“POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ”: AS REPRESENTAÇÕES DO PROJETO DE RESTRUTURAÇÃO CATÓLICA NO BISPADO DE DOM ANTÔNIO MANOEL CASTILHO BRANDÃO, ALAGOAS (1901-1910) - César Leandro Santos Gomes
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CÉSAR LEANDRO SANTOS GOMES
“POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ”:
AS REPRESENTAÇÕES DO PROJETO DE RESTRUTURAÇÃO CATÓLICA NO
BISPADO DE DOM ANTÔNIO MANOEL CASTILHO BRANDÃO, ALAGOAS
(1901-1910)
Maceió
2019
CÉSAR LEANDRO SANTOS GOMES
“POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ”:
AS REPRESENTAÇÕES DO PROJETO DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA NO
BISPADO DE DOM ANTÔNIO MANOEL CASTILHO BRANDÃO, ALAGOAS
(1901-1910)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Alagoas como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em História (Linha de
pesquisa: História Cultural).
Orientador: Professor
Vasconcellos
Maceió
2019
Dr.
Pedro
Lima
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale – CRB4 - 661
G633p
Gomes, César Leandro Santos.
“Por mercê de deus e da santa Sé”: as representações do projeto de restruturação
católica no bispado de Dom Antônio Manoel Castilho Brandão, Alagoas (1901-1910) /
César Leandro Santos Gomes. – 2019.
158 f.: il.
Orientador: Pedro Lima Vasconcelos.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Alagoas. Instituto
de Ciências humanas, Comunicação e Artes. Programa de Pós-Graduação em
História. Maceió, 2019.
Bibliografia: f. 138-151.
Anexo: f. 152-158.
1. Brandão, Antônio Manoel Castilho, Bispo de Alagoas, 1849-1910. 2. Igreja
Católica – Documentos eclesiásticos – 1901-1910. 3. Alagoas – História. I. Título.
CDU: 981.35:262.12
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer, primeiramente, a Deus pela oportunidade de ter cursado o ensino
superior e agora por conseguido terminar o mestrado. Sou grato, também a minha família, nas
pessoas da senhora Margarida Santos Gomes, minha mãe, e do senhor José Cláudio Souza
Gomes, meu pai, pelo suporte e confiança. Creio que só cheguei onde cheguei devido aos seus
esforços e dedicação.
Aproveito para prestar os devidos agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Alagoas (FAPEAL) pelo reconhecimento acadêmico do estudo e pelo auxílio
disponibilizado durante os 24 meses de pesquisa; creio que sem isso eu não teria conseguido
concretizar o trabalho de dissertação. Ao Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió
(ACMM), por ter disponibilizado o acesso à documentação para a realização da pesquisa, em
especial agradeço a Luiza Sahara, amiga e técnica do estabelecimento, que com muita
paciência me atendeu durante a fase de catalogação das fontes eclesiásticas, sempre
cumprindo os seus deveres com dedicação.
Não posso esquecer dos professores do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Alagoas (PPGH-UFAL), em especial ao professor Pedro
Vasconcellos e Irinéia Franco, orientador e co-orientadora, respectivamente, pela paciência,
pelos apontamentos ao longo da execução das leituras e do processo de escrita da pesquisa,
pelas conversas e ajuda. Sei que muitas destas características acabaram moldando o
pesquisador que atualmente sou.
Aos meus amigos, Lívia Gomes da Silva, Luana Gomes Araújo, Fernando Barbosa
(Jumper), Luciano Duarte, Kliscia Mendes, João Victor Palmeira e entre outros, pelo carinho,
o apoio e a confiança, mesmo quando eu não conseguia acreditar nos meus esforços e nos
resultados da pesquisa. Aos companheiros da loucura que é o mestrado: Ricardo, Robson,
Ângela, Andressa, Mary, Rafael, Oseías, Wellington, Ellen, Luan, obrigado pelos momentos
de descontração. Agradeço aos colegas e membros do Laboratório de Estudo Interdisciplinar
das Religiões (LIER), cujos debates foram essenciais à elaboração e às reflexões sobre a
temática estudada.
À Banca de qualificação, pelas indicações para o desenvolvimento da pesquisa, e a
banca de defesa que prontamente se disponibilizou, e pelas orientações que, tenho certeza,
vão enriquecer ainda mais a proposta da dissertação, os meus agradecimentos.
E por fim aos meus futuros leitores: espero que estas páginas possam lhes servir de
ajuda, entre as religiões e os processos socioculturais coletivos.
GOMES, César Leandro Santos. “Por mercê de Deus e da Santa Sé”: as representações do
projeto de restauração católica no bispado de Dom Antônio Manoel Castilho Brandão,
Alagoas (1901-1910). Dissertação (Mestrado em História) - Maceió: UFAL, 2019, 162pp.
RESUMO
No dia 2 de julho de 1900, a bula papal Postremis hisce temporibus, de Leão XIII,
desmembrou o território alagoano da diocese de Pernambuco, permitindo, assim, a
constituição do seu próprio bispado. Para a função de primeiro bispo foi nomeado Dom
Antônio Manoel Castilho Brandão, até o momento prelado responsável pela diocese do estado
do Pará e herdeiro da formação sacerdotal do Seminário de Olinda, principal agente de
difusão do pensamento ultramontano no Nordeste durante a segunda metade do século XIX.
A autoridade episcopal, ao assumir a nova jurisdição eclesiástica, deu início a um processo de
ordenação de suas bases institucionais, alinhado ao projeto de reestruturação interna pelo qual
Igreja Católica estaria passando, o que nas produções acadêmicas recebeu o nome de
"romanização", em alusão a centralização sistemática exercida pela Cúria Romana, no final do
século XIX e início do XX. Desta forma, a pesquisa tem como propósito estudar os
mecanismos relacionados à estruturação católica na diocese de Alagoas, por meio da análise
dos acervos documentais do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió (ACMM) e dos
jornais da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (HDBN), na conjuntura que
corresponde ao governo do primeiro bispo das Alagoas. Por meio deles se consegue observar
os discursos e as posições da autoridade eclesiástica em relação a assuntos de caráter
administrativo e patrimoniais, enquadramento do clero e monitoramento dos serviços
fornecidos pelas confrarias religiosas. Estas ações possibilitam a inserção da diocese de
Alagoas em uma conjuntura maior ao compreender que o primeiro prelado buscou articular a
sua atuação com as orientações do Concílio Plenário Latino-americano, ocorrido em 1899, e
cuja as diretrizes influenciariam a instituição católica a novas mudanças impostas no campo
político e social em toda a América Latina, até a realização do Concílio Ecumênico Vaticano
II, no início da década de 1960.
Palavras-chave: história de Alagoas – igreja católica – documentação eclesiásticas - Dom
Antônio Brandão.
ABSTRACT
On July 2, 1900, the papal bull Postremis hisce temporibus of Leo XIII dismembered the
Alagoan territory of the diocese of Pernambuco, allowing the formation of its own bishopric.
For the first bishop was appointed Antônio Manoel Castilho Brandão, until the time prelate
responsible for the diocese of the state of Pará and heir of the priestly formation of the
Seminary of Olinda, main agent of diffusion of ultramontane thought in the Northeast during
the second half of the XIX century. The episcopal authority, by assuming the new
ecclesiastical jurisdiction, began a process of ordering its institutional bases, aligned with the
project of internal restructuring that the Catholic Church was going through, which in the
academic productions was called "romanization", in allusion to the systematic centralization
exercised by the Roman Curia in the late nineteenth and early twentieth centuries. In this way,
the research aims to study this mechanisms related to Catholic structure in the diocese of
Alagoas, through the analysis of the collections of the Metropolitan Court of Maceió (MCM)
and the National Library Digital Periodicals (NLDP) in the conjuncture that corresponds to
the government of the first bishop of Alagoas. Through them it's possible observe the
discourses and positions of ecclesiastical authority in relation to matters of an administrative
and patrimonial character, clerical framework and monitoring of services provided by
religious confraternities. These actions make possible the insertion of the diocese of Alagoas
in a greater conjuncture to understand that the first prelate sought to articulate its action with
the guidelines of the Latin American Plenary Council, which took place in 1899, and whose
guidelines would influence the Catholic institution to new imposed changes in the political
and social field throughout Latin America, until the Second Vatican Ecumenical Council, in
the early 1960s.
Keywords: history of Alagoas - Catholic church - ecclesiastical documentation - Dom
Antônio Brandão.
7
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
2.
A POLÍTICA, A SOCIEDADE E A RELIGIÃO: a conjuntura sociocultural de
Alagoas no período da primeira república, final do século XIX e início do XX ............... 17
2.1.
Instabilidade, tensões e deposições: o campo político de Alagoas durante os
primeiros onze anos da República ........................................................................................ 17
2.2.
As praças, as ferrovias e as religiosidades: a modernização urbana e o campo
religioso de Alagoas durante a Primeira República.............................................................. 24
2.3.
Os acordos em favor da criação do bispado de Alagoas e a Comissão Central do
Patrimônio (1896-1901) ....................................................................................................... 33
3.
DA CRIAÇÃO DA DIOCESE À REORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA EM
ALAGOAS: os “caminhos” do projeto de restruturação católica no bispado de Dom
Antônio Brandão (1901 a 1910) ............................................................................................. 42
3.1.
Um Bispo ultramontano em Alagoas? A trajetória de Dom Antônio Manuel Castilho
Brandão ................................................................................................................................. 46
3.2.
A fundação do seminário diocesano Nossa Senhora da Assunção e a formação do
corpo eclesiástico católico em Alagoas (1902 a 1909)......................................................... 59
3.3. Em defesa da fé católica: a romanização e as práticas pastorais do primeiro bispado de
Alagoas ................................................................................................................................. 66
3.3.1. Os colégios confessionais dos irmãos maristas e das irmãs sacramentinas ........... 66
3.3.2. As visitações pastorais (1905 a 1908) .................................................................... 74
3.3.3. A imprensa católica em Alagoas: O jornal A Fé Christã (1902-1907) .................. 77
4.
“AO CLERO E FIÉIS DE NOSSA DIOCESE”: o ideal da reorganização do
catolicismo nas cartas de Dom Antônio Brandão ................................................................ 89
4.1. A escrita eclesiástica e as correspondências episcopais em Alagoas ........................... 90
4.2. A Carta Pastoral de saudação de Dom Antônio Brandão ao clero e aos fiéis da Diocese
de Alagoas, 23 de agosto de 1901 ........................................................................................ 99
8
4.3. Entre o discurso e a prática: o projeto da restruturação católica nas cartas de Dom
Antônio Brandão ................................................................................................................ 105
4.3.1. "Que os párocos defendam com valor os bens e os direitos de suas Igrejas": Os
direcionamentos sobre o patrimônio eclesiástico ........................................................... 108
4.3.2. "Para que vossas almas se conservem puras": a escrita e as práticas de controle
religioso no primeiro bispado de Alagoas ...................................................................... 117
4.3.3. "O sacerdote zeloso, instruído e virtuoso": a disciplina e a moralização do clero126
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 133
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 138
ANEXOS ............................................................................................................................... 152
9
1. INTRODUÇÃO
O interesse por estudar a temática do processo de reorganização da Igreja Católica no
Brasil surgiu ainda na graduação, no ano de 2014. Na época eu era bolsista do projeto de
pesquisa "População e relações de poder na documentação histórica do Arquivo da Cúria
Metropolitana de Maceió, séculos XIX e XX”, realizado por meio da parceria entre o curso de
História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e o Arquivo da Cúria Metropolitana de
Maceió (ACMM), através do incentivo da Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico Institucional
(BDAI).
A pesquisa relacionada ao BDAI ofereceu a oportunidade aos alunos bolsistas
associados a terem acesso ao acervo de documentos eclesiásticos encontrados no Arquivo da
Arquidiocese de Maceió, especialmente as Cartas Pastorais do episcopado brasileiro publicadas
entre os anos de 1890 a 1962; ou seja, da promulgação do documento considerado uma resposta
das lideranças católicas à separação entre a Igreja e do Estado, por meio do decreto 119-A de 7
de janeiro de 1890, até a abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Durante as
leituras das cartas pastorais, notou-se a ocorrência de questões relacionadas às práticas e
estratégias1 institucionais adotadas pela hierárquica da Igreja Católica ao longo de setenta e dois
anos do regime republicano, com o objetivo de “recatolicizar” a sociedade. Nas produções
especializadas este projeto passou a ser denominado como “Processo de Romanização”.
No entanto, na medida em que as leituras avançaram se observou que as problemáticas
que envolvem a caracterização do que pode ser entendido como processo de romanização são
bem complexas. De início se percebeu que o termo “romanização” foi introduzido na literatura
brasileira por meio da tradução de Rui Barbosa da obra O papa e o concílio, escrito pelo teólogo
alemão Johan Joseph Ignaz Von Dölligger, com pseudônimo de Janus, no final do século XIX
e que possuiria um teor pejorativo. Sua utilização conotaria uma centralização do corpo
eclesiástico católico, segundo as orientações propostas pela Cúria Romana, com a finalidade de
aplicar as diretrizes tridentinas, para Janus, na Europa, e para Rui Barbosa, no território
brasileiro. Em outras palavras, a “romanização do clero brasileiro” passou a ser compreendida
na literatura como uma subordinação ao dogma da infalibilidade papal, instituído durante o
Concílio Vaticano I (1869-1870), permitindo ao Papa concentrar a instituição religiosa dentro
de seus interesses político-teológicos, amparados pelo modelo eclesial ultramontano.2
1
VON DÖLLIGGER, Johan Joseph Ignaz. O papa e o Concílio. Rio de Janeiro: Brown & Evaristo, 1877.
Originário do latim ultramontanus, que significa "além das montanhas", especificamente, para além dos Alpes
de quem está em França. O termo designa, no catolicismo, especialmente francês, os fiéis que atribuem ao papa
2
10
Durante a década de 1970, o termo passou a ser incorporado nas produções
acadêmicas, não mais em sua conotação pejorativa e passou a ser compreendido como a
expressão de uma prática religiosa ou uma “reforma” interna do aparelho eclesiástico. Essa
reordenação seria resultado dos questionamentos e posicionamentos divergentes do clero
católico, atrelado a uma conjuntura externa adotada pela Igreja após o fim do Padroado Régio.
Neste caso, a Romanização passa a denominar um movimento de restauração do clero católico
e de oposição aos “males da modernidade”. Buscava-se impedir a propaganda de conceitos e
doutrinas filosóficas contrárias ao catolicismo e de novas formas de credos e religiosidades que
ganharam notoriedade durante o período republicano (como o protestantismo e o espiritismo),
bem como a limpeza de elementos considerados “místicos” e “supersticiosos” do “catolicismo
popular”.
O conceito de “romanização” nos debates contemporâneos passou por uma
ressignificação. Contribuições e análises recentes, entre as quais podem ser citadas as de: Sérgio
Miceli3, Euclides Marchi4, Ivan Aparecido Manoel5, Maurício de Aquino6 e Edgar da Silva
Gomes7,destacam a necessidade de considerar a ocorrência de variações regionais da aplicação
um importante papel na direção da fé e do comportamento do homem. Na Idade Média, o termo era utilizado
quando elegia-se um papa não italiano (“além dos montes”). O nome toma outro sentido a partir do reinado de
Filipe, o Belo (século XIV) na França, quando postularam os princípios do galicanismo, no qual defendiam o
princípio da autonomia da Igreja francesa. O nome ultramontano foi utilizado pelos galicanos francese , que
pretendiam manter uma igreja separada do poder papal e aplicavam o termo aos partidários das doutrinas romanas
que acreditavam ter que renunciar aos privilégios da Gália em favor da “cabeça” da Igreja (o papa), que residia
“além dos montes”. O ultramontanismo defende, portanto, o pleno poder papal. Com a Revolução Francesa, as
tendências separatistas do galicanismo aumentaram as ideias ultramontanas também. Nas primeiras décadas do
século XIX, devido a frequentes conflitos entre a Igreja e o Estado em toda a Europa e América Latina, foram
chamados de ultramontanos os partidários da liberdade da Igreja e de sua independência do Estado. O
ultramontanismo passou a ser referência para os católicos dos diversos países, mesmo que significasse um
distanciamento dos interesses políticos e culturais. Apareceu como uma reação ao mundo moderno e como uma
orientação política desenvolvida pela Igreja, marcada pelo centralismo romano, um fechamento sobre si mesma,
uma recusa do contato com o mundo moderno. Os principais documentos que expressam o pensamento
centralizador do papa são as encíclicas de Gregório XVI (1831-1845), Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-1903)
e Pio XI (1922-1939). Cf. AZEVEDO, Antônio Carlos Amaral; GEIGER, Paulo. Dicionário histórico de
religiões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 357; MANOEL. Ivan Aparecido. A criação de paróquias e
dioceses no Brasil no contexto das reformas ultramontanas e da Ação Católica. In: SOUZA, Rogério Luiz de;
OTTO, Clarícia (orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis: Insular, 2008, p. 46.
3
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia.das Letras, 2009.
4
MARCHI, Euclides. Uma Igreja no Estado livre: o discurso da hierarquia católica sobre a República. In: História:
Questões & Debates. Curitiba, v.10, n. 18-19, p. 213, jun-dez, 1989.
5
MANOEL, Ivan Aparecido. O pêndulo da História: Tempo e eternidade no pensamento Católico (1800-1960).
Maringá: EDUEM, 2004.
6
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012.
7
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: A estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012.
11
da nova estratégia8eclesiástica, frente às transformações sociais acarretadas pela proclamação
da república brasileira e, da mesma forma, percebe a reordenação do catolicismo não como um
processo, mas como um projeto político de reestruturação do aparelho religioso9 católico,
inserido em uma dada conjuntura histórica. No contexto analisado pode-se apontar como parte
da nova política adotada pelo episcopado a expansão de sua rede diocesana, também definido
como processo de estadualização da Igreja Católica ou de “diocesanização”. Este foi o plano
de criar em todos os estados brasileiros uma diocese, como uma forma de a instituição
eclesiástica delimitar o seu espaço e sua presença hegemônica10 diante da nova realidade
sociopolítica do país.
