Ora se era insuficiente
abrigá-los com a quantidade de terras anteriormente acordada, imaginemos com 100 ha a
menos? (NEVES, 2014, p. 20). Além das questões citadas, a terra não estava em boas
condições e não correspondeu ao valor pelo qual foi comprada, como citou o antropólogo em
seu relatório produzido para compor o processo de demarcação das terras:
As novas terras adquiridas para os índios estavam, entretanto em péssimo estado e
que, segundo o próprio inspetor, teria sido um excelente negócio para o vendedor,
Sr. Juca Sampaio, já que as terras estavam estragadas pelos sucessivos plantios, sem
o necessário descanso, e que, além disso, não possuía "nenhum capão de mato onde
se pudesse cortar uma varinha", faltando, portanto lenha para o consumo futuro dos
índios. As construções existentes já estavam semidestruídas, em péssimo estado de
conservação, já que, segundo o capataz da fazenda, as benfeitorias tinham sido
construídas há 26 anos. (CARRARA, 2011).

Diante deste cenário, a Fazenda Canto teve muito mais caráter de possibilidade para os
índios estarem juntos novamente, foi portanto, o território que representou garantias
assistenciais do SPI e principalmente o reconhecimento pelo Estado brasileiro, que antes os

36

considerava extintos. Ademais, evidenciou-se como a pioneira nas mobilizações de diversas
retomadas, um ponto de partida para a visibilidade indígena e na conquista de mais territórios
e protagonismo do povo Xukuru-Kariri.

1.4 A conquista da Mata da Cafurna
A compra da Fazenda Canto não resolveu as necessidades territoriais dos XukuruKariri, pois a área da propriedade não atendia todas às necessidades dos indígenas. A limitada
extensão territorial, o crescimento populacional e o surgimento de conflitos internos também
justificaram a urgência por mais terras. Mas, segundo os indígenas, o principal motivo para
que se ocupasse a Mata da Cafurna foi a descoberta do que pretendia a Prefeitura Municipal
de Palmeira dos Índios. Na época o então Prefeito, Enéas Simplício planejava construir uma
universidade, e por conta disto, iria vender uma propriedade que estava em posse da
Prefeitura para custear a obra, a área a ser vendida era uma das partes que atualmente compõe
a Mata da Cafurna.
Cientes desta situação os indígenas habitantes na Aldeia Fazenda Canto, decidiram em
assembleia ocupar a primeira parte do território, até então em posse da Prefeitura Municipal,
como narrou o indígena Dilson:
Era essa a ideia do Prefeito na época, o Enéas Simplício que queria vender a Mata e
fundar uma faculdade. Mas já que essa Mata era também um patrimônio indígena
dos nossos antepassados, nós resolvemos ocupar. Nós morava na Fazenda Canto
nessa época, e a comunidade inteira se reuniu e disse, vamo ocupar. Não vamos
deixar isso acontecer. Então esses três índios José Celestino, Paulo Ferreira Balbino
e Pedro Ferreira Balbino foram numa tarde de sábado, mais ou menos umas 5h:00
da tarde, eles entraram lá e quando foi de madrugadinha o restante da população
entrou19.

E continuou outro indígena, Antônio Celestino,
Foi a população inteira da Fazenda Canto, todo mundo morava lá, por que era a
única Aldeia. A primeira parte da reconquista foi tranquila, por que só era da
prefeitura. Ainda passou um ano pra conseguir a terra legalmente, demorou pra
FUNAI repassar o dinheiro pra prefeitura, mas a prefeitura recebeu. E ela recebeu
para dar assistência de saúde ao índio e não deu um caxete 20.

19
20

Entrevista com Dilson Ferreira, feita pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.
Entrevista com Antônio Celestino, feita pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.

37

Estes processos de negociações foram documentados pela FUNAI 21 e pelo CIMI22,
mas também se faz presente por meio das memórias socializadas e reelaboradas pela oralidade
dos indígenas Xukuru-Kariri.

Fotografia 2: Primeira retomada na Mata da Cafurna

Fonte: Peixoto, 2018

O território da Aldeia Mata da Cafurna era um conjunto de terras em mãos de vários
posseiros, entre os quais Pedro Benone, Everaldo Garrote e Leopoldino Torres, o que
dificultava a reconquista daquele lugar. Ao longo dos anos, aumentaram outras áreas que
foram demarcadas também como terras indígenas, desta vez em posse de Hélio Alves de
Carvalho, Vandete e Geraldo Fernandes.
O período entre 1979 a 1994 correspondem aos anos em que mais intensificaram-se as
perseguições dos posseiros contra os indígenas em razão do território em disputa, pois o
processo de mobilização desde o início demonstrava muitos entraves. Afirmando a
21

Documentos disponíveis no acervo de Luiz B. Torres, comerciante, memorialista palmeirense, pesquisador
sobre os indígenas, que depois de falecido teve seus escritos doados pela família ao Núcleo de Estudos Políticos,
Estratégicos e Filosóficos/NEPEF da Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL, Campus III/Palmeira dos
índios.
22
Conselho Indigenista Missionário, que em muito contribuiu, principalmente juridicamente para os processos
reivindicatórios dos territórios indígenas em Palmeira dos Índios/AL. É um órgão vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil /CNBB. Foi criado em1972 com o objetivo de apoiar as mobilizações pelos
direitos dos povos indígenas.

38

necessidade das terras para viverem com um pouco mais de conforto e autonomia, pelas
possibilidades de assegurar a subsistência dos índios, o pedido ainda ganhou reforço na
justificativa da importância ritualística, uma vez que a Mata existente no local configurava-se
como ideal para a prática religiosa do Ouricuri23, momento sagrado dos indígenas com suas
divindades. O processo da ocupação ocorreu de forma muito lenta e dificultosa, como afirmou
Lenoir Tibiriçá24,
Os que ficaram, ficaram lá embaixo da jaqueira e depois foi construindo casa de
barro com telhado de palha e daí foram surgindo, depois veio ajuda do exército que
deu umas cabana, doze cabana, os que foram tendo mais força foram fazendo casa
de barro com telhado de palha, até chegar as primeiras casas por que dava muitos
problema de barbeiro e era proibido que tivesse casa assim, e ai veio as primeiras
casas de alvenaria. Foram 12 a 13 casas, depois vieram mais e as pessoas foram
tendo mais condições e foram fazendo mais casas de alvenaria25.

Destacaram-se como principais lideranças indígenas na conquista desta primeira parte
do território, Miguel e Manoel Celestino, além do “apoio” de Luiz B. Torres26 e o Chefe do
Posto da Funai na época, mas a descoberta referente a intenção de venda da área, ocorreu por
meio dos indígenas José Celestino, Paulo Ferreira Balbino e Pedro Ferreira Balbino. Nesta
ocupação uma quantidade considerável de indígenas vindos da Aldeia Fazenda Canto
reuniram-se, mobilizando-se, pois reconheciam a importância e a necessidade de reconquistar
o território em disputa, para todos os Xukuru-Kariri e não apenas para os que pretendiam
habitá-lo (MARTINS, 2004, p. 200).
A partir desta primeira ocupação em 1979 e a homologação definitiva do território em
média um ano depois, o povo decidiu que a prioridade na área seria para a realização dos
rituais religiosos, a produção de alimentos e a preservação da Mata.
Os primeiros habitantes na nova aldeia, a Mata da Cafurna, foram as famílias Gomes,
mais conhecidos como Celestinos27, e a família Santana, todos vindos da Fazenda Canto. A
nova localidade, quando ocupada, não possuía estrutura residencial, nem energia elétrica.
Mas, mesmo sem o mínimo de estrutura, os indígenas persistiram, tendo como abrigo algumas

23

É o ritual mais importante do povo indígena Xukuru-Kariri. Os indígenas afirmaram que é o momento de
contato com as divindades, também é o único elemento em que o não indígena não conseguiu invadir.
24
Liderança da Aldeia Mata da Cafurna. Entrevista realizada em Palmeira dos Índios/AL em 27/05/2017.
25
Entrevista com Lenoir Tibiriçá na Aldeia Mata da Cafurna em 27/05/2017.
26
Comerciante, memorialista, natural de Palmeira dos Índios, realizou pesquisas principalmente sobre os
indígenas Xukuru-Kariri. Foi fundador do Museu Xucurus de História, Artes e Costumes. Também elaborou os
símbolos oficiais do município, além de ser autor de várias obras, algumas publicadas e outras prontas, mas não
publicadas por razão do falecimento em 1992. Possuía um acervo documental que anos depois foi doado a Grupo
de Pesquisas sobre História Indígena de Alagoas-GPHIAL na Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL.
27
Informação obtida em entrevista com o Sr. Antônio Celestino, Pajé e ancião indígena, o mesmo disse que a
assinatura dos familiares era Gomes, mas a partir do contato com não indígenas, foram também chamados de
Celestinos, fazendo uma alusão a seres iluminados, ligados aos céus. Entrevista realizada em 24/12/2018.

39

barracas de lona e a sombra de uma jaqueira. Além do desconforto, conviveram com o medo
de não ver o dia seguinte, uma vez que a ocupação foi longa e gerouou intensos conflitos com
os posseiros28, provocando situações bastante tensas.
Entre os anos 1979 e 1985 a primeira parte da Aldeia era utilizada principalmente para
as práticas ritualísticas como o Ouricuri. Também foram plantadas roçados coletivos, e como
a quantidade de terras era insuficiente para constituir a habitação permanente de toda a
população, os indígenas perceberam a necessidade de ocupar mais áreas que eram parte do
território tradicional Xukuru-Kariri, demarcado, mas não homologado.
A segunda parte do território, que atualmente forma a Aldeia Mata da Cafurna, estava
em posse do Sr. Everaldo Garrote em uma quantidade de 175 ha. Este posseiro resistiu o
quanto pode, não apenas pelo valor financeiro das terras, mas simplesmente por não aceitar
indígenas habitando o local. Logo após a ocupação, os indígenas receberam uma ordem de
desapropriação e foram retirados pela Polícia Militar. Ciente desta situação o CIMI impetrou
um recurso na Justiça Federal de Alagoas em 1987 contra a liminar 29 concedida ao posseiro
sobre aquele território.
Com isso, os Xukuru-Kariri conquistaram o direito de ocupar a área, mas não
definitivamente, pois o posseiro entrou com recursos para anular a posse pelos índios. Em
razão destes embates, o processo judicial durou mais de cinco anos (MARTINS, 2004, p.
201). O território exclusivamente tinha maior importância, pois os indígenas afirmavam que o
local era o primeiro aldeamento em 1773, na chamada “Igreja Velha” construída pelos
antepassados (MARTINS, 2004, p. 201)
Outro posseiro a negociar a área territorial para os indígenas foi Pedro Pereira Lima,
popularmente conhecido como “Pedro Benone”. A área em sua posse era pequena, 22 ha, mas
durou cerca de nove anos para ter o processo homologado com trânsito em julgado. O
processo de negociação ocorreu de forma tranquila, pois o posseiro tinha conhecimento de
que se tratavam de terras indígenas (NEVES, 2014, p.23).
As últimas áreas demarcadas, das quais os indígenas ainda não tinham posse, foram a
Fazenda Brejinho em posse de Leopoldino Torres com 121 ha, e a Mata da Jibóia em posse de
Hélio Alves com 162 ha, e duas áreas bem menores em posse de Vandete com 06 ha e
Geraldo Fernandes com 17 ha.
28

Expressão utilizada quando se refere a um indivíduo que se apropriou de uma área territorial. Neste caso
específico, o termo é regional, direcionado a pessoas que de forma indevida tomaram como suas, as terras
indígenas no município de Palmeira dos Índios-Alagoas. Enquanto que fazendeiro é aquele que cultiva a própria
fazenda ou a de outra pessoa.
29
Pedido de Reintegração de posse na 2ª Vara da Justiça Federal como o processo de nº 15.626/87 que
temporariamente favoreceu o posseiro.

40

O posseiro da Fazenda Brejinho, Leopoldino, demonstrava ser estimulado pelo outro
posseiro para dificultar a venda da área, enquanto que Hélio dava sinais de que seria difícil
negociar, mas ambos também tinham consciência de que eram territórios indígenas. Segundo
documentos elaborados pelo CIMI, datados do ano de 1994, e assinados pelos indígenas,
Hélio Alves foi denunciado de ter vendido toda madeira da área para serrarias e padarias da
cidade:
[...] já tentamos a muito tempo impedir o desmatamento, enviando documentos a:
Funai, ao Sr. Ministro da Justiça, a Procuradoria da República de Alagoas, a
Administração Regional de Alagoas, ao Ibama, a OAB Alagoas, mas nenhuma
providência foi tomada, nós então decidimos impedir o desmatamento e retomamos
a área.

Além disso, após a retomada, os indígenas continuaram denunciando as constantes
ameaças de morte, provavelmente por parte dos posseiros, denunciaram também a falta de
assistência da FUNAI em relação a alimentação, infraestrutura, atendimento de saúde e
principalmente assistência jurídica, com o intuito de celeridade ao processo. O documento
elaborado pelo CIMI concluía a denúncia pedindo a sensibilização e apoio da sociedade
alagoana no sentido de reforçar junto as autoridades competentes a atenção devida a este caso.
O documento foi assinado por vários indígenas, entre os quais Miguel Celestino, Antônio
Ricardo, Edivaldo Ferreira, entre outros.
As duas últimas áreas em posse de Vandete e Geraldo Fernandes, tiveram a ocupação
simultaneamente, no ano de 2008, em outra conjuntura social e política, momento onde as
tensões e conflitos haviam se amenizado. Foram lideradas pela juventude indígena habitante
na Mata, destacando a atuação de Tanawy30. Esta área especificamente localizava-se na
entrada da Aldeia, o que facilitou a negociação da FUNAI com os posseiros.
As ocupações ocorreram para a formação da atual Aldeia Mata da Cafurna tiveram
como base as áreas delimitadas pelos laudos antropológicos, as documentações que na
atualidade são encontradas nos órgãos do Estado e em acervos pessoais. Apresentam em
alguns momentos anacronismos que podem dificultar a pesquisa, por isto, fazemos uso das
memórias e oralidades dos indígenas que vivenciaram este processo histórico, a fim de que
juntos as demais fontes possibilitem uma pesquisa com maior proximidade possível do
ocorrido.

30

Jovem indígena Xukuru-Kariri, filho de Lenoir Tibiriçá ex-Pajé na Aldeia e Tânia Xukuru-Kariri. Diretora da
Escola na Aldeia, o jovem tem grandes possibilidades de tornar-se Pajé na Mata da Cafurna.

41

Os períodos de formação da Aldeia são expresso nas memórias e relatos daqueles que
vivenciaram a experiência histórica de se mobilizarem, enfrentando ameaças, racionando
alimentos, entre tantas outras situações como foi evidenciado na narrativa de uma indígena 31:
[...] eu lembro como se fosse um sonho, lembro que eles se reuniam como a gente se
reúne hoje e decidiram vamos retomar aquela mata, eu sei e lembro que a minha
mãe, meu pai, a mãe dela vinha, meus avós e a gente também vinha, mas eles tinham
aquele cuidado com a gente, e a gente ficava, eles faziam assim tipo umas ocas, uma
baixada, tipo umas mangueiras e eles ficavam de vigias, eu sei que foi um grande
processo, mas eu não posso contar com muitos detalhes, quem pode contar é os
meus mais velhos, mais eu lembro que foi muita luta, mas graças a Deus nós
conseguimos; [...] e aí quando foi em 82 mais ou menos um grupo, uma parte da
Fazenda Canto, duas famílias, que era os Celestino e Santana, viemos, chegando lá,
já se encontrava índios habitando o lugar, que eram os da família Gomes, que
moravam perto do Cristo e estavam habitando lá, que era o finado Arlindo e
Minervina e então um índio que era o Seu Zezinho.

Narrativas como a citada acima possibilitam compreender o quanto foi desafiador
para o povo indígena Xukuru-Kariri reconquistar territórios que tradicionalmente lhes
pertenciam, mas que fora tomado, obrigando-os com isso a viver na invisibilidade até se
considerarem fortalecidos o suficiente para iniciarem a viagem de volta em busca da
afirmação étnica e da retomada territorial (OLIVEIRA, 1999, p. 123).
A índia Xukuru-Kariri, Dona Salete, membro da família Santana, matriarca dos
habitantes na Mata da Cafurna e única parteira na localidade, relatou o quanto retomar a Mata
da Cafurna foi antes de tudo resistência. Afirmou que eram muitas as dificuldades, como o
clima de tensão, os problemas de saúde, com a alimentação muito restrita, pois o pouco que se
tinha era a própria Natureza quem oferecia, diferente da atualidade, quando o acesso livre a
cidade possibilita uma diversidade alimentícia, como narrou a habitante 2 32:
Quando um adoecia, que a gente ia pra rua tinha que pensar no que o doente ia
comer, mas hoje é arroz, macarrão. Eu me criei em um tempo minha filha, que isso
não existia, nós só comia feijão, beiju, farinha, basicamente o que podia plantar e
pescar, nós caçava de noite, cacei muito de noite, tirava mel pelo dia, no mato, muito
mel, e a gente pegava o mel, botava um pouquinho numa coitezinha, quem nem
prato as vez não tinha, era pratinho de barro, cuia, coite, fazia os pratinhos, ai
misturava o mel com a farinha, depois bebia água e aí pronto, todo mundo tava feliz.

Por meio desta narrativa é importante considerar que a resistência está inteiramente
entrecruzada ao conceito de Cultura, abarcando práticas de resistência diante do poder
manifestado nas ações políticas também com um forte viés identitário. Neste caso
especificamente o relato da indígena evidenciou os inúmeros desafios enfrentados durante a
O indígena está sendo apresentado como “habitante 1”, pois teme represálias, pediu anonimato. Entrevista
realizada em 28/05/2017, na Aldeia Mata da Cafurna, Palmeira dos Índios.
32
O indígena está sendo apresentado como “habitante 2”, pois teme represálias. Pediu anonimato. Entrevista
realizada em 28/05/2017, na Aldeia Mata da Cafurna, Palmeira dos Índios.
31

42

retomada, quando foi necessária uma resistência coletiva justificada pelo direito de se auto
denominar indígena em seus territórios tradicionais. “Os homens fazem sua própria história,
que os homens não são objetos passivos de algumas configurações de si mesmo” (FUNES,
1994, p. 59).
A oralidade possibilita imaginar o que foi vivido, a partir dos relatos por meio de
entrevistas transcritas, também possibilitando cotejá-las com documentações referentes ao
mesmo contexto para perceber se dialogam ou não. Todavia, como afirmou Verena Alberti,
Acreditamos que a principal característica do documento de história oral não
consiste no ineditismo de alguma informação, nem tampouco no preenchimento de
lacunas de que se ressentem os arquivos de documentos escritos ou iconográficos,
por exemplo. Sua peculiaridade e a da história oral como um todo decorre de toda
uma postura com relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia
a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu. (ALBERTI, 1996, p.
05)

Considerando o que afirmou a pesquisadora, foi possível usar a metodologia e ter
êxito. Para tanto, foi necessário sensibilidade para entender além do que o entrevistado
expressou, e com isto, provavelmente minimizar lacunas historiográficas a partir das
narrativas de quem viveu tal período, sem perder o rigor científico exigido nos ambientes
acadêmicos, como por exemplo, categorias de análise, noções de tempo e temporalidade,
tornando-se mais tênues quando diferentes campos de conhecimentos se juntaram formando
as linhas fronteiriças, sem comprometer a narrativa historiográfica (FUNES, 1995, p.147).
A retomada de mais terras pelos indígenas em Palmeira dos Índios era uma
necessidade demográfica, pois a Fazenda Canto, primeira aldeia reconhecida pelo Estado no
município, não era suficiente para acomodar os habitantes por conta da limitada extensão
territorial. Era também, uma necessidade cosmológica, pois a Mata da Cafurna possibilitaria
aos indígenas um espaço sagrado para realizarem rituais e com isto o fortalecimento
espiritual, aspecto central para os indígenas.
Embora tenha ocorrido uma considerável distância entre o imaginado e o vivido no
que se referiu ao estabelecimento na Aldeia e mesmo diante dos conflitos existentes, muitos
foram os aspectos mais positivos que negativos, pois outras retomadas tornaram-se possíveis
e assim os índios saíram da invisibilidade para a reafirmação étnica, mobilizando-se cada vez
mais por direitos. Sobre isso, pesquisadores enfatizaram:
Há 35 anos os Xukuru-Kariri retomaram as lutas pelas suas terras, quando
realizaram a primeira retomada, em 1979. Desde então, vem cobrando celeridade na
execução do processo que definia seu território com 36 mil hectares de terra e que
foi paulatinamente sendo reduzido para os atuais 7.073 hectares. (SILVA;
PEIXOTO, 2016, p. 25)

43

Em áreas demarcadas pelos órgãos estatais competentes não significavam um
momento tranquilo para os indígenas, pois na medida em que mais famílias se organizavam
para ocupar outros espaços e formar mais aldeias, também intensificavam-se as perseguições
e ameaças aos indígenas, situações que continuam a ocorrer na atualidade, e em muitos
momentos foi declarada por parte dos posseiros ao afirmarem que os indígenas eram um risco
para o “desenvolvimento” do município de Palmeira dos Índios. Sobre isto, em entrevista com
o Sr. Antônio, indígena Xukuru-Kariri, um dos mais anciãos e ativo no processo de
mobilização de seu povo, relatou:
Um dia conversando com um vereador, ele me disse que se houvesse demarcação
acabaria com o progresso de Palmeira dos Índios, aí eu disse a ele que o progresso
de Palmeira dos Índios, tinha acabado a tempos, pra justificar isso eu vou falar para
você da década de 50 pra cá. O Senhor sabe que Palmeira teve 4 usina de
algodoeira, teve 3 cinema, teve uma Souza Cruz, teve loja que estão nos grandes
centros, fábrica de cachaça, uma feira noturna, a feira do bacurau, onde chegava
gente de Maceió, mode vir comprar fruta, a pinha do povo de Palmeira de Fora lá, o
povo sabe disso. Na parte profissional tinha as fabriqueta de sapateiros, as
alfaiatarias, quantas tinha? quantas tem hoje? E para findar até as partes de quem era
engraxate era de uma classe média, por que quem tinha duas ou mais cadeira de
engraxate, tinha uma clientela boa, e quem acabou com tudo isso foi a boa política
de vocês, não foi os índios não33.

Esta narrativa evidenciando contextos históricos e defendida por tantas outras pessoas
que não são indígenas, possibilita refletir sobre o que resultaria de negativo em o índio ter os
territórios demarcados e homologados? Desde quando tal ação implicaria no progresso ou não
do município em que também são população? Além disso, como se justifica a não mais
existente dinâmica local do município uma vez que os indígenas continuam sem os territórios
tradicionais?
A Aldeia Mata da Cafurna, território habitado pelo povo Xukuru-Kariri, antes era um
espaço físico que com a povoação dos próprios índios em tempos imemoriais foi
territorializado. No entanto, a partir da formação do município de Palmeira dos Índios,
posseiros e oligarquias locais invadiram as terras indígenas e expulsaram os índios de dos
territórios.
O conceito de espaço e territorialidade são distintos; o espaço é anterior ao território, e
este é formado a partir do espaço sendo o resultado de uma ação conduzida por um indivíduo
e/ou grupo social ao se apropriar de um espaço, onde uma vez habitado é territorializado: “O
território se apoia no espaço, mas não é o espaço, é uma produção a partir do espaço”
(RAFFESTIN, 1993, p. 43). Ainda segundo Raffestin (1993), o conceito de territorialidade
33

Entrevista com Antônio Celestino na Aldeia Boqueirão, Palmeira dos Índios em 24/12/2018.

44

assume um valor bem particular, pois trata do “vivido” territorial pelos membros de uma
coletividade, pelas sociedades em geral. Os humanos vivem ao mesmo tempo o processo
territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou
produtivistas. Não é possível compreender essa territorialidade se não se considerar aquilo
que o construiu, os lugares onde ocorre e os ritmos que implica (RAFFESTIN, 1993, p. 62)
Refletindo sobre o que escreveu o pesquisador e associando tais conceitos aos
indígenas Xukuru-Kariri e aos processos de reivindicações, retomadas e posse, quando
aconteceu a doação da sesmaria de Burgos, em fins do século XVIII, o que os índios
receberam foi a doação de um espaço. Com o passar dos anos este espaço foi territorializado,
pois os indígenas construíram relações de identidade e pertencimento com este, agora,
território. E mesmo que tempos depois tenham enfrentado conflitos territoriais e tenham sido
expulsos de seus lugares, suas relações com aquele território não se desfizeram. Permaneceu
um sentido de pertencimento, fomentando estratégias para um retorno ao território, quando
possível, como ocorreu posteriormente.
Segundo Fuini (2017), para Haesbaert, a concepção de território traz uma dimensão
espacial revelada em processos de dominação mais concretos, tanto pela produção material
quanto em termos jurídico-políticos. É também um espaço apropriado em termos imateriais na
produção da identidade, subjetividade e simbolismos com certo lugar. Desta forma, o conceito
de território para este geógrafo é para além do espaço físico e se configura como um espaço
político, assumindo características diversas e totalmente interligadas. O conceito de
territorialidade trata especificamente do sentido de pertencimento, usos e vivências em um
recorte do espaço (FUINI, 2017, p.20).
Para o autor, a discussão não se encerra nos dois conceitos apresentados, pois ainda
faz uso de mais dois que estão entrecruzados, mas não necessariamente seguindo a ordem
aqui exposta; são: desterritorialização e reterritorialização. Pensando mais uma vez sobre os
Xukuru-Kariri, é possível afirmar que em diversos momentos tiveram de lidar com esta
situação que infelizmente ainda enfrentam na atualidade.
Desterritorialização está relacionado ao ato de destruir vínculos de identidades com
certos espaços, vínculos estes tanto materiais quanto imateriais. Reterritorialização relacionase ao ato de (re)construir territórios por novos agenciamentos maquínicos 34, mas que por
forças políticas foram obrigados a se afastar. Neste caso, o Território é, portanto, um
instrumento de poder político e a Territorialidade um espaço de identidade cultural.

34

Por meio do aparato legal.

45

Territórios e Territorialidades cada vez mais valorizadas para entender as formas de
apropriações espaciais, materiais e simbólicas. Enquanto que desterritorialização e
reterritorialização são conceitos mais secundários, mas que se concretizam em inúmeras
circunstâncias. Baseado nestes conceitos apresentados e associando-os ao processo histórico
dos habitantes na Mata da Cafurna, ambas as discussões fazem parte da trajetória do povo
Xukuru-Kariri.

Gráfico 1: Explanação sobre o conceito de Território, Territorialidade, (des) territorialização e (re)
territorialização

ESPAÇO

TERRITÓRIO/TERRITORIALIDADE

(DES) TERRITORIALIZAÇÃO

(RE) TERRITORIALIZAÇÃO

XUKURU – KARIRI

Fonte: Elaborado pela autora, 2018

Em alguns momentos, as ações foram externas e independente da vontade dos índios,
em outros momentos foram criadas estratégias para lidar com as inúmeras situações de
ameaças e agir por sobrevivência. Os indígenas não foram respeitados desde os primeiros
tempos da colonização aos dias atuais, porque o modo de vida era considerado incompatível
com os grandes projetos de modernidade para o país, para o Nordeste e para Palmeira dos
Índios. A terra em disputa não tinha e ainda não tem um interesse apenas material, pois o
principal interesse ao que se percebe está interligado a instrumentos de poder político e status
social. Enquanto que para os índios o território em questão implica na possibilidade de
viverem coletivamente e com as expressões socioculturais. Mas, em razão da situação

46

conjuntural entre tantas outras estratégias, os índios souberam compreender qual era o
momento de silenciar ou de se mostrar.
De forma geral, os pesquisadores que trataram sobre o Território destacaram a
importância de nunca analisar o território como um espaço neutro, mas sim enquanto lócus de
constante disputa de poder sob uma perspectiva em que predomina a dominação de natureza
jurídico-política do uso do recurso “terra” para fins de reprodução econômica (ALMEIDA,
2011a, p 74), ou seja, sob uma concepção em que o território é visto como instrumento de
imposição.
Com a promulgação da Constituição em 1988 foi rompida a ideia de tutela e o índio
individualmente ou através de suas organizações foi formalmente reconhecido como sujeito
de direito para reivindicar seus interesses perante a lei. Após este marco legal na História do
Brasil, os Xukuru-Kariri que estavam retomando as áreas que atualmente compõem a Mata da
Cafurna, e que desde 1979 se mobilizavam, agora tinham mais ânimo e evidências de seus
direitos.
O povo Xukuru-Kariri afirmam direitos territoriais sobre as áreas acima citadas, mas
foram necessárias ações de ocupações e mobilizações sociopolíticas por um extenso período
para que os direitos fossem em parte garantidos e assegurados pelo Estado brasileiro. A
afirmação da identidade étnica foi imprescindível para reivindicar direitos, garantias políticas
e econômicas, uma vez que após ter conquistado a demarcação das terras indígenas/TI, era
extremamente necessário que a Funai, órgão indigenista oficial, continuasse atuando com
assistência aos indígenas para que conseguissem oficialmente o território.
Paralelo as mobilizações por mais áreas indígenas, ocorreram conflitos entre indígenas
e diversos setores da sociedade local. Estavam inseridos na época numa rede de contatos
formada por índios, Estado, oligarquia local e Igreja Católica Romana que favoreceram
relações de dependências entre os envolvidos e possivelmente desencadearam contendas. Os
conflitos entre os Xukuru-Kariri provocaram cisões e desentendimentos que se estenderam
pelas gerações da época que se “eternizaram” entre algumas famílias.
Os indígenas mantinham contatos com personalidades não indígenas, pessoas estas
que com o passar dos anos demonstravam uma relação ora amistosa, ora intencional, ou seja,
relações estratégicas. A família Celestino em toda a trajetória histórico-política do povo,
destacou-se entre os demais Xukuru-Kariri. O primeiro deles foi o Sr. Francelino Celestino,
seguido por Alfredo, Miguel, Manoel, Antônio, José Augusto e para quebrar o patriarcado,
Maninha Xukuru-Kariri, cada um em um determinado momento histórico desempenhou
funções políticas e/ou religiosas e reivindicatórias entre os Xukuru-Kariri. Parece nunca ter

47

sido uma relação fácil, e mesmo que o parentesco existisse, não necessariamente ocorria boa
relação entre todos os Celestinos.
O gráfico a seguir buscou apresentar um panorama envolvendo os níveis de parentesco
na citada família, além de seus respectivos destaques na trajetória do povo indígena.

Gráfico 2: Lideranças políticas com mais destaque para as famílias Celestino


Francelino Celestino


Alfredo Celestino
Miguel Celestino

 
Antônio
Manoel Celestino
Antônio
Celestino
Manoel
Celestino
Celestino

José Augusto Neto



Miguel Celestino
Alfredo Celestino

José Agusto
Neto


Maninha XK

Legenda:
 Articulador político no período do reconhecimento oficial dos Xukuru-Kariri – (1a geração/2a ascendente);
 Foi Pajé e teve atuação política junto ao SPI e FUNAI – (Descendente da 1a geração);
 Atuação política com o SPI e FUNAI; – (Descendente da 1a geração);
 Liderança do povo Xukuru-Kariri, habita a Aldeia Mata da Cafurna- (Descendente da 2a geração);
 Liderança do povo Xukuru-Kariri - habita a Aldeia Serra do Capela- (Descendente da 2a geração);
(Descendente da 2a geração);
 Foi Cacique da Aldeia Mata da Cafurna (1986 – 1988) - (Descendente da 3a geração).
 Liderança política dos Xukuru-Kariri, filha de Antônio Celestino e irmã de José Augusto (Descendente da 3ª
geração).

Fonte: Elaborado por Yuri Franklin dos Santos, 2018

Em linhas gerais, as situações de disputas com diversos personagens relacionados aos
Xukuru-Kariri implicam em situações tendenciosas, demonstrando o quanto as relações eram
complexas naquela época, fossem entre os próprios indígenas ou não indígenas, envolvendo
interesses ora individuais, ora coletivos. Os discursos tornaram-se documentos inseridos em
contextos englobantes relacionados a operações que precisam ser analisadas, considerando-se
diversos aspectos, dentre os principais, buscar compreender qual o lugar social dos
personagens inseridos nos conflitos.
É necessário também observar qual aspecto predomina, se o socioeconômico, o
político, o cultural, o social ou todos juntos para a partir de então compreender a trama oculta
por trás dos conflitos, delineando uma possível rede de contatos, intrigas e conexões sujeitas a
qualquer sociedade ou grupo social, destacando principalmente como os indígenas

48

conseguiram lidar com esta conjuntura, se sobressaindo e resistindo as inúmeras
circunstâncias.

1.5 As relações sociopolíticas, mobilizações e protagonismos

A organização sociopolítica dos Xukuru-Kariri na Aldeia Mata da Cafurna a partir do
período da primeira retomada ainda em 1979 teve várias lideranças indígenas, destacando
Miguel e Manoel Celestino, além de várias organizações da sociedade civil, alguns religiosos
e políticos. O CIMI, a nível nacional existe desde 1972, atuando no Nordeste tem
recentemente 40 anos e durante este tempo foi de suma importância para que os povos
indígenas se mobilizassem por direitos. O CIMI também apoiou principalmente por meio de
assessoria jurídica para que os indígenas continuassem com as retomadas territoriais.
Segundo Zennus, missionário do CIMI em Alagoas:
Na verdade, nós somos acusados muitas vezes de criar índio, mas nós não temos
poder de criar algo que já existia. A existência desses povos é secular, milenar e a
gente sabe que historicamente esses povos foram massacrados e tiveram que
silenciar por que era a vida deles que tava em jogo. Mas como em todo contexto
histórico, a gente percebe que chega um momento em que não há mais como se
esconder e foi isso que aconteceu35.

Em 1972, a Igreja Católica Romana propôs, a partir dos missionários, criaram um
Conselho indigenista, o que antes era apenas um ideal, um sonho de muitos que realizavam
esse trabalho dentro de comunidades indígenas, mas nada formalizado, tornou-se oficial. A
Igreja contribuiu fortemente para a consolidação do Conselho Indigenista Missionário,
principalmente no início, abrangendo ações não só no Norte, mas em todo o Brasil.
Quando o CIMI chegou à região Nordeste, especificamente em Alagoas se deparou
com situações nada fáceis. Um dos primeiros contatos foi com os Xukuru-Kariri que eram
sendo perseguidos pelos posseiros. Segundo o CIMI, o intuito sempre foi acolher a causa,
orientar os indígenas sobre aquilo que é direito, mas que as vezes não sabiam como proceder.
O missionário enfatizou que as ações do CIMI não são necessariamente aceitas por toda a
Igreja Católica, nem todos concordam:

35

Entrevista com Zennus Dinys realizada na sede do Conselho Indigenista em Maceió/AL no dia 25/10/2018.

49

Nós temos uma linha de pensamento diferente de alguns bispos, e nos deparamos
com algumas situações onde a própria igreja local está contra nós, mas abraçamos
essa causa, eu apenas tenho 10 anos aqui, é um tempo curto para o amadurecimento
de um missionário. Eu percebo que os que me antecederam foram imprescindíveis,
nos anos 80 a gente teve aparecimento de vários povos, e em momento nenhum o
CIMI chegou lá pra dizer quem é índio, quem não é, a ideia foi outra, a de orientalos36.

A proposta do CIMI é, portanto, buscar junto aos povos indígenas o reconhecimento
oficial destes povos e depois, junto dos órgãos competentes garantir os direitos da
Constituição vigente, em seus artigos 231 e 232, que são especificamente direcionados aos
povos indígenas, mas que constantemente são violados. O CIMI surgiu com essa perspectiva,
“ser esperança e também ação”, disponibilizando apoio jurídico no que se refere às invasões
das terras indígenas e os parcos avanços, principalmente quando são iniciados pela FUNAI,
órgão do governo federal que presta assistência aos indígenas. Nessa relação com os índios, o
CIMI busca trabalhar principalmente a questão da terra, e por que a terra? Explicou Zennus:
Por que tudo depende da terra, para que os índios tenham saúde eles precisam ter a
terra, para que os índios tenham educação, as escolas, tem que ter terra, então, se
você tem a terra as outras coisas vem, se você não tem a terra, não tem nada. A terra
é o início do processo de afirmação e também condição para expressão da cultura
daquele povo que quer deixar para as gerações vindouras um futuro melhor. Por que
para nós a terra é um produto, para eles a terra é sagrada, tem um significado e uma
ligação de pertencimento37.

Os indígenas Xukuru-Kariri habitantes na Aldeia Mata da Cafurna, afirmam
reconhecer no CIMI este apoio, e que as orientações do Conselho são muito importantes, pois
os indígenas sabem ocupar, mas nem sempre sabem como proceder juridicamente para
efetivarem os direitos. O CIMI ainda alertou para a enorme contribuição dos sindicatos,
movimentos sociais e universidades para evidenciar o indígenas, as mobilizações e
posteriormente as conquistas obtidas.
Na primeira retomada, foi pensado e definido coletivamente o nome de Manoel
Celestino como Cacique, depois dele assumiu o Augusto, também da família Celestino e o
terceiro, Cacique Heleno. Como Pajé, inicialmente assumiu Miguel Celestino, posteriormente
Lenoir Tibiriçá, índio Kariri-Xokó vindo de Porto Real do Colégio, que passou a habitar a
Mata da Cafurna quando casou-se com uma Xukuru-Kariri. Depois dele, a Aldeia ficou sem
Pajé até a atualidade. Os indígenas afirmam que aguardam sinais das divindades para
escolherem outro Pajé, figura central nas expressões socioculturais do povo Xukuru-Kariri.

36
37

Entrevista com Zennus Dinys, realizada na sede do Conselho Indigenista em Maceió/AL em 25/10/2018.
Entrevista com Zennus Dinys, realizada na sede do Conselho Indigenista em Maceió/AL em 25/10/2018.

50

Antes de reocuparem a Mata da Cafurna, parte dos indígenas viviam nas periferias da
cidade de Palmeira dos Índios, outros trabalhavam sazonalmente em canaviais no litoral e
outra parte habitava a Aldeia Fazenda Canto, Após a conquista da primeira parte da Aldeia
retomada, o objetivo era continuar resistindo e reocupando os demais territórios até se
estabelecerem em definitivo. O território ao qual nos referimos equivale a 620, 6 ha, de um
total de 7.073 atualmente demarcados para o povo Xukuru-Kariri. Em 1979, ano em que a
Mata da Cafurna foi retomada, a Aldeia contava com cerca de 12 famílias e atualmente em
2018 com uma população de em média 150 famílias e cerca de 812 habitantes.
Na Aldeia Mata da Cafurna existe uma Escola Estadual desde 1985, cujo primeiro
nome era Escola Indígena Alfredo Celestino, e posteriormente foi nomeada Escola Estadual
Mata da Cafurna. Nos primeiros anos não funcionava em um prédio específico como
atualmente, mas nas dependências das casas das primeiras professoras, que foram Tânia 38 e
Alaíde, ambas Xukuru-Kariri e habitantes na Aldeia até os dias atuais. A Escola atende várias
modalidades de ensino; o Maternal, Educação infantil, Fundamental I e II e Ensino Médio na
modalidade EJA.

Fotografia 3: Escola Estadual Indígena Mata da Cafurna

Fonte: Acervo pessoal, 2018

A escola além de atender os alunos na comunidade, também alunos não indígenas que
moram nas regiões circunvizinhas, totalizando 285 alunos matriculados com frequência
38

É atualmente Diretora da Escola.

51

assídua as aulas. A maioria dos professores são indígenas, mas também professores não
indígenas, pois ainda não existem índios com nível superior em todas as áreas de ensino
necessárias na escola. Os docentes formam um total de 26 professores, além de mais 18
funcionários distribuídos em variadas funções durante os três turnos em que funciona a
escola.
No que se refere a metodologia de ensino, a coordenação informou que além dos
conteúdos obrigatórios curricularmente, é inserido uma disciplina nomeada “Artes e
Costumes dos povos indígenas” onde são discutidas as diversas formas de ser e de se pensar
os indígenas no país, mais especificamente os Xukuru-Kariri. A disciplina é normalmente
ministrada por uma liderança indígena que atua na educação, tendo como objetivo principal a
socialização e compreensão da diversidade sociocultural existente no Brasil, não limitando
apenas a discutir sobre índio, “em alguns casos a discussão inicia sobre índio, mas quando
percebemos já falamos sobre o negro, o cigano, o agricultor e entendemos isso como
positivo” afirmou a Coordenadora Suyane39.
A coordenadora ainda relatou que a relação profissional com os professores atuando
na escola, e que não são indígenas ocorre de maneira positiva “são comprometidos e
demonstram interesse em conhecer nossa cultura”. Ela complementou afirmando que atuam
na escola há mais de três anos, o que contribui no sentido de que estão adaptados a formas de
ensino e metodologias aplicadas.

39

Indígena Xukuru-Kariri, graduada em Letras Português pela Universidade Estadual de Alagoas pelo Curso de
Licenciatura Intercultural Indígena “CLIND”.

52

Fotografia 4: Jaqueira no pátio da Escola

Fonte: Acervo pessoal, 2018

Simbolicamente a escola traz consigo memórias muito significativas para os habitantes
na Aldeia, pois onde atualmente localiza-se foi a primeira parte ocupada, até então em posse
da Prefeitura de Palmeira dos Índios. Durante a ocupação havia uma jaqueira, que era
utilizada pelos indígenas como sombra nos momentos de intenso calor, uma vez que se
abrigaram por muito tempo em barracas de lona, cedidas pelo Exército Brasileiro. A árvore é
preservada até os dias atuais no pátio da escola como símbolo de resistência, também
configurado como um novo momento, de recomeço e grandes conquistas, tudo isso
socializado pelos indígenas por meio da oralidade com um sentimento de orgulho muito
perceptível.
A Política Nacional de Saúde abrange também a Política Nacional de Atenção à Saúde
dos Povos Indígenas, amparada no Decreto n° 3156/99, que trata sobre as condições
de assistência à saúde dos indígenas. Ainda assim, pela Lei 9836/99, foi criado o subsistema
de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do SUS, garantindo assistência aos povos indígenas.
O Ministério da Saúde por meio da FUNASA40 assumiu em 1999 a responsabilidade de
estruturar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, operado pelo SUS, mas recentemente a
gestão da atenção à saúde dos povos indígenas passou da Fundação Nacional de Saúde para a
Secretaria de Saúde do Índio/SESAI.

40

Fundação Nacional de Saúde.