A criação do Bispado de Alagoas em 1900, com sede na cidade de Maceió, por meio da
bula Postremis hisce Temporibus do Papa Leão XIII11, pode ser enquadrada na conjuntura desta
“reestruturação” do espaço religioso do catolicismo no Brasil. Deve-se lembrar que antes da
fundação da sede episcopal as paróquias alagoanas estavam subordinadas à Diocese de Olinda,
em Pernambuco. A criação da Diocese de Alagoas e a nomeação de Dom Antônio Castilho
Brandão, bispo do Pará entre os anos de 1896 a 1900, para a função de primeiro titular da
jurisdição alagoana permitiram à instituição eclesiástica se reorganizar no estado. O bispado de
D. Antônio Brandão (1901-1910), pode ser caracterizado pelo esforço do administrador
eclesiástico em reestruturar a Igreja em Alagoas.
A noção de “estratégias” faz referência ao conceito elaborado por Michel de Certeau. No entanto, ressalva-se que
o autor, originalmente, relaciona as noções de tática e estratégias a uma abordagem ligada à propaganda de massa.
Para a pesquisa aqui desenvolvida irá se compreender a desvinculação da Igreja católica alagoana da Diocese de
Pernambuco e, posteriormente, a fundação de sua própria jurisdição eclesiástica como parte de uma “estratégia
religiosa” de caráter institucional, expansionista e territorial, ou conforme as palavras do autor: “(...) ações que,
graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e
discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas
combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações
espaciais”. Cf. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Vol. 1: artes de fazer. 16. ed. Petrópolis: Vozes,
2009, pp.46, 102.
9
A definição de “política” ou projeto político é algo amplo e polissêmico. Para a pesquisa destaca-se as
contribuições de Max Weber ao indicar a política como “a participação no poder, luta pela distribuição e
legitimidade do poder”. Salienta-se que para o autor a noção de política se encontra ligada as relações entre os
Estados ou de grupo inseridos em um Estado. Mas, também, pode ser compreendida como os meios utilizados por
uma categoria social para alcançar os seus objetivos. Nesta segunda definição pode-se enquadrar o projeto de
reestruturação do catolicismo brasileiro como a utilização de mecanismos pelo episcopado com a intenção
assegurar sua predominância religiosa no campo social durante a Primeira República. WEBER, Max. Ensaios de
Sociologia. 5ª ed. - Rio de Janeiro: LTC, 1999, pp. 98-99.
10
A definição de hegemonia pode ser entendida como: “o poder sobre a sociedade como um todo de uma das
classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais”. O termo é retirado
dos escritos do filósofo italiano Antonio Gramsci e indica “um tipo de dominação ideológica de uma classe social
sobre outra”. Cf. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2001, pp. 121-122.
11
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a história da igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 165;
MEDEIROS, Fernando Antônio Mesquita de. O homo inimicus: Igreja, ação social católica e imaginário
anticomunista em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2007, p. 38.
8
12
Logo, a pesquisa tem como proposta inserir o estado de Alagoas nos debates já
consolidados sobre o tema do projeto de restruturação da instituição católica no Brasil,
denominado de “romanização”. E verificar por meio das informações obtidas pelas fontes
eclesiásticas do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió e dos jornais disponíveis na
Hemeroteca Digital Brasileira o perfil da diocese e do seu primeiro bispo e, assim como,
encontrar indicações das representações e práticas12, pastorais e institucionais, que possam ser
relacionadas ao projeto da romanização. A pesquisa tem como pretensão contribuir para a
construção da historiografia local sobre as religiões, ao mesmo tempo em que se buscou manter
o caminho aberto para novas possibilidades de análises do tema.
Neste trabalho entende-se a História como um processo de transformação social e
cultural ao longo do tempo.13 Os aspectos culturais que compõem a sociedade passam a abarcar
um sistema de símbolos, padrões de comportamentos e signos, produzidos como resultado desse
processo de transformação pela ação humana.14 Essa estrutura de significações passou a reger
determinadas esferas da vida do ser humano. Percebe-se o campo religioso como um
desdobramento desse arcabouço simbólico no cotidiano da sociedade. 15 A pesquisa se insere
dentro do paradigma da História Cultural, mais especificamente a nova história cultural dos
finais da década 1970 a início de 1980, marcada por uma abordagem interdisciplinar com
diversas áreas do conhecimento.16 A “interdisciplinaridade” tem contribuído para a renovação
dos estudos que abarcam as religiões e religiosidades, possibilitando uma melhor compreensão
do objeto a ser estudado e das relações entre as práticas socioculturais e os discursos religiosos.
Para facilitar a análise das informações encontradas nas fontes foi proposto um diálogo
com as ferramentas de auxilio metodológicas, entre elas o método de análise histórica,
A noção de “prática” envolve todo o espaço de experiências vividas e a cultura, permitindo ao indivíduo pensar
essa experiência e criar as formulações e explicações sobre a mesma. Já o conceito de “representação” está
associado a maneira os um indivíduo ou grupo ver e compreende a realidade. São as visões mundo e crenças que
buscam justificar a ordem social. Segundo Roger Chartier “não existem práticas ou estruturas que não sejam
produzidas pelas representações”. Esses conceitos são intrínsecos, já que contribui para a forma como os
indivíduos vê e agem no mundo. Cf. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos avançados
11(5), 1991, pp. 18; VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: VAINFAS, Ronaldo &
CARDOSO, Ciro Flamarion (org). Domínios da história. São Paulo: Campus, 2011, p. 143.
13
Parafraseando Marc Bloch: “(...) A história é a ciência dos homens no tempo”. Para ele historiador não pode anular
sua subjetividade, e a verdade não está depositada nos documentos, aliás, todo vestígio pode vir a se tornar um
documento, dependendo das perguntas que o historiador coloca, é ele que dá significação ao documento, através da
perspectiva da “história-problema”. Cf. BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001, p. 54.
14
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. 1ª ed; 13ª reimpr. - Rio de Janeiro: LTC, 2008, pp. 9-10.
15
BURKER, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005, pp. 79-80.
16
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. 9ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2013,
p. 101.
12
13
denominado “paradigma indiciário”, proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg.17 Na
concepção deste autor o papel da “História”, ou da “Ciência histórica” é o estudo do passado.
No entanto, esse elemento de caráter processual seria algo impreciso. É, a partir desse problema
que se destaca o papel do historiador como o profissional que tem a função de buscar as redes
de relações, de encontrar os vestígios e, por fim, apontar os símbolos e sinais ao possibilitar a
apresentação de uma trama sólida capaz de elaborar um vislumbre do processo histórico a ser
pesquisado. Sabe-se que os “indícios” históricos têm a função de ajudar ao pesquisador nas
formulações e compreensões das representações da sociedade analisada, levando em conta não
só as formas de circularidades “mentais” ou ideias, mas também as possíveis continuidades de
um discurso ao longo do contexto histórico.
Dessa forma, pode-se propor a compreensão da conjuntura alagoana durante o último
decênio do século XIX e as primeiras décadas do século XX, como assinaladas pela tentativa
de adaptação do campo político e social local frente às exigências do novo regime de Poder, ou
seja, o Estado republicano. E neste caso, a observação dessas atmosferas constituirá um quadro
panorâmico que permitirá entender os “ânimos” da sociedade civil alagoana no momento da
criação da sua jurisdição eclesiástica em 1900.
Para compreender a sociedade alagoana na conjuntura proposta utilizou-se como fontes
as publicações de pesquisadores, a dizer: livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado.
Debruça-se também sobre um material pertinente, que foram os jornais que circularam durante
os anos de 1890 a 1910, e a crônica literária Traços e troças: crônica vermelha, leitura quente
do autor Pedro Nolasco Maciel18. A inserção da literatura como fonte historiográfica contribui
Segundo Ginzburg: “Se as pretensões de conhecimento sistemático se mostram cada vez mais como veleidades,
nem por isso a ideia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que
explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto
de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem
decifrá-la.” cf. GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 1ª reimpressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990, p. 177.
18
Escritor, jornalista, filho de Raimundo José de Sant’Ana e Silvina Ferreira Guimarães. Funcionário do
Departamento dos Correios e Telégrafos entre 1889 e 1903. Membro da Sociedade Libertadora Alagoana, que
lutava pelo fim da escravidão. Sócio do Clube Literário José Bonifácio, do qual foi vice-presidente e, por muitos
anos, orador do Montepio dos Artistas Alagoanos. Foi fundador de O Gutenberg, tipógrafo do Diário das Alagoas,
redator dos jornais Tribuna do Povo, Jornal de Notícias, Constelação, O Popular, O Viçosense. Obras: A Filha
do Barão, Maceió: Tipografia Mercantil, 1886, reunindo, em volume único, os fragmentos publicados em jornal,
em 1885, do primeiro romance de costumes alagoanos, sendo anunciado pelo autor como de estudos românticos;
existe uma 2ª edição, Maceió: DAC SENEC, com introdução de Moacir Medeiros de Sant'Ana, intitulada O
Romance e a Novela em Alagoas, Maceió, 1976; Traços e Troças - Crônica Vermelha, Leitura Quente (publicada
a 1ª edição sem o nome do autor, em 1899, a 2ª em Maceió: pelo DEC, em 1954, com coordenação e introdução
de Moacir Medeiros de Sant'Ana, e a 3ª, ainda do DEC, em 1964, anotada e comentada pelo historiador Félix Lima
Júnior); Estilhaços (Produções Literárias e Sobre Política), Maceió, 1887; Conferência Pública, Maceió,
1888; Galeria de Alagoanos Ilustres ou Subsídio à História das Alagoas (Precedido de uma Exposição Sucinta
Sobre a Guerra do Paraguai), Maceió, 1891; Indicador Postal (Nomenclatura Cronológica do Estado das
Alagoas, Acompanhado de Disposições Regulamentares em Vigor nos Serviços dos Correios). Colaborador dos
17
14
para reconstituir um cenário que mistura história, ficção e realidade19, oferecendo um quadro
esclarecedor da dinâmica social alagoana nos fins do XIX. Foram importantes, ainda, as fontes
encontradas nos fundos eclesiásticos do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió, em
especial: as cartas pastorais, as correspondências episcopais, os livros de provisões, os
processos de ordenação vocacional e livros de tombo de paróquias. Por eles pode-se
problematizar as informações sobre a forma como o bispo diocesano passou a comandar a
estrutura eclesiástica no estado de Alagoas.
É preciso salientar que as mudanças estruturais das instituições religiosas, no seu
sentido de reorganização interna, não se encontram afastadas dos processos de transformações
socioculturais externos; ou seja, não podem ser analisadas em dissociação da conjuntura
histórica da sociedade. Por meio do diálogo entre o contexto externo e interno, elabora-se um
quadro representativo que nos permite perceber que na medida em que o campo social se
transforma as instituições religiosas tendem a se adaptar aos processos de mudanças ou, em
contrapartida, se interiorizar em torno de seus dogmas e crenças como forma de autodefesa. A
partir desses indicadores encaminha-se para da problemática da “autocompreensão” da Igreja
Católica, como apresentada por João Hauck:
A autocompreensão da Igreja é profundamente influenciada pelo contexto em
que ela deve dar o testemunho da mensagem evangélica. Nem sempre as
circunstâncias facilitam uma visão clara dos caminhos a seguir. A tendência à
inércia é abalada, às vezes, por vozes proféticas que proclamam um retorno às
origens.20
Pode-se definir a “autocompreensão” da Instituição eclesiástica como um dos possíveis
elementos determinantes de sua práxis social. E, que motivaria a forma como a Igreja se vê,
quais os problemas têm que enfrentar no mundo e como ela deve agir. Destaca-se que, esta
particularidade, contribui para a elaboração do seu arcabouço ideológico e religioso. Ressaltase, também, que a autocompreensão (forma de ver) e a “práxis-teológica” (forma de agir) da
Igreja Católica tendem a coexistir de forma bidimensional, isto é, no sentido temporal e
espiritual.21 Em resumo, mesmo quando possui objetivos relacionados às questões
“transcendentes”, a Igreja consegue correlacionar os seus “interesses espirituais” aos de
jornais: A Lâmpada, O Momento, A Tribuna, neste último com a seção "A Lápis". cf. BARROS, Francisco
Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. vol. 2,
Brasília: Senado Federal, 2005, p.209.
19
ALMEIDA, Luiz Sávio (org.). Traços e troças: Literatura e mudanças sociais em Alagoas. Estudos em
homenagem a Pedro Nolasco Maciel. Maceió: EDUFAL, 2011.
20
HAUCK, João Fagundes, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo: segunda
época, Século XIX. 4ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 13.
21
MAINWARING, Scott. Igreja e política: anotações teóricas. In: Revista Síntese, v. 10, nº 27, 1983, p. 26.
15
determinadas categorias sociopolíticas, como um mecanismo com a capacidade de abranger a
sua “influência” diante das classes sociais.
A partir destas características, a Igreja Católica pode ser tomada como uma instituição
sociológica concreta, marcada por interesses e que se entende como detentora dos bens
espirituais, morais e dos meios de salvação do ser humano. Nesse aspecto, suas práticas,
discursos e arcabouços ideológicos passam a ser entendidas a partir de uma dada conjuntura
histórica e social.22 Como salientou Elza Soffiatti:
(...) Sendo assim podemos considerar que o autoentendimento da Igreja é
influenciado pelas mudanças culturais e conduzem a uma nova perspectiva
mais diversa, que por sua vez constrói uma nova história fruto das mudanças
das estruturas político-sociais, da transição para a sociedade industrial
burocrática que atingiu a sociedade laica e a eclesiástica, atingindo inclusive
o próprio historiador que, característica e intrinsecamente é filho desse
tempo e carrega em sua análise interpretativa e em sua narrativa, seus valores
e sua visão de mundo.23
Desta forma, pretende-se compreender as relações entre a sociedade e o campo religioso
por meio de um viés dialético, levando em consideração que as mudanças sociais interferem na
forma como as instituições religiosas buscam se organizar e dialogar com este mundo em
transformação. Ao longo da pesquisa procurou -se analisar o problema a partir de duas
possibilidades de hipótese: (1) que a criação da diocese de Alagoas, para além do sentido de
benefícios ligados ao campo eclesiástico e educacional, também estaria ligado a busca por
instabilidade política, ao se perceber que ocorrência de disputas e conflitos oligárquicos locais
desde a instalação do regime republicano, em 15 de novembro de 1889; (2) por outro lado,
sabendo que Dom Antônio Brandão, primeiro bispo da jurisdição alagoana, esteve presente nos
debates do Concílio Plenário Latino-americano, em 1899, defende-se que ao mesmo tentou
adaptar e inserir as orientações conciliares ao longo do seu governo episcopal. Para se
comprovar estes pressupostos, se propôs uma análise tanto do contexto geral do Estado
alagoano no período estudado, como uma observação organização interna da Instituição
Católica pós criação do bispado.
Sendo assim, dedicou-se a primeira secção, com o título A política, a sociedade e a
religião: a conjuntura sociocultural de Alagoas nas duas primeiras décadas do período
republicano, final do século XIX e início do XX, para apresentar o contexto que antecedeu a
22
ALVES, Marcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 12.
SOFFIATTI, Elza Silva Cardoso. A teoria da autocompreensão da Igreja. In: Anais do III Encontro Nacional
do GT História das Religiões e das Religiosidades – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das
religiões e religiosidades. In: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, vol. 3, nº.9, jan/2011, p.4.
23
16
criação do bispado de Alagoas. Por meio da observação dos jornais publicados na época se
buscou compreender o cenário político, social, urbano e religioso durante o início do período
republicano, destacando os acordos e mobilizações em favor da fundação da diocese alagoana.
Posteriormente, na segunda secção, intitulada como: Da criação da Diocese à reorganização
eclesiástica em Alagoas: os ‘caminhos’ do projeto de restruturação católica no bispado de
Dom Antônio Brandão (1901 a 1910), partirá da observação da formação sacerdotal e trajetória
na hierarquia eclesiástica do primeiro bispo de Alagoas. Abordar-se-á também a relação entre
as práticas institucionais como: criação do seminário diocesano, colégios confessionais com as
práticas pastorais, visitações e o uso da imprensa como parte dos mecanismos articulados a
política da romanização e possíveis indicações das aproximações do primeiro Bispo de Alagoas
com o projeto de reorganização do catolicismo brasileiro.
Por fim, na terceira secção, com o título: Ao clero e fiéis de nossa diocese: O ideal da
reorganização do catolicismo nas cartas de Dom Antônio Brandão; buscou analisar em fontes
manuscritas assinadas pelo bispo diocesano, como por exemplo: a carta pastoral de saudação
aos seus diocesanos, as correspondências oficiais do bispado e os despachos dos livros de
provisão, por meio de um diálogo com o conceito de “prática da cultura escrita”24. Auxiliando
na compreensão de textos oriundos de documentos manuscritos, como cartas, ofícios, atas e
circulares, e de sua observação enquanto discursos que pretendem reproduzir ou justificar os
arcabouços ideológicos eclesiásticos. Dessa forma, o texto passa a ser entendido como uma
representação visão de mundo e do pensamento ultramontano que influenciou as posições do
episcopado durante o período da Primeira República, de 1889 a 1930.
O uso da chamada “análise de conteúdo”, definida por Laurence Bardin como “o meio
metodológico de extração, classificação e comparação entre as informações e significados de
diferentes meios de comunicação”25, torna-se pertinente ao se compararem as informações a
serem obtidas pela documentação, com o propósito de verificar as possíveis formas de
adaptação do projeto de reestruturação do catolicismo em Alagoas. Por meio destas abordagens
se conseguiu comprovar durante o trato com as fontes que Dom Antônio Brandão na medida
em que buscava dialogar e estabelecer alianças com as forças oligárquicas locais também se
esforça para tentar organizar e estruturar a instituição eclesiástica católica internamente.
24
Nos estudos históricos o uso da Cultura escrita se concentra nas análises das correspondências e cartas, pessoais
e coletivas, de personalidades anônimas e conhecidas, como um meio de compreender uma conjuntura específica.
cf. GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
25
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 36.
17
2. A POLÍTICA, A SOCIEDADE E A RELIGIÃO: a conjuntura sociocultural de
Alagoas no período da primeira república, final do século XIX e início do XX
Essa secção tem por objetivo apresentar a conjuntura urbana, política e religiosa de
Alagoas entre os finais do século XIX e início do XX. Almeja-se examinar tanto na literatura
historiográfica, como nos jornais da época, a atmosfera da sociedade alagoana durante o período
que constitui o alvorecer do Estado republicano.