53

Alagoas atualmente tem 12 povos indígenas reconhecidos pelos órgãos oficiais, como
a FUNAI. Segundo o IBGE41, 16.291 se declararam indígenas, mas apenas 6.268 habitam
terras demarcadas, os 10.02342 vivem fora dos territórios, resultando em um percentual de que
apenas 38,5% estão em terras indígenas, tendo como denominador comum vários casos de
desassistência aos indígenas que não habitam os territórios reconhecidos. Embora os dados
apresentados pelo IBGE sejam de 2010, e portanto estejam desatualizados, é nítida a
disparidade de informações entre as fontes oficiais e os próprios indígenas, que apresentam
números muito maiores de pessoas que se autodeclaram indígenas em todo o estado de
Alagoas.
O Posto de Saúde na Aldeia é um prédio que necessita de reformas, além de ter
espaços restritos que dificultam um trabalho de maior qualidade, afirmou a indígena Korã em
entrevista durante um evento de Práticas Integrativas na Aldeia Mata da Cafurna. A indígena
afirmou ainda que a médica vem duas vezes por semana. Além disto, tem uma equipe
formada por um Agente de Saúde, um Técnico de Enfermagem e uma Enfermeira por
maloca43. São atendidos com frequência no Posto de Saúde cerca de 120 famílias que
correspondem em média a 450 indígenas, número inferior a quantidade de habitantes na
Aldeia, entre crianças, jovens e idosos, sendo os idosos os que mais frequentam.

41

IBGE/2010. https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=3&idnoticia=2194&t=censo2010-populacao-indigena-896-9-mil-tem-305-etnias-fala-274&view=noticia. Acessado em 26/10/2018.
42
IBGE/2010.https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_gerais_indigenas/de
fault_caracteristicas_gerais_indigenas.shtm. Acessado em 26/10/2018.
43
Expressão utilizada pelos indígenas Xukuru-Kariri quando se referem as aldeias.

54

Fotografia 5: Posto de Saúde da Família na Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Acervo pessoal, 2018

No PSF44 são entregues remédios para doenças crônicas como diabetes e hipertensão,
além de serem feitos curativos e vacinações. E os problemas de saúde mais graves são
encaminhados pela equipe de saúde ao Polo Base de Saúde Indígena, localizado na área
urbana de Palmeira dos Índios. Neste local, o atendimento é estendido a todas as Aldeias no
município, e possui uma estrutura muito maior e aparentemente oferece melhores condições
de atendimento aos indígenas, contando com uma equipe de saúde maior, contribuindo para
um maior fluxo de atendimentos.

44

Posto de Saúde da Família.

55

Fotografia 6: Pólo Base de Saúde Indígena Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios/AL

Fonte: Acervo pessoal, 2018.

Segundo a índia Korã, no PSF da Aldeia existem limitações, na de estrutura e no
fornecimento de medicamentos, por conta disto incluiu na lista de medicamentos, remédios
fitoterápicos a fim de amenizar a falta dos medicamentos fornecidos pela SESAI 45, mas
também como uma forma de fortalecer a cultura e relação do índio com as plantas.
Transformando-as em remédios caseiros e eficazes, e que por muito tempo foi a única opção a
tantos grupos sociais, entre os quais os indígenas, mas que com o passar dos anos tem sido
menos praticada. A ação tem sido percebida pelos habitantes na Mata como um ponto
positivo, importante para reiterar a importância das ervas como alternativa de minimizar
problemas de saúde e fortalecer as relações culturais do povo indígena com a Natureza.
O reconhecimento dos Xukuru-Kariri pelo SPI e a instalação do Posto Indígena PI em
1952 resultou em um processo de mobilização bem anterior a esta conquista e obviamente
contou com toda uma articulação entre indígenas e não indígenas que objetivavam conquistar
o reconhecimento oficial. Como agentes históricos que apoiavam as mobilizações dos índios,
destacaram-se as figuras de Carlos Estevão e Pe. Alfredo Dâmaso. O primeiro com escritos
que contribuíram para o reconhecimento dos indígenas por meio das produções, e o segundo

45

Secretaria Especial de Saúde Indígena.

56

por conexões, influências e relações políticas que viabilizaram este reconhecimento
(MARTINS, 2004, p.199).
Para explicitar os conflitos do passado e recorrentes entre os indígenas e posseiros, que
também são políticos, donos dos meios de comunicação local, lojistas entre outras ocupações,
os fazendeiros organizaram uma mobilização denominada “Movimento Palmeira de Todos”,
resultando em um ato público para contestar a demarcação das terras indígenas e os “possíveis
danos” aos moradores na cidade. O ato foi realizado em agosto de 2013, na data de
comemoração da emancipação política de Palmeira dos Índios, quando além dos
organizadores participaram indígenas não contemplados nas demarcações e que foram
cooptados estrategicamente para apoiar o movimento.
Mesmo com toda apelação midiática, o evento teve pouca visibilidade e
provavelmente não atendeu às expectativas dos organizadores. Como ação paralela, os
indígenas Xukuru-Kariri que vinham organizando campanhas, intensificaram as ações
buscando descontruir o discurso de que o município estaria ameaçado quando as terras
indígenas fossem demarcadas. A mobilização indígena reuniu professores, pesquisadores,
além de simpatizantes, com a criação de fanpages na Internet para divulgar as ações,
produzindo folders, cartazes, cartilhas, camisetas, cd’s e adesivos para angariar fundos que
ajudassem a custear pequenas despesas com a mobilização, sendo uma ação permanente dos
Xukuru-Kariri. (NEVES, 2014, p.)
É importante também evidenciar o protagonismo das mulheres indígenas XukuruKariri, especificamente as habitantes na Aldeia Mata da Cafurna ou que participam das
retomadas, sendo este destaque positivo em vários aspectos, pois, observa-se o lugar de
lideranças femininas com o desempenho e a habilidade sociopolítica.
Entre estas mulheres destacaram-se Etelvina Santana da Silva, conhecida como
“Maninha Xukuru-Kariri”, liderança política que conquistou mais visibilidade em espaços
estratégicos, como a APOINME46, para os povos indígenas. Indicada ao Prêmio Nobel da Paz
em 2005, afirmou: [...] a sociedade tenta negar suas origens indígenas. Eles tomaram nossas
terras, nossas línguas e nossas crenças. Hoje, nós sabemos quem nós somos, quais são os
nossos direitos e a posição que queremos ocupar na história 47”. “Maninha” faleceu em 2006,
quando com os indígenas denunciavam a falta de atendimento médico na cidade de Palmeira
46

Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo - APOINME, foi
coordenada por Maninha e sediada em Palmeira dos índios no período de 1989 a 2005, quando a indígena se
afastou por problemas de saúde.
47
Fragmento de uma entrevista em homenagem a Maninha Xukuru-Kariri no site do CIMI, pelo link:
https://cimi.org.br/2018/03/dia-internacional-da-mulher-a-memoria-e-a-luta-de-maninha-xukuru-kariri-guerreiraintelectual-e-feminista/. Acessado no dia 18/10/2018.

57

dos Índios. Parte do povo narra que a negligência médica com a “parente” foi a forma de
assassiná-la e tentar calar os indígenas. Vários povos indígenas no Nordeste e os XukuruKariri organizaram protestos denunciando a omissão de socorro a Maninha (CIMI, 2006) 48.
Além de “Maninha”, o povo Xukuru-Kariri tem outras referências que mencionam
como Eliete Alves, popularmente conhecia como “Korã Xukuru-Kariri”. Com formação na
área da saúde, é Técnica de Enfermagem e compõe a equipe de profissionais do Posto de
Saúde na Aldeia e atuando há mais 20 anos como profissional. Em entrevistas durante nossas
estadas na aldeia, Korã afirmou que trabalha como técnica, mas não entende que o
atendimento via SUS49 seja suficiente para tratar dos povos indígenas e suas especificidades.
Participante do Movimento Popular de Saúde/MOPS, afirmou que “trabalha a prevenção da
saúde e inclui discussões como política, emponderamento e a partir disto, aquela comunidade
pode começar a solucionar problemas tantos coletivos, quanto individuais”. Diferente das
práticas desenvolvidas pela SESAI50 a equipe cuida da doença, e não cuida da pessoa, “sendo
que o nosso objetivo não é este, é justamente não deixar adoecer, através de práticas
preventivas”. A Técnica de Enfermagem Korã ainda alertou para um quadro que necessita de
atenção dos setores de saúde indígena:
Hoje em dia a gente teve um aumento de hipertensão de 60%, os mais velhos estão
por aí, hipertensos, diabéticos, tudo com doenças degenerativas e esquecimentos,
não tem mais serventia, então eles mesmos se preguntam, o que eu sirvo em uma
comunidade? Eu não tenho mais serventia, então o seu próprio corpo começa a
produzir doença, começa a morrer devagarinho, e o meu povo não se atenta para isso
e isso me incomoda e me preocupa51.

Outra indígena é a Salete Santana52 também habitante na Aldeia desde a primeira
retomada e com grande importância para o povo, pois uma boa parte dos nascidos na aldeia,
foi ela quem fez o parto. Relatando de forma muito orgulhosa de ter assumido esta missão,
atualmente encerrada por problemas de saúde, também pela ordem natural da vida no que se
refere a não ter mais tanta resistência física para continuidade na atuação como parteira.
Na área da Educação destacam-se indígenas como Tânia, filha de Salete e irmã de
Korã. Atualmente Diretora da Escola Estadual Mata da Cafurna, formada em Pedagogia, no
curso regular. E Suyane e Hildérica, ambas professoras da escola na Aldeia, formadas no

48

Matéria completa no site: https://cimi.org.br/2006/10/25336/
Sistema Único de Saúde.
50
Secretaria Especial de Saúde Indígena.
51
Entrevista realizada na Aldeia Mata da Cafurna, em 21/12/2017, Palmeira dos Índios.
52
Em entrevista realizada em 20/12/2017 na Aldeia Mata da Cafurna, Palmeira dos Índios.
49

58

curso de Letras Português pelo CLIND 53 em um curso específico para povos indígenas na
Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL .
Existem mais mulheres atuando como lideranças na Aldeia Mata da Cafurna, mas
buscamos evidenciar a resistência, mesmo diante de uma conjuntura que favorece no
desaceleramento e insucesso dos indígenas em diversos aspectos da história indígena. No
entanto, diante das várias tentativas de exclusão, os Xukuru-Kariri vêm transformando a
situação em possibilidades de reverter o cenário e continuar afirmando-se enquanto povo
indígena, participantes e sujeitos ativos em um processo histórico com diversas expressões
socioculturais e identidade.

53

Curso de Licenciatura Intercultural Indígena.

59

CAPÍTULO II
HABITANDO NA MATA DA CAFURNA: AFIRMAÇÃO
IDENTITÁRIA E SOCIOAMBIENTAL NO SEMIÁRIDO ALAGOANO

2.1 A formação socioespacial do Semiárido alagoano

O desmatamento em Alagoas tem alcançado níveis bem preocupantes, pois acarreta
diretamente ameaças da biodiversidade existente em todo o estado. Sabemos que a ameaça
iminente resulta de vários séculos de exploração dos recursos naturais em todo o país, não
sendo diferente em Alagoas, onde se formou uma paisagem fitogeográfica54 comprometida,
iniciada com o “descobrimento” do Brasil, depois com a colonização do Nordeste brasileiro e
consequentemente formação socioespacial alagoana.
A colonização do território atualmente compreendendo Alagoas ocorreu de forma
muito lenta, por volta da segunda metade do século XVI com três principais fatores: a criação
do Quilombo dos Palmares, o início da conquista do Sertão e a implementação de uma
sociedade tutelar formada pelas plantations açucareiras (LINDOSO, 2011, p. 19). As áreas
para a produção açucareira eram localizadas estrategicamente em regiões onde o fluxo hídrico
como rios e lagoas possibilitaria sucesso e lucro, além de uma base de trabalhadores que em
sua maioria eram indígenas e negros escravizados (DIEGUES JÚNIOR, 2012, p. 49).
A formação socioespacial do Semiárido alagoano foi acontecendo também em razão
dos colonizadores realizarem atividades agropecuárias, e para tanto eram necessárias grandes
extensões de terras, também contando com uma segurança hídrica. No entanto, algumas
destas terras eram habitadas pelos indígenas que foram adentrando as regiões ainda não
desbravadas, fugindo do trabalho forçado e da imposição do colonizador: “Sabe-se que os
índios ocupavam a parte mais fértil das savanas sertanejas: os vales transversos, que aparavam
a umidade e refrescavam a terra com os chuveiros finos – a garoa sertaneja – de inverno"
(LINDOSO, 2011, p. 21).
O espaço inicialmente localizado como rota para afastar-se da imposição colonial aos
poucos foi se tornando o espaço habitado e com esta fixação desencadearam-se também os
conflitos territoriais centralizados, principalmente nos espaços ocupados por estes grupos
marginalizados e excluídos socialmente, no caso de Alagoas, com mais ênfase os indígenas e
54

É um ramo da Biogeografia que estuda o ser humano e as modificações nas paisagens naturais dos biomas no
Planeta desde tempos imemoriais.

60

posteriormente os negros que tinham nos territórios interesses diferentes dos europeus. Além
dos conflitos territoriais, os impactos socioambientais no solo a partir da produção da cana de
açúcar e criação de gado foram resultados percebidos a longo prazo, pois as terras reduziram
muito sua capacidade de produção, uma vez que a monocultura foi implementada. “Quando o
solo se exauria, uma nova área era desmatada, enquanto a primeira ficava de “pousio”
(ASSIS, 2000, p. 07).
Mapa 1: Semiárido alagoano

Fonte: IBGE 2015; SUDENE 2016; SEPLAG/SINC/NEP/GGEO 2016.

Atualmente são 38 os municípios alagoanos considerados Semiáridos identificados no
mapa acima pela cor verde em destaque. Segundo o Ministério da Integração55, estes
municípios representam 1,3% do Semiárido brasileiro e 45,5% do território alagoano (MI,
2005). A ASA- BRASIL disponibiliza dados semelhantes e outros que complementam as
informações prestadas pelo MI, como por exemplo, reafirmando a quantidade de municípios
no Semiárido do estado, além de esclarecer que o termo Semiárido corresponde à
compreensão de um contexto contemporâneo que se refere a uma região ocupando 18,2% do
território nacional e abrange mais de 20% dos municípios brasileiros. Os dados apresentados
55

Ministério da Integração, é um órgão do governo federal responsável por gerenciar programas de
desenvolvimentos nas regiões brasileiras. Site: http://www.integracao.gov.br/web/guest/semiaridobrasileiro?inheritRedirect=true. Acesso em 24/07/2018.

61

acima possuem interesses diferentes; de um lado um órgão do Governo Federal sujeito a uma
esfera de poder buscando justificar avanços sociais através de dados numéricos, enquanto o
segundo é uma articulação da sociedade civil organizada mobilizando-se por direitos
políticos.
Mapa 2: Seminário brasileiro

Fonte: IBGE, 2016

A maior parte do Semiárido brasileiro situa-se no Nordeste do país, em oito estados,
além da região Norte de Minas Gerais, como é possível visualizar no mapa acima, em
destaque na cor rosa. São caracterizadas como semiáridas em razão da baixa quantidade de
chuvas anuais e a incidência de longas estiagens ou secas periódicas. O Semiárido foi por
muito tempo cristalizado como espaço territorial condenado ao “sofrimento” dos habitantes e
ao atraso econômico, concepção superada recentemente a partir de mobilizações sociais que

62

reivindicavam políticas públicas do Estado brasileiro para estas regiões, promovendo
mudanças socioeconômicas para os habitantes e lugar a um “Sertão verde” como espaço de
vida farta e dignidade.
O estado de Alagoas apresenta uma quantidade considerável de municípios que
compõem a região semiárida, mas que também são nomeadas popularmente de Agreste. O
estado possui apenas duas sub-regiões, “a canavieira e a do Agreste, em outras palavras,
estamos considerando agrestinas todas as terras alagoanas não compreendidas na faixa úmida
oriental” (MELO,1980, p. 257).
O Município de Palmeira dos Índios, mesmo localizado na região tradicionalmente
chamada de Agreste alagoano, recebeu o título de “Princesa do Sertão” por ser um município
que surgiu em torno de um brejo de altitude com acesso também aos municípios da região do
Sertão alagoano, e atualmente também por ser um dos municípios incluídos como região
semiárida. O município apresenta situações climáticas subúmidas em uma microrregião
correspondente a condições climáticas semiáridas moderadas, possuindo assim, tanto
características agrestinas, quanto do Sertão alagoano (MELO, 1980, p. 264).

Fotografia 7: Vista panorâmica da cidade de Palmeira dos Índios/AL (2011)

Fonte: Acervo do NEPEF/UNEAL, 2017

Os brejos de altitude são áreas de florestas úmidas existentes em meio a uma
vegetação composta de “Mata Serrana” onde são encontradas diversas espécies da Mata

63

Atlântica, Caatinga e espécies endêmicas com a presença de fauna e flora diversas em
altitudes variando entre 300 e 1.000m localizados no Planalto da Borborema com
características específicas e distintas se comparadas com os demais biomas. “Os brejos
tornaram-se fundamentais para a produção de alimentos no Semiárido nordestino, dando
origem à comercialização nas feiras locais ou nos agrestes (VASCONCELOS JUNIOR, 2017,
p. 64).
Em Palmeira dos Índios, boa parte dos gêneros alimentícios produzidos e
comercializados nas feiras livres do município vem de agricultores e indígenas habitantes nas
regiões serranas, pois mesmo localizados em regiões semiáridas, onde a quantidade de chuvas
é baixa, o fato de serem também regiões úmidas possibilitam estas produções agrícolas por
quase todo o ano. As produções mais frequentes, são de frutas como banana, jaca, manga,
abacate, além de raízes como macaxeira, batata-doce e hortaliças como alface, couve e
coentro, em uma escala pequena, mas a partir de iniciativas agroecológicas.

Mapa 3: Mapa de Alagoas, com destaque para o município de Palmeira dos Índios

Fonte: Secretaria do Estado e Planejamento de Alagoas, 2018

Historicamente, Palmeira dos Índios construiu-se a base de minifúndios e latifúndios,
definindo-se como área do sistema Gado-Policultura de uso da terra, secundariamente a
produção agrícola e depois a pastoril (MELO, 1980, p.257). Por conta desta condição algumas

64

pessoas destinavam-se a trabalhos sazonais nos canaviais, entre estas os indígenas que
também precisavam de renda, mas o município habitado não oferecia tais condições. “Tanto
os Xukuru-Kariri quanto os Kariri-Xokó, trabalharam muito naquelas usinas Seresta56 e
Cachoeirinha57, trabalhavam nas safra e depois voltavam pra casa 58”, narrou o indígena
Lenoir. Afirmou também que por conta do trabalho exaustivo, os indígenas migrantes que
trabalhavam fora, dedicavam- se menos aos seus plantios quando retornavam às aldeias.
Ainda é frequente o relato de indígenas que trabalham na construção civil,
restaurantes, supermercados, salões de beleza, como moto taxistas, feirantes, também fora do
estado, em épocas de temporadas nas produções de panetones, chocolates entre outras
funções, tanto região Sul quanto no Sudeste do país. Os indígenas argumentam que não
gostam de deixar o território, mas por terem famílias, precisam garantir o sustento. Outra
parte dos indígenas são funcionários na Escola, no Posto de Saúde, ou pela SESAI 59, a
maioria dos indígenas produzem sua arte, o que gera renda, contribuindo como um
complemento financeiro.
Os indígenas Xukuru-Kariri, habitantes na Mata da Cafurna, se distanciam da zona
urbana em cerca de 6km e o acesso de carro ou motocicleta até a aldeia nem sempre é
possível, depende das condições climáticas e da situação das estradas, pois de acordo com a
época do ano, em último caso, o percurso acontece a pé. A Mata da Cafurna é composta
territorialmente por 620,6 ha, é habitada por cerca de 150 famílias, uma média de 812
indígenas60, configurando-se como um grande contingente de pessoas assumindo a identidade
indígena em Palmeira dos Índios-AL, considerada a 4ª cidade com maior concentração de
população indígena em Alagoas61. Além disso, índios vivem nas periferias da cidade, pois as
aldeias não comportam, tendo em vista a limitada extensão territorial habitada por índios na
atualidade.

56

Localizada na cidade de Teotônio Vilela/AL, foi inaugurada em 1973 em sociedade entre as famílias Vilela e
Barros, com outras grandes usinas no estado.
57
Localizada em Pernambuco na cidade de Vitória do Santo Antão, pertencente ao grupo JB.
58
Entrevista com Lenoir Tibiriça, realizada na Aldeia Mata da Cafurna em 27/05/2017, Palmeira dos Índios.
59
Secretaria Especial de Saúde Indígena.
60
IBGE, 2010/Informação também confirmada pela liderança da Aldeia Mata da Cafurna, em entrevista
realizada em Palmeira dos Índios/AL em 27/05/2017.
61
IBGE, 2010.

65

Fotografia 8: Via de acesso a Aldeia Mata da Cafurna (2018)

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018

Neste território

de 620,6 ha

habitados pelas famílias indígenas, existe a Mata,

território sagrado do povo Xukuru-Kariri. A Mata concentra uma parte considerável do
território, mas não nos foi revelada a área específica, para os indígenas preservarem o espaço
do Ouricuri, sabemos apenas que faz limites com outras aldeias, não se restrigindo apenas à
Aldeia pesquisada. O ponto mais alto na Aldeia é a Serra Pelada, para os indígenas é o ponto
mais alto, a Serra supera a altitude de 350m ao nível do mar. Este território é tido como uma
Natureza sagrada, morada dos Encantados62, também sagrado pelas práticas ritualísticas,
unindo relações simbólicas e físicas em um só espaço, tonando-se nítido este sentimento de
pertença dos indígenas com o Ambiente, expresso pela oralidade e as histórias vividas e
narradas pelos indígenas.
Ainda sobre a Mata, além dessa relação mais íntima com o sagrado, existe também
uma preocupação ambiental com este espaço, pois deste local os indígenas retiram parte da
matéria prima para produzirem artesanatos, construírem casas, produzirem remédios
fitoterápicos, para obter parte dos alimentos, principalmente frutas. Esta prática de extrair e
ao mesmo tempo preservar a terra e os recursos naturais aproxima-se do que pesquisadores da
62

São forças ancestrais que fazem parte da cosmologia dos povos indígenas, os mesmos estavam vivos,
transformaram-se e tornando-se parte da Natureza. É compreendido como um intermediador entre o mundo
material e espiritual dos indígenas.

66

Biologia nomeiam de Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, que é a exploração de
recursos naturais adaptados a uma condição ecológica local, desempenhando principalmente a
proteção da Natureza e a manutenção da diversidade biológica em sistemas sustentáveis. As
terras indígenas não representam apenas uma fonte de recursos naturais, mas constitui
também a base para sobrevivência sociocultural como comunidade (SILVA, 2011, p. 73).
Fotografia 9: Cotidiano na Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018

Na Aldeia Mata da Cafurna existem nascentes que compõem a bacia hidrográfica do
Rio Coruripe, também fauna e flora consideráveis, além de uma riqueza hídrica que atende
apenas a necessidade dos indígenas. Atualmente é o único espaço de biodiversidade e
preservação ambiental no município, o que de certa forma explica parte das disputas por um
território tão fértil e ambientalmente rico em diversidades.
Todos os recursos naturais existentes na Aldeia contribuem de forma muito positiva
para o cotidiano dos habitantes. A flora, por exemplo, além de fornecer ervas para tratar
problemas de saúde, contribui como marcador sociocultural do povo Xukuru-Kariri na prática
centenária de lidar com ervas medicinais e também na preocupação em repassar tais práticas
para as próximas gerações. Ao mesmo tempo, a fauna existente na aldeia possibilita encontrar
espécies de animais como guará, tamanduá, veado, uma diversidade de aves como garça,

67

paturi, galinha d’água, e pássaros como vivinho, guriatã entre outros, traduzindo como um
ambiente em equilíbrio, com indicativo de qualidade do espaço natural e de convivência
possível entre Natureza e sociedade.

2.2 Biomas e a vegetação local
O bioma Mata Atlântica abrange a costa litorânea e se estende a estados do Sul,
Sudeste e Nordeste, entre eles Alagoas, totalizando 17 estados no país. Tem como principais
características um diversificado conjunto de ecossistemas florestais com estrutura e
composições florísticas bastante diferenciadas, acompanhando as características climáticas da
região onde ocorre (SILVA, 2011).
A Mata Atlântica é tão importante para a biodiversidade existente no Brasil que na
Constituição Federal em vigor, no Art. 225, este bioma é considerado Patrimônio Nacional,
junto com a Floresta Amazônica brasileira, a Serra do Mar, o Pantanal Mato Grossense e a
Zona Costeira (BRASIL, 1988).
Assim, como os demais ecossistemas, na Mata Atlântica tem ocorrido destruições
recorrentes, trazendo quatro ações como principais, primeiro pela exploração do Pau-Brasil63,
depois pela produção de cana de açúcar, também pela produção de café e por último na
substituição do bioma por grandes centros urbanos (REIS; CANCELLO, 2007). Tudo isto
desordenadamente reduziu em menos da metade seu ecossistema original e, em Alagoas,
estudos mais específicos sobre biomas dificultam o andamento de pesquisas, como afirmam
os pesquisadores:
Em Alagoas, não se sabe ao certo qual a área total da Mata Atlântica, pois as
primeiras avaliações sobre a cobertura vegetal deste bioma ocorreu no início do
século XX. Desde então, estima-se que Alagoas teria uma área de 14.529 km²,
correspondendo a 52% de seu território, banhando aproximadamente 61 municípios.
Originalmente a vegetação expandia-se por toda a costa litorânea do Estado,
chegando a cobrir os municípios do Agreste como Igaci e Palmeira-dos-Índios
(MOURA, 2006 apud SANTOS, 2014, p. 18).

A Mata Atlântica em Alagoas não é especificamente igual aos outros estados, uma vez
que se caracteriza por estar sobre morros e encostas. A existência deste bioma possibilita a
condição de também existirem os brejos de altitude, florestas serranas ou brejos interioranos
com formações de Mata Atlântica circundadas pela Caatinga. Entretanto, apresentam

63

Sendo substituída pelo café e pela cana de açúcar, uma vez que o monopólio do pau-brasil era da Coroa
Portuguesa (ASSIS, 2000, p. 18).

68

características climáticas edáficas64, topográficas, florísticas e vegetacionais diferenciadas
deste bioma (TAVARES et al., 2000). Isto significa que 1/4 da Mata Atlântica nordestina é
representada por florestas serranas (PÔRTO; CABRAL; TABARELLI, 2004).
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro com uma biodiversidade de
espécies endêmicas65, considerado como patrimônio biológico de imensurável valor, nos
mesmos estados contemplados como Semiárido brasileiro. Parte da população habitando neste
bioma faz uso dos recursos naturais disponíveis por este ecossistema para se manter ou
custear parte da renda, sendo possível o uso sustentável, mesmo com a exploração. Por outro
lado, é um dos biomas mais modificados pela atividade humana, com mais de 45% da sua
área alterada, sendo ultrapassada apenas pela Mata Atlântica e o Cerrado (DRUMOND apud
CAPOBIANCO, 2013, p. 02):
[...] historicamente a Caatinga foi derrubada para dar lugar aos plantios de milho,
feijão, mandioca, batata, macaxeira, inhame e fruteiras diversas, todos em pequenos
roçados. [...] Hoje em grande parte desse fitoambiente, pratica-se a pecuária, agora
sob a responsabilidade de eminentes proprietários de terra que desenvolveram uma
produção tipicamente comercial. O que contribuiu para o desmatamento acentuado,
destaca-se também o cultivo do fumo, com grande repercussão econômica, e
certamente espacial (ASSIS, 2000, p. 06,07).

O território em discussão, a Aldeia Mata da Cafurna, está inserido em uma região de
Brejo de Altitude/Floresta Serrana, constituindo zonas de exceção, florestas úmidas, mesmo
no Semiárido, situados em perímetros das secas no Nordeste brasileiro, além de seu bioma,
caracterizado por diversas fisionomias da região semiárida no Nordeste englobando fauna,
flora e geomorfologia (DRUMOND, 2013, p. 01).

64
65

Pertencente ao solo.
Restrito a determinada região, neste caso específico, é nativo do Bioma Caatinga.

69

Fotografia 10: Biomas na Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018

Os estudos sobre a classificação dos Brejos de Altitude 66 em Alagoas são escassos e
em Palmeira dos Índios também. As poucas informações não são precisas, estão
desatualizadas, diferente de outros estados como, por exemplo, Pernambuco e Paraíba. Os
brejos se diferenciam uns dos outros, mantendo sempre características semelhantes como
umidade e altitude, mas podendo existir variações de uma região para outra. Por isso são
importantes pesquisas direcionadas a compreender melhor como se dão os biomas e suas
especificidades, possibilitando, assim, ações mais pontuais para os povos destas regiões, pois,
são nos brejos que nascem a maioria dos rios, e isto por si só justifica a importância de
estudos mais aprofundados (SANTOS, 2014, p. 21).
O conjunto de terras subúmidas, os brejos de altitude, em meio a um ambiente de
clima predominante seco possui condições favoráveis às atividades agrícolas em Palmeira dos
Índios. Os indígenas fazem um uso diferente dos recursos naturais, a produção agrícola com
caráter principal de subsistência, mas secundariamente de comercialização por meio da
produção excedente. Ao mesmo tempo em que garante segurança alimentar para as famílias,
possibilita uma renda extra para custear o que o meio não oferece.

66

Também chamados de florestas serranas, florestas úmidas e/ou matas serranas.

70

Na aldeia a produção agrícola se diferencia em relação ao que tradicionalmente é
cultivado no município e região. Milho e feijão, por exemplo, não são cultivados porque não
resistem ao frio das cercanias da Mata, em contrapartida existe uma produção de bananas em
larga escala para o consumo interno e para o abastecimento do comércio local, o que também
acontece com a produção de legumes, hortaliças, verduras, batata doce e mandioca. Existe
também o artesanato confeccionado pelos indígenas a partir da matéria prima da Mata. Além
das terras férteis, a água cristalina e o clima serrano fazem com que a vida na aldeia seja uma
atividade pacata e saudável, bem distante do que se observa nas cidades.

2.3 História indígena e História Ambiental
Após constituir-se como disciplina a Antropologia demonstrou o interesse em estudar
as origens das sociedades. Paralelo a este interesse, pesquisas na área de História também
contribuiu e ser parte das discussões acadêmicas, pois antes, ambas realizavam estudos
isoladamente, os campos de pesquisa eram distintos. A Antropologia desenvolveu a
Etnografia67 e a Etnologia68 e estudava temas relacionados ao cotidiano de grupos sociais.
Enquanto os historiadores continuavam reforçando o discurso assimilacionista e quando
direcionavam os índios a um tempo histórico, este tempo era sempre o passado (ALMEIDA,
2010, p.14). Estes estudos caminhavam por perspectivas de que tais sociedades tinham
culturas fixas e estavam em processo de extinção étnica, desconsiderando os processos
históricos e fortalecendo assim o discurso do colonizador.
Os discursos de negação a existência dos povos indígenas em todo o território
brasileiro ainda ocorre, principalmente no Nordeste, onde até 1970 os índios eram
considerados “índios misturados”. Tal termo objetivava desqualificá-los se comparados aos
“índios puros” habitantes da Amazônia, situação que retardou o reconhecimento étnico e
consequentemente o acesso à demarcação dos territórios reivindicados. Estas circunstâncias
tiveram menor impacto a partir da Constituição de 1988, a primeira no Brasil a garantir aos
índios o direito a diferença.
Em fins do século XX, novas interpretações tornaram-se possíveis, pois tanto
antropólogos quanto historiadores começaram a dialogar e a trocar experiências a respeito dos
temas e ferramentas de trabalho – as teorias, os conceitos e os métodos com os quais
analisavam seus objetos de estudos (ALMEIDA, 2010, p.11). Dessa forma, revisionaram as
67

Os passos iniciais para realizar a pesquisa de estudos sobre os grupos sociais.
Um ramo da Antropologia com um nível de mais profundidade e considerações mais fundamentadas no que se
referissem a estas relações socioculturais.
68

71

produções historiográficas existentes, e perceberam que ao invés de terem se extinguido,
aqueles povos indígenas haviam se multiplicado, desmontando todo um discurso. Era o
momento de repensar conceitos e estruturas de análises, oferecendo aos indígenas um lugar na
História do Brasil.
Assim, os antropólogos passaram a focar os estudos em pesquisas sobre os processos
de mudança social, considerando as dinâmicas e flexibilidades destes povos, enquanto que os
historiadores focaram estudos que analisavam os comportamentos, crenças e cotidianos destes
grupos, antes considerados irrelevantes. Isso possibilitou, de certo modo, nossa compreensão
sobre interdisciplinaridade, em que áreas distintas encontram pontos em comum para a
realização de pesquisas conjuntamente.
Em âmbito internacional a ideia de interdisciplinaridade foi se tornando mais possível,
o que certamente contribuiu para a aproximação intensa entre História e Antropologia. Estes
estudos contribuíram também para pensar os indígenas, pois evidenciaram e acompanharam
as transformações históricas, de invisibilizados a agentes históricos, de grupos exóticos
tratados com indiferença e preconceito a povos reconhecidos enquanto possuidores de
direitos.
À medida que o índio foi sendo estudado, notadamente pela Antropologia, ampliaramse o campo de estudos e a ideia de história local e memória. No Nordeste, pesquisadores
como Clóvis Antunes, contribuiu nas pesquisas sobre povos indígenas, especificamente os
Xukuru-Kariri, quando em 1965 realizou pesquisa de campo em terras indígenas para
compreender e descrever os modos de vida e os direitos às terras tradicionais, ampliou o foco
para as questões comportamentais, sociais, políticas, econômicas e religiosas dos indígenas,
possibilitando que outros pesquisadores posteriormente, viessem ampliar a discussão e
reflexões sobre a temática indígena.
Tão importante quanto estudar a história indígena, uma história dos índios, é pensar
sobre estes povos na história, como sujeitos sociopolíticos ativos nos processos históricos na
história da humanidade (SILVA, 2016, p. 13). E assim superar estereótipos, reconhecendo que
mesmo em meio a tantas tentativas de opressão e silenciamento as populações indígenas
resistiram e atualmente vivem um novo momento histórico, o de mobilizações permanentes
por direitos, dentre principalmente o territorial e o direito de expressarem-se
socioculturalmente.
O historiador E. P. Thompson contribuiu de forma fundamental quando ressaltou ser
importante considerar a historicidade da cultura. Segundo o teórico, a cultura é um produto
histórico, dinâmico e flexível que deve ser apreendido como um processo no qual homens e

72

mulheres vivem suas experiências (ALMEIDA, 2010, p. 21). Também ressaltou que “mais
importante que achar que a cultura produz humanos, seria mais rico compreender que os
humanos, a partir de suas produções de significados, produzem culturas” (MAIA, 2016, p.
12). Dessa forma, os grupos sociais, sejam indígenas, negros, ou qualquer outro, vivenciam
no cotidiano expressões socioculturais que se transformam com o tempo, sem agregar a esta
variabilidade uma perda sociocultural ou risco de extinção.
Portanto, cultura deve ser pensada enquanto manifestações de grupos que socializam
resultados em comum, de forma simbólica. A cultura, sendo dinâmica, logo pode transformarse com o passar dos anos, sendo constituída também pelo e no Ambiente onde se vive.
Partindo dessa ideia do autor, e imaginando os Xukuru-Kariri e sua trajetória, mesmo diante
das muitas perseguições, dispersando-se como indivíduos e até vivendo em outras regiões do
Brasil, ainda assim afirmam as expressões socioculturais reelaborando a identidade étnica.
Semelhante ao que ocorreu com a História e a Antropologia, aconteceu com outras
áreas de conhecimento, como exemplo a História Ambiental, pois durante muito tempo
perpetuou-se a ideia de que Cultura e Natureza trilhavam caminhos opostos e que, portanto,
não havia a necessidade de estudá-las com uma abordagem multidisciplinar. Estudiosos como
W. Catton69 buscaram em diversos momentos desconstruir essa ideia de distinção das áreas
estudadas e por mais de um século evitou-se propor que a Cultura fosse de alguma forma
condicionada por fatores sociais.
As Ciências Sociais e a História Social são estudos que remetem aos processos
históricos, símbolos socioculturais e as transformações ou não no decorrer do tempo, entre
várias outras questões comuns interligadas. Como enfatizou Drummond, “o tempo no qual se
movem as sociedades humanas é uma construção cultural consciente. Cada sociedade cria ou
adota formas de contagem e divisão do tempo em torno das quais se organizam as diversas
atividades sociais” (DRUMMOND, 1991, p.11).
Inicialmente, a História era compreendida a partir da história política, em um espaço
majoritariamente masculino e com sentimentos nacionalistas. Com o tempo, esse conceito de
“política do passado” começou a perder espaço e os historiadores começaram a desconsiderar
o que até então era tido como certeza, dando lugar à valorização das vidas e às pessoas
comuns, buscando reconceituar a história de “baixo para cima”. E em meio a este novo
momento histórico, a História Ambiental ganhou espaço, foi “parte de um esforço revisionista

69

Sociólogo norte-americano que no século XIX combateu a separação entre História Social e História Natural.

73

para tornar a disciplina história, muito mais inclusiva nas suas narrativas do que tem
tradicionalmente sido (WORSTER, 1991, p. 02).
De certo modo, o tempo foi necessário até que estudos mais aprofundados aos poucos
reafirmassem a importância da interdisciplinaridade. Tomou-se como marco inicial deste
desafio todo o século XX, nos EUA, Inglaterra e França, a princípio liderado por sociólogos,
biólogos e economistas e mais tarde por antropólogos e historiadores norte-americanos, com
os quais parece ter adquirido mais avanços. Estes últimos, reunidos em 1977 em torno da
fundação da Sociedade Americana de História Ambiental e da Revista Evironmental History,
especializada no tema, além dos congressos anuais organizados (HORTA, 2005, p. 32),
discutiam a História Ambiental, agora, reconhecida pelos estudos acadêmicos.
A História Ambiental surgiu nos anos 1970, a medida que ocorriam também crises
globais e movimentos ambientalistas que tomaram espaço entre os cidadãos de vários países.
É uma área de estudos relativamente recente, que nos últimos 30 anos propõe estudar aspectos
históricos interligados a uma perspectiva ambiental, e a partir daí, desenvolver uma nova
modalidade de abordagem, por meio destas áreas de conhecimentos que até certo tempo eram
pensadas como campos distintos, sem relação alguma, não sendo apenas a História, a
disciplina envolvida, mas também o Direito, Filosofia, Economia, Sociologia, Geografia,
Biologia, entre outras. A partir dessa junção, foi possível unir aspectos das várias áreas de
conhecimento, gerando assim a História Ambiental, com o objetivo fundamental compreender
as mudanças históricas nas relações humanas com o Ambiente; entendendo o ser humano
como parte da Natureza e não algo que contraste com ela, a partir desta estreita relação entre
Ser Humano/Natureza (MAIA, 2016. p. 07).
Estudos específicos da História Ambiental são mais frequentes na atualidade, quando
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento evidenciam a importância da
interdisciplinaridade como uma reformulação de conceitos, uma vez que no século XIX
existiu um grande conflito entre o tempo geológico e o social, resultando em inúmeros
debates científicos, superados apenas em meados do século XX. A mesma discussão também
reconheceu que a História Ambiental é uma síntese de várias contribuições em uma mesma
perspectiva:
[...] todos esses estudiosos consideram uma das inovações principais de suas práticas
a grande disposição em dialogar com cientistas políticos e filósofos, mas também e
especialmente geógrafos, geólogos, estudiosos do clima, biólogos, químicos,
agrônomos e muitos outros. A interdisciplinaridade – ou seja, o encontro de várias
áreas do conhecimento – é uma das maiores tônicas da autodenominação da história
ambiental (HORTA, 2005, p. 33).

74

É necessário pensar a História Ambiental como possibilidades além das fronteiras da
disciplina de História, dos limites da ciência tradicional, como um encontro de várias áreas do
conhecimento, isto é, “a História Ambiental se apresenta como uma prática de conhecimento
eminentemente interdisciplinar e os campos de interesse são amplos e irrestritos” (HORTA,
2005, p. 94).
Pesquisadores desta temática afirmam ser imprescindível “colocar a sociedade na
Natureza” termo este usado por Donald Worster70 um dos pioneiros e principais responsáveis
em incorporar aspectos sociais e ambientais em uma mesma discussão, pois mesmo não sendo
uma tarefa fácil, tratava-se de algo necessário. De forma breve, o citado pesquisador definiu a
História Ambiental: “seu objetivo principal se tornou aprofundar o nosso entendimento de
como os seres humanos foram, através dos tempos afetados pelo seu ambiente natural e
inversamente, como eles afetaram esse ambiente” (WORSTER, 1991, p.199). Outros
pesquisadores chamaram a atenção para os possíveis desafios teóricos em se construir uma
História Ambiental sólida, sem negar que foram muitas as possibilidades nas últimas décadas,
como afirmou o historiador Paulo Henrique Martinez:
[...] é preciso sublinhar que o meio ambiente, enquanto objeto de estudos, não é uma
novidade na historiografia e nas Ciências Sociais. Inúmeros aspectos da interface
entre a vida social e o mundo natural foram examinados pelos analistas e intérpretes
do passado humano. As características do meio físico, como o clima, rios, oceanos,
florestas, montanhas ou planícies, comparecem com alguma frequência em
apreciações sobre a história das civilizações e das nações do mundo. (MARTINEZ,
2011, p.36)

O que se transformou foi a ideia de analisar como ocorrem as interações entre Cultura
e Natureza e o que juntas podem gerar, unindo discussões da História com várias outras
disciplinas, possibilitando diálogos entre si e focando principalmente nas transformações das
ações humanas no tempo e no espaço. Segundo Worster (1990), a História Ambiental trata do
papel e do lugar da Natureza na vida humana, interpretando os fatos históricos a partir da
realidade apresentada pela paisagem natural, interligando aspectos naturais com aspectos
socioculturais, econômicos e políticos dos territórios, e a partir disto, realizando estudos sobre
o funcionamento e organização da Natureza, e como ocorrem as relações de etnicidade e

70

Historiador americano, responsável por divulgar a História Ambiental no EUA, Inglaterra e França e por
influenciar o gênero historiográfico que se expandiu no Brasil na década de 1980. Defendendo que a História
Ambiental surgiu de um objetivo moral e envolta de uma rede de compromissos políticos, tornando-se mais
autônoma e acadêmica com a sofisticação de interesses e de objetos. (WORSTER, Donald. Para fazer História
Ambiental. In: Estudos históricos, Rio de janeiro, vol. 4, 1991, p. 198·215).