Para facilitar a elaboração da proposta de debate o texto encontra-se dividido em três
momentos. Primeiramente, se debruçará sobre a conjuntura política alagoana, a fim destacar os
principais aspectos observados na historiografia e nos jornais locais publicados entre os finais
do século XIX e inícios do XX. O objetivo por meio deste exercício de análise contextual é
perceber a recepção do regime republicano no estado. Em seguida, a discussão se deslocará
para a verificação das mudanças ocorridas no âmbito social em Alagoas, no período proposto,
assinalando as transformações urbanas e as bases econômicas em desenvolvimento na região.
Ainda, neste momento, se propõe a realização de uma esquematização do campo religioso
alagoano, com o intuito de ressaltar as principais formas de manifestações religiosas, cujas
menções podem ser encontradas nas páginas dos jornais publicados na época. E, por fim,
apresentará o processo da realização dos acordos políticos e das mobilizações coletivas,
incluindo a criação da Comissão Central do Patrimônio que atuaram em favor do projeto de
criação de uma jurisdição eclesiástica em solo alagoano, entre os anos de 1896 a 1901.
O diálogo entre os campos políticos, socioculturais e religiosos possibilitou a realização
de uma investigação da realidade histórica afim de entender os antecedentes processuais da
criação da Diocese de Alagoas e, consequentemente, a percepção dos possíveis indícios que
auxilie a compreender a dinâmica do processo de reorganização burocrática e eclesiástica
desempenhado pelo bispo diocesano no Estado.
2.1.Instabilidade, tensões e deposições: o campo político de Alagoas durante os
primeiros onze anos da República
Ao se estudar o período republicano em Alagoas parece haver um consenso por parte
dos autores sobre a transição do Império para a República. A maioria das produções destacam
que o processo transcorreu de forma “pacífica”, em comparação com outras localidades, como
o Rio de Janeiro, centro das efervescências e tensões políticas nacionais. Verificando a
ocorrência de tensões sociais pós-implementação ao novo regime político como um dos
18
resultados da falta de consolidação ou identificação do “republicanismo” entre os intelectuais
do estado.26 O trecho a seguir reflete um pouco sobre a realidade social, mencionando a
repercussão do pensamento republicano entre a sua população, no final do período imperial:
Embora tenha sido a terra natal das duas figuras mais eminentes do novo
regime que sucedeu à Monarquia - Deodoro, o proclamador, e Floriano o
consolidador da República - não se configurou em Alagoas um movimento
republicano que exprimisse uma força social significativa. Houve, é verdade,
alguma pregação antimonarquista - o surgimento da imprensa e clubes
republicanos, com adeptos inclusive no interior, e até pronunciamentos
insólitos como de um sócio do Instituto Arqueológico -, mas não ultrapassou
um pequeno círculo da "inteligência". Tudo isso sem maior empolgação da
sociedade.27
Segundo Felix de Lima Junior, em Alagoas não se registrou grande entusiasmo pelas
ideias republicanas.28 O movimento republicano na província alagoana se iniciou com a
publicação do jornal A República, no ano de 1872.29 No entanto, a inexistência de um plano
político e a ocorrência de divergências internas, levaram a articulação do movimento
gradualmente ao declínio. Após a abolição da escravatura pela princesa Isabel, em 13 de maio
de 1888, ocorreu a fundação de apenas um clube republicano na capital da Província de
Alagoas, Maceió. E, posteriormente, três outros foram criados também nas freguesias de Pão
de Açúcar, Penedo e Palmeira dos Índios. Na capital da província, inclusive, contabilizavamse cerca de dezoito indivíduos autodenominados “republicanos”.30 No entanto, parece que essas
ideias não conseguiram se expandir suficientemente e ganhar forças entre as classes sociais
mais abastadas.
Esta característica pode ser explicada ora pelo desconhecimento ou, até mesmo, pelo
desinteresse dos intelectuais locais acerca do republicanismo. Outra causa que pode ser
associada é a distância entre Maceió e Rio de Janeiro, sede do Império, como razão de possíveis
problemas relacionados ao atraso de informações. Para se ter uma noção, em 15 de novembro
de 1889, no exato momento que o Marechal Deodoro destituía o Imperador Dom Pedro II e
26
O republicanismo passou a ser difundido no território brasileiro após a publicação do Manifesto Republicano de
1870. Este constou com a adesão de membros das ordens maçônicas, segundo Alexandre Mansur Barata,
desiludidos com o Estado Imperial. Contudo, para Alagoas fica-se aberto a possibilidade de haver relações entre a
propaganda republicana e a maçonaria. cf. BARATA, Alexandre Mansur. Os maçons e o movimento republicano.
In: Locus, Revista de História, v.1, nº1, Juiz de Fora, pp. 125-141, 1995.
27
TENÓRIO, Douglas Apratto. Metamorfose das oligarquias. Maceió: EDUFAL, 2009, p.55.
28
LIMA JUNIOR, Félix. Maceió de outrora: Obra póstuma. Maceió: EDUFAL, 2001. V. 2, p. 121.
29
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. – Maceió: EDUFAL, 2015, p. 238.
30
Entre podem ser citados alguns nomes significativos: Guido Duarte (1842 - 1893), Stanislau Wanderlei (1830 1898); Eusébio Francisco de Andrade (1866 - 1928); Ricardo Brennand Monteiro (1867 - 1904); Francisco da
Silva Domingues (1847-1918); Pedro Nolasco Maciel (1861-1909).
19
proclamava a república do Brasil, em Alagoas membros das classes privilegiadas encontravamse no Clube Fênix Alagoano, que na era época localizado próximo ao bairro do Jaraguá, em
comemoração à posse do Dr. Pedro Ribeiro Moreira ao cargo de Presidente da Província. Por
ironia do destino, ou azar, Moreira Ribeiro foi o último representante do Império no agora
Estado de Alagoas. Conforme Félix Lima Junior, “as primeiras impressões sentidas em Alagoas
com notícias da queda da Monarquia foram as resultantes de uma grande estupefação e de um
grande pânico. A Província contava senão com meia dúzia de sonhadores republicanos”.31
As notícias sobre os recentes acontecimentos na Corte começaram a chegar por
telegramas a partir da madrugada do dia 16 de novembro daquele mesmo ano. E quando se
confirmou a nova situação do país as notícias passaram ser recebidas com certo assombro pela
população. Após os esclarecimentos, Pedro Ribeiro Moreira entregou o cargo de administrador
provincial que havia assumido a menos de quarenta e oito horas e embarcou na primeira nau
em destino ao Rio de Janeiro, no dia 17 de novembro de 1889.
Cinco dias após a proclamação da República pelos militares liderados pelo Marechal
Deodoro da Fonseca, o jornal O Orbe publicou uma edição especial relatando à população todos
os fatos relacionados à nova realidade política do país. Por meio de suas páginas observam-se
as repercussões da instalação do governo republicano: a renúncia de Pedro Ribeiro Moreira
ocasionou a composição de uma junta provisória com a intenção de atuar na esfera executiva
do estado até a nomeação do próximo governador. Tudo isso em decorrência da mudança do
cenário nacional como se pode ver pelo o trecho a seguir:
PROCLAMAÇÃO
Governo Provisório
Telegrama aos cidadãos: O povo, o exército, armada nacional, em perfeita
comunhão, com os sentimentos de nossos concidadãos residentes provinciais,
acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e consequentemente a
extinção do sistema monárquico representativo e, como resultado imediato
desta resolução nacional de caráter essencialmente patriótico, acaba de ser
instituído um governo provisório, cuja principal missão é garantir a ordem
pública, liberdade e direitos dos cidadãos.32
A mencionada junta administrativa foi composta por um triunvirato: Aureliano Augusto
de Azevedo Pedra, militar, major do 26º batalhão de Maceió; o também major Ricardo
Brennand Monteiro e pelo senhor Manuel Ribeiro Barreto de Meneses. As indicações dos
nomes que compuseram a junta foram celebradas pelos poucos grupos republicanos locais,
entre eles o clube Centro Popular Republicano Maceioense, que, segundo as informações do O
31
32
LIMA JUNIOR, Félix. Maceió de outrora: Obra póstuma. Maceió: EDUFAL, 2001. V. 2, p.126.
O ORBE, Maceió, 20 de novembro de 1889.
20
Orbe, realizaram um cortejo público, desde a casa do seu presidente, o Dr. Manoel Menezes,
na noite de sábado do dia 16 de novembro, acompanhados com a banda marcial do corpo de
polícia e filarmônica artística, em uma passeata em direção ao vigésimo sexto batalhão, para
parabenizar os “dignos cidadãos nomeados”.33
O triunvirato permaneceu no comando do governo do estado durante os quatros dias
subsequentes, até a data de 21 de novembro, sendo substituído pelo governador provisório
Tibúrcio Valeriano de Araújo.34 O novo governador não chegou a desfrutar por muito tempo
do posto político e acabou sendo substituído pelo general Pedro Paulino da Fonseca, irmão de
Deodoro, o proclamador da República. Esta nomeação não impediu que prosseguisse o processo
de instabilidade e tensão política envolvendo o cargo de administrador do Estado.
2
3
4
5
QUADRO 1: LISTA DE GOVERNADORES DE ALAGOAS
DURANTE OS ANOS DE 1889 A 1912
NOMES
Início do Mandato
Fim do Mandato.
Aureliano Augusto de Azevedo Pedra
Manuel Ribeiro Barretos de Meneses
18 de novembro de 1889
21 de novembro de 1889
Ricardo Brenand Monteiro
Tibúrcio Valério de Araújo
21 de novembro de 1889
2 de dezembro de 1889
Pedro Paulino da Fonseca
2 de dezembro de 1889
18 de dezembro de 1890
Manuel de Araújo Góis
18 de dezembro de 1890
12 de junho de 1891
Pedro Paulino da Fonseca
12 de junho de 1891
14 de junho de 1891
6
Manuel de Araújo Góis
7
José Correia Teles
Manuel Ribeiro Barreto de Meneses
Jacinto de Assunção Pais de Mendonça
Carlos Jorge Calheiros de Lima
8
Manuel Gomes Ribeiro
9
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Gabino Besouro
Manuel Sampaio Marques
José Tavares da Costa
Francisco Soares Palmeira
Tibúrcio Valeriano da Rocha Lins
Manuel Gomes Ribeiro
José Vieira Peixoto
Manuel José Duarte
Francisco Manuel dos Santos Pacheco
Euclides Vieira Malta
Joaquim Paulo Vieira Malta
Euclides Vieira Malta
José Miguel de Vasconcelos
Macário das Chagas Rocha Lessa
21
Clodoaldo da Fonseca
Nº
1
10
14 de junho de 1891
23 de novembro de 1891
23 de novembro de 1891
28 de novembro de 1891
28 de novembro de 1891
24 de abril de 1892
24 de abril de 1892
16 de junho de 1894
16 de junho de 1894
17 de julho de 1894
17 de julho de 1894
17 de outubro de 1894
14 de janeiro de 1896
12 de junho de 1897
12 de junho de 1899
12 de junho de 1900
12 de junho de 1903
12 de junho de 1906
3 de junho de 1909
12 de junho de 1909
17 de outubro de 1894
14 de janeiro de 1896
12 de junho de 1897
12 de junho de 1899
12 de junho de 1900
12 de junho de 1903
12 de junho de 1906
3 de junho de 1909
12 de junho de 1909
12 de junho de 1912
12 de junho de 1912
12 de junho de 1915
Fonte: COSTA, 1983 [1923], pp. 161-168; CARVALHO, 2015, pp. 228-247.
33
34
O ORBE, Maceió, 20 de novembro de 1889.
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. – Maceió: EDUFAL, 2015, p. 228.
21
A tabela apresentada resume a situação do cargo executivo de Alagoas durante o período
estudado. Nela podem ser conferidos o começo e o fim dos mandatos de governadores entre os
anos 1889 a 1915. Fica evidente que dos vinte e um mandatos que compõem a listagem, treze
não chegaram a completar a quantidade de tempo estabelecida, que era de 3 (três) anos. O curto
período de 10 (dez) anos que vai do início da administração Pedro Paulino da Fonseca, em 2 de
dezembro de 1889, até o fim do mandato de Manuel José Duarte, em 12 de junho de 1899, foi
marcado por deposições, vacâncias, afastamentos, renúncias e duas juntas provisórias
administrativas. Apenas com a posse de Euclides Malta, em 12 de junho de 1900, a
administração política do Estado veio a “estabilizar-se”, pelo menos por um tempo.
Nascido em Mata Grande, no dia 16 de junho de setembro de 1861, Euclides Vieira
Malta foi um magistrado e herdeiro de família tradicional e influente. Sua vida política iniciouse muito cedo. Formou-se em Direito pela Faculdade de Recife em 1886. Exerceu a advocacia
e ocupou o cargo de promotor público em Atalaia, Coruripe e Penedo. Segundo o antropólogo,
Ulisses Rafael:
Euclides Malta inicia o seu mandato como governador no dia 12 (doze) de
junho de 1900, mas o seu ingresso na política se deu precocemente e por uma
via bem comum na época, sobre tudo para quem procedia de família de
proprietários rurais como ele. Trata-se daquele modelo que ficou conhecido
como a "praga do bacharelismo" o qual já fora atestado por Sérgio Buarque
de Holanda, autor que, com rara precisão, cunha essa expressão. Segundo ele,
tal processo tem início, ainda, nos primórdios do período imperial e coincide
com a ascensão dos centros urbanos sem detrimento da autonomia da velha
lavoura. Entre seus protagonistas encontrava-se uma casta de fazendeiros
escravocratas e seus filhos educados nas profissões liberais, os quais
continuam no monopólio da autoridade apesar de todas as transformações que
se verificam no âmbito da política e da economia nacional, ou seja, a sociedade
com fortes domínios agrário e rural, às voltas com a urbanização, do Império,
sobretudo depois da chegada da família real e de uma série de leis
antiescravagistas que despontam no país.35
A presença profissional dos “bacharéis” no cenário político está intrinsecamente
articulada ao espaço simbólico e das organizações, além da produção de bens de serviços. E
também está relacionado – principalmente – à produção e reprodução de significados na vida
cotidiana.36 Na prática a preferência pelo bacharelismo teve como resultado na formação da
35
RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012, pp. 76-77.
36
CRUZ, Breno de Paula Andrade; MARTINS, Paulo Emílio Matos. O poder do bacharel no espaço
organizacional brasileiro: relendo Raízes do Brasil e Sobrados e mucambos. In: Cad. EBAPE.BR vol.4 no.3 Rio
de Janeiro Oct. 2006, p. 2.
22
nossa mentalidade a supervalorização de certos símbolos, entre eles os prestígios relacionados
às “carreiras e ofícios liberais”, expressos, por exemplo, no título de “doutor”.37
Dessa forma, é possível enquadrar Euclides Malta nessas características ao considerar a
sua ascensão, quase meteórica, na carreira política. Suas relações com esse campo proeminente
da sociedade começaram desde cedo. Uma das possíveis preocupações de Malta,
aparentemente, foi o desenvolvimento de redes de influências com os membros das forças
políticas locais. Para se ter uma ideia, ele se casou com Maria Gomes Ribeiro, filha de Manuel
Gomes Ribeiro, o Barão de Traipú.38
Ao constituir relações com um dos indivíduos que acabariam se tornando a principal
representação das forças oligárquicas durante os dez primeiros anos da república, a vida política
de Euclides Malta passou, a prosperar no campo da política. Entre os anos de 1890 a 1891,
exerceu a função de deputado estadual por Alagoas; de 7 de janeiro de 1895 a 7 de janeiro de
1897; foi prefeito de Penedo. E, deputado federal entre os períodos de 1892-1893 e 1897-1899.
O auge de sua atuação política foi entre os anos 1900-1903 e de 1906-1909, quando
exerceu o cargo de governador do estado. Enquanto esteve à frente do governo de Alagoas,
Euclides soube como utilizar sua influência perante as elites políticas locais, com o objetivo de
minar possíveis adversários, além de tirar proveito de suas relações com o governo federal, por
meio da “Política dos Governadores” imposta pelo presidente Campos Salles (1898-1902), que
consistia em um apoio mútuo entre o dirigente do países e as forças políticas regionais. 39 Na
historiografia alagoana, a “Era Malta” passou a ser a ser associada ao período em que Euclides
Malta e seu irmão, Joaquim Paulo Vieira Malta40,se revezaram no comando do poder executivo
do estado.
Na primeira República, a força econômica, e social dos proprietários de terra,
traduzida em efetivo oligárquico, impôs uma ampla teia de submissão e
dependência que envolveria o eleitor, o coronel, o partido e o Estado. O modo
de agir do mando oligárquico era claro: controle dos órgãos municipais,
prática clientelista, nepotista, e patrimonialista, garroteando com violência e
37
RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012, p. 77; HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. - São Paulo: Companhia
das Letras, 1995, p. 157.
38
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. – Maceió: EDUFAL, 2015, p. 244.
39
A "política dos Estados" ou ainda "Pacto oligárquico" foi um sistema político não oficial, idealizado e colocado
em prática pelo presidente Campos Sales (1898 – 1902), por meio do qual, a troca de favores políticos entre o
presidente da república e os governadores dos estados levava o primeiro não interferi nas questões estaduais; em
troca, os governadores davam apoio político ao executivo federal. cf. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de
Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: Da proclamação da República à Revolução de 1930. 3ª ed.
- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 114; FAUSTO, Boris (dir.) O Brasil republicano, v.8: estrutura
de poder e economia (1889-1930). 8ª ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 54.
40
Joaquim Malta exerceu um mandato como governador entre os anos de 1903 e 1906. Cf. BARROS, Francisco
Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. Brasília:
Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. 2v, p. 215.
23
fraude eleitoral qualquer tentativa de oposição. A administração de Euclides
Malta e de sua oligarquia foi a mais longa etapa de governo exercida por um
homem e sua família na história alagoana. Por doze anos, ele comandou de
forma indiscutível a política local41.
Portanto, a política maltina fortaleceu as suas relações de poder com diversos setores da
sociedade. A longa era da “dinastia maltina” chegou ao fim no ano de 1912, quando Clodoaldo
da Fonseca, filho de Pedro Paulino da Fonseca, e sobrinho de Deodoro da Fonseca e Hermes
da Fonseca, foi eleito ao posto de chefe executivo do estado. Uma das influências do declínio
da era maltina foi a campanha de difamação realizada pelos aliados de seu adversário ao cargo
de chefe executivo do estado e do partido Republicano Democrata, opositores de Euclides
Malta. Entre os boatos que circulavam na época havia relatos das relações entre o ex-governador
e os cultos das religiões de matriz africana. Como repercussão, no dia 12 de fevereiro de 1912
a Liga dos Republicanos Combatentes, associação civil vinculada aos opositores dos Maltas, e
populares liderados pelo tenente reformado do exército, veterano da guerra de Canudos, Manoel
Luiz da Paz, invadiram e destruíram terreiros localizados nos bairros de Bebedouro e Levada,
perseguindo os seus adeptos. Nas produções historiográficas este acontecimento passou a ser
conhecido como: o “quebra de Xangô”, o “Dia do Quebra”, o “Quebra de 1912”. E como
consequência proporcionou o surgimento de uma manifestação religiosa intimidada,
denominada “Xangô Rezado Baixo”, uma modalidade de culto praticada em segredo,
alimentada pelo medo, sem o uso de atabaques, e animada apenas por palmas.42
Todavia, segundo afirmam autores como Douglas Apratto, Felix de Lima Junior e
Craveiro Costa, este último contemporâneo do processo político em questão, apesar dos
momentos de tensões e atritos políticos a denominada “era maltina” pode ser associada ao
sinônimo de progresso para o estado. O primeiro decênio do século XX marca em Alagoas a
ocorrência de significativos avanços tecnológicos, do crescimento populacional, repercutindo
no processo de urbanização, e no desenvolvimento dos setores industriais e ferroviários.
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. – Maceió: EDUFAL, 2015, p. 244.
Cf. RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012.
41
42
24
2.2.As praças, as ferrovias e as religiosidades: a modernização urbana e o campo
religioso de Alagoas durante a Primeira República
Os anos correspondentes às duas décadas iniciais do período republicano, de certa
maneira, marcaram o território alagoano com uma série de transformações que vão além do
campo político mencionados anteriormente. Muitas dessas mudanças, em diferentes esferas da
sociedade, tiveram início ainda na segunda metade do século XIX. Porém grande parte delas
só veio a eclodir no começo do século XX.
Por exemplo, entre os anos de 1881 e 1884, foram criadas duas linhas ferroviárias: a de
Piranhas-Jatobá, no alto sertão, um grande investimento federal na época de 115 km que
integrava a rota fluvial, ligando o trecho médio ao baixo São Francisco, contornando a cachoeira
de Paulo Afonso.43 A segunda ferrovia criada foi a Maceió-Imperatriz (União dos Palmares),
conectando os vales do Mundaú e do Paraíba diretamente com Maceió. A criação das linhas
ferroviárias possibilitou o desenvolvimento do setor econômico relacionado à cana-de-açúcar,
ampliando as possibilidades de locomoção da produção e fortalecendo o papel do porto do
Jaraguá.44
Registra-se também durante o final da segunda metade do século XIX a chegada das
primeiras fábricas têxteis e a sua consolidação durante o início dos 1900. Outra transformação
no setor industrial foi a substituição gradual dos antigos engenhos a vapor, surgidos em 1852,
pelas usinas de açúcar. Menciona-se que a primeira usina fundada em Alagoas foi a
“Brasileiro”, localizada no município de Atalaia, no ano de 1892, pelo francês Barão Du Saint
Siége Félix Eugène Wandesmet, considerada a segunda do Nordeste e uma das maiores do
Brasil em sua época.45
A produção da cana-de-açúcar constitui-se na matéria-prima da economia alagoana
nesse período. Apesar de existirem outros setores de produção, como o algodão, a pecuária e
uma economia de subsistência em constante progresso, eles nunca obterem forças suficientes
para desbancar a produção açucareira. Essa característica se reflete, inclusive, na esfera política,
ao se observar que a oligarquia rural no território alagoano é composta por donos de terra
43
COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de Alagoas. Maceió/AL:
EDUFAL: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 245; TENÓRIO, Douglas Apratto. Capitalismo e
ferrovias no Brasil. 2ª ed.- Curitiba: HD Livros, 1996, p. 105.
44
TENÓRIO, Douglas Apratto; DANTAS, Cármen Lúcia. Caminhos do Açúcar: Engenhos e casas-grandes das
Alagoas. 2ª ed. - Maceió: Sebrae, 2010, p. 66; MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. Filhos do Trabalho, apóstolos
do socialismo: Os tipógrafos e a construção de uma identidade de classes em Maceió (1895/1905). Dissertação
(Mestrado em História) – Recife: UFPE, 2004, p.51.
45
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. – Maceió: EDUFAL, 2015, p. 57.
25
ligados ao açúcar, donos de engenhos, de fartas propriedades de terra dedicadas à produção da
cana, donos de usinas. Como afirmou Cícero Péricles de Carvalho:
(...) as relações sociais e políticas desenvolvidas ao longo dos quatro séculos
pela oligarquia açucareira continuavam travando o desenvolvimento de
Alagoas [...] O açúcar criou uma elite exclusivista que deixou em
esquecimento a província e seu povo. O açúcar deu a casa-grande, mas
também deu a senzala. Na Alagoas republicana, o predomínio no campo
econômico e político continuavam nas mãos dos senhores de engenhos, e
fazendeiros, que marcavam a fisionomia estadual.46
No quesito populacional, segundo o censo de 190047, o estado de Alagoas contava com
aproximadamente 649.273 habitantes, correspondendo a um aumento de 137.833 (21%) dos
habitantes em comparação dos 511.440 habitantes recenseados em 1890. A população do estado
encontrava-se distribuída em trinta e quatro municípios. Sua capital, Maceió, na época
concentrava 36.427 habitantes, correspondendo aproximadamente a 5% da população total do
território alagoano.
Os altos índices populacionais existentes em Maceió teriam outros motivos além dos
convencionais, como, por exemplo, o fato de ser capital do estado, o que transformaria a cidade
em um dos epicentros econômicos e industriais da região. Segundo Tenório, os anos iniciais do
regime republicano foram marcados pelo êxodo rural.48 Para o autor, os novos rumos tomados
pelo setor canavieiro, com o surgimento dos complexos industriais das usinas, não conseguiram
trazer soluções para velhos problemas; em contrapartida, os agravou. As populações oriundas
do sertão, assim como milhares de famílias da zona da mata açucareira, por causa das intensas
adversidades da vida, desemprego, secas, optavam em se deslocar para outras regiões
industrialmente beneficiadas, acreditando, dessa maneira, que teriam mais oportunidades.
Também têm que se considerar as repercussões do processo de pós-abolição que proporcionou
aglomeração da população de ex-escravos em terminadas localidades da capital. Tal fato acabou
por refletir no crescimento desenfreado da população urbana, o que contribui para o
aparecimento de bairros e zonas populares.
Ainda ponderando sobre a relação entre o processo de industrialização e o crescimento
populacional na Maceió da Primeira República e como estes episódios repercutiram na forma
de reorganização de categorias sociais, vale recordar, conforme afirma Osvaldo Maciel que essa
conjuntura assinala o surgimento da classe operária em Alagoas, formada por trabalhadores dos
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. 3ª Ed. – Maceió: EDUFAL, 2015, p. 249.
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Sinopse do recenseamento de 31 de dezembro de
1900. Rio de Janeiro: Typographia da Estatística, 1905. p. 3. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br>.
48
TENÓRIO, Douglas Apratto. Metamorfose das oligarquias. Maceió: EDUFAL, 2009, p. 48.
46
47
26
setores têxteis e das usinas. Para o autor, esse momento representa uma articulação de uma
proeminente classe proletária alagoana, associada ao início da difusão de ideais socialistas. No
ano de 1869 surge a Associação de Tipografia, considerada a primeira forma representativa de
organização operária ligada aos trabalhadores gráficos, ou seja, os tipógrafos.49
O mapa urbano do período constituía-se de Maceió, como a capital administrativa do
estado, Viçosa, União dos Palmares, Porto Calvo e Penedo, nas margens do Rio São Francisco,
como seus significativos epicentros políticos e econômicos. Em um século, de 1800 a 1900,
Maceió possuía quatro bairros: Maceió, Jaraguá e Levada, que ficavam na parte baixa da cidade,
além do Alto da Jacutinga.50 Na direção norte tinha-se também Mangabeiras, considerado como
periferia, e os povoados de Ipioca, Mirim, Garça Torta e Riacho Doce. Ao Sul, encontravamse o povoado de Pontal e o Trapiche da Barra, Mutange, Bom Parto e Bebedouro.
Menciona-se o possível impacto da influência dos ideais da Belle Époque no Estado. No
começo do ano de 1900, durante o governo de Euclides Malta se iniciou um processo de
modernização urbana na capital.51 Segundo alguns autores, traços dessa modernização já teriam
aparecido no último decênio dos anos de 1800. Em 1897, se inaugurou o serviço de iluminação
elétrica pública, uma grande novidade da época. Antes disso, a cidade, como na maioria das
localidades do país, utilizava-se da luz de candeeiros à base de azeite, querosene e gás para
iluminar as noites da cidade.52 Segundo Craveiro Costa e Torquato Cabral (2016, p. 257),
durante o mandato de Malta ocorreram reivindicações populares por melhoramento no serviço
de iluminação pública, expressas nas páginas dos principais jornais de circulação do período.
O período também é marcado pelo que o historiador Douglas Apratto Tenório (2009, p.
24) denomina “a descoberta das ruas.” Iniciam-se as construções de praças e prédios, busca-se
o melhoramento de avenidas e demais vias públicas. Há a inauguração do Palácio do Governo,
localizado na Praça dos Martírios, no centro da capital, cuja construção se iniciou no ano de
1893, e do Teatro Deodoro, que acabou se tornando um dos principais pontos de entretenimento
utilizados pelas classes sociais mais abastadas.
49
MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. Filhos do Trabalho, apóstolos do socialismo: Os tipógrafos e a construção
de uma identidade de classes em Maceió (1895/1905). Dissertação (Mestrado em História) - UFPE: Recife/PE,
2004.
50
Corresponde atualmente ao início do bairro do Farol visto a partir da praia.
51
RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012, pp. 96-97.
52
Maceió foi considerada umas das primeiras capitais a terem recebido o benefício da eletricidade no Brasil. cf.
COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de Alagoas. Maceió/AL: EDUFAL:
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 257.
27
No sentido arquitetônico, percebem-se traços da existência da Art Nouveau, estilo
europeu predominante nas artes, decorações e ornamentos de prédios e casas, caracterizados
como algo moderno, em contraposição à presença do colonialismo dos velhos casarões, vistos
como “antiquados”. Outra característica foi o esforço pela implantação das políticas sanitaristas
de Osvaldo Cruz já aplicadas na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, em Alagoas transcorreram
de uma forma um pouco mais lenta e sem complicações em comparação com a capital da
República, por meio da fiscalização e controle dos possíveis focos de epidemias53,
embelezamento e arborização das ruas.54
Em paralelo aos aspectos apontados anteriormente, menciona-se, ainda, a organização
do campo religioso55 alagoano no contexto proposto para estudo. Ressalta-se que o espaço
conferido às expressões religiosas é assinalado pela complexidade das relações sociais onde
elas se encontram. É nítida a experiência de um campo religioso diversificado, marcado por
conflitos por hegemonia. Portanto, o fato de existir diversas práticas de contato com o sagrado
não quer dizer que o diálogo interreligioso entre elas ocorreram de maneira harmoniosa. Pelo
contrário, o que mais se evidência é a ocorrência de conflitos e tensões pela conquista de espaço
do sagrado e interesses diante da sociedade.
Inicialmente, tem-se o catolicismo, definido como a expressão religiosa majoritária no
território alagoano. A Igreja Católica, entre os últimos anos do século XIX e o princípio do XX,
possuía aproximadamente 34 paróquias espalhadas por todo o estado.56 Até 1900 a estrutura
eclesiástica alagoana ainda se encontrava hierarquicamente sob a cobertura da Diocese de
Pernambuco. Os acordos para a criação de uma jurisdição eclesiástica em Alagoas estavam em
curso, como será analisado posteriormente. Sobre a predominância e os privilégios atribuídos à
religião católica, diz Ulisses Rafael:
O catolicismo era, em Alagoas, a religião por excelência. As constituições
brasileiras, desde a época do Império, admitiam a liberdade de qualquer culto
religioso, mas foi o catolicismo que sempre gozou de maior prestígio, a ponto
53
Mensagem dirigida pelo bacharel Euclides Vieira Malta ao Congresso Alagoano por ocasião da instalação
da 1ª sessão ordinária da 6ª legislatura, em 20 de abril de 1902. Maceió: Tribuna, 1902, pp. 4-6.
54
GUTENBERG, Maceió, 30 de março de 1905.
55
Para Pierre Bourdieu, o "Campo" pode ser compreendido como um espaço social simbólico, mais ou menos
restrito, onde as ações individuais e coletivas se dão dentro de uma normatização, criada e transformada
constantemente por essas próprias ações. Esse espaço simbólico seria marcado por lutas dos seus agentes com a
intenção de determinar, validar, legitimar formas de representações, por meio da utilização do "Poder Simbólico".
A partir desse princípio, entende-se o "Campo Religioso" como um espaço marcado por tensões e conflitos
simbólicos e hegemônicos. Cf. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,
2007, p. 179.
56
COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de Alagoas. Maceió/AL:
EDUFAL: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 269; MEDEIROS, Fernando Antônio Mesquita de. O
homo inimicus: Igreja, ação social católica e imaginário anticomunista em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2007, p.
38.
28
de outras vertentes religiosas existentes, como o espiritismo, as religiões
evangélicas e os cultos afro-brasileiros terem sido colocados sob constante
vigilância.57
Durante o período Imperial, a Instituição Católica desfrutava do privilégio de ser a
religião oficial do Estado. E dessa forma, a procura pela a vigilância das outras formas de
expressões religiosas pelos poderes constituídos encontram-se relacionadas a concepção que
atribui à Igreja Católica a posição de instituição mantedora da ordem social, transmissora de
dogmas e preceitos morais. Tais preceitos acabaram por permanecer e a influenciar as instâncias
jurídicas do Estado republicano, a ponto de que qualquer aglomeração anormal de indivíduos
fosse vista como suspeita de baderna. Além do que a instituição religiosa se autodefinia como
detentora dos bens de salvação dos seres humanos.
Para se ter uma exemplificação do lugar de privilégio do catolicismo, pode-se verificar
os jornais de 1891, durante o clímax do processo de instalação da República com o movimento
de 15 de novembro de 1889, quando ocorreu a promulgação da constituição Federal. Nela, o
regime republicano reforçou os atos desencadeados a partir do decreto de 07 de janeiro de 1890,
que deu fim ao padroado régio e separou a Igreja do Estado. Seguindo os “manifestos”
realizados por variados setores católicos naquela conjuntura, a edição de 24 de abril de 1891 do
jornal alagoano Cruzeiro do Norte transcreveu uma coluna do periódico Leituras Religiosas
(Bahia), em que o colunista declara:
Efetivamente, a religião católica foi deixada na mesma esteira com as seitas e
superstições mais absurdas: a santidade do casamento, o fundamento da
família, foi gravemente abalada com a instituição do casamento civil e o não
reconhecimento do casamento católico; o cemitério foi profanado, tirando-se
lhe o caráter religioso; o caráter sacerdotal foi violado pela imposição tácita
do serviço militar; o ensino público foi preventivamente secularizado; o culto
público foi privado de todo auxilio dos cofres públicos; enfim, para tudo dizer
numa palavra, desconheceu-se inteiramente e foi posto à margem o grande
princípio da união dos dois poderes para sobre sua ruína ser levantado o
funesto e fatal sistema do ateísmo social.58
Por meio da leitura do artigo pode-se verificar o reforço às críticas das principais
repercussões da instalação do estado republicano, especificamente, relacionado à esfera
religiosa. Aspectos como o nivelamento e a comparação da igreja católica as outras
manifestações de crença, ou seja, perca da sua posição como religião oficial do Estado, a
instituição ao casamento civil, a secularização de cemitérios e hospitais, a imposição do serviço
57
RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012, pp. 105-106.
58
CRUZEIRO DO NORTE, Maceió, 24 de abril de 1891, p. 2.
29
militar para sacerdotes e a laicidade do ensino público, foram elementos bastante criticados por
setores do catolicismo, o que na verdade representaria a influência e inserção dos ideais de
centralização proposta pela Cúria Romana no discurso do episcopado brasileiro.
Todavia, outras expressões religiosas se encontravam lutando por espaço simbólico
frente a esse novo modelo social em constantes mudanças, inclusive em Alagoas, pode-se
mencionar as religiões de matriz africana. Por muito tempo, os ritos e celebrações em honra das
divindades ancestrais por elas cultuadas eram, segundo o discurso clerical dominante,
associados a superstições, e em muitos casos chegaram a ser criminalizados, relacionados à
baderna. Após a proclamação da república a nova legislação abriu brechas para a organização
institucional de outros credos, além do catolicismo.59
No entanto, na prática, a situação era bem diferente. As religiões de matriz africana
continuaram a ser constantemente vigiadas e criminalizadas. Consta no art. 157 do Código
Criminal de 1890, na parte que corresponde aos “crimes contra a saúde pública”, a proibição
da prática do espiritismo, da magia e dos seus sortilégios, sob pena de prisão de um a seis meses
e pesadas multas.60 Fica evidente a associação dos cultos africanos ao curandeirismo, aos
sortilégios e, em muitos casos, à superstição. E, ao mesmo tempo, demarca-se o lugar
privilegiado do catolicismo em meio a um regime político que se autodenominava “laico”.
Ao se observar os jornais alagoanos, entre os finais do século XIX e início do XX, notase referências a cultos com a denominação de “xangôs” (changôs) ou como “Dança de Santa
Bárbara”; ou ainda a menção de negros nas páginas policiais, relacionados “a badernas”, a
batuques, a “crimes contra a ordem pública”.61 Também se pode indicar a menções de festejos
e manifestações culturais associados aos cultos africanos, como por exemplo, a “sambas”,
“maracatus” e “coco de rodas”. Aonde, muitas vezes, os redatores dos jornais solicitam o
comparecimento das autoridades policiais com o objetivo de controlar as suas realizações,62
vistas como formas de “divertimentos contrários a civilização”.63
59
BRASIL. Lei nº 173, de 10 de setembro de 1893. Regula a organização das associações que se fundarem para
fins religiosos, Moraes, científicos, artísticos, políticos ou de simples recreio, nos termos do art. 72, § 3º, da
Constituição. In: Coleção de Leis do Brasil - 1893, Vol. 1, part. I, Rio de Janeiro, p. 45. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br> acessado em: 15 de março de 2018.
60
Código Penal. Decreto nº 847, de 11/10/1890, art. 157.
61
RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012, p.177.