75

territorialidade nestes ecossistemas com os diversos grupos sociais, neste estudo mais
específico, com os povos indígenas.
No universo da discussão ambiental, também sobre o novo momento vivido pela
História e a Antropologia, os povos indígenas são pensados a partir da abordagem de que
agregam consigo aspectos históricos, socioculturais, ambientais, identitários, dentre outros,
unindo a História Ambiental e história indígena contemplando esta proposta interdisciplinar.
Mesmo antes de existir a História Ambiental, historiadores renomados já realizavam
discussões de temas associado à Natureza, entre estes March Bloch 71 e Lucien Febvre72, que
fundaram a Revista dos Annales em 1929, na França, e pouco depois Fernando Braudel73, que
também comandou a mesma revista em sua 2ª geração, tendo no Ambiente a possibilidade de
estudos históricos, como, por exemplo, o conceito de longa duração 74 (longe durée).
No Brasil, intelectuais como Euclides da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto
Freyre e Josué de Castro foram de certa forma as referências iniciais, pois abordaram
discussões sobre Natureza, embora não tenham se declarado como historiadores ambientais,
como no caso de Sérgio Buarque de Holanda quando observou que “as relações com a
natureza no Brasil, estiveram marcadas por uma conduta de geração de “riqueza que custa
ousadia, não riqueza que custa trabalho”, caracterizada pela ausência de “vontade criadora”
do colonizador” (MARTINEZ, 2005, p. 30).
Em seguida, estudiosos mais contemporâneos, como José Augusto de Pádua, Regina
Horta, Paulo Henrique Martinez, José Augusto Drummond, estudaram o Brasil de forma
abrangente, provocando e ampliando as discussões e reconhecendo as variáveis ambientais
em questões ligadas a clima, vegetação, fauna, flora, ecossistema, economia, recursos naturais
entre outros aspectos. Há também pesquisadores que se dedicam a uma História Ambiental e
indígena a partir da região Nordeste como por exemplo, Edson Silva e Edivânia Granja, que
tratam da importância que a Natureza tem nas relações sociopolíticas de grupos humanos,
compondo a partir de então sua identidade cultural.

71

Historiador francês, fundador da Revista dos Annales, considerado um dos mais competentes medievalistas e
um dos principais historiadores do século XX.
72
Historiador e geógrafo francês, que com Marc Bloch fundou a Revista dos Ananles, o mesmo dirigiu críticas
intensas ao modo de se escrever a história, principalmente aquela que priorizava a história política.
73
Historiador francês que durante os anos de 1935 a 1937 e depois em 1947, foi Professor na Universidade de
São Paulo- USP, sendo um momento chave para uma produção historiográfica brasileira marcada pela produção
do conhecimento histórico, intelectual e científico. Também dirigiu a Revista dos Annales, onde sucedeu Lucien
Febvre após sua morte. Na revista o historiador por meio de suas produções quis provar que a história pode fazer
mais do que estudar jardins murados. Cracco, 2009.
74
Conceito caracterizado pelo tempo histórico em suas dimensões de “temporalidade” e “duração”, uma história
quase imóvel através das paisagens e das relações humanas com o meio. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/11449/93349> Acesso em 09/08/2018.

76

A História Ambiental é a história das relações históricas entre sociedade e Natureza ao
longo do tempo, é a forma como pensamos e nos relacionamos com a Natureza. Pensar em
História Ambiental, significa que estamos considerando que história humana é parte de uma
história maior, por meio de uma dinâmica não apenas humana, mas também do tempo, dos
animais, do clima, das terras, entre outros elementos. O Ambiente é um agente ativo na
história, em sucessivos processos de construção e reconstrução ao longo do tempo.

2.4 A biodiversidade na Mata da Cafurna
Aldeia Mata da Cafurna, território do povo Xukuru-Kariri foi retomada em 1979 por
meio de muitas mobilizações, que não se encerraram com a primeira parte da Aldeia
retomada. Foram necessários muitos anos para que se concluísse o processo de posse e
homologação das terras de forma definitiva aos indígenas. Uma vez retomada, foi preciso
reorganizar o povo, definir espaços coletivos e espaços individuais e preservar o Ambiente, já
que existiam sinais de um solo enfraquecido que necessitava de cuidados por conta da
produção monocultora de capim e a criação de gado.
Para os Xukuru-Kariri, retomar a terra indígena foi importante em vários sentidos.
Primeiro porque se mobilizaram, resistiram e conseguiram; segundo porque foi possível
cuidar do Ambiente, “segurar o que tinha” desde animais como paca, veado, serpentes, aves,
pássaros, como também pensar no reflorestamento ou pelo menos ações que minimizassem os
danos à Natureza. Desde então existem ações do IMA75 na Aldeia com a soltura de animais
recuperados para que seja possível a reintegração ao meio natural, além de fiscalizações
contra a caça e o desmatamento. Como narrou o indígena Lenoir Tibiriçá 76:
Quando nós chegamos na terra, a terra só tinha mata, muita jaqueira, tinha café,
tinha banana, e ainda hoje ela é uma área com muita água. A Mata da Cafurna foi
uma questão de ser preservada como mata, a nossa cultura, nossos animais e até
mesmo as plantas medicinais naturais, plantas que hoje não existem mais e plantas
nativas que ainda existem né? Por que muitos já se foram que nem o juazeiro, a
braúna, todos desapareceram, essas madeira a aroeira, tudo madeira de serventia de
fazer casa e também ter o próprio remédio de inflamação e muitas outras coisa77.

O entrevistado relatou sobre a situação da Aldeia quando retomada, descrevendo as
relações dos indígenas com o Ambiente e como estas relações ocorrem atualmente. Para os
indígenas, a Mata é o espaço mais importante na Aldeia, pois é por meio dela que o povo
77

Instituto do Meio Ambiente de Alagoas.
Liderança da Aldeia Mata da Cafurna. Entrevista realizada em 27/05/2017, Palmeira dos Índios.
77
Entrevista com Lenoir Tibiriçá, realizada na Aldeia Mata da Cafurna no dia 27/05/2017, Palmeira dos
Índios/AL.
76

77

alimenta o corpo e a alma, sendo principalmente a morada dos Encantados, uma espécie de
conexão entre o mundo material, o Cosmos, com o universo espiritual.
Os fatores que condicionam a existência e distribuição da biodiversidade são o
clima, o relevo, a maritimidade, a continentalidade, os solos, as mudanças
climáticas, os adensamentos populacionais, artefatos e tecnologias humanas. Estes
fatores são causas do surgimento da biodiversidade, também da extinção das
espécies animais e vegetais pela ação permanente de agentes naturais e antrópicos
(SEABRA, 2011, p. 20).

Embora o território ocupado seja limitado existe uma biodiversidade considerável,
desde várias espécies de animais a uma flora resistente às ações da prática monocultora,
pincipalmente a plantação de capim e a criação expansiva de gado, tanto para engorda quanto
para o abate. Ainda há a segurança hídrica, a exemplo do açude, da lagoa e das nascentes
espalhadas por toda a Aldeia. O clima úmido certamente tem contribuído para que o solo se
recupere das agressividades provocadas ao território quando estava nas mãos dos posseiros.
A Mata da Cafurna requer cuidados e implantação de políticas públicas que assegurem
a continuidade de seus habitantes indígenas com práticas socioambientais sustentáveis. Os
órgãos como a FUNAI que deveriam prestar assistência praticamente não mantêm relações
com os indígenas, que fazem o possível para cuidar do Ambiente, mesmo não tendo
conhecimentos técnicos que possibilitem melhor conservação da biodiversidade na Aldeia.
Nas visitas a Aldeia, foi possível conhecer a Mata, lugar sagrado para os indígenas
Xukuru-Kariri. Conhecer a diversidade de espécies, a flora identificando variedades de
plantas relacionadas abaixo.
Quadro 2: Variedade de plantas nativas existentes na aldeia Mata da Cafurna

Ordem
01
02

Variedade de plantas
nativas na aldeia
Abacate
Alfavaca

03

Alecrim

04
05

Amescla
Aroeira

06
07

Barbatimão
Babosa

08
09
10

Banana
Cabo de facão
Cajueiro (vermelho e

Seu uso pelos indígenas
fruto para alimento.
para tratar tosses e
bronquites.
para aliviar o cansaço do
corpo.
como defumador.
para inflamações na
garganta
para cicatrizações.
Renovar a pele, tratar o
cabelo.
fruto para alimento.
arborizar o ambiente.
fruto para alimento/

78

amarelo)

inflamações na garganta
e gengiva.

Camboatã

madeira para construção
de casas.
diarréia.
madeira para construção
de casas, estacas,
também para lenha.
calmante.
calmante.
produção de artesanatos.

11

12

Camará

13

Canzenzo

14
15
16

Capim santo
Cidreira
Cipó (vários tipos: rego,
titara)

17

Cupiúba

18

Eucalipto

19
20
21
22

Embaúba
Feijão brabo
Goiaba
Hortelã da folha miúda

23

Imbira

24
25
26

Ingazeira
Ipê
Jatobá

27

Jaca

28
29

Juá
Louro

30
31

Manga
Maracujá

32

Mastruz

33

Murici

34

Palmeira (tipos: catolé,
ouricuri)
Pau pombo

35

arborizar o
ambiente/madeira de
qualidade para fazer
portas.
descongestiona as vias
respiratórias.
produção de artesanato.
coceira/ alergia.
fruto para alimento.
preparo de carnes e para
rezas.
produção de cordas/
infecções pulmonares
tratamento de bronquite.
infecções renais.
soltar o catarro.
fruto para
alimento/também para
prevenir contra males na
próstata.
para inflamações
utiliza-se junto com o
fumo.
fruto para alimento.
para acalmar, diminuir a
ansiedade.
afinar o sangue e tirar o
catarro do peito
suco/vitamina para
fortalecer, dar
disposição.
produção de artesanatos
produção de artesanatos.
fruto para
alimento/também

79

36

Pitomba

37

Quixabeira branca

38

Samba caitá

39
40
41

Sabacuí
Sucupira
Vassourinha de botão

utliliza-se a folha para o
preparo de chás para
amenizar a diarréia.
Para tratar ferimentos e
queimaduras.
para tratar inflamações e
infecções.
produzir artesanato.
para controlar a diabetes.
hemorróidas e varizes.

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Esta diversidade de plantas identificadas pelos indígenas, apresentada em um número
certamente inferior a quantidade existente, evidencia a fertilidade nos solos da Aldeia Mata da
Cafurna, mesmo a partir das condições das terras, resultado do uso inconsequente com adubos
e fertilizantes, quando ainda estavam nas mãos dos posseiros, como relatou Lenoir:
Agora não, mas antes saía de caminhão de batata, de macaxeira, de banana, até de
verduras mesmo. Essa terra, o Everaldo Garrote ele usou muito aquele veneno que
ele jogava no mato e matava o mato, entendeu? E enfraqueceu, enfraqueceu as
cultura que nós plantava, não dá mais. Principalmente as banana, aquelas banana
maçã, a banana prata, que nós fazia remédio com ela, até os anos 90 a gente
produzia tudo isso, mas a terra enfraqueceu, se plantava as banana, quando daqui
uns 5, 6 mês, tava morta, as banana ia secando entendeu? E o vento ia derrubando e
não teve como mais, sustentar, tanto a banana prata, como a banana maçã, você vê
que hoje não tem mais essas variedade mais, você vai encontrar já uma outra
variedade, a pacovã que parece prata, que o pessoal vende como prata, mas já é
outra variedade78.

Para o entrevistado, as produções agrícolas não são maiores porque os antigos
posseiros criavam gado e plantavam capim e depois da retomada também não havia consenso
entre os indígenas quanto ao tratamento com a Natureza. Situação que melhorou bastante,
principalmente em referência ao desmatamento e à caça, atualmente proibidos e combatidos
com veemência no território pelos próprios indígenas.
As plantas formam, de longe, a maior parte da biomassa existente no planeta. Em toda
a história, a humanidade tem dependido crucialmente das plantas, para alimentos, remédios,
material de construção, habitat de animais de caça e escudo contra o restante da Natureza. As
plantas têm sido, quase invariavelmente, aliadas dos humanos para sobrevivência e
prosperidade. Assim, quando os seres humanos e plantas se encontram, surgem mais temas de
História Ambiental do que em qualquer outra circunstância. Sem o conhecimento ecológico
da vegetação, a História Ambiental perde os alicerces, a coerência, o primeiro passo

78

Entrevista com Lenoir Tibiriçá na Aldeia Mata da Cafurna em 21/03/2018, Palmeira dos Índios.

80

(MARTINEZ, 2011, p.08).Isto descreve muito sobre essa biodiversidade presente por toda
Aldeia, também por todo o território Xukuru-Kariri, cujos habitantes, mesmo sabendo das
condições de solo na atualidade, buscam mesmo sem técnicas específicas cuidar do território,
das espécies, compreendendo que só assim será possível habitar um ambiente saudável e
ecologicamente sustentável.
Também foi listado o nome de alguns animais da fauna na Aldeia discriminados
abaixo, que foram identificados a partir de visitas e por meio dos relatos dos habitantes na
Mata da Cafurna. A tabela apresenta apenas 18 variedades de animais, mas certamente existe
um número muito maior de espécies que não foram possíveis de serem identificadas.

Quadro 3: Variedade de espécies de animais encontrados na aldeia

Ordem
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18

Variedade de espécies de animais
encontrados na aldeia
Caninana
Cobra coral
Cobra corre campo
Cobra cascavel
Galinha d’água
Garça
Guará
Guiné
Guriatã
Paca
Pato
Peixe tilápia,
Peixe tambaqui
Sabiá
Tatu
Tamanduá
Veado
Vivinho

Fonte: Elaborado pela autora, 2018

A reconquista dos Xukuru-Kariri a Mata da Cafurna criou uma nova dinâmica aos
habitantes, uma nova unidade sociocultural mediante uma identidade diferenciadora, a
constituição de mecanismos políticos para lidar com uma nova conjuntura, o controle sobre os
recursos ambientais na Aldeia, e por fim a reelaboração da cultura e da relação com o passado
(OLIVEIRA, 2004, p. 22). Dessa forma os indígenas foram reinventando e criando condições
que fortaleceram as expressões socioculturais com o território e com o povo.

81

2.5 A Aldeia Mata da Cafurna como espaço identitário

Além da conquista de mais um direito, a (re)territorialização na Aldeia Mata da
Cafurna pode ser compreendida como um processo de reorganização social envolvendo
desafios cotidianos, até que se constituísse de fato um espaço social. Após a retomada, foi
necessário organizar as famílias, reconhecer os limites da propriedade, oficializar lideranças,
definir coletivamente o que era permitido e proibido; tudo isto levou tempo, desencadeou
disputas, inúmeras reuniões, mas principalmente motivou a acreditar que, uma vez
mobilizados, as conquistas mesmo que demoradas aconteceriam. O momento vivido pelos
Xukuru-Kariri assemelha-se ao pensamento de Barth (2000), quando afirmou que o conceito
de etnicidade está relacionado ao sentido organizacional dos grupos étnicos entendidos como
categorias de atribuição e identificação realizadas pelos próprios atores que se organizam para
interagir e categorizar a si mesmo e os outros. Para Barth (2011), “as distinções étnicas não
dependem da ausência de interação e aceitação sociais, ao contrário, são frequentemente a
própria base sobre o qual sistemas sociais abrangentes são construídos” (BARTH, 2011, p.
26).
Barth (2000) também definiu como grupos étnicos como um tipo organizacional em
que em uma sociedade se utilizava de diferenças culturais para fabricar e refabricar a
individualidade diante de outras com quem estava em um processo de interação social
permanente. Para Oliveira (2004) seria um equívoco, pretender reportar-se a uma condição de
isolamento para explicar elementos definidores de um grupo étnico, cujos limites seriam
construídos situacionalmente pelos próprios membros daquela sociedade. Para o autor,
administrar é realizar a gestão do território, é dividir a população em unidades geográficas
menores e hierarquicamente relacionadas (OLIVEIRA, 2004, p. 23).
Ao longo dos anos na Aldeia, foi sendo criada uma dinâmica própria, pois os
habitantes mais adaptados perceberam que junto ao território havia uma cultura de
pertencimento, um compromisso maior com a Aldeia, com os pares e à medida que mais
tempo passava, maior era o sentimento, comum a praticamente todos os habitantes. Este
sentimento possibilitou a continuidade das mobilizações, resultando na conquista de outras
áreas que foram retomadas pelos Xukuru-Kariri. Uma situação justificada também pelo
conceito de “experiência” utilizado por Thompson (1981) quando fez distinção entre a
experiência vivida e a experiência percebida, sendo ambas autoformadoras das experiências
históricas e conquistas apreendidas por homens e mulheres concretos, reais. (MELO JUNIOR,

82

2017, p. 03). São nos espaços das experiências compartilhadas cotidianamente que se definem
e se constituem os grupos sociais, com as identidades étnicas, socioculturais e territoriais.
Segundo Frederich Barth (2011), a definição de grupos étnicos pela literatura
antropológica é fundamentada em quatro pontos: primeiro a autoperpetuação do ponto de
vista biológico; segundo, o compartilhamento de valores fundamentais, realizados de modo
evidente em determinadas formas culturais; terceiro, constituindo um campo de comunicação
e interação e, por fim, o quarto, um conjunto de membros que se identificam e são
identificados por outros, como constituindo uma categoria que pode ser distinguida de outras
categorias na mesma ordem. Barth rebateu estas formulações de definição justificando que
impedem a compreensão do fenômeno dos grupos étnicos e lugar na sociedade e cultura
humana, esbarrando na manutenção das fronteiras, que são problemáticas, pois implicam na
socialização da diversidade cultural, priorizando que cada grupo étnico se isole a própria
“ilha”.
O território em discussão destaca-se entre os demais por possuir uma Mata, espaço
para três principais ações: realizar os rituais como o Ouricuri, principal manifestação religiosa
dos Xukuru-Kariri; também por explorar os recursos naturais, seja como matéria prima para
produzir a arte, seja para fazer uso das plantas nativas produzindo remédios fitoterápicos ou
curas por meio da energia das plantas e da comunicação com os Encantados que direcionam
suas lideranças ao uso adequado das plantas. Como narrou Korã, índia Xukuru-Kariri
habitando a Aldeia e que realiza práticas integrativas:
[...] A Mata é o pulmão de Palmeira dos Índios, foi um lugar que nos permitiu
conservar nossa cultura, nossa religião, por que pra nós é vivo ainda, entendeu? Por
que tem assim a forma da gente, a forma que a gente não pode dizer que pra nós é
considerado vivo, que tá presente no meio da gente, de nós indígenas, que se não
fosse a aldeia a gente não podia fazer, viver só com a presença de nós índio79.

A Aldeia Mata da Cafurna deve ser considerada, a partir das experiências históricas,
por meio das vivências cotidianas dos habitantes para construírem a própria história. A partir
daí, evidencia-se a identidade indígena no espaço natural, tendo o Ambiente enquanto lugar
muito simbólico e de reafirmação sociocultural, expressando as relações socioambientais e
tornando visível a importância do território para os indígenas e para o município como um
todo.
O espaço habitado tornou-se condição para que os indígenas construíssem ao longo de
37 anos80 pós-retomada uma relação identitária com o território, além de um espaço histórico
79
80

Entrevista com Korã Xukuru-Kariri na Aldeia Mata da Cafurna em 21/12/2017, Palmeira dos Índios.
A pesquisa realizada tem como marco temporal os anos de 1979 a 2016, em um período de 37 anos.

83

e socioambiental que vem colaborando para a conservação do Ambiente por meio de uma
relação sustentável, principalmente no que se refere ao uso dos recursos naturais. Valores
socioculturais e humanos originários de uma tradição não compreendida pelos posseiros que
têm a terra apenas como fonte de exploração e lucro, como abordou o pesquisador Edson
Vicente:
[...] a sustentabilidade sociocultural está associada aos sistemas socioambientais
envolvendo relações e laços emotivos e sociais, que são valores culturais e humanos.
Essas relações se unem de forma coesa em um dado território vinculados por um
sentimento de pertencimento (SILVA, 2011, p. 67)

A vida em comum possibilita aos indígenas a afirmação de expressões e a socialização
dos conhecimentos como, por exemplo, a manipulação de ervas medicinais naturais, o
cuidado com as plantas nativas e a multiplicação. Pensar a Aldeia como um espaço
socioambiental é compreender que “os dilemas sociais estão intrinsecamente ligados aos
danos ambientais e que para salvar uma floresta é preciso salvar sua gente” (e vice-versa)
(SATO,2011, p.37).
Este espaço, além de ser habitat, é também espaço que identifica como pertencente a
uma identidade étnica, compreendendo uma dinâmica de relações que são construídas
historicamente, também caracterizadas pela multiplicidade, transformadas com o passar dos
anos e sendo reelaborada socioculturalmente a partir do Ambiente onde é vivenciada a
construção identitária.
Sobre identidade indígena, Arruti (1996) discutiu a ressignificação enquanto marca
identitária, tendo duas questões como essenciais: o território, e a questão cultural. A primeira
remete a uma construção sociocultural, lugar de práticas sociais, políticas e afirmação
identitária; a segunda, no sentido de socialização dos conhecimentos tradicionais por meio de
narrativas e simbologias unindo as memórias dos mais antigos ao atual cotidiano dos
habitantes, por meio das relações com o tempo e o espaço.
A Mata da Cafurna compõe, portanto, um espaço histórico e socioambiental para os
indígenas que colaboram para a conservação do ambiente natural, através de mobilizações
sociopolíticas que tornam compreensíveis as afirmações identitárias.
São os sentidos de Natureza que leva em consideração o tempo, o espaço e os
processos históricos, a partir de interações com a fauna e a flora conectados ao universo
simbólico. O território possui uma sensação mística, ao mesmo tempo que é condição para os
indígenas viverem e realizarem os rituais religiosos, plantarem ervas, expressarem os
conhecimentos adquiridos de outras gerações e historicamente construídos a partir da

84

retomada do lugar, evidenciando ainda mais as expressões socioculturais e a identidade do
povo indígena Xukuru-Kariri. Além disso, a importância se estende ao território municipal
como um todo, pois em Palmeira dos Índios o único espaço que possui uma reserva florestal é
na Aldeia Mata da Cafurna, são quase 300 ha de Mata preservados pelos indígenas XukuruKariri. Isso significa que o município mesmo não evidenciando precisa reconhecer que os
territórios indígenas são muito importantes para a Natureza, não apenas para os indígenas,
mas também para a população como um todo.
Em uma das diversas entrevistas realizadas durante o período de pesquisa, o indígena
Tanawy, uma das principais lideranças da juventude Xukuru-Kariri, nos informou a possível
construção de 100 casas em parceria com a Caixa Econômica Federal, e ao mesmo tempo em
que esboçou contentamento pela possibilidade desta conquista, nos falou de uma
preocupação: a falta de áreas dentro da Aldeia que possibilitasse essas construções, pois,
A gente tem um projeto pra construir 100 casas, mas construir onde? Aí a gente tá
com esse problema, mesmo que consiga o recurso se a única opção for adentrar a
mata, a gente prefere não fazer, vai continuar vivendo famílias com 18 pessoas, mas
nós não vai derrubar a mata. E por que essa postura? Por que é ela (a mata) nosso
alicerce, nossa cultura, é o ar puro que a gente respira, nossa fortaleza, é a nossa
mata, sem ela a gente não tem nosso ritual, a gente não tem nada e se for preciso a
gente dar a nossa vida por ela, a gente dá81.