62
GUTENBERG, Maceió, 29 de janeiro de 1907.
63
O PÃO D'ASSUCAR, Pão de Açúcar, 25 de novembro de 1877
30
Em outras notícias encontravam-se a associação dos cultos africanos à prática de
curandeirismo64, à magia e à feitiçaria. Esse tipo de correlação possui a finalidade de
descaracterizar os cultos africanos como religião, lançando-a na categoria de superstição ou
crenças populares e indicam um óbvio caráter depreciativo. Segundo Irinéia Franco 65, a
respeito do espaço urbano de Maceió, há o surgimento de determinadas localidades que
anteriormente foram redutos ou esconderijos de escravos foragidos e quilombos, a saber, os
bairros do Jaraguá, Poço, Levada e Bebedouro, posteriormente acabaram por transformar-se em
regiões com forte presença de cultos africanos.
Para além do discurso que buscava criminalizar as religiões de origem africana apontase também a demonização de suas práticas rituais por congregações evangélicas e pela Igreja
Católica. Em muitas situações práticas e ritos relacionados aos cultos afrodescendentes foram
enquadrados, como “fetichismo”. Em Alagoas a constituição dos cultos africanos (xangôs)
durante o processo pós-abolição, apesar das tentativas de controle e repressão por partes das
classes dominantes, está relacionada à busca por uma identidade e cultura “afro-alagoana”, que
ecoam até os dias de hoje.66
Partindo-se dessas breves observações, cita-se uma passagem da obra Traços e troças:
crônica vermelha, leitura quente, cuja autoria é atribuída ao jornalista e cronista Pedro Nolasco
Maciel que, e por meio de seus escritos nos apresenta uma possível caracterização do espaço
urbano da cidade de Maceió, mesclando realidade e ficção:
D. Maria anunciou um passeio inesperadamente à povoação do Pontal da
Barra. Não convidou ninguém e até proibiu a notícia dessa projetada
digressão.
No dia convencionado partiu ela, às 9 da manhã, acompanhada de Zulmira e
do Pacau, mercador de peixes sem que ninguém soubesse explicar para onde
ia tão original caravana.
O Pacau é conhecido feiticeiro, e dizemos crentes de suas mandingas que
quatro palavras desgraçam qualquer indivíduo. Quando, porém, o negócio
cheira, o tal feiticeiro não age sozinho, porque, diz ele, é preciso a intervenção
de Santo Amaro e não serve a qualquer Santo Amaro aí à toa, é necessário que
o negócio fique a cargo do Santo Amaro da sinhá Aninha Cesária, do Pontal
do Barra.
Esta Sra. Aninha Cesária tem feito milagres admiráveis. Devido aos seus
esforços, muita gente que era pobre possui hoje centenas de contos, outros que
64
Tem que se destacar que em duas situações encontradas nos jornais observou-se a informação da prisão pelo
inspetor de higiene pública e saúde de dois indivíduos acusados pelo crime de curandeirismo no Alto da Jacutinga,
Fidelis Ferreira de Oliveira e Thomé Santiago da Costa, descrito como um “criolo”. Também se verificou na
cidade de São José da Laje a prisão de um dito curandeiro conhecido como Umbelino, cujo apelido era “Brioco”.
Cf. GUTENBERG, Maceió, 9 de maio de 1896, 1 de julho de 1896 e 5 de abril de 1899.
65
SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. A caverna do diabo e outras histórias: Ensaios de História Social das
Religiões (Alagoas, séculos XIX e XX). Maceió: EDUFAL, 2016, pp. 79-80.
66
SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. A caverna do diabo e outras histórias: Ensaios de História Social das
Religiões (Alagoas, séculos XIX e XX). Maceió: EDUFAL, 2016, p.109.
31
eram leprosos ficaram bons. Moços distintos deram para beber, porque lá
foram seus inimigos, inimigas inclusive, e mandaram ela carregar a mão no
pobre diabo; tem que se dado quebras, incêndios e desastres que só ela é a
causadora. Também em compensação, muitos cegos ficaram com vistas,
muitos mudos têm falado.67
O curto trecho mencionado relata o momento em que uma personagem do romance de
Nolasco, Dona Maria, mãe de Zulmira, se dirige ao Trapiche da Barra subitamente à procura
de dois “feiticeiros”, Pacau e Aninha Cesária. Esta passagem traz a caracterização do
contingente das religiões de matrizes africana, ao esboçar como eram vistas suas práticas rituais
no cotidiano coletivo da cidade de Maceió. O fragmento extraído da obra literária indica
algumas localidades urbanas considerados redutos das manifestações religiosas de origem
africana. Outro ponto de vista é a ocorrência da mescla entre catolicismo e Xangô africano,
demarcando a questão da aculturação e reapropriação dos símbolos católicos pela religião
africana. A leitura desta passagem destacado da obra de Nolasco sugere uma forma alternativa
de obtenção sobrenatural de certos benefícios por parte dos seus solicitantes, ou ainda, a sua
utilização como instrumento de malefícios aos inimigos.
Outra expressão religiosa a ser indicada é o protestantismo. A presença de protestantes
no território alagoano pode ser registrada desde o século XVII, com a ocorrência da invasão e
domínio holandês na região nordeste.68Já durante a primeira metade do século XIX, com o
advento da “abertura dos portos às nações amigas”, um acordo político entre a Corte portuguesa,
instalada no Brasil em 1808, e a Inglaterra, houve a possibilidade da vinda de diplomatas
ingleses. Muitos deles professavam o anglicanismo, religião institucionalizada pelo rei
Henrique VIII, no século XVI. Em Maceió, os ingleses adeptos do anglicanismo constituíram
uma comunidade no bairro de Jaraguá. Segundo José Fernando de Maya Pedrosa, uma planta
antiga da localidade apresentava a existência de um “cemitério dos ingleses” entre o Bairro de
Jaraguá e o Centro,69 possivelmente na rua do Conselheiro Saraiva, antigo Aterro, que nos dias
atuais passou a ser conhecida pelo nome de Avenida da Paz.70
Entre o final do século XIX e o primeiro decênio do XX registram os jornais a presença
de missionários protestantes nas cidades de Maceió e Penedo, especificamente das
congregações Batista e Presbiteriana. No ano de 1884, duas edições do periódico O Orbe, entre
67
ALMEIDA, Luiz Sávio(org.). Traços e troças: Literatura e mudanças sociais em Alagoas. Estudos em
homenagem a Pedro Nolasco Maciel. Maceió: EDUFAL, 2011, p.234.
68
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a história da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p.152.
69
PEDROSA, José Fernando Maya. História do velho Jaraguá. Maceió: EDUFAL, 1998, pp. 37-39 apud
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p.153.
70
O LABARUM, Maceió - 29 de outubro de 1875.
32
os dias 9 e 19 de novembro mencionam a chegada de Antônio Teixeira de Albuquerque,
missionário e pastor batista, a Maceió.71 As notícias relacionadas a ele o descrevem como
apóstata e herege. As motivações para as acusações tinham a ver com o fato deste alagoano,
natural da freguesia de Maceió, ser um ex-sacerdote e vigário da mesma freguesia, convertido
à religião protestante no ano de 1874, após participar das reuniões celebradas pelo missionário
presbiteriano John Rockwell Smith. Conforme afirma Álvaro Queiroz72, ele foi o responsável
pela fundação da primeira igreja batista em solo alagoano, em 17 de maio de 1885.
Já em Penedo, entre os anos de 1903 e 1906, temos edições do jornal católico A Fé Christã
que fazem referência a Salomão Luiz Ginsburg, missionário de origem polonesa, associado a
congregação batista e a Sociedade Bíblica Americana. No ano de 1902 ele fundou a primeira
igreja batista da região penedense.73 Inclusive na edição do A Fé Christã de 09/04/1904 consta
um artigo extenso redigido visivelmente com o intuito de desmoralizar o pastor protestante
frente à população. Em contrapartida, outro periódico, O Evolucionista, novamente na cidade
de Maceió, traz uma espécie de divulgação dos horários das celebrações religiosas da Igreja
Presbiteriana na edição de 06/01/1906.
Os conflitos no campo religioso entre o catolicismo e os grupos protestantes nos jornais
serão debatidos posteriormente. No entanto, a extensão da complexidade da atmosfera pluralista
religiosa em Alagoas pode ser notada em um pequeno fragmento do semanário da cidade de
Penedo referido anteriormente, A Fé Christã, na edição de 18/01/1902, nela o seu colunista,
que assina com as iniciais "F.V." critica a presença de protestantes no território da cidade.
(...) Todas as cidades e quase todas as vilas e povoações estão infestadas
desses verdadeiros micróbios morais, que vão viciando e carcomendo o
organismo religioso do país. Aqui, no Penedo, já fizeram acampamento os
filhos do apóstata Lutero, o fundador da tal seita. Mas, confiamos, não
tardarão a levantá-lo, pois o Catolicismo tem raízes profundas no coração dos
penedenses, que sabem respeitar as crenças religiosas que herdaram dos seus
antepassados e não trocam pelas doutrinas subversivas de outra religião a
doutrina pura e consoladora da religião - Católica Apostólica Romana.74
Uma forma expressão recente que nos finais do século XIX pode ser observada o
princípio de sua organização é o Espiritismo. Fundada pelo francês Allan Kardec, é uma religião
marcada por um caráter assistencialista, que por volta dos finais da década de 1880 passou a
ganhar adeptos em solo brasileiro. Nos anos posteriores, durante o desenrolar da conjuntura de
71
O ORBE. Maceió, 9 de novembro de 1884; O ORBE, Maceió, 19 de novembro de 1884.
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a história da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 152.
73
São respectivamente as edições de 23/05/1903, a de 9/04/1904, 9/06/1906.
74
A FÉ CHRISTÃ. Penedo: 18 de janeiro de 1902.
72
33
implantação do Estado republicano, teria iniciado sua expansão na capital de Alagoas. Nos
jornais publicados no início do século XX, podem-se encontrar relatos da presença desse credo;
inclusive seus adeptos chegaram a publicar um jornal, intitulado Lumen, no ano de 1908.75 No
entanto, infelizmente, não se conseguiu encontrar mais exemplares do periódico.
Em meio a todas essas confluências nos campos políticos, sociais e religiosos, no final
do século XIX foram iniciados os diálogos entre o governo estadual e a Nunciatura Apostólica,
órgão diplomata que tem por função representar a Cúria Romana em solo brasileiro, em favor
da criação da Diocese em Alagoas. No entanto, o percurso entre esses acordos e a constituição
da jurisdição eclesiástica é marcado por divergência e articulações entre as esferas legislativas,
as classes privilegiadas e os intelectuais, para a criação de uma campanha para obter os fundos
patrimoniais e financeiros necessários para a instalação do bispado.
2.3.Os acordos em favor da criação do bispado de Alagoas e a Comissão Central do
Patrimônio (1896-1901)
A publicação do decreto 119-A, assinado pelo Governo Provisório Republicano, que
estabeleceu a separação entre os poderes espirituais e poderes temporais, teve como efeito a
gradual aproximação entre a instituição católica no Brasil e a Cúria Romana. Isso ocorreu como
consequência do fim do sistema do padroado régio, o qual conferia ao imperador o status de
Grão-Mestre da Ordem de Cristo76 e atribuía ao Estado a tarefa de fornecer meios para a
subsistência da Igreja Católica. Esse elemento refletiu na forma como eram exercidos os
diálogos entre a hierarquia católica no Brasil e a cúria romana. Se antes o imperador
desempenhava a função de “intermediário” entre o episcopado brasileiro e a Santa Sé, após a
separação entre a Igreja e o Estado os diálogos entre a hierarquia católica do Brasil e a cúria
romana foram facilitados e passaram a ser feitos de forma mais direta.77
Contudo, apesar de constar na legislação republicana o “distanciamento” entre a religião
e a política, na prática não haveria empecilhos para a instituição católica manter as relações de
75
Vanessa Elisa da Silva Correia indica a ocorrência da publicação de jornais ligados à causa espírita: O Spirita
Alagoano (1900), Sciência (1901), Lumen (1908) e, posteriormente, A Luz (1919) cf. CORREIA, Vanessa Elisa
da Silva. Espiritismo em Maceió: Conflitos e oposições no estabelecimento e divulgação da doutrina espírita,
1899-1913. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso em História Licenciatura). UFAL: Maceió, 2014, p.
38.).
76
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de consciência: Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do
Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte/MG: Fino Traço, 2015, p. 49.
77
MICELI, Sérgio. A Elite Eclesiástica Brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 32;
SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um catolicismo romano (1890-1930). Salvador: EDUFBA,
2016, p. 66.
34
interesse e continuar contando com as instâncias executivas do Estado, com a intenção de dar
cabo da implantação da reordenação de suas bases institucionais. Destaca-se também o papel
da Nunciatura Apostólica, que tem por finalidade atuar nas funções diplomáticas entre o Brasil
e o Vaticano, e cujo trabalho se assemelha ao de uma embaixada. Outra função atribuída à
Nunciatura é intermediar a comunicação entre episcopado brasileiro e as normatizações
propostas pela Cúria Romana. Durante o Império o órgão se manteve como coadjuvante nas
relações entre a administração civil imperial e a Santa Sé, apenas atuando quando fosse
realmente necessária, ou seja, em questão acerca do estabelecimento de concordatas, nomeação
de bispos, solicitação do envio de membros de ordens religiosas.
Um exemplo dessa afirmação pode ser conferido durante o desenrolar dos diálogos para
a criação das dioceses. Pelas leis promulgadas pelo regime republicano, o Estado (governo) não
poderia arcar com as despesas financeiras relativas à fundação de novos bispados.78 Assim
como a Santa Sé afirmava não possuir condições econômicas para bancar a constituição de tais
jurisdições. Para tentar minimizar esse impasse foi adotado um modelo tático: a formação das
Comissões ou Juntas Centrais para aquisição do patrimônio dos bispados.79 Os papéis
específicos dessas comissões de patrimônio podem ser caracterizados na seguinte forma,
conforme as reflexões de Mauricio de Aquino:
A criação de uma nova diocese implicava em movimentações da comissão
pró-diocese para levantar o montante exigido por Roma, na época, estimado
em torno de duzentos contos de réis, além de prédios para a futura catedral e
o palácio episcopal. Essas comissões geralmente eram presididas pelo pároco
da futura catedral ou cidade candidata a sediar a nova circunscrição
eclesiástica. O pároco geralmente convidava as pessoas mais poderosas,
política e economicamente, para compor a comissão, antecipando assim
possíveis doações e articulações políticas. Para os líderes locais ou para os que
pretendiam ascender a tal condição, a participação nessas comissões e o
desfecho favorável poderiam resultar em maior prestígio social.80
A partir dessas considerações podem-se encaminhar as reflexões sobre a organização
da “Comissão Central do Patrimônio em Alagoas”. Nos jornais do final do século XIX constam
informações das mobilizações desse grupo entre os anos de 1898 até 1901, quando, por fim, o
bispo diocesano veio tomar posse da jurisdição eclesiástica. A comissão alagoana contaria com
78
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012, p. 128.
79
SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um catolicismo romano (1890-1930). Salvador:
EDUFBA, 2016, p. 68.
80
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012, p. 128.
35
a participação de políticos, intelectuais, membros de classes privilegiadas, clero e populares.
Salienta-se que os diálogos e acordos entre o governo e a Nunciatura Apostólica, visando o
estabelecimento e a criação do bispado em solo alagoano,81 conforme as informações que
constam nos periódicos consultados, tiveram início em 1896, estendendo-se até 1898. Consta
também a ocorrência de debates na câmara legislativa do estado sobre a validade, ou não, da
contribuição do poder estadual ao patrimônio da futura diocese.82
Segundo Márcio Nunes, os acordos para a validação do projeto de criação do bispado
de Alagoas foram marcados por tensões institucionais entre o setor executivo do estado e a
nunciatura, onde se percebe a predominância de conflitos de interesses relacionados à formação
do patrimônio e à localização da sede do futuro bispado alagoano.83 Outra forma de tensão
apontada pelo autor é a de ordem política. Nesse ponto, deve-se levar em conta que a
participação de indivíduos imbricados na esfera política nos debates acerca da instalação do
bispado pode estar associada com a busca de prestígio e reconhecimento frente às demais
classes sociais.84
Aliás, as alianças entre grupos eclesiásticos e políticos constituem uma demonstração
de poder e influência.85 Subsequentemente, as mobilizações para aquisição do bispado
acirraram os atritos entre as categorias políticas internas a Alagoas, especificamente, no setor
legislativo da unidade federativa; e em algumas situações, por causa da contribuição do
governador na campanha de arrecadação em favor da futura diocese. Não é difícil notar a
existência de uma teia de relações de poder, interesses políticos e eclesiásticos envolvidos na
criação da jurisdição eclesiástica alagoana. No geral, parece que as notícias sobre a criação de
novos bispados no território brasileiro geravam esperanças de que também Alagoas viesse a
81
É bom destacar que houve uma tentativa de criação de um bispado em Alagoas ainda na primeira metade do
século XIX, mais precisamente em 1819. Seu autor foi o Conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira, e
segundo o seu projeto a sede diocesana seria a cidade de Alagoas do Sul, hoje Marechal Deodoro. Mas, devido à
conjuntura política da época, o projeto não teve continuidade. Cf. NUNES, Marcio Manuel Machado. A criação
do bispado das Alagoas: religião e política nos primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil (18891910). Dissertação (Mestrado em História Social) – Maceió: UFAL, 2016, p. 27; QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre
a História da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 160.
82
GUTENBERG, Maceió, 22 de abril de 1896.
83
O autor aponta que três cidades alagoanas: Maceió, Alagoas e Penedo, utilizaram argumentos relacionados à
respectiva importância histórica, econômica e religiosa para defender cada qual o “por que” deveria ser escolhida
como sede apostólica do futuro bispado de Alagoas. Cf. NUNES, Marcio Manuel Machado. A criação do bispado
das Alagoas: religião e política nos primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil (1889-1910).
Dissertação (Mestrado em História Social) – Maceió: UFAL, 2016, p. 75.
84
AZZI, Riolando. A Igreja Católica na Formação da Sociedade Brasileira. Aparecida: Santuário, 2007, p.
100; SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um catolicismo romano (1890-1930). Salvador:
EDUFBA, 2016, pp. 57-58.
85
AZZI, Riolando. A Igreja Católica na Formação da Sociedade Brasileira. Aparecida: Santuário, 2007, p.
101.
36
ganhar o seu próprio bispado. Essas expectativas aparecem nas páginas do jornal Gutenberg de
ano de 1896:
Ha poucos dias a imprensa desta cidade, transcrevendo do Apostolo, gazeta
religiosa que se publica na capital federal, deu-nos a notícia da criação do
futuro bispado no estado Espírito Santo e em um dos últimos números das
Leituras Religiosas, desta cidade, noticiou que pessoas de influência no estado
de Alagoas tratam também de ali criar um bispado.
Como brasileiros católicos e progressistas alegra-nos esta notícia, e desejamos
que o mesmo fizesse aos estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe é e
Santa Catarina, estabelecendo desta forma a completa autonomia em todos os
ramos da administração religiosa entre os estados.
Acresce que essas criações [ilegível] incalculáveis[?] vantagens para os
mesmos estados, com fundações de seminários e escolas anexas para a difusão
do ensino em todas as classes sociais, principalmente nos mencionados
estados, onde são deficientes as instituições de ensino secundário, e bem assim
a fiscalização no próprio clero por uma autoridade superior.86
A matéria eufórica do Gutenberg também assinala o ponto de partida para o começo dos
acordos entre o governo estadual e a Nunciatura Apostólica para a implantação do bispado de
Alagoas. No mês seguinte, na edição do dia 24 de maio87, os rumores são confirmados.
Descobre-se que o Sr. Francisco Coelho Duarte Badaró, político mineiro e embaixador do
Brasil em Roma, foi um dos responsáveis por dar cabo ao processo de criação de novas
circunscrições eclesiásticas no território brasileiro.
Nota-se, ainda, nos textos dos jornais a existência de determinadas elaborações
discursivas com o intuito de defender o projeto de fundação da jurisdição eclesiástica, conforme
as palavras dos redatores do Gutenberg: (1) A criação da diocese representaria grande sonho da
população alagoana; (2). Em destaque a possibilidade dos benefícios ligados à melhoria do
sistema educacional que o estado poderia usufruir com a criação do bispado. No entanto, um
quesito interessante nessa questão encontra-se ligado à pergunta: “Quem seria o grupo social
que concebia como proveitosa a presença de um bispado em Alagoas?”
A edição do Gutenberg de 09/06/1896 anuncia que aos 28 de maio foi entregue ao
governador, o Barão de Traipú, um projeto endereçado à câmara legislativa e assinado pelo
deputado Francisco Izidoro. Intitulado como “Projeto nº 37”, sua proposta era a de autorizar o
governador para que fossem cedidos lotes de terra da Trindade, em Porto de Pedras, com o
intuito de serem anexadas como parte do patrimônio do futuro Bispado. O projeto foi enviado
à votação, e conforme a observação em edições posteriores do periódico, as sessões para a
implantação do projeto foram marcadas por tensos argumentos entre os legisladores:
86
87
GUTENBERG, Maceió, 22 de abril de 1896.
GUTENBERG, Maceió, 24 de maio de 1896.
37
PROJETO37 - PATRIMÔNIO PARA UM BISPADO.
O Snr. Fausto de Barros que vota contra o projeto, não pela ideia da criação
de um bispado e sim porque o Estado não pode dar terras para a manutenção
dele, desde que a Igreja está separada do Estado cabe aos católicos colisaremse[sic] para a criação de um Bispado. Faz ainda largas considerações.
Ora o Sr. Francisco Izidoro sustentando a necessidade da formação de um
patrimônio para a criação do bispado e demonstra grandes vantagens para a
mocidade e para a religião com a realização desta instituição eclesiástica, e diz
que os Estados do Espírito Santo e Paraná acabam não só de doarem terras,
prédios como verbas nos orçamentos das criações dos seus bispados.
Ora ainda a favor do projeto o senhor Wanderley de Mendonça e Fausto de
Barros contra a concessão e sustenta que é católico romano, porém, vê que
não pode a Câmara dar as terras da Trindade que não lhes pertence e que são
do Estado. O projeto é aprovado e passa a 3ª discussão.88
Os direcionamentos dessas tensões foram apresentados aos leitores nas edições
posteriores do Gutenberg. Nelas se ressalta as contraposições do Sr. Fausto de Barros, que
considera a doação das faixas de terra pelo governo ao patrimônio do bispado um ato
inconstitucional, já que o Estado republicano é laico89,e por outro lado, as defesas constantes
dos deputados Francisco Izidoro e Wanderley de Mendonça90, ao apontarem que a presença do
bispado será favorável à sociedade alagoana, pois trará “benefícios tanto eclesiásticos, como
sociais com a possibilidade de criação de escolas católicas e do seminário diocesano e que
ambos trarão contribuições intelectuais relevantes ao Estado”.91 O debates continuaram
vigorosos e os ânimos dos representantes legislativos do estado se encontravam alterados. Ao
iniciar a terceira sessão de votação cada lado, se preocupou em defender seu ponto de vista. E
apesar dos fortes argumentos dos seus opositores, no fim o projeto foi aprovado pela maioria
dos deputados e encaminhado ao governador para ser assinado e promulgado como “lei nº 139”
de 15 de junho de 1896:
GOVERNO DO ESTADO
Administração do Exmº. Sr. Barão de Traipu.
Lei nº 139 de 15 de junho de 1896.
Institui um patrimônio para o Bispado que vai ser criado neste Estado.
Barão de Traipu, Governador do Estado de Alagoas
Faço saber, o Congresso decreta e eu sanciono a lei seguinte:
Artigo 1º Fica o Governo do Estado autorizado a conceder as terras de
Trindade no Município de Porto de Pedras, ou outras mais convenientes, para
servirem de patrimônio ao Bispado desde mesmo Estado, no caso de ser ele
criado.
88
GUTENBERG, Maceió, 2 de junho de 1896.
GUTENBERG, Maceió, 6 de junho de 1896.
90
Destaca-se que ao deputado José de Barros Wanderley de Mendonça era o proprietário do prédio que veio tornarse o Palácio Episcopal, localizado frente à Estação Ferroviária de Maceió. Cf. BARROS, Francisco Reinaldo
Amorim de. ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2005. 2v., p. 274.
91
GUTENBERG, Maceió, 23 de julho de 1896.
89
38
Artigo 2º Revogam-se as leis e disposições em contrário do Negócio do
Interior assim a faça executar [sic].
Palácio do Governo em Maceió, 15 de junho de 1896, 8º da república. 92
Quase dezenove meses após a publicação da Lei estadual nº 139, no dia 23 de janeiro
de 1898, inicia-se campanha de arrecadação em favor do patrimônio do Bispado,93 que passou
a ser conhecida como a “Comissão Central do Patrimônio do Bispado”. Ela se constituiu por
uma junta composta pelos: padre e professor José Vieira Marques (presidente), o jornalista
Eusébio de Andrade (vice-presidente)94, o professor Joaquim Inácio Loureiro (1º secretário), o
cônego Otavio Costa (2º secretário), Hugo Jobim (3º secretário), e o cônego Manoel Antônio
da Silva Lessa, pároco de Maceió, (tesoureiro). A sua formação traz um significado pertinente:
a mobilização de grupos sociais, economicamente abastados e populares, articulados aos
interesses da Igreja Católica. Sobre a composição e o papel da referida comissão Fernando
Medeiros afirma:
(...)Desde o ano de 1898 fora formada uma comissão, encarregada da
constituição do patrimônio através de arrecadação de donativos, que
encontrava em suas fileiras as representações da alta intelectualidade
alagoana, vinculada à forma tradicional de poder no séc. XIX. Criada em 23
de janeiro de 1898, comissão funcionou durante três anos, sendo dissolvida
em 22 de setembro de 1901, quando já então assumira a diocese o primeiro
bispo de Alagoas, por serem considerados seus servidos finalizados. A
comissão teria conseguido arrecadar, segundo as informações acerca do
patrimônio da Diocese, a quantia de 33.034$286, entregue ao novo bispo sob
a forma de cadernetas. Do governo do estado de Alagoas, que tinha como
governador à época Euclides Vieira Malta, a diocese teria recebido, para a
constituição do patrimônio, cem contos de réis em apólices estaduais.95
Intelectuais, membros de famílias tradicionais, políticos, jornalistas, classes populares
e o clero, são as categorias sociais ativas e participantes dos trabalhos da comissão. Conforme
indica a passagem anterior da obra de Fernando Medeiros, os membros participantes dela
tinham como principal motivação a arrecadação dos recursos financeiros necessários para
serem investidos na aquisição das posses do futuro bispado. Para se obter o montante de que o
92
GUTENBERG, Maceió, 19 de junho de 1896.
NUNES, Marcio Manuel Machado. A criação do bispado das Alagoas: religião e política nos primeiros anos
da República dos Estados Unidos do Brazil (1889-1910). Dissertação (Mestrado em História Social) – Maceió:
UFAL, 2016, p. 98; QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015,
p. 162; MEDEIROS, Fernando Antônio Mesquita de. O homo inimicus: Igreja, ação social católica e imaginário
anticomunista em Alagoas. 1ª. ed. Maceió: EDUFAL, 2007, p. 39.
94
Eusébio Francisco de Andrade, além de jornalista, foi deputado estadual. Dirigiu o jornal Gutenberg entre os
anos de 1895 e 1899. Cf. BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: dicionário bibliográfico,
histórico e geográfico das Alagoas. Brasília: Senado Federal, v.2, pp. 74-75.
95
MEDEIROS, Fernando Antônio Mesquita de. O homo inimicus: Igreja, ação social católica e imaginário
anticomunista em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2007, p.40.
93
39
projeto necessidades foram realizadas quermesses e eventos beneficentes. Um exemplo foi a
realização de um espetáculo que ocorreu no dia 16 de julho de 1899, organizado pela
“Companhia da Novidade”, uma trupe teatral cujo empresário era o senhor Eugine Profillet. O
evento contou, ainda, com a apresentação do professor José Ovídio, ao que tudo indica, seria
um “mágico-ilusionista”.96 O espetáculo foi organizada pelos membros da comissão, segundo
informações o espetáculo faturou o montante de 209$700 que, por sua vez, foi repassado ao
tesoureiro da campanha em favor da arrecadação do patrimônio a criação futura diocese.97
De acordo com a política institucional de restauração da Igreja Católica, visando a
ampliação da sua rede diocesana no território brasileiro, as fundações de comissões, juntas ou
comitês de Patrimônio possuíam a finalidade de adquirirem os bens econômicos e materiais das
novas dioceses parece ter sido algo predominante.98 E o fato da maioria dos seus membros
estarem relacionados com estamentos sociais abastados torna a sua organização um elemento
relevante de ponderação. O principal motivo é a presença de formas de relações de poder e
articulações entre o clero, intelectuais, políticos e burguesia urbana e rural.
Percebe-se, dessa forma, a continuidade da mentalidade hegemônica que destaca a
predominância da Igreja Católica no interior da sociedade, o que acaba por compor uma relação
de mão dupla: a instituição religiosa católica reafirma os seus preceitos e dogmas, seus
arcabouços simbólicos, sua relevância como detentora dos bens espirituais da sociedade,99 além
de conseguir apoio dos leigos e fiéis para o desenvolvimento de suas estratégias pastorais
futuras. Por outro lado, ocorre o uso da religião católica por membros das categorias políticas
com a intenção de adquirir reconhecimento e angariar votos em possíveis eleições futuras.
Nesse ponto, as articulações com o catolicismo consistem no uso do discurso religioso como
ferramenta de apaziguamento de conflitos e tensões sociais, legitimando a ordem constituída.100
Porém, apesar de um segmento necessitar do outro, isso não impede que eventuais
divergências entre os interesses envolvidos levasse o clero e as forças políticas a expressar as
96
GUTENBERG, Maceió, 14 de julho de 1899; ORBE, Maceió, 12 de julho de 1899.
GUTENBERG, Maceió, 27 de julho de 1899.
98
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012, p. 128; GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: A estadualização diocesana na
Primeira República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, p. 130;
SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um catolicismo romano (1890-1930). Salvador: EDUFBA,
2016, pp. 68-69; MICELI, Sérgio. A Elite Eclesiástica Brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009,
p. 60.
99
MARCHI, Euclides. Religião e Igreja: a consolidação do poder institucional. In: Revista História: Questões e
Debates, APAH – Associação Paranaense de História, Ano 14, n. 26/27, jan.-dez, 1997, p. 181.
100
A legitimação, segundo Peter Berger, é uma "objetivação dos sentidos" produtora de novos significados e capaz
de tornar plausíveis as posições institucionalizadas, embasadas em uma visão de mundo dominante. BERGER,
Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria da sociologia da religião. São Paulo: Paulus, 1985, p. 41.
97
40
suas discordâncias. Sobre esse ponto, menciona-se um episódio durante os trâmites burocráticos
para a instalação do bispado, no qual se notam as tensões entre o governo estadual e a
Nunciatura Apostólica brasileira:
Sendo a criação do Bispado de Alagoas uma forte aspiração do povo alagoano,
logo que foi promulgada a lei de 9 de junho do ano passado (1898) que
providenciou sobre a instituição do patrimônio do bispado e cedeu um do
próprio estado para servir provisoriamente de palácio episcopal, dirigi-me ao
Internúncio Apostólico do Rio de Janeiro, Monsenhor José Macchi, no sentido
de ser solicitada ao Santo Padre a bula de criação da nova diocese.
O Internúncio declarou-me que estando a Santa Sé no propósito de não mais
nas dignidades da Igreja a situação idêntica àquela em que se acham os bispos
do Amazonas, Goiás, Espírito Santo e Petrópolis que os saldos de recursos se
viam quase na necessidade de mendigar, julgava a condição essencial de 150
contos ou pelo menos de 110, e a cessão definitiva do prédio estadual com as
acomodações e decências necessárias à residência do prelado.
Fiz ver ao Internúncio que o Estado, em satisfação aos desejos do povo não
podia presentemente ir além do que estava designado na lei, isto é ceder
temporariamente o prédio estadual e assegurar ao bispo para sua subsistência
a quantia anual de 6 contos, procedente dos juros das apólices cuja emissão
fora autorizada
Dei-lhe o conhecimento das subscrições paróquias que se estavam
promovendo e cujo produto teria de elevar necessariamente o patrimônio do
bispado, pois a importância recolhida à Caixa Econômica até 31 de dezembro
último já atingia com os respectivos jutos a soma de 13:796$280.
Ao próprio bispo competia, como ainda ponderei ir dando incremento ao
patrimônio.
Respondeu-me, então o Internúncio em data de 12 de setembro 1898, que
tendo de ir brevemente à Roma no gozo de uma licença ao Santo Padre uma
exposição de tudo e oportunamente e comunicaria o resultado.
Até o presente, porém, nenhuma solução me deu ainda aquele representante
da Santa Sé.101
Durante a Primeira República a nunciatura tornou-se a principal porta-voz oficial da
Santa Sé no território brasileiro, transformando-se em um órgão de articulação entre os
encaminhamentos pontifícios e a nova política eclesiástica relativa ao episcopado brasileiro.102
Dialogar com os poderes estaduais, solicitar as suas colaborações para a fundação de novos
bispados ao longo do território nacional, foram os principais traços da sua participação na
política eclesiástica da romanização.103
101
Mensagem dirigida ao congresso alagoano pelo Dr. Manoel José Duarte, governador do Estado, por
ocasião da instalação da 1ª sessão ordinária da 5ª legislatura, em 15 de abril de 1899. Maceió: Tribuna, 1899,
pp. 3-4.
102
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012, p. 74.
103
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: A estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, p.181.
41
Num trecho da fala do governador de Alagoas, Manoel José Duarte, mencionada
acima, e que fora dirigida à Assembleia Legislativa do Estado, são indicadas as trocas de
correspondência entre o chefe político alagoano e o Internúncio, representante da Cúria Romana
na Nunciatura, monsenhor José Macchi. Segundo as palavras do governador, parece que
ocorreu entre o poder legislativo do estado e o representante da Cúria Romana, o Internúncio,
um desentendimento acerca das propriedades patrimoniais do futuro bispado. Não se sabe o fim
que tiveram as conversas; no entanto, durante o mandato de Euclides Malta, o governador dirige
um comunicado à câmara de deputados afirmando que recebeu da nunciatura um telegrama
confirmando a transferência de D. Antônio Brandão de bispo do Pará a bispo de Alagoas.104 O
que faz pensar que a discussão já estava encerrada.
Em meio a esse quadro político, urbano e religioso, marcado por repercussões e tensões
em diversas instâncias da vida social alagoana, no dia 2 de julho de 1900 foi fundada a sua
diocese, desmembrando-se da sede apostólica de Pernambuco. A capital do estado foi escolhida
para sediar a nova jurisdição eclesiástica. E ocorre a nomeação de Dom Antônio Manuel
Castilho Brandão para a função de primeiro bispo alagoano, ele que até então era dirigente da
diocese do Pará.
Portanto, com a edificação do bispado em Alagoas se cumpriria a primeira das
exigências da política da restruturação católica. E com a nomeação e posse do bispo junto à
nova jurisdição será preciso adaptar as bases burocráticas e eclesiásticas da igreja católica em
Alagoas diante desta nova realidade: a unidade federativa possui uma diocese. Para isso será
preciso, em curto prazo, criar o seminário diocesano, a fim de se moldar um corpo eclesiástico
capaz de servir como propagador e defensor do catolicismo na conjuntura da realidade
republicana, conforme o modelo de formação clerical ultramontana do Seminário Diocesano de
Olinda, onde recebeu as ordens religiosas. Como primeiro bispo de Alagoas caberá a Dom
Antônio Brandão estruturar a nova jurisdição eclesiástica e moldar os aparatos necessários para
fortalecer as bases hegemônicas da instituição religiosa diante da sociedade.
104
Mensagem dirigida pelo bacharel Euclides Vieira Malta ao Congresso Alagoano por ocasião da
instalação da 1ª sessão ordinária da 6ª legislatura, em 15 de abril de 1901. Maceió: Tribuna, 1901, p.3.
42
3. DA CRIAÇÃO DA DIOCESE À REORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA EM
ALAGOAS: os “caminhos” do projeto de restruturação católica no bispado de Dom
Antônio Brandão (1901 a 1910)
Esta segunda secção busca alcançar dois objetivos. O primeiro deles é analisar o
processo de organização da diocese de Alagoas criada em 1900, dentro do qual se destacará a
trajetória de D. Antônio Castilho Brandão como o primeiro responsável por ela. Em seguida,
considerando a diocese já criada, pretende-se observar e analisar os elementos da atuação do
primeiro bispo alagoano que possam ser correlacionados com a política institucional da
“romanização” da Igreja Católica.