A partir de situações como esta, é que se torna mais possível compreender a dimensão
desta relação do indígena com a Natureza, a narrativa expressada em alguns momentos podem
ser entendidos como algo romantizado, ou um relato que não necessariamente seja uma
prática no cotidiano. No entanto quando nos deparamos com situações assim, percebemos que
a narrativa é prática, é coerência, mesmo que para isso sejam necessários perder benefícios
que são direitos, que por tanto tempo foram negados, mas que podem interferir em relações
com a Natureza. Pois, quem é que não quer ter sua casa? Mas quando essa possibilidade parte
da necessidade de derrubar a mata, os indígenas sem pestanejar recusam, o que pode justificar
as relações tão intensas com o Ambiente, onde para o indígena, o ser humano é parte na
Natureza, e não algo que contraste, ocorrendo então as múltiplas manifestações de cultura e
Ambiente.
Em Palmeira dos Índios, parte da população foi estimulada a pensar o índio como um
ser primitivo, pertencente ao passado, sendo isto reforçado também por uma produção cultural
e literária, tanto regional quanto nacional, ignorando que os povos indígenas tem uma cultura

81

Entrevista com Tanawy Xukuru-Kariri, realizada pela autora, na Aldeia Mata da Cafurna no dia 21/11/2018.

85

dinâmica, podendo passar por transformações que em nada alteram sua identidade étnica
(NEVES, 2014, p. 27).
Nos estudos sobre as memórias, “todo indivíduo, com raras exceções é dotado de
memória, que é uma organização neurobiológica, influenciada por experiências pessoais
geradas a partir das interações” (CANDAU, 2016, p. 21). Dessa forma, todos somos capazes
de contribuir de alguma forma no processo histórico, que proponha evidenciar os povos
indígenas, inclusive problematizando qual o lugar que o índio ocupa nesta sociedade, como
lembranças longínquas ou como agentes sociopolíticos na história do município de Palmeira
dos Índios? Pois o município que desde a nomenclatura faz referências aos Xukuru-Kariri, é
também o mesmo município que parece querer negar, marginalizar e invisibilizar estes povos
culturalmente diferenciados, mas que compõem a população palmeirense, mobilizando-se
para estarem presentes como autores da própria história e não mais como simbologias
pertencentes a um passado saudosista.
É necessário compreender que os povos indígenas não querem disputar importâncias
ou destaque com ninguém, apenas querem ser reconhecidos como indígenas e terem acesso
aos territórios é um dos principais objetivos e direitos garantidos pela Constituição vigente.
Seguido desta reivindicação. Querem ter condições de viver por meio do trabalho, das
produções agrícolas, produções artesanais, vivenciando

a cultura e afirmando-se

identitariamente a partir das relações construídas com o espaço habitado pelo povo.
A preservação do Ambiente e o uso de modo consciente e sustentável dos recursos
naturais são práticas recorrentes entre os povos indígenas, cada um no modo específico
realizam ações ambientais que garantem melhorias para todos em seu entorno, seja indígena
ou não, pois cuidar da Natureza implica em conservação da biodiversidade, qualidade hídrica,
maior fluxo de água nos lençóis freáticos e as respectivas nascentes, gerando um equilíbrio
ecológico dinâmico.
A reconquista dos territórios indígenas possibilitou a recuperação de áreas antes
utilizadas pela expansão pecuária e, algumas vezes, do agronegócio. Estas práticas
transformaram as paisagens, e resultando na perda da biodiversidade. A destruição parcial dos
ecossistemas é uma realidade enfrentada pelos Xukuru-Kariri na Mata da Cafurna, mas
também aos habitantes nas demais Aldeias em Palmeira dos Índios, também por várias outras
populações indígenas, pois quando se interfere no ecossistema, automaticamente se destrói
espécies e variações existentes. Com isto, não se pode negar, os povos indígenas contribuem
muito para a conservação ambiental, os conhecimentos e usos tradicionais têm historicamente
garantido uma preservação, resultado de uma ligação entre o ser humano e seus ambientes

86

naturais, buscando equilíbrio entre ambos. É claro que estas relações não ocorrem de forma
harmoniosa entre todos os habitantes, aliás, seria humanamente pouco provável que sim. No
entanto, não há como negar a tentativa dos indígenas em gerir os territórios respeitando o
Ambiente, espaço sagrado, morada dos Encantados, também o lugar.

87

CAPÍTULO III
O AMBIENTE COMO UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA
XUKURU-KARIRI
3.1 Memórias, oralidade e situação fundiária

As relações dos Xukuru-Kariri com a retomada da Mata da Cafurna em muito são
expressas pelas memórias em referência ao vivido, a um cotidiano diferente da atualidade.
Isso porquê “a constituição da memória é importante por que está atrelada à construção da
identidade” (ALBERTI, 2004, p. 27), pois, embora naquela época mobilizar-se por territórios
implicasse em riscos, também possibilitava sentimento de pertencimento e compromisso
coletivo construído diariamente. E compreendido como a construção identitária, interligada ao
Ambiente, características estas que impulsionaram os indígenas a reconquistar os territórios,
fortalecendo-os socioculturalmente, mediatizados pela história.
As memórias e narrativas dos indígenas estão em maioria relacionadas a um contexto
social e coletivo e “é por isso que sentimos tanta dificuldade para lembrar acontecimentos que
só dizem respeitos a nós mesmos. Vemos então que não se trata mais de esclarecer uma
essência ou realidade fenomenal, mas de compreender uma relação diferencial”
(HALBAWCHS, 2003, p. 13).

As situações recordadas podem até inicialmente serem

lembradas individualmente, mas sempre estarão entrelaçadas as presenças, uma vez que não
existem apenas lembranças individuais.
Estas memórias, ora expressam proximidade, ora distanciamento. Quando é tida como
algo positivo, traz proximidade e várias outras memórias conjuntamente. Quando não é
positiva, pode ser citada, mas nada que se prolongue, pois esta memória também pode estar
carregada de recordações difíceis, e portanto tornam-se distantes, e pouco citadas. De todo
modo, ambas as situações são muito significativas, pois podem preencher algumas lacunas,
localizadas no tempo como no espaço.
Para ser possível conhecer as percepções e significados dos indígenas com relação ao
território habitado, recorremos a história oral, por meio de entrevistas, uma vez que,

Representações são tão reais quanto meios de transporte ou técnicas agrícolas.
Quando um entrevistado nos deixa entrever determinadas representações
características de sua geração, de sua formação, de sua comunidade etc. elas devem
ser tomadas como fato e não como “construções” desprovidas de relação com a
realidade (ALBERTI, 2004, p. 09/10).

88

A pesquisadora evidenciou

a importância da história oral enquanto suporte

metodológico multidisciplinar para minimizar possíveis lacunas na história, além de
minimizar os discursos elitizados e, por fim, favorecer aos invisibilizados, evidenciando as
memórias, como no caso dos indígenas Xukuru-Kariri habitantes a Mata da Cafurna. Foi
possível reconstituir situações vivenciadas a partir das memórias e oralidades indígenas,
superando assim a ideia equivocada de que a história oral não configura-se efetivamente
enquanto documento, ao invés disso reconhecendo a importância das narrativas como
contribuições para a pesquisa. As narrativas dos indígenas foram muito importantes para
estabelecer pontos em comum com as demais fontes. Em diversos momentos foi possível
entrecruzar as documentações e narrativas que se complementaram. Dessa forma, foi possível
também, provocar as memórias, confrontá-las, provocando inclusive mudanças nas
interpretações sobre determinadas situações.
A primeira parte da Aldeia ocupada em 1979, no município de Palmeira dos
Índios/AL, tinha um total de 117,6 ha e uma área verde muito importante para os indígenas,
que optaram por garantir o espaço para realizarem os rituais sagrados e para plantar roças,
fortalecendo-se tanto espiritualmente como fisicamente ao minimizar as necessidades com a
alimentação, e de forma geral para demarcarem o território retomado. Mesmo que sendo
insuficiente para abrigar todo o povo mobilizado, permaneceram em barracos improvisados,
até que mais áreas fossem reconquistadas e preservando a área retomada como Mata.
Por volta de 1986, foi necessário entrar com ações na Justiça Federal contra o posseiro
Everaldo Garrote82 e aguardar a burocracia para que formalmente essa parte do território fosse
retomada. Esta área tinha um total de 175 ha, quando estava em posse de Garrote e a criação
de gado predominava. No local encontrava-se a jaqueira, preservada atualmente no pátio da
Escola da Aldeia, pois além da importância simbólica, é um espaço de resistência, memórias e
de identidade do povo Xukuru-Kariri.
Durante o período de negociação com Everaldo Garrote, ocorreu outra retomada, o
espaço estava em posse de Pedro Pereira Lima, mais conhecido como Pedro Benone83, que
não demonstrou muita resistência. A área em sua posse era pequena, 22 ha, porém
argumentou que na área territorial em disputa existia uma produção de café em fase de
colheita. Em uma das várias audiências o posseiro solicitou colher o café, utilizando como

82

Agropecuarista natural de Palmeira dos Índios, casado com Dona Vanda, ambos de famílias tradicionais no
município.
83
Casado com Edite Colatino Lima e moravam em Palmeira dos Índios.

89

justificativa a necessidade de custear o sustento da família. Na época o Juiz recusou o pedido,
afirmando que a área estava ocupada e portanto o pedido tornava-se inviável.
Após a retomada citada acima, demorou um tempo até que outros territórios fossem
ocupados pelos Xukuru-Kariri. Em 1988 a área em posse de Leopoldino Torres84 foi ocupada,
121 ha, com árvores frutíferas em uma parte, a outra parte destinada a criação de gado. Torres
parecia ser estimulado por outro posseiro a não negociar com a FUNAI. O outro posseiro era
Hélio Alves de Carvalho 85, que tinha posse de uma área territorial de 175 ha. As áreas em
posse tanto de Leopoldino quanto de Hélio foram ocupadas simultaneamente, resultando em
ameaças aos indígenas ainda mais violentas que as anteriores dos outros posseiros.
Os respectivos territórios foram ocupados em razão da longa espera de ações
referentes às denúncias dos indígenas a vários órgãos públicos contra o desmatamento pelos
posseiros, ameaçando a segurança dos circunvizinhos, e pondo em risco o Ambiente. Além
disso, as duas áreas estavam no perímetro delimitado como terra indígena pela portaria PP
041186, e não tinha ocorrido a homologação em trânsito julgado. A área só foi definitivamente
regularizada em 1994, aumentando consideravelmente o território Xukuru-Kariri.
As últimas áreas ocupadas e referentes a atual Aldeia Mata da Cafurna ocorreu em
2008, com a ocupação de duas áreas pequenas em posse de “Dona Vandete”87 e Geraldo
Fernandes88. As áreas eram de 06 e 17 ha respectivamente, a menor das áreas reconquistadas.
Estas duas ocupações foram muito rápidas, e tiveram como principal característica a
mobilização da juventude Xukuru-Kariri, não apenas dos habitantes na Mata da Cafurna, mas
dos jovens de outras aldeias no município.
Dessa forma se constituiu o território da Aldeia Mata da Cafurna. Para tornar mais
compreensível, organizamos em quadro as ocupações que ocorreram até a composição atual,
incluindo também as áreas ocupadas e os posseiros, respectivamente, tendo como base as
fontes consultadas para pesquisa.

84

Identificou-se no processo contra a FUNAI como agricultor, mas tinha relações com pessoas influentes no
município. Possivelmente o posseiro tentou ocultar a ocupação para obter sucesso no processo.
85
Conhecido como Hélio da Purina, natural de Bom Conselho/PE e dono de uma loja comercial na cidade de
Palmeira dos Índios, que vendia produtos agropecuários.
86
Fonte: CIMI (1988).
87
Não foi possível localizar informações sobre Vandete, nem o sobrenome dela, eles sabiam. Indígenas
afirmaram que a mesma apenas tinha posse da área, residindo em outro município do qual não souberam
informar.
88
Conhecido como “Gel do Amarílio”, natural de Palmeira dos Índios e identificou-se como agropecuarista.

90

Quadro 4: Ocupações para retomada total da Aldeia Mata da Cafurna

Ano de ocupação
Posseiro/(a)

1979
1986
1986
1988
1988
2008

Prefeitura
Municipal de
Palmeira dos Índios
Everaldo Garrote –
Igreja Velha
Pedro Benone
Leopoldino Torres
– Brejinho
Hélio Alves – Mata
da Jibóia
Dnª Vandete e
Geraldo Fernandes

Área
Território atual
reconquistada/há Aldeia Mata da
Cafurna
117,6 ha

175 ha
620,06 ha
22 ha
121ha
162 ha
6 ha/17 ha

Fonte: Elaborado pela autora, 2018

O quadro acima apresenta informações a partir das diversas fontes acessadas, porém
não foi possível uma precisão em todos os números das áreas retomadas. Por exemplo,
quando tratamos sobre a quantidade de terras ocupadas pelos índios que estava em posse da
Prefeitura do município, existe um consenso. No entanto, quando tratamos sobre o território
que estava em posse de Everaldo Garrote, as informações são desencontradas.
A pesquisadora Sílvia Martins e o CIMI/AL afirmaram que o território era de 175ha,
enquanto que o pesquisador Adelson Lopes afirmou ser de 154 ha. Buscamos os cartórios no
município, mas não foram disponibilizadas documentações que pudessem sanar estas dúvidas.
A falta de exatidão implica na definição do território atualmente ocupado pelos Xukuru-Kariri
na Mata da Cafurna, mas também por que os indígenas auto demarcarem os territórios. Por
isto, apresentamos números aproximados, mas não precisos, levando em consideração a maior
quantidade de vezes em que as fontes apontaram o mesmo número de hectares sobre as
respectivas áreas.
Atualmente, a demarcação das terras indígenas em Palmeira dos Índios está em
estagnação. Nada avançou há algum tempo, mesmo sendo objeto de pesquisa, os laudos
antropológicos afirmando e reconhecendo as áreas como territórios indígenas. No primeiro
laudo de 1990, elaborado pela Antropóloga e pesquisadora Sílvia Martins, o território
referente aos indígenas Xukuru-Kariri era uma área de 36.000 ha, sendo interrompida a
conclusão, após divulgada a quantidade de terras reconhecidas pela antropóloga e equipe. No
ano de 2002, um antropólogo foi convidado a realizar outro laudo. Neste Douglas Carrara e

91

equipe reconheceram como território indígena uma área de 15.000 ha. O laudo foi concluído e
entregue aos órgãos competentes. No entanto, os posseiros entraram com ações na Justiça
Federal solicitando a anulação e elaboração de um outro laudo, realizado em 2008, pela
antropóloga Síglia Zambrotti. Desta vez, o território disputado foi definido em uma área de
7.073 ha, aceito pelos órgãos competentes e pressionado pela Justiça Federal, quando o Juiz
Sr. Antônio José de Carvalho Araújo, determinando à União Federal e à FUNAI a conclusão
imediata da demarcação física da Terra Indígena Xukuru- Kariri89, sob pena de multa diária
no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), recurso nunca repassado aos Xukuru-Kariri.
Diante de tantas ações judiciais, ameaças contra a vida dos indígenas, os XukuruKariri tiveram o território diminuído em 28,967 ha, e ainda assim não foi esta última área
reconhecida e demarcada como determinou o Juiz. Os limites do território não foram
respeitados, tampouco a área foi totalmente demarcada. Atualmente os Xukuru-Kariri ocupam
1720,04 ha, em 08 Aldeias, habitada por cerca de 6.000 mil indígenas. Uma extensão
territorial limitada, é a Mata da Cafurna, inclusive, a única região em todo o município de
Palmeira dos Índios, que tem uma reserva florestal preservada, o que certamente reafirma as
relações intrínsecas do indígena com o Ambiente. Os limites da terra não foram respeitados,
mesmo assim os indígenas que habitando parte dos territórios reconhecidos buscam o
equilíbrio com a Natureza, o que caracteriza-se como um dos principais aspectos que
constituem a cultura indígena.

Mapa 4: Área indígena em Palmeira dos Índios/AL demarcada pela Funai

Fonte: g1.com.br, 2017
89

Portaria do Ministro da Justiça nº 4.033, de 15/12/2010.

92

A partir destas informações tornou-se instigante refletir os processos históricos
vivenciados pelos

indígenas Xukuru-Kariri nos espaços territoriais disputados e

posteriormente conquistados, realizando entrevistas com indígenas que habitam a Aldeia Mata
da Cafurna, preferencialmente com os anciãos ou quem participou das retomadas, buscando
compreender como percebem e analisam as diferenças no território da Mata da Cafurna
comparando-o em anos distintos, como transformaram este Ambiente para habitá-lo, mas
também quais foram as influências deste Ambiente nos modos de vida na Aldeia, tomando
como recorte temporal o ano de 1979 a 2016.

3.2 Memórias indígenas: espaço ambiental encontrado versus o espaço ambiental
transformado

Após a retomada da segunda parte do território os indígenas começaram a se deslocar
definitivamente para a Aldeia Mata da Cafurna. Relataram como foram se definindo as ações
para a organização do espaço e cotidiano, que os adaptasse a esta nova situação. Por outro
lado, tinham evidências que ainda seria necessário mais mobilizações, e que as perseguições e
conflitos com os posseiros não terminara, ao contrário, poderiam se intensificar.
A partir do cotidiano surgiram alguns problemas internos, na maioria relacionados a
interferências do Estado, via FUNAI ou órgãos afins. Não foram momentos fáceis, mas
segundo os indígenas importantes para que se construísse uma espécie de unidade com os que
depois de todas essas circunstâncias permaneceram na Aldeia. A simbologia existente em
todo este processo e tão evidenciada pelos indígenas na atualidade é percebido pelas
narrativas com riqueza de detalhes. O que um indígena cita como recordação coletiva, é
reiterado por outro entrevistado em diferentes contextos, como narrou o indígena Lenoir:
Então daí se pensaram, por que não tinha terra em dividir a terra para plantar na
parte baixa e aí dividiram pras famílias, na época uns ajudavam os outros, num
mutirão, depois, com o tempo a maioria voltaram pra Fazenda Canto onde lá já
existia que é a matriz, a Fazenda Canto, e aí foram cada vez aumentado, e houve um
momento de divisão, houve confusão, os que ficaram, ficaram lá embaixo da
jaqueira e depois foi construindo casa de barro com telhado de palha e daí foram
surgindo, depois veio ajuda do exército que deu umas cabana, doze cabana, os que
foram tendo mais força foram fazendo casa de barro com telhado de palha, até
chegar as primeiras casas, por que dava muitos problema de barbeiro e era proibido
que tivesse casa assim, e ai veio as primeiras casas de alvenaria. Foram 12 a 13
casas, depois vieram mais e as pessoas foram tendo mais condições e foram fazendo
mais casas de alvenaria90.

90

Entrevista com Lenoir Tibiriçá, realizada na Aldeia Mata da Cafurna no dia 21/03/2018 em Palmeira dos
Índios.

93

Conviver coletivamente, implicou em muitos desafios para os Xukuru-Kariri, e resistir
certamente é o termo mais expressivo neste momento, pois foram muitas as tentativas de
intervenção e cooptação por parte dos posseiros e aliados políticos, todos contrários às
demarcações dos territórios indígenas no município. Os recursos naturais existentes na Aldeia
foi o que mais justificou estas disputas, além obviamente, da ostentação e status social em ter
as terras, como apontou o indígena Antônio:
O interesse do posseiro não é apenas na terra, é algo impregnado, geração de ódio ao
índio para a qualquer custo negar que o índio que existe, é realmente índio. Ele vai
dizer no máximo que foi neto de um índio. As aldeias tem terras boas e com muita
água, o que chama atenção dos posseiros, mas diferente deles, nós tem a terra pra
cuidar da nossa Natureza, não é pra ser explorada. A natureza é nossa riqueza,
ninguém produz mais que a floresta, ela produz toda fonte de vida, produz água,
produz alimento, produz a medicina91.