A verificação dos “indícios” do projeto romanizador no território alagoano será feita a
partir de duas perspectivas. De início, se partirá do que pode ser entendida como reorganização
institucional - a criação das bases de sustentação do bispado, ou seja, a criação do seminário
com intuito de formatar um modelo específico de clero, nesse caso, segundo os moldes
ultramontanos. Logo após se debruçará sobre as práticas pastorais do novo bispado. Evidenciar
o diálogo entre as práticas institucionais e pastorais torna-se necessário para se perceber como
o novo projeto eclesiástico adaptou-se à realidade do estado de Alagoas.
Ressalta-se que as pesquisas que buscam analisar o desenvolvimento da nova política
eclesiástica da Igreja Católica no território nordestino constituem-se em um campo ainda em
aberto. Ao se fazer um breve mapeamento dos estudos já realizados a respeito da temática,
consegue-se observar a coerência, direta ou indireta, entre as produções científicas que analisam
as posições políticas e as práticas religiosas da Instituição eclesiástica católica durante o período
republicano, o que influenciou muitos autores a estudarem o problema do processo de
“romanização”.
Durante a leitura percebem-se os seguintes aspectos. Na região Nordeste, ou na
localidade geográfica que posteriormente recebeu esse tipo de nomenclatura105, a difusão da
política da romanização da Igreja Católica se deu a partir de dois meios: primeiro a reordenação
das bases estruturais das dioceses já existentes, como por exemplo, em Salvador, Pernambuco,
Ceará e Maranhão.106 E ainda um elemento já mencionado, ou seja, a política de expansão de
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 3ª ed. – Recife: FJN,
Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2006.
106
Sobre esse ponto conferir seguintes pesquisas que abordam a reestruturação católica nas antigas jurisdições
nordestinas: RIBEIRO, Emanuela Sousa. Igreja Católica e Modernidade no Maranhão, 1889-1922. Dissertação
(Mestrado em História) – Recife: UFPE, 2003; SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um
catolicismo romano (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2016; SILVA, Severino Vicente da. "A diocese de Olinda
e Recife: Formação conservadora". In: Entre o tibre e o Capibaribe: Os limites do progressismo católico na
Arquidiocese de Olinda e Recife. Tese (Doutorado em História) – Recife - UFPE, 2003, pp.88-139; REIS,
105
43
suas redes diocesanas ao longo do território. As fundações dessas novas dioceses estavam
articuladas às estratégias do episcopado brasileiro e ao projeto centralizador abarcado pela
Cúria Romana.107
O sociólogo Sergio Miceli108 destaca que essa tática pode estar relacionada à tentativa
do episcopado de “barrar” potenciais focos de cismas e conflitos envolvendo a religiosidade
popular109 ou, como é definido por Riolando Azzi110, o “catolicismo rústico”. Entre os anos de
1889 e 1930, ocorreram pelo menos duas mobilizações sociais no Nordeste brasileiro tendo o
catolicismo popular o como seu principal propulsor e que acabaram por ganhar grande
repercussão; esses foram: o Juazeiro, no Ceará, que teve como principal líder religioso e político
o padre Cícero Romão; e no sertão da Bahia ocorreu o surgimento da comunidade de Canudos,
liderada por Antônio Conselheiro.
Esses elementos trazem várias possibilidades de reflexão sobre os conflitos que
envolviam o catolicismo dito “oficial”, que tinha como representantes setores do clero
comprometidos com a política centralizadora da instituição eclesiástica, aliados aos
missionários das ordens religiosas europeias, e expoentes do catolicismo popular praticado
pelos estamentos sociais mais humildes da população.111
Ainda sobre a problemática da propagação da “política ultramontana” no território
nordestino, percebe-se pela leitura das produções acadêmicas sobre o tema a possibilidade de
Edilberto Cavalcante. Diocese do Ceará como vitrine da Romanização (1853 - 1912). In: Kairós – Revista
Acadêmica da Prainha, Ano I Nº 1-2 janeiro/dezembro 2004.
107
ALVES, Marcio Moreira. A Igreja e a Política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 33; MICELI, Sérgio.
A Elite Eclesiástica Brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p.150.
108
MICELI, Sérgio. A Elite Eclesiástica Brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 59.
109
O debate sobre essa problemática é muito extenso nas produções brasileiras. Por "religiosidade popular"
entendem-se as práticas religiosas que se contrapõem ao que é denominado “religião oficial". A religiosidade
popular é caracterizada pela simplificação dos cultos, dogmas e doutrinas que marcam a religião oficial
estabelecida. Relativo ao catolicismo, os cultos aos santos, as romarias, procissões são alguns dos elementos
devocionais enquadram-se no "catolicismo popular". Para a hierarquia católica, influenciada pelo pensamento
ultramontano estes aspectos das práticas devocionais soavam heterodoxas, como erros quanto à concepção dos
dogmas da instituição eclesiástica, e deveriam ser combatidas. Ressalte-se que uma das formas de controlar o
catolicismo popular utilizada pela instituição eclesiástica foi a introdução de novas formas de devoção. No entanto,
por conta da resistência de grande da população o clero passou a controlar e centralizar as práticas ditas
“populares”. Cf. AZZI, Riolando. A Igreja Católica na Formação da Sociedade Brasileira. Aparecida:
Santuário, 2008, pp.73-74; HAUCK, João Fagundes, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação
a partir do povo: segunda época, Século XIX. 4ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, pp. 112-113; OLIVEIRA,
Pedro Ribeiro de. Religião e dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no
Brasil. Vozes, Petrópolis 1985, p.113.
110
AZZI, Riolando. O Estado leigo e o projeto ultramontano. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 90.
111
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: A estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, p. 152; OLIVEIRA,
Pedro Ribeiro de. Religião e dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no
Brasil. Vozes, Petrópolis 1985, pp. 253-254.
44
variações enquanto à aplicação do projeto institucional de acordo com cada região112, seja no
campo das “práticas-discursivas”113, seja na forma de atuação dos respectivos bispos em suas
dioceses. Podem-se citar dois exemplos desta característica: a criação dos bispados do Ceará
(1854) e da Paraíba (1892).
A Diocese do Ceará passou a ser organizada a partir do desmembramento do território
pertencente à diocese de Pernambuco, por meio da bula Pro animarum salute, assinada pelo
papa Pio IX em 1854. Para o cargo de primeiro bispo diocesano foi indicado Dom Luiz Antônio
dos Santos, que, após tomar posse de suas funções, se empenhou em reorganizar a recém-criada
jurisdição eclesiástica.114 Seu principal ato foi a criação do seminário diocesano, para a
preparação do corpo eclesiástico e combater o “relaxamento” doutrinal e moral do clero.
O seminário diocesano da Prainha foi fundado em 1864, e desde a sua inauguração
esteve sob a responsabilidade da congregação dos lazaristas. E, junto com o Seminário
Episcopal de Nossa Senhora da Graça de Olinda, em Pernambuco, após as reformas
desempenhadas por D. Manuel do Rego Medeiros em 1866, tornou-se umas principais
instituições de ensino e agente de difusão do pensamento ultramontano junto ao clero.115
Outro exemplo é a criação da diocese da Paraíba, instituída por meio da Bula Ad
Universas Orbis Eclesias, do papa Leão XIII, em 26 de abril de 1892, já no período republicano
e na mesma conjuntura da criação das dioceses de Manaus, Niterói e Paraná.116 Seu primeiro
bispo foi D. Adauto Aurélio de Miranda Henriques (1855-1935). O período de quarenta e um
anos de atuação pastoral de D. Adauto à frente da circunscrição paraibana é marcado pela
tentativa de controle e doutrinação do clero, tensões envolvendo o Estado, bem como críticas à
112
MARIN, Jérri Roberto. História e Historiografia da Romanização: Reflexões Provisórias. In: Revista de
Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, nº. 30, 2001, pp. 151-152.
113
As práticas discursivas são compreendidas como discursos, falas, investidas ideologicamente na medida em
que são formuladas, incorporando significações que possam contribuir para a manutenção da ordem social
estabelecida ou para sua contestação. O uso dessa concepção nesse trabalho servirá de ferramenta para a
observação do arcabouço mental e discursivo da Igreja Católica nesse cenário específico alagoano do início do
século XX. Cf. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: Aula inaugural do Collège de France, pronunciada
em 2 de dezembro de 1970. 5ª ed. - São Paulo: Loyola, 1999, pp. 48-49; FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e
mudança social. Brasília: UnB, 2001, p.121.
114
REIS, Edilberto Cavalcante. Diocese do Ceará como vitrine da Romanização (1853 - 1912). In: Kairós –
Revista Acadêmica da Prainha, Ano I Nº 1-2, janeiro/dezembro 2004, p. 30; COSTA, Luiz Moreira Filho da. A
Inserção do Seminário Episcopal de Fortaleza na Romanização do Ceará (1864 – 1912). Dissertação
(Mestrado em História Social, Cultura e Poder) – Fortaleza: UFC, 2004, pp. 30-31.
115
VIEIRA, Dilermando Ramos. O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil. Aparecida:
Santuário, 2007, pp. 141-143.
116
DIAS, Roberto Barros. "Deus e a Pátria": Igreja e Estado no processo de Romanização na Paraíba (18941930). Dissertação (Mestrado em História Regional) - João Pessoa: UFPB, 2008, p. 97; FERREIRA, Lúcia de
Fátima Guerra. Igreja e Romanização: A implantação da Diocese da Paraíba (1894-1910). João Pessoa:
EDUFPB, 2016, p. 66; SOUZA, José Pereira Junior de. Estado Laico, Igreja romanizada na Paraíba
Republicana: Relações políticas e religiosas (1890 - 1930). Tese (Doutorado em História) - Recife: UFPE, 2015,
p. 77.
45
maçonaria, ao ateísmo, ao liberalismo, ao protestantismo e à industrialização em suas cartas
pastorais.117 Seus posicionamentos intransigentes ocasionaram atritos com o então governador
João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (1878–1930) por causa da intervenção do bispo nas
atividades políticas da região.118
As experiências dos estabelecimentos dos bispados do Ceará e da Paraíba, apesar de
corresponderem a momentos históricos diferentes (um fundado na metade do século XIX,
durante o Segundo Reinado; o outro estabelecido durante nos primórdios da República), servem
de ilustrações para o modelo de reorganização que a “elite eclesiástica” buscou aplicar ao
catolicismo brasileiro. Conforme afirma o professor Ivan Aparecido Manuel:
Em uma definição bastante esquemática, entende-se por catolicismo
romanizado ou ultramontano aquele catolicismo praticado entre 1800 a 1960,
nos pontificados de Pio VII a Pio XII, informado por um conjunto de atitudes
teóricas e práticas, cujo eixo de sustentação se apoia em: 1) reforço do
tradicional magistério, incluindo-se a retomada do tomismo como única
filosofia válida para o cristão e aceitável para a Igreja; 2) condenação à
modernidade em seu conjunto (sociedade, economia, política, cultura); 3)
centralização de todos os atos da Igreja em Roma, decretando-se, para isso, a
infalibilidade Papal, no Concílio Vaticano I, em 1870, de modo a reforçar a
hierarquia, onde o episcopado foi bastante valorizado, submetendo todo o
laicato ao seu controle; 4) adoção do medievo como paradigma de organização
social, política e econômica. O objetivo dessa política era, de imediato,
preservar a instituição em face das ameaças do mundo e, a médio e longo
prazo, recristianizar a sociedade, de modo a recolocar a Igreja como centro do
equilíbrio mundial.119
Dessa maneira, ao se compararem os estudos que abarcam a “romanização” no
Nordeste, verificam-se as contribuições para a compreensão da difusão do projeto católico nas
regiões contempladas pelas pesquisas. Ao se confrontarem as formas de implementação da
política ultramontana nas respectivas dioceses, tem-se a possibilidade de perceber as diferenças
e dificuldades de cada bispado dentro de sua realidade geográfica e social e quais ferramentas
foram utilizaram para dar conta delas. Por outro lado, verifica-se a ocorrência de um roteiro ou
um plano burocrático de ação por parte dos bispos, e até mesmo um método de atuação.
Essas características refletiram na forma como as jurisdições eclesiásticas passaram a
ser organizadas e podem indicar os problemas enfrentados por seus pastores apostólicos para
117
DIAS, Roberto Barros. "Deus e a Pátria": Igreja e Estado no processo de Romanização na Paraíba (18941930). Dissertação (Mestrado em História Regional) - João Pessoa: UFPB, 2008, p. 117; SOUZA, José Pereira
Junior de. Estado Laico, Igreja romanizada na Paraíba Republicana: Relações políticas e religiosas (1890 1930). Tese (Doutorado em História) - Recife: UFPE, 2015, p. 74.
118
SOUZA, José Pereira Junior de. Estado Laico, Igreja romanizada na Paraíba Republicana: Relações
políticas e religiosas (1890 - 1930). Tese (Doutorado em História) - Recife: UFPE, 2015. pp. 215-216.
119
MANOEL, Ivan Aparecido. O pêndulo da História: Tempo e eternidade no pensamento Católico (1800-1960).
Maringá: EDUEM, 2004, p. 45.
46
consolidarem as suas dioceses. Estes elementos serão analisados a seguir, e têm como foco
específico o estudo da criação do bispado de Alagoas.
3.1.Um Bispo ultramontano em Alagoas? A trajetória de Dom Antônio Manuel Castilho
Brandão
Natural do município de Mata Grande, Antônio Manoel Castilho Brandão nasceu no dia
14 de agosto de 1849, filho de Antônio Manoel de Castilho Brandão, um militar, e da senhora
Maria Bárbara de Castilho Brandão, uma dona de casa. Pertencia a uma família aparentemente
humilde. Seus pais tiveram dificuldade para criar Antônio e seus outros sete irmãos.120
Seus avôs paternos, Anacleto Brandão e Maria Francisca Brandão, se responsabilizaram
pela a sua educação, tornando-se seus "pais adotivos", passando a residir no atual município de
Pão de Açúcar. O pároco da região na época era Matias José Sant'Ana Brandão, seu tio paterno
e padrinho, considerado como o responsável por incentivar o sobrinho a depois de terminar os
estudos primários em Pão de Açúcar seguir para Penedo, com a intenção de estudar
humanidades no colégio coordenado pelo Dr. José Prospero Jeová da Silva Caroatá.121
As produções biográficas sobre o futuro bispo de Alagoas o descrevem como um
sacerdote forjado em uma época conturbada das relações entre a Igreja Católica e os poderes
temporais, representados pelo Império. Ressalta-se que até o final do século XIX, apesar da
emancipação política e territorial que Alagoas ganhou após a chamada “Revolução de 1817”,
burocraticamente, o clero que atuava na província ainda se encontrava sob a jurisdição do
bispado de Pernambuco.122
Os jovens provincianos que almejavam aventurar-se na vida eclesiástica possuíam o
seminário de Olinda como um dos principais trajetos. Este seminário possui importância para a
história pernambucana, alagoana e brasileira por sua dupla representação e, ao mesmo tempo,
controvertida, por dispor de uma faceta “revolucionária” durante o período de sua fundação;
120
Os nomes de seus irmãos seriam: José, Ronalsa, Agostinho, Otávio, Maria da Glória, Maria da Conceição e
Maria Pastora. VASCONCELOS, Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho
Brandão: Primeiro bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 4.
121
Dr. José Prospero Jeová da Silva Caroatá foi um jurista, intelectual, redator-chefe do jornal Timbre de Alagoas,
órgão ligado ao Partido Republicano; inclusive foi um dos membros fundadores do ciclo republicano em Alagoas.
Ocupou cargos legislativos provinciais de 1852 a 53 e 56 a 57. Cf. BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de.
ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. Brasília: Senado Federal, 2005.
1v., p. 334.
122
MEDEIROS, Fernando Antônio Mesquita de. O homo inimicus: Igreja, ação social católica e imaginário
anticomunista em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2007, p. 38; QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja
nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 165.
47
mas, no futuro, tornou-se uma instituição difusora de ideias “conservadoras” e um dos redutos
do pensamento ultramontano.
O estabelecimento de formação religiosa foi inaugurado no ano de 1800, durante o
bispado de Dom Azevedo Coutinho. O sacerdote estudou na Universidade de Coimbra,
Portugal. Nesta época, os centros educacionais portugueses viviam as repercussões das
reformas postas em prática pelo primeiro-ministro do reino português, Sebastião José de
Carvalho e Melo - o Marquês de Pombal – durante os anos de 1750 a 1777, influenciadas pelo
“espírito iluminista”.123
D. Azevedo Coutinho tentou inserir na formação dos alunos do Seminário de Olinda
uma pouco da “instrução humanista” recebida por ele na Universidade de Coimbra. Conforme
a afirmação de Márcio Nunes, o currículo acadêmico dos seminaristas era amplamente
diversificado:
O Seminário de Olinda foi cognominado de “a nova universidade de
Coimbra”. As disciplinas eram as mais diversas, podendo-se[sic] ser citadas
como integrantes da grade curricular: Física, História Natural, Geografia,
Lógica, Francês, Cronologia, Matemáticas, Metafísica, Ética, História
Sagrada, Teologia Dogmática, História Eclesiástica, Teologia Moral,
Filosofia Universal, Retórica e Poética, Língua Grega, Gramática Latina,
Canto Chão[sic],Primeiras Letras, Desenho. Assuntos sobre economia e
política contemporânea possuíam seu espaço no amplo cabedal formativo.124
Os sacerdotes formados eram instruídos, ao assumirem uma paróquia, para que
pudessem reconhecer e identificar os possíveis elementos de produções agrícolas e comerciais
da região por meio da elaboração de registro de terras cultiváveis.125 O clero também tinha por
função periodicamente apresentar os censos com as quantidades de fogos (habitantes aptos para
as eleições) e detinha o controle sobre as listagens e certidões com os números de batismo,
casamento e óbito das freguesias.126 No entanto, a influência de uma “educação racionalista e
humanista”, ao mesmo tempo em que buscou inserir o clero tanto no cotidiano social como no
123
ALVES, Gilberto Luiz. O seminário de Olinda. In: LOPES, Elaine Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano;
VEIRA, Cynthia Greive (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. 3ª ed. - Belo Horizonte: Autêntica, 2007, pp.
61-62.
124
NUNES, Marcio Manuel Machado. A criação do bispado das Alagoas: religião e política nos
primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil (1889-1910). Dissertação (Mestrado em História
Social) – Maceió: UFAL, 2016, p. 126.