Nas narrativas dos indígenas entrevistados a Mata foi sempre citada como parte
“intocável”, no sentido de que a Natureza é um dos principais componentes da cultura
indígena. Onde as relações indivíduo e cosmologia acontece, reafirmando portanto, a cultura e
a identidade dos povos indígenas com o Ambiente, como explicou a indígena Korã:
A mata sempre representou tudo pra nós, nesse tempo ela tava em posse da
prefeitura e não deixava ninguém entrar, só as pessoas mesmo que eles queriam e
com o conhecimento de estudantes, professores mesmo e de outras pessoas que
incentivaram dizendo que lá era terra nossa, dos nossos antepassados, nós fomo 92.

Os territórios indígenas tem um significado singular para os habitantes, e as matas são
áreas de conservação e espaços para a realização dos rituais sagrados. Esta relação intensificase, pois a Natureza e a cultura se fundem criando uma nova dimensão. O território estaria no
campo da produção de significados e meios culturais, traduzindo o espaço em formas
culturais, sendo concebido como ambiente e como produto das práticas sociais, nas mais
diferentes escalas (ARRUTI, 1996, p. 113). É a partir do território que as demais ações se
consolidam, é nele que materialmente o povo sente-se seguro para manifestar a indianidade,
por meio das práticas socioculturais em relação muito pessoal com a Natureza e os recursos
naturais.
Nestes espaços, além das relações físicas e cosmológicas com o território, ocorre
também as relações destes habitantes uns com os outros, as cercas, as restrições, as relações
de parentesco, o domínio do sagrado, as relações de poder, tornam tudo muito sobrecarregado
de sentidos (ARRUTI, 1996, p. 115). Estas relações contribuem de forma positiva no
91

Entrevista com Antônio Celestino, realizada na Aldeia Mata da Cafurna no dia 24/12/2018 em Palmeira dos
Índios.
92
Entrevista com Korã Xukuru-Kariri, realizada pela autora, na Aldeia Mata da Cafurna no dia 21/12/2017.

94

cotidiano, como também podem gerar desentendimentos que comprometam os andamento de
questões coletivas.
Segundo os habitantes mais velhos a Aldeia Mata da Cafurna quando retomada tinha
muitas árvores e água. Mas o uso dos venenos deixou a terra e água comprometidas. A partir
da permanência dos indígenas foi possível minimizar a situação. Desde quando retomaram a
Aldeia, os indígenas usam os recursos naturais disponíveis na Mata, porém o uso destes
recursos ocorrem de forma sustentável, mesmo que não tenham acompanhamento técnico
para darem melhor direcionamento em relação ao aproveitamento do território, como
observou o indígena Lenoir:
A palha, a semente, a madeira que usamos para produzir os artesanatos são tiradas
da mata. Sobre outras forma de ter renda, nós já tivemos umas experiências, nós já
colocamos peixe, tem a açude lá né? Mas tanto de um lado, como de outro a sombra
não deixa o peixe crescer, se desenvolver por que é muito frio, já na lagoa cá o peixe
se desenvolve rapidamente, já tiremos tilápia de 2kg a 2 kg e meio, mas não tivemos
condições de continuar, mas é de grande interesse nosso, por que é uma fonte de
renda, por que tanto nós temo os peixes como tem os pássaros e as vezes chega mais
de 50 espécies, tinha dia de nós conseguir pegar 80 a 90 galinha d’água, né
brincadeira? Meio monte de paturi, garça, era uma coisa linda, depois que ela pocou
ficou meio vago, sumiram93.

Essas narrativas evidenciaram que de acordo com as compreensões os indígenas
buscam formas de preservar os recursos naturais, e quando extraem algo da Natureza sabem
que o que extraído se reproduz pelo Ambiente com fartura. Os órgãos de assistência aos
indígenas deveriam prestar assistência técnica nas Aldeias, afim de ao menos orientar os
indígenas sobre como proceder em relação a iniciativas como a citada acima. Quando o
indígena referiu-se a criação de peixes, compreendida como uma finalidade capaz de gerar
renda, mas que foi interrompida por falta de assistência técnica e incentivos financeiros.

3.3 Mapeando a Mata da Cafurna: território Xukuru-Kariri

O município de Palmeira dos Índios tem 08 Aldeias Xukuru-Kariri reconhecidas e
mais 01 em processo de reconhecimento, todas localizadas em zonas rurais, nas regiões
serranas do município. A Aldeia Mata da Cafurna é a última no percurso das aldeias, com
uma distância média de 6 km, não sendo muito distante do perímetro urbano. No entanto, o
acesso torna-se difícil por conta da estrada ser íngreme e isto intensifica-se em períodos de
chuva, pois o barro e a areia deixam os acessos ainda mais irregulares, dificultando os
transportes com os vários buracos que surgidos por conta das chuvas abundantes; porém, sem

93

Entrevista com Lenoir Tibiriçá na Aldeia Mata da Cafurna em 21/03/2018, Palmeira dos Índios.

95

chuvas não existem as costelas de vaca. 94 Situação que evidencia os descasos e desatenção do
poder público seja na esfera municipal, estadual ou federal.

Fotografia 111: Estradas de acesso inicial a Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018
Fotografia 12: Estradas de acesso já próxima a Aldeia Mata da Cafurna.

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018

94

Forma regional de referir-se a ondulações no solo, quando a mesma está escassa, deixando o solo como algo
que remete a “costela de uma vaca”.

96

A estrada além de possibilitar os ir e vir dos indígenas à cidade, é também usada para
deslocar a população para comercializar produtos artesanais e alimentícios nas feiras locais no
município e regiões circunvizinhas. Servindo também aos estudantes indígenas que acessam
uma modalidade de ensino ainda não disponível na Aldeia, no caso específico da Mata da
Cafurna, o Ensino Superior. Estas vias de acesso são também destinadas aos atendimentos de
saúde, por onde trafegam os profissionais para atenderem no Posto de Saúde e para deslocar
indígenas com problemas de saúde mais agravados.
O açude e a lagoa são os espaços coletivos na Aldeia e, além destes, tem uma caixa
d’água que distribui via encanação, água de uma nascente e de um poço artesiano para os
habitantes. A Aldeia conta com uma segurança hídrica 95 considerável.

Fotografia 13: Açude na Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Tanawy Xukuru-Kariri, 2019

O açude ou barragem, como também é chamado, tem um volume de 70 mil metros
cúbicos de água que, somado a outros 36.000 m3 distribuídos por quatro pequenos açudes no
mesmo curso, chegaria a 106.000 m3. Em 201096 o Ministério Público recomendou a imediata
95

É a garantia para a disponibilidade de água nos diferentes usos, envolve a gestão dos riscos que a
população e o ambiente estão sujeitos quanto a extremos de secas e inundações e de falhas de gestão. Este termo
tem sido mais utilizado para garantir a segurança hídrica.
96
https://www.cadaminuto.com.br/noticia/55742/2010/03/04/mpf-quer-recuperacao-da-barragem-mata-dacafurna-em-area-xucuru-cariri

97

recuperação do açude, temendo que ocorresse um rompimento, pois há mais de 30 anos que
sua primeira obra acontecera. No entanto, nada relacionado à efetivação da obra ocorreu. O
açude tem 13 metros de profundidade e 50 metros de largura, forneceu água a zona urbana do
município de Palmeira dos Índios entre os anos de 1940 até meados de 1960, quando foi
substituída pela CASAL. Desde então, o açude atende exclusivamente às necessidades dos
habitantes na Aldeia.

Fotografia 14: Abastecimento de água em Palmeira dos Índios (1940) com água do açude na Mata da Cafurna

Fonte: Acervo Luís B. Torres, 2018

98

Fotografia 14: Abastecimento de água em Palmeira dos Índios (1940) com água do açude na Mata da Cafurna

Fonte: Acervo Luís B. Torres, 2018

O índio, Antônio Celestino, afirmou que a distribuição desta água à população de
Palmeira dos Índios, na época, tornou-se um meio de vida provisório, com muita
rentabilidade. O entrevistado afirmou que como naquele período os indígenas ainda não
haviam reconquistado os territórios, os posseiros então pensaram em formas de lucrar ainda
mais com as terras e, para isto venderam a água do açude para a população local:
Por trás do Museu Xukurus era um chafariz e tinha uns depósito que chamava caixa
grande e tinha um chafariz cá em embaixo por trás do Museu mesmo e era fornecido
a vasilha, a lata, ali funcionava um movimento de gente, frota de jumento para ir
fornecer para as casa; dali era uma sobrevivência para quem queria trabalhar,
sobrevivência de muita gente, tinha deles que quase se tornou um empresário, quem
tinha 3 ou 4 jumento era um empresário (risos)97.

A lagoa98 era um espaço mais restrito aos Xukuru-Kariri, localizado provavelmente
próximo ao Terreiro de Ouricuri, local sagrado onde ocorrem os rituais indígenas. Foi nesta
lagoa que os indígenas criaram peixes, mas não por muito tempo, pois, entre outras questões,
não contaram com assistência técnica e também não puderam arcar com os custos iniciais do
negócio.
97

Entrevista com Antônio Celestino, realizada na Aldeia Boqueirão, Palmeira dos Índios em 24/12/2018.
A lagoa tem uma nascente que mina muita água. Tinha um paredão feito de barro que estourou a cerca de dez
anos.
98

99

Fotografia 16: Antiga Lagoa na Mata da Cafurna

Fonte: Tanawy Xukuru-Kariri, 2019

Esta lagoa precisa ser reativada, pois rompeu e ainda não foi revitalizada; necessitando
de investimentos semelhantes aos efetuados no açude da Aldeia. A lagoa tem uma nascente
que mina água diariamente, mas sem a revitalização a água escorre, ou cria poças. Por isso
são necessários os reparos para continuar sendo mais uma fonte hídrica e possivelmente
também fonte de renda, como explicou Tanawy99:
[...] conseguimos um projeto pela CHESF no valor de R$ 1.400.000,000 (um milhão
e quatrocentos mil reais) e o dinheiro chegou, mas sumiu, não sabemos qual destino
tomou, ele iria revitalizar a lagoa e construir o paredão. Mas aí a gente conseguiu um
outro projeto agora, também pela CHESF, que era pra ter iniciado no começo do
ano, mas por ser ano de nova gestão ainda não iniciou, mas estamos confiantes.

A distribuição de água encanada na Aldeia ocorre por duas redes. Uma na parte mais
alta e outra na parte mais baixa. As encanações foram separadas e a cada dia uma delas
fornece água. A distribuição ocorre a partir das fontes existentes na própria Aldeia, tanto do
açude quanto de uma nascente na qual fizeram um poço artesiano. Essa distribuição ocorre
sob responsabilidade da SESAI100 que contratou dois índios Ikaiamy e Cícero, habitantes na
Aldeia, responsáveis pela liberação das águas. A rede de encanamento passa justamente no
paredão do açude e fornece água a algumas áreas vizinhas, como para toda a Aldeia, “mas
99

Liderança da juventude Xukuru-Kariri que participa ativamente da vida social e política na Aldeia Mata da
Cafurna.
100
Secretaria Especial de Saúde Indígena.

100

antes era tudo nas costas, na fé, muita coragem e muita necessidade” afirmou Antônio
Celestino. A água é liberada para a população diariamente, sendo alterado o fornecimento
caso a bomba venha a ter problemas, como afirmam os indígenas, que ocorrem estas
interrupções, mas não com frequência.
A Mata existente contribui muito para esta segurança hídrica na Aldeia. No entanto,
esta segurança foi motivo de preocupação há uns três anos, durante uma longa seca, que
deixou os indígenas bem receosos, pois a Mata e as nascentes estavam morrendo. A situação
não foi enxergada apenas como algo negativo, a partir deste risco, os indígenas buscaram
formas de controlar o uso da água, evitando desperdícios, “antes era irrigação com água
potável, tudo era com água potável, agora tá tudo mais moderado”, nos relatou Tanawy.
A juventude expressou a necessidade de um planejamento para gestão ambiental, por
meio de capacitações específicas, em que os indígenas tivessem condições de gerir melhor o
território. A partir das discussões de temáticas como desmatamento, nascentes e as
degradações ambientais, sobre como recuperá-las e como lidar com as situações de seca,
considerando a climatologia do território, a vegetação, o contexto e o processo histórico local
vivenciado pelos indígenas, possibilitando conhecerem mais as áreas e refletindo sobre os
cuidados necessários tanto individualmente quanto coletivamente.
Nascentes são os afloramentos superficiais de água dos lençóis subterrâneos que
originam os cursos d’água, ao ponto em que a água infiltrada no subsolo reúne-se e emerge,
formando nascentes. As nascentes desempenham importantes serviços ambientais para o bemestar humano, porque fornecem e conservam a água e controlam desastres naturais, além de
serem importantes locais de refúgio, alimentação e reprodução da fauna e flora, sendo fontes
de vida para outros organismos.
As nascentes podem ser intermitentes perenes ou efêmeras. No primeiro caso quando
existem apenas em épocas chuvosas e secam em épocas de estiagem; no segundo caso quando
são permanentes, independente da estação do ano ocorre um fluxo contínuo de água, e no
terceiro caso quando surgem apenas durante as chuvas, períodos curtos de dias e até horas. As
nascentes também são classificadas como móveis ou fixas; as móveis são aquelas
caracterizadas por ocorrerem no fundo das calhas, sendo controladas pela saturação do lençol
freático, onde suas águas migram de acordo com o regime das chuvas, enquanto que as fixas
são aquelas que mudam de posição ao longo do ano.
Pensar territórios que tenham nascentes é muito importante, pois os habitantes dessas
localidades deveriam entender a importância dos espaços com tais recursos. Mas quando
existem nascentes inseridas em territórios indígenas, esta importância parece tomar uma

101

proporção maior que para outros territórios; pois para os indígenas o território é lugar sagrado,
espaço de vida é o que os possibilita expressarem-se socioculturalmente, afirmando-se como
povo conectado com a Natureza.

Fotografia 17: Nascente próxima a Lagoa na Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Tanawy Xukuru-Kariri, 2019

Na Aldeia Mata da Cafurna, existem 17 nascentes, número bastante considerável para
o tamanho do território ocupado, algumas de fácil acesso, mas a maioria distante da parte
central da Aldeia. Não é possível acessar todas as nascentes, por que algumas localizam-se
muito próximas ao terreiro do Ouricuri, local sagrado e inacessível para os não indígenas, e
também pelas distâncias de uma até a outra, sendo a maioria do percurso em áreas íngremes.
Conhecemos apenas com 02 nascentes, razão que será explicada mais adiante no texto, e em
cada contato uma observação diferente. Na maioria, como afirmam os indígenas, as nascentes
são perenes, ou seja, tem um fluxo contínuo de água por todo o ano, mas, outras são
compreendidas como intermitentes, aquelas que secam em determinado período anualmente,
não sendo identificada nenhuma nascente como efêmera, aquela que caracteriza-se por existir
quando ocorrem fortes chuvas.

102

Fotografia 18: Nascente próximo ao açude na Aldeia Mata da Cafurna

Fonte: Tanawy Xukuru-Kariri, 2019

Foi notória a existência de impactos socioambientais implicando diretamente na
qualidade hídrica das nascentes identificadas, também nas condições da vida útil, podendo
ocorrer menos infiltração de água por meio das chuvas comprometendo os fluxos dos cursos
d’água que formam as nascentes. Esta situação foi identificada pelos indígenas, mas que não
podem ser solucionadas em curto prazo, mas sim em longo prazo, envolvendo os habitantes
em um trabalho tendo como objetivo principal uma melhor gestão do território, gerando mais
qualidade para os recursos naturais existentes na Aldeia. O trabalho inicia-se pelo cuidado
com as nascentes, almejando obter vários resultados, como, por exemplo, menos índices de
habitantes com problemas de saúde por conta do contato com água contaminada. Mas, para
isto tornar-se, é necessário que as iniciativas partam dos próprios habitantes, buscando apoio
de organizações da sociedade civil que reconhecem a importância dos territórios e das
nascentes, não apenas para os indígenas, mas para toda a população em Palmeira dos Índios e
entorno. Sobre a água enquanto importância mundial, mas também como aspecto simbólico,
Tanawy101 afirmou:
Hoje a água é uma das coisas mais importantes no mundo, então a gente precisa
cuidar, as nascentes aqui são responsáveis pela existência e permanência da Mata,
pelos pássaros, pelas plantas que temos aqui, quando há três anos a mata secou os
101

Entrevista com Tanawy Xukuru-Kariri na Aldeia Mata da Cafurna em 21/11/2018, Palmeira dos Índios.

103

primeiros sinais que nos preocuparam foi isso, os bicho sumiram, as plantas
murcharam, as nascentes quase morreram, então a água é o elemento mais
importante para manter nossa saúde física e espiritual, quando falta água é como se
nossa conexão com a natureza perdesse a força. A água é um bem precioso, hoje
como temos em abundância aqui, temos que preservar para que não falte, pra gente
não passar por situações como a que vimos nossos parentes passarem.

A água é um dos aspectos fundamentais para a sobrevivência dos seres vivos que
fazem também, menções da água como símbolo de poder espiritual e força. Sendo diversos
são os rituais nos quais a água é utilizada (BRUNI, 1994). Dentre os povos que a tem como
símbolo material, espiritual e social, na cultura e modo de viver, estão os indígenas, pois
interagem com o Ambiente, e a partir dessa relação, constroem a identidade e história.
Os próprios indígenas percebem os desafios para preservar a riqueza natural existente
na Aldeia. Preservar a Mata é o principal. E por isto são feitas as limpezas das nascentes,
limpando as vias para que continuem o curso d’água sem nenhum impedimento. Infelizmente
estas iniciativas não partem de todos na Aldeia, pois, há indígenas que se recusam a contribuir
no processo de limpeza, “mas a maioria é comprometida, trabalha, principalmente a juventude
que nos mutirões criam consciência, conhecem a mata e a respeitam” como relatou Suyane102.

3.4 O Rio Coruripe e a bacia hidrográfica
O Rio Coruripe banha o estado de Alagoas, sendo um dos mais importantes sistemas
hídricos da complexa rede hidrográfica alagoana (PEREIRA, 2010, p. 63), com uma extensão
inicial de 28 km e altitude aproximada de 550m. É um rio perene e as águas correm para o
Oceano Atlântico. Os principais afluentes na margem direita são: Panelas, Vitorino, Peixe e
Riachão; na margem esquerda: Lunga, Passagem do Vigário, Francisco Alves, Cruzes, Urutu
e São José. Com regimes de cheias apresentando fortes enxurradas no alto e médio curso
(ALAGOAS, 2002) e junto a outros rios, o Coruripe integra a bacia hidrográfica do Rio
Coruripe.
Nascendo no município de Palmeira dos Índios/AL, a nascente localiza-se em uma
área indígena conhecida como Cristo do Goiti, próximo a estátua do Cristo Redentor, local
turístico no município, no limite com várias Aldeias, inclusive a Mata da Cafurna. Dessa
forma os territórios indígenas no município são banhados pelo Rio Coruripe, tendo como
principal afluente o Rio Panelas. A foz do Rio Coruripe localiza-se no município de Coruripe,
interior de Alagoas.
102

Indígena Xukuru-Kariri, graduada em Letras Português pela Universidade Estadual de Alagoas pelo Curso de
Licenciatura Intercultural Indígena “CLIND”.

104

A bacia hidrográfica do Rio Coruripe, possui uma área de drenagem 1.562 km2, o
comprimento equivale a 140 km, a largura variando entre 06 km na parte central e um
máximo de 30 km na parte superior. Caracteriza-se por um rio principal com afluentes,
possuindo área delimitada por muitos cursos d’água, onde parte escoa pela superfície e a outra
infiltra nos lençóis subterrâneos. A bacia está localizada na parte central do Estado, limitandose ao Norte com a bacia do Rio Paraíba, ao Oeste com bacias dos Rios Traipu e Paiuí e ao
Leste com as bacias do Rio São Miguel, Jequiá e Poxim. Na Foz limita-se com as drenagens
dos riachos Lagoa do Pau ao Norte e Feliz Deserto ao Sul (PEREIRA, 2010, p. 63) é de
domínio estadual, pois todo o percurso está inserido no território do estado de Alagoas.

Mapa 4: Localização da bacia hidrográfica do Rio Coruripe, Alagoas

Fonte: SANTOS, 2018

105

Os municípios que integram esta bacia hidrográfica são Arapiraca, Belém, Campo
Alegre, Coité do Noia, Coruripe, Craíbas, Estrela de Alagoas, Feliz Deserto, Igaci, Junqueiro,
Limoeiro de Anadia, Mar Vermelho, Palmeira dos Índios, Paulo Jacinto, Piaçabuçu,
Quebrangulo, Tanque D’Arca, Taquarana e Teotônio Vilela. Enquanto que os rios que
compõem esta bacia são o Rio Conduípe, Riacho da Barra, Rio Coruripe e o Rio Adriana. A
vegetação que predomina na bacia hidrográfica a região que abrange Palmeira dos Índios é a
Caatinga hiperxerófila, caracterizada pela presença de Cactáceas103 (EMBRAPA, 2012).
A bacia do Rio Coruripe tem relevância em vários aspectos entre os quais o
socioeconômico, referente atividades que contribuem financeiramente na vida dos habitantes,
e no ambiental possibilitando discussões sobre educação ambiental, além de que “a função
ecológica proporciona a diversidade e habitat para a fauna e flora, concedendo a interação
entre as características físicas, químicas e biológicas da água” (SANTOS, 2018, p.17). A
bacia apresenta uma base econômica bastante diversificada, compreendendo cultivos em larga
escala de cana-de-açúcar, milho, feijão, fumo e coco, usinas de açúcar e álcool como a
Coruripe, Guaxuma e Seresta (PEREIRA, 2010, p. 64).
Estudos mais recentes comprovaram que a maior destinação das águas do Rio
Coruripe são para a plantação de cana de açúcar, prática preocupante e frequente por meio da
irrigação e com o uso excessivo de fertilizantes, agrotóxicos, além do desmatamento das
matas ciliares. O que implica diretamente na qualidade do solo, nos recursos hídricos
superficiais e subterrâneos, causando a degradação ambiental que é a alteração ambiental
negativa, causada pelos seres humanos:
As relações do homem com a natureza ao longo do tempo e dos avanços
tecnológicos acelerou o processo de degradação do meio ambiente, notadamente a
qualidade dos recursos hídricos, humana, animal e vegetal, geração de energia,
abastecimento doméstico e industrial, além da irrigação para atender as necessidades
agropecuárias (SANTOS, 2018, p. 21).

Diferente destas ações, a Aldeia Mata da Cafurna é um exemplo de território banhado
pelo Rio Coruripe que faz uso diferente das águas que compõem a bacia hidrográfica. A
exemplo, do abastecimento hídrico da população e regiões circunvizinhas, além de fortalecer
a preservação ambiental, proporcionando diversidade e habitat para fauna e flora, que
interagem naturalmente; práticas estas, não divulgadas, mas invisibilizadas. Outra questão
muito importante e pouco discutida é a reserva florestal existente na Mata da Cafurna, pouco
evidenciada, talvez como estratégia dos posseiros que tentam negar as inúmeras ações
temendo que isto reafirme os direitos dos indígenas às terras. Esta reserva é muito importante
103

São plantas possuem caule com a capacidade de armazenar água e folha reduzidas ou modificadas em
espinhos.

106

para a riqueza hídrica na Aldeia, sem esta preservação, provavelmente não existiria segurança
hídrica.
A riqueza hídrica na Aldeia, possivelmente foi uma das razões que os posseiros
dificultassem as negociações com a Funai. Os recursos hídricos precisam ter como base, o
princípio do uso consciente, pois, por ser finito devem ser utilizados com sustentabilidade,
ação que não se aplicou aos posseiros, o que tornou essas situações em motivos de conflito,
buscando apenas o lucro, ignorando todos os impactos ambientais que estas iniciativas
provocam.

3.5 O conceito de Retomada e Reconquista para os Xukuru-Kariri

Os conceitos de ocupação/invasão e retomada/reconquista foram muito presentes nas
narrativas dos indígenas durante as entrevistas. Quando questionamos sobre os processos de
organização social, principalmente ligados a emergência étnica, utilizamos o termo ocupação
ou retomada para discutir sobre os territórios, e eles sempre nos corrigiam, argumentando as
compreensões deles, sobre estes termos. O fato de tal situação ter ocorrido diversas vezes,
com pessoas diferentes na Aldeia, nos fez refletir sobre a importância de buscar compreender
o que os indígenas entendem por cada um dos termos citados, também fizemos o uso da fala
de pesquisadores que tratam sobre estes conceitos, apresentando as variadas compreensões
sobre o mesmo conceito.
Sobre retomada, os indígenas pouco utilizam, pois, segundo eles:
[...] parece que a gente tá tomando de alguém e eu não tô tomando, eu tô
reconquistando. Entende? Reconquista é requerer o território, Retomada é tomar de
alguém. Por exemplo, esse território aqui é do meu vizinho, tá em posse dele, mas
essa área tá na delimitação, se a gente ocupar e conseguir, a gente tá reconquistando
o território e não retomando, por que o governo federal já reconheceu que é nosso.
Quando eu digo reconquista, eu falo daquilo que era nosso e que foi invadido pelo
posseiro, mas agora é nosso outra vez104.

Quanto ao termo ocupação, utilizado com frequência pelos indígenas, eles
argumentaram que fazem uso, pois ele tem o significado contrário de invasão, além de ser
um conceito que justifica politicamente as ações de reivindicar os territórios que
estavam/estão em posse de outros, muitas vezes já reconhecidos como terra indígena, no
entanto, sem efetivação, restando aos indígenas a opção de ocuparem as áreas, com o

104

Entrevista com Dilson Ferreira, realizada pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.

107

objetivo de pressionar o poder público para dar celeridade às demarcações, como afirmou
Dilson, indígena Xukuru-Kariri:
[...] hoje nós só podemos usar o termo ocupar, por que a demarcação foi feita,
através de grande perca do território. Por acordo, nós fizemo acordo só pra perder,
36.000,00 ha da primeira demarcação, que dentro da história brasileira isso é errado,
demarcação pra terra, pra índio, pra quê? Já que inventaram as demarcações foi lá e
fez, e nada, depois foi um combinado para 15.000,00 ha, depois de 15 foi pra pouco
mais de 7.000,00ha e depois disso tá aí o conflito político que abriu105.

Sobre a citação acima, o indígena refere-se aos Laudos Antropológicos elaborados.
Segundo ele, é desnecessário a elaboração dos laudos, pois só custam gastos ao poder público,
mas o território reconhecido não tem sido repassado para os indígenas, “então pra que gastar
dinheiro e não devolver as terra?” questionou o indígena. Sua narrativa nos chamou atenção,
pois faz sentido, tanto no que se refere aos termos e conceitos por eles abordados quanto pela
discussão sobre a morosidade no processo de regularização fundiária, visto que se investe
muito na elaboração dos laudos, mas não ocorre o andamento em relação oficialização das
áreas.
Pesquisadores da temática indígena, como historiadores, antropólogos, geógrafos,
sociólogos, advogados entre outros, também órgãos indigenistas como a FUNAI e o CIMI
discutem e desenvolvem estudos sobre os conceitos apresentados acima. A invasão, de certo,
possui um sentido de uma ação construída em torno de alguma ilegalidade, algo contrário ao
juízo de valor social, termo bastante utilizado pelos posseiros para criminalizar os indígenas.
Enquanto que ocupação é mais atenuado, é posse legalizada de algo; significaria ter a posse
legal de uma determinada área, imóvel, por exemplo, mas ainda sem ter sido regularizada.
Exemplos estes, que se aplicam à realidade dos Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios, em
que as áreas demarcadas, mas não regularizadas, são motivo para o desencadeamento das
ocupações, a fim de pressionar o poder público para dar celeridade ao processo de
territorialização.
Sobre reconquista e retomada, o primeiro é utilizado para referir-se aos processos
históricos de povos que disputavam as expansões de territórios. Esse processo também
configurou-se como processo de restaurativo para a população cristã na época. Já o segundo,
está associado ao contexto de mobilizações, neste caso específico dos indígenas, com o intuito
de ocupar terras que os pertenceram, ou seja, “as retomadas de terras consistem em processos
de recuperação, pelos indígenas, de áreas por eles tradicionalmente ocupadas e que se

105

Entrevista com Antônio Celestino, realizada pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.

108

encontravam em posse de não-índios” (ALARCON, 2013, p. 100). Consideramos muito
importante compreender o que os indígenas pensam sobre os processos históricos nos quais
estão inseridos, principalmente por serem eles mesmos os protagonistas desta história.

3.6 Paisagem nos territórios indígenas
A história das paisagens constitui um campo não tão recente, remontando, pelo menos,
ao início do século XX, nas interfaces entre uma Geografia Humana e uma História Agrária
(SILVA, 1997, p. 301). O conceito de Paisagem é muito diversificado, podendo a partir das
várias áreas de conhecimento. Buscamos centrar a discussão no campo da História e Ecologia,
para pensarmos a Aldeia Mata da Cafurna por meio da paisagem. A terra é um documento
histórico carregado de informações e observar as paisagens na atualidade é necessário para
ver melhor o passado. Paisagem é cultura, antes de ser Natureza, projetada sobre a mata, água,
rocha. Uma paisagem é repleta de significados identitários, simbólicos, construídos e
reproduzidos (SCHAMA, 1996, p. 93).
Observar as paisagens é observar as ações humanas (SILVA, 1997, p. 298), desde fins
do século XVIII reforçou-se a ideia de que Natureza era oposição ao ser humano, o que
influenciou bastante a História, sendo por muito tempo pensado como opostos em estudos e
processos. Devemos entender a Natureza não mais como um dado externo e imóvel, mas
como produto de uma prolongada atividade humana. Superando portanto, a visão tradicional
das Ciências Humanas que considerem as “forças naturais” como um fator externo ao
processo histórico.

109

Fotografia 15: Paisagem na Aldeia Mata da Cafurna

.

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018

A paisagem não é espaço, nem o espaço é essa categoria que se afigura como natural e
anterior à cultura. A paisagem é um conjunto de espaços transformados pelas relações
humanas. Para Schama (1996) o referente está tão colado ao signo que não se pode mais
separá-los, tal como não faz sentido separar Cultura e Natureza. A literatura ambientalista
evidenciou que os humanos vêm transformando o Ambiente há milênios e o chamado de
“natural” é artificialmente selecionado, como as espécies vegetais que a agricultura criou. O
termo paisagem é extremamente polissêmico, e as acepções disciplinares a ele relacionadas
são tão vagas quanto variadas. Para a Geografia a paisagem é um conceito-chave, capaz de
dar unidade e identidade à geografia num contexto de afirmação da disciplina.
A Mata da Cafurna, paisagem de um Bioma que varia entre Caatinga e Mata Atlântica,
inseridos em um Brejo de Altitude e/ou floresta úmida, habitado por indígenas Xukuru-Kariri,
tem esta paisagem agregada à cultura desse povo que se adaptou ao ecossistema existente.
Mas também adaptaram- no, sem que para isso tenham destruído o Ambiente, ao contrário,
preservando-o. Esta paisagem retrata um lugar cuja história política, social, cultural e religiosa
é diferenciada, possuindo valores e sentimentos comuns a uma comunidade, em relação à
Natureza,

110

Nas TIs, o trabalho com a restauração de florestas e a proteção de nascentes e outros
corpos d´agua, muitas vezes, tem uma dimensão cosmológica, pois estes lugares da
paisagem são considerados como especiais ou sagrados, e são protegidos por
entidades sobrenaturais. Esse aspecto reforça a importância de os povos indígenas
serem os protagonistas no desenho e na execução de iniciativas de restauração
ecológica nas suas terras (MILLER, 2016, p. 17).

Analisar o processo histórico vivenciado pelos Xukuru-Kariri habitantes na Mata da
Cafurna a partir do estabelecimento na Aldeia é reconhecer que desde então, os indígenas se
fortaleceram, organizaram-se para continuar mobilizando-se por direitos. Este fortalecimento
ocorreu por estarem no território, planejando ações para o movimento a vida, respeitando a
Natureza e o que recebem dela, os pássaros, os lugares diferentes. Sobre isto, falou o indígena
Antônio Celestino:
Eu sou um homem muito sofrido, mas também sou muito forte. Eu tenho um
passado, eu tenho minha história, do meu povo de tanto sofrer, hoje eu sou a
inspiração, hoje eu sou a inspiração para o debate, para a busca e a luta, e é preciso
muita coragem pra isso106.

As memórias socializadas pelos indígenas nos diversos momentos de interações são
carregadas de simbolismos. As respostas as perguntas não são objetivas; muitas vezes são
respondidas em formas de códigos ou retornadas ao entrevistador como questionamento. Na
maioria, as conversas ocorreram com a presença de aspectos relacionados ao Ambiente e ao
Cosmos. Oíndio Antônio Celestino ao ser perguntado como explicava as relações do índio
com a Natureza, antes de responder pediu licença, afirmou que iria buscar um livro e voltou
com um punhado de areia nas mãos, jogou-a sobre a mesa onde estávamos e afirmou:
Falei que ia trazer um livro, mas isso é mais importante que um. Vou fazer uma
pergunta, como vocês percebem Deus com vocês? Eu percebo Deus comigo pelo
que sou e pelo que faço, se eu fizer mal ao meu próximo, minha alma entristece, e se
eu fizer um bem, minha alma se alegra, é assim que eu percebo Deus conosco. Eu
amo, eu adoro a floresta, e ela é Deus, é nossa vida, ele tá aqui nessa sementinha, e
por que fogo queime e água que cozinhe, ele é Deus, e é muito mais forte que a
gente107.

Existe uma sabedoria entre os anciãos indígenas que justificam o respeito e a
importância dos demais índios. As narrativas não são apenas sobre o que aconteceu, mas
orienta, inquieta e faz respeitá-los também. Sendo necessária muita sensibilidade para
compreender os códigos e signos inseridos em cada narrativa.

106
107

Entrevista com Antônio Celestino, realizada pela autora, na Aldeia Boqueirão no dia 24/12/2018.
Entrevista com Antônio Celestino na Aldeia Boqueirão em 24/12/2018, Palmeira dos Índios.

111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada resultou em muitas descobertas, redefinições de rotas e
replanejamentos. E sobre isso Alberti (2004) e tantos outros pesquisadores alertavam. A
pesquisa apresentada teve como objetivo realizar estudos sobre os indígenas Xukuru-Kariri,
habitantes na Aldeia Mata da Cafurna, percebendo como ocorrem as relações socioambientais
no município de Palmeira dos Índios, Semiárido alagoano. O Ambiente tornou-se fonte direta
para a pesquisa. Fizemos registros fotográficos a partir das diversas estadas em campo. O uso
das fotografias, como recurso metodológico, fortaleceu as narrativas e descrições dos espaços
na Aldeia, possibilitando relacionar o texto e as imagens.
As concepções teóricas e metodológicas usadas neste estudo buscaram traduzir o
universo dos indígenas a partir de um breve percurso histórico desde fins do século XVIII aos
dias atuais. Tratando com mais especificidade o contexto histórico a partir do estabelecimento
dos indígenas na Aldeia Mata da Cafurna, ocorrendo pouco tempos após as emergências
étnicas, momento de ressurgimento e mobilizações para as retomadas de territórios,
visibilidade política e reconhecimento étnico. A pesquisa evidenciou os conflitos entre
posseiros e indígenas, além de apresentar a rede de relações existentes, as tensões e os
conflitos, principalmente para os indígenas.
A organização sociopolítica dos indígenas estudados tem os evidenciado, as
mobilizações e as redes de apoio construídas ao longo dos anos fortaleceram as reivindicações
e resultaram em direitos conquistados; a escola, o posto de saúde, o encanamento e a
distribuição das águas, são conquistas que contribuem positivamente para todos habitantes na
Aldeia. No entanto, observamos a necessidade dos indígenas continuarem reivindicando
melhorias. Por exemplo, a escola existente na Aldeia conta com professores contratados;
ocorrendo há bastante tempo um grande empenho dos indígenas que solicitam concurso
efetivo para a categoria de professores indígenas, e assim garantir melhores condições de
trabalho e ensino. Percebemos que quando tratamos sobre saúde a situação é mais grave
ainda, a começar pelo prédio onde funciona o PSF, que necessita de reformas há muito tempo,
mas nada acontece. Além do quadro de funcionários que precisa ser aumentado, tendo em
vista o crescimento progressivo da população indígena.
A Aldeia estando localizada no Semiárido alagoano, com uma vegetação que varia
entre Mata Atlântica, Caatinga e espécies endêmicas com a presença de fauna e flora diversas.
O bioma identifica a Aldeia como local de produções de alimentos por quase todo o ano, por
conta de estar inserido em um Brejo de Altitudes. Onde a umidade e a altitude contribuem

112

positivamente tanto para a subsistência do próprio povo indígena quanto para quem
comercializa parte destas produções, caracterizando-se como marcador sociocultural do povo
Xukuru-Kariri.
Os recursos hídricos existentes na Aldeia torna evidente a importância dos territórios
indígenas para o município como um todo, pois estes recursos naturais garantem qualidade de
vida não apenas para os indígenas, mas também para a população municipal, e o poder
público precisa reconhecer essa importância, até então não externada. A História Ambiental
foi fundamental para que percepções e conhecimentos específicos na realização da pesquisa
interligados a conceitos como memória e cultura possibilitando que percebêssemos o quanto
dinâmicos são os processos envolvendo grupos humanos, ao mesmo tempo em que constroem
a identidade étnica.
A convivência com os indígenas ocorreu de forma processual. As primeiras visitas
ocorreram com relações mais distantes, mas à medida que mais vezes estivemos na Aldeia,
mais nos aproximávamos. E esta aproximação resultou em mais conversas que possibilitaram
maior aproveitamento no trabalho de campo. Buscamos as vozes dos indígenas por meio das
narrativas e socialização das memórias inseridas no texto, pois entendemos os indígenas como
sujeitos e protagonistas da própria história. Também apresentamos as percepções dos
indígenas Xukuru-Kariri, sobre conceitos abordados por pesquisadores, quando externaram as
compreensões, sobre os temas que abordamos.
Diferente da elaboração dos capítulos anteriores desta Dissertação, construir o último
capítulo

especificamente,

desencadeou

dificuldades

que

em

alguns

momentos,

comprometeram a elaboração do texto. É muito importante que o pesquisador não descarte as
possibilidades de se pensar várias estratégias para obter resultados positivos na pesquisa. A
conjuntura política atual tem afetado diretamente o cotidiano dos indígenas Xukuru-Kariri. Os
atendimentos médicos, o acesso à Escola, a saída com mais frequência dos habitantes na
Aldeia Mata da Cafurna em busca de emprego, tem preocupado as lideranças. Em razão disto,
os rituais também têm ocorrido com mais frequência, e maior tempo, sendo compreensível de
acordo com as necessidades do povo. No entanto, a pesquisa inicialmente não considerou que
tais situações pudessem ocorrer, por não conhecer o cotidiano dos indígenas..
Diante desta necessidade em realizar os rituais, as estadas na Aldeia tornaram-se mais
difíceis, uma vez que os habitantes estavam ausentes, não poderiam nos receber. O que
causou preocupação. Ainda assim continuamos às pesquisas e aproveitamos as oportunidades
de estarmos na aldeia, mesmo limitados quanto à circulação. O que impossibilitou os registros
fotográficos das demais nascentes, sendo apenas possível o registro de duas (02) delas

113

localizadas distantes do provável local onde estava acontecendo o ritual do Ouricuri. O
mesmo vem acontecendo desde o mês de outubro de 2018 e se estenderá até meados de
fevereiro, o que implicou em menos quantidades de registros. Neste sentido, buscamos
compensar tal circunstância com discussão acerca da importância das nascentes e as relações
delas com o Rio Coruripe, com a bacia hidrográfica e com a Natureza na Aldeia.
Buscamos apresentar um panorama sobre o povo Xukuru-Kariri, especificamente os
indígenas habitantes na Aldeia Mata da Cafurna, objetivando evidenciar a importância dos
indígenas enquanto habitantes na única reserva florestal no município de Palmeira dos Índios.
Evidenciando equilíbrio entre Natureza e indivíduo que preservam o Ambiente, pois
entendem que a Mata é o principal componente das expressões socioculturais e identitária dos
Xukuru-Kariri.

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Acervo do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Maceió/AL.
Acervo digital do Instituto Socioambiental – ISA
(https://www.google.com/search?q=isa&oq=ISA&aqs=chrome.0.69i59j69i61j0l4.1637j0j9&s
ourceid=chrome&ie=UTF-8)
Arquivo Público de Alagoas – APA, Maceió/AL.
Museu do Índio/ Rio de Janeiro, Documentação do SPI - Inspetoria Regional 4 (IR4) - 069 Inspetor Irineu dos Santos - Caixa 165.

Entrevistas
Antônio Celestino. Aldeia Boqueirão. Território Xukuru-Kariri, Palmeira dos Índios/AL, em
24/12/2018.
Dilson Ferreira. Aldeia Boqueirão. Território Xukuru-Kariri, Palmeira dos Índios/AL, em
24/12/2018.
Eliete Alves de Souza (Corã Xukuru-Kariri). Aldeia Mata da Cafurna. Território XukuruKariri, Palmeira dos Índios/AL, em 21/12/2017.
Lenoir Tibiriçá. Aldeia Mata da Cafurna, Território Xukuru-Kariri, Palmeira dos Índios/AL,
em 27/05/2017.
Maria da Salete Souza, Aldeia Mata da Cafurna. Território Xukuru-Kariri, Palmeira dos
Índios/AL, em 21/12/2017.

121

Suyane de Souza Tenório, Aldeia Mata da Cafurna. Território Xukuru-Kariri, Palmeira dos
Índios/AL, em 21/11/2018.
Tanawy de Souza Tenório, Aldeia Mata da Cafurna. Território Xukuru-Kariri, Palmeira dos
Índios/AL, em 21/11/2018.
Zennus Dinys Feitosa dos Santos, Conselho Indigenista Missionário – CIMI/AL
Habitante 01: Não identificou-se por medo de represálias. Aldeia Mata da Cafurna. Território
Xukuru-Kariri, Palmeira dos Índios/AL, em 27/05/2017.
Habitante 02: Não identificou-se por medo de represálias. Aldeia Mata da Cafurna. Território
Xukuru-Kariri, Palmeira dos Índios/AL, em 27/05/2017.

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ANEXO

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