125
ALVES, Gilberto Luiz. O seminário de Olinda. In: LOPES, Elaine Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano;
VEIRA, Cynthia Greive (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. 3ª ed. - Belo Horizonte: Autêntica, 2007, pp.
68-69; NUNES, NUNES, Marcio Manuel Machado. A criação do bispado das Alagoas: religião e política nos
primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil (1889-1910). Dissertação (Mestrado em História
Social) – Maceió: UFAL, 2016, pp. 125-126.
126
ALVES, Gilberto Luiz. O seminário de Olinda. In: LOPES, Elaine Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano;
VEIRA, Cynthia Greive (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. 3ª ed. - Belo Horizonte: Autêntica, 2007, pp.
68-69.
48
aparelho burocrático do Estado, incentivou uma concepção de mundo crítica, o que explicaria
o envolvimento dos sacerdotes formados no referido seminário em motins e rebeliões de
contestação social, entre elas a “Revolução de 1817”, que ficou conhecida também com o nome
de “Revolução dos Padres”127, a Confederação do Equador (1824) e a “Revolução Praieira”
(1848).
Foi a este seminário, que o jovem Antônio Brandão foi encaminhado para dar início a
sua formação eclesiástica, em 1868. Tinha nessa época 18 anos. Mons. Cícero Teixeira de
Vasconcelos, no ano de 1949, ao proferir um discurso durante a comemoração do centenário
do seu nascimento, descreve o cenário daquela instituição de estudos no momento da entrada
desse último rumo à vida sacerdotal, da seguinte maneira:
A "escola de heróis", como já se chamou ao Seminário - que, sob a invocação
de Nossa Senhora da Graça, o ínclito Dom Azevedo Coutinho fundou na suave
colina olindense, iria oferecer-lhe, como reconhecimento a sua privilegiada
posição topográfica propiciava, o ambiente necessário para sua séria formação
intelectual e para o caldeamento de inabaláveis virtudes sacerdotais.
Mas, se o Seminário de Olinda já podia proporcionar apreciável cultura
humanística e eclesiástica e se os alunos de sincera vocação bem se poderiam
consagrar ao trabalho interior em que se elaboram os apóstolos, o verdadeiro
educador, a plasmar com o seu exemplo o espírito sacerdotal, e porque não o
dizer desde já? O espírito episcopal de Dom Antônio, foi esse "homem de
combate e homem de coração" como Jorge de Lima chamou a figura
gigantesca - de bispo e de mártir, de Dom Frei Vital Maria Gonçalves de
Oliveira.
Não poderia o jovem levita ignorar o ambiente que asfixiava o santuário, sobre
o qual abatia a mão sacrílega do poder temporal, uma aberrante deturpação do
legítimo sentido do sistema de união entre os dois poderes.128
Por quase três séculos a Igreja Católica se encontrou vinculada aos poderes temporais
(Estado) por meio da prerrogativa do padroado régio, permanecendo, assim, durante todo o
período colonial e Império. Já foi apontado que durante a segunda metade do século XIX
começa a inserção do “pensamento ultramontano” em solo brasileiro.129 O movimento de
difusão deste ideal pode ser entendido por meio da presença de dois “agentes” de propagação
desse modelo eclesiástico. Primeiro foram os missionários estrangeiros, envolvidos com o que
pesquisadores da Igreja Católica denominam “Missões Populares”130, tendo como seus
127
VIEIRA, Dilermando Ramos. O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil. Aparecida:
Santuário, 2007, p.37.
128
VASCONCELOS, Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão:
Primeiro bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 6.
129
CODI, Cassiano. O Tradicionalismo na República Velha. Tese (Doutorado em Filosofia) - Rio de Janeiro:
Universidade Gama Filho, 1984, p.40.
130
HAUCK, João Fagundes, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo:
segunda época, Século XIX. 4ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 209.
49
principais representantes as ordens dos frades capuchinhos, a Congregação da Missão (os
lazaristas) e a Companhia de Jesus (os jesuítas).131
Já a segunda forma de “atores” de difusão deste pensamento no Brasil foram os jovens
sacerdotes recém-ordenados que tiveram a sua formação entre os seminários europeus na
segunda metade do século XIX, período marcado pelos efervescentes conflitos entre católicos
e maçons, especialmente na França e em Roma.132 Ao voltarem para o Brasil, agora consagrados
como sacerdotes, esses jovens membros do clero trouxeram consigo os ideais defendidos pelo
catolicismo ultramontano.133 Muitos desses sacerdotes, ao longo do Segundo Reinado, vieram
a ser nomeados e a ocupar cargos episcopais, como por exemplo: Dom Antônio Ferreira Viçoso,
bispo de Mariana (1844-1875), Dom Romualdo Seixas, arcebispo da Bahia (1827-1860); Dom
Antônio Joaquim de Melo, bispo de São Paulo (1851-1861); eles tentaram iniciar uma efetiva
reforma institucional do catolicismo.134
A partir dessa ocorrência teve início o que é denominado “reforma ultramontana”, com
a criação de seminários, a instalação de um discurso moralizador do clero, no reforço de
aspectos doutrinais e no controle de práticas relacionadas ao catolicismo popular. Em suma,
inicia-se uma tentativa de tornar o catolicismo no Brasil “mais romano” e “menos ibérico”. No
entanto, setores da burocracia civil não viam com bons olhos essa tentativa de “reorganização”
da hierarquia católica, e sua aproximação com a Cúria Romana. Entre os descontentes
encontravam-se, inclusive, membros do clero, influenciados pelo pensamento revolucionário
francês, distribuídos pela burocracia imperial e ocupando cargos públicos.135
Os atritos entre a administração civil e os eclesiásticos desencadearam diversos
conflitos, ao longo da segunda metade do século XIX. De um lado, tinha-se o clero
ultramontano defendendo os seus interesses, entre eles a tentativa de aplicar as diretrizes
pontifícias na instituição eclesiástica; em particular, a de exercer um controle mais efetivo sobre
as irmandades religiosas.136 No outro lado a burocracia imperial, marcada por fortes traços do
131
SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: Uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo: Cia das
Letras, 2008, p. 50.
132
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de consciência: Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do
Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte: Fino Traço, 2015, p. 164; VIEIRA, David. Gueiros. O
protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. Brasília: EDUB, 1980 (Coleção Temas
Brasileiros), p. 33.
133
VIEIRA, Dilermando Ramos. História do Catolicismo no Brasil (1889-1945): Vol.2. Aparecida: Santuário,
2016, p. 118.
134
BIASOLI, Vitor. O catolicismo ultramontano e a conquista de Santa Maria (1870/1920). Santa Maria: Ed.
da UFSM, 2010, p.40.
135
CARVALHO, José Murilo. A construção da Ordem: A elite política imperial. Teatro das Sombras: A política
imperial. 4ª ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p.187.
136
HAUCK, João Fagundes, et. al. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo: segunda
época, Século XIX. 4ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, pp. 184-185.
50
regalismo português.137 Essa busca de controlar e submeter o clero à sua legislação e máquina
burocrática acabou repercutindo em inevitáveis tensões.
Na diocese pernambucana, ano de 1866, houve a nomeação e posse de Dom Manuel do
Rego Medeiros, sucessor de Dom João da Purificação Marques Perdigão, falecido em 1864. Ao
assumir a função de “pastor apostólico” da diocese de Pernambuco (que, como já foi visto,
incluía o território da província de Alagoas), ele se empenhou em dar início à reforma
burocrática no que diz respeito à estrutura diocesana, seguindo o exemplo de seus companheiros
de episcopado em outras localidades do território brasileiro. A principal reverberação dessa
proposta de reestruturação foi a intervenção do bispo no corpo docente do seminário de Olinda.
Após assumir a direção da diocese de Pernambuco um dos primeiros atos de Dom
Manuel Medeiros foi afastar os padres envolvidos com a política regalista,138 alterando o corpo
docente do seminário, substituindo os antigos professores por padres integrantes da Companhia
de Jesus. Essas mudanças geraram uma instabilidade em seu episcopado, ocasionando um
conflito entre o prelado e seus sucessores com a burocracia civil, aliada ao clero regalista. As
efervescências políticas e sociais geradas nessa situação repercutiram oito anos depois com a
eclosão da “Questão Religiosa”139, que acabou se tornando um dos motivos que levaram à queda
da monarquia imperial:
O sucessor de Dom Perdigão em Olinda foi o cearense Dom Manuel do Rego
de Medeiros (1830-1866), e a partir de sua posse a reforma eclesial recobraria
naquela diocese. Ex-aluno do Seminário São Suplicio, ele fixara depois
residência em Roma, onde tinha doutorado em direito civil e canônico,
recebendo o grau de doutor pela Sapientia de Roma. Relutara ante a nomeação
episcopal, mas devido às insistências do Papa Pio IX, acabou aceitando-a,
sendo sagrado em 12-11-1865. Um mês depois embarcou para o Brasil,
tomando posse em Olinda no dia 21 de janeiro no ano seguinte (1866). (...)
quando ainda se encontrava na Santa Sé, obteve da Companhia de Jesus que
alguns dos seus sacerdotes da província de Roma viessem para Pernambuco.
Os padres chegaram aos 17-2-1866, e, isso lhe permitiu intervir com mãos de
137
AZZI, Riolando. O altar unido ao trono: Um projeto conservador. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 151; SERBIN,
Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: Uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2008, p.
83.
138
Por modelo eclesiástico regalista, ou regalismo, entende-se a postura de setores do clero que defendiam uma
Igreja Católica nacional, independente de Roma, fortemente controlada e ligada à burocracia do Estado. Era
considerada uma contraposição ao ultramontanismo católico. Segundo Ítalo Santirocchi, o objetivo do regalismo
era diminuir o poder da Igreja, limitando a autoridade do pontífice nos negócios temporais conexos com os
espirituais ou negando a plenitude do poder dos papas nos assuntos eclesiásticos de cada nação, alegando que essa
plenitude de poder lesava os direitos episcopais. Com efeito, diminuída a autoridade do Sumo Pontífice, seria mais
fácil submeter os superiores eclesiásticos existentes dentro do território. O alvo a atingir era sempre a supremacia
do poder espiritual, que o pode temporal queria controlar. Cf. SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de
consciência: Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte/MG:
Fino Traço, 2015, p. 52.
139
Para entender melhor conferir a obra VIEIRA, David. Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a Questão
Religiosa no Brasil. Brasília: EDUB, 1980. Nela o pesquisador traz uma análise sobre os antecedentes e
implicações de tão acontecimento.
51
ferro no seminário diocesano (a "nova Coimbra"), demitindo todos os
professores maçons e jansenistas, e substituindo-os com os regulares há
poucos desembarcados. Também por iniciativa sua, doze seminaristas foram
enviados ao Colégio Pio Latino, estando entre eles dois destinados a se tornar
bispos de renome: Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti e Francisco
do Rego Maia.140
Ainda segundo Vasconcelos e Nunes, Antônio Brandão, como estudante do seminário
diocesano, vivenciou o clima de tensão entre o episcopado de Pernambuco e a burocracia
imperial.141 O ano de 1868 corresponde ao momento de transição entre a antiga estrutura
pedagógica do seminário e as novas diretrizes estabelecidas por Dom Manuel Rego. Salientase que, neste período, a diocese de Pernambuco encontrava-se sob a direção de Dom Frei
Francisco Cardoso Ayres, que deu continuidade às reformas do seu antecessor, falecido durante
a realização de uma visita pastoral no de 1866 na província de Alagoas. Quatro anos mais tarde,
em 1871, Dom Frei Vital Gonçalves de Oliveira substitui Dom Francisco Ayres que também
tinha vindo a falecer durante uma viagem, agora em direção a Roma, para participar do Concílio
Vaticano I. No ano seguinte os conflitos entre a administração imperial e o bispado de
Pernambuco atingiram o seu ápice.
Em 1872, D. Vital, movido pelo espírito reformador e ultramontano, decidiu aplicar as
diretrizes da encíclica Quanta cura (1864) e do seu anexo, o famoso Syllabus Errorum, que não
tinham recebido o placet (aprovação) do imperador D. Pedro II para serem publicados no Brasil.
Seu posicionamento o levou a interditar as irmandades religiosas e a afastar os membros das
irmandades e do clero acusados de compactuarem com as ideias maçônicas. Esta situação
acirrou os ânimos e culminou com a prisão do bispo diocesano em 1873.
Os ecos da querela entre o bispo de Pernambuco e o poder temporal repercutiram em
outras localidades. No Pará, o bispo Antônio Macedo da Costa saiu em amparo ao companheiro
de episcopado, defendendo o seu posicionamento de “cruzada” contra a maçonaria. Segundo
Karla Denise Martins142, Dom Antônio Macedo havia assumido a diocese paraense no ano de
1861, e desde então vinha travando embates com as forças políticas locais e a maçonaria por
meio da utilização de jornais. A postura do bispo do Pará em relação ao desenrolar dos atritos
ocorridos na diocese de Pernambuco terminou, também, ocasionando a sua prisão.
140
VIEIRA, Dilermando Ramos. O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil. Aparecida:
Santuário, 2007, pp. 141, 143.
141
VASCONCELOS, Mons. Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão:
Primeiro bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 7; NUNES, Marcio Manuel Machado.
Presença da igreja católica em Alagoas: o primeiro bispo e a nova diocese. Maceió: EDUFAL, 2013, pp. 31-32.
142
MARTINS, Karla Denise. O Sol e Lua em tempos de eclipse: A reforma católica e as questões políticas na
província do Grão-Pará (1863-1878). Dissertação (Mestrado em História) - Campinas: UNICAMP, 2001, p. 87.
52
Foi meio a essa atmosfera conflituosa que se deu a preparação para o sacerdócio de
Antônio Brandão. No dia 29 de junho de 1873, Dom Vital de Oliveira lhe conferiu o
subdiaconato, uma das ordens menores recebidas pelos candidatos ao sacerdócio antes das
ordens maiores, como estabelecido na época pelo rito latino da Igreja Católica. E, pelo motivo
da prisão de Dom Vital, Antônio acabou recebendo as ordens sacerdotais pelas mãos do bispo
do Ceará, Dom Luiz Antônio do Santos, em 30 de maio de 1874.143
Após sua ordenação como sacerdote Antônio Brandão ascendeu rapidamente na
estrutura hierárquica católica. Em 1875 tornou-se pároco de Floresta, em Pernambuco. Em
seguida, foi transferido para a paróquia de Sant'Ana do Ipanema, em 1879; e, por fim, tornouse vigário da freguesia de Alagoas (hoje Marechal Deodoro), no ano de 1880. Foi nomeado
vigário geral e forâneo, tornando-se representante do bispo diocesano no território alagoano.
Desde o período que vai da ordenação de Antônio Brandão até o momento em que
assumiu a função de vigário geral, transcorrem-se cerca de quatorze anos de atuação eclesiástica
na província de Alagoas. Em 7 de setembro de 1894, ele foi nomeado bispo do Grão-Pará pelo
papa Leão XIII, sucedendo a Dom Jerônimo Tomé da Silva, transferido para a Arquidiocese
Primaz da Bahia. Enquanto bispo da diocese paraense, Dom Antônio Brandão soube atuar em
questões relacionadas à reorganização do seminário diocesano local. Segundo Marcio Nunes,
quando assumiu a diocese de Belém do Pará, ela se encontrava em dificuldades econômicas e
carências pastorais. Mesmo assim rapidamente fez que alguns estabelecimentos fossem
edificados com o intuito de suprir as necessidades do bispado.144 O bispo também soube utilizar
sua influência entre as forças políticas da região, principalmente no que diz respeito à atuação
da Igreja Católica entre as povoações indígenas habitantes do território que compunha a
jurisdição eclesiástica.
Uma exemplificação dessa situação pode ser conferida nas páginas do jornal O Pará de
5 de março de 1898, onde se relata a intervenção do bispo junto ao poder legislativo para acertar
as providências sobre o projeto de catequese desenvolvido por missionários da ordem
dominicana na povoação de Conceição do Araguaia. O bispo solicita auxílio ao Estado, por
143
VASCONCELOS, Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão:
Primeiro bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 8; NUNES, Marcio Manuel Machado. A
criação do bispado das Alagoas: religião e política nos primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil
(1889-1910). Dissertação (Mestrado em História Social) – Maceió: UFAL, 2016, p. 138.
144
NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença da igreja católica em Alagoas: o primeiro bispo e a nova
diocese. Maceió, AL: EDUFAL, 2013, p. 40.
53
meio da criação de duas escolas, uma direcionada aos meninos e outra às meninas, assim como
o envio de providências financeiras para a área da pecuária.145
Como se pode ver a nomeação de D. Antônio Brandão à diocese do Pará não foi mera
coincidência, tão pouco um acontecimento isolado. Com o fim do sistema imposto pelo
Padroado Régio, que ocasionou a separação entre a Igreja e Estado, o episcopado se empenhou
em centralizar a Igreja Católica brasileira nas diretrizes da Cúria Romana. Desta forma, o Papa
possuía autoridade para nomear os bispos que bem queria. Lembrando que o projeto eclesiástico
ultramontano encontrou na conjuntura pós-proclamação da república um momento oportuno
para pôr em prática o processo de reestruturação iniciado na segunda metade do século XIX, e
para que essa nova política adotada pela “elite eclesiástica” triunfasse, seria necessário dar
preferência à nomeação de sacerdotes que estivessem articulados com o pensamento e “espírito
romanizado”:
A constituição de 1891, ao ser promulgada não confirmou as suspeitas do
jacobinismo republicano-positivista. Questões, como a de “mão-morta”
(impostos atribuídos aos bens eclesiásticos), foram sendo questionadas pelo
catolicismo até que ela fosse anulada por leis sucessivas durante a Primeira
República. Era hora, então, além de colocar o bispo certo no lugar certo,
expandir a instituição no território nacional, desejo do catolicismo durante
todo o Império, engavetado pelo governo e, que agora poderia ser executado,
já que dependia apenas do esforço político do próprio catolicismo. E isso foi
realizado a contento durante a Primeira República.146
Dom Antônio possuía as especificações necessárias para assumir a sua posição como
membro do episcopado brasileiro: teve sua formação sacerdotal no seminário de Olinda, à época
um dos epicentros de difusão do pensamento ultramontano no território brasileiro, como já foi
dito. Além disso, como membro do episcopado brasileiro, procurava manter relações cordiais
com as elites políticas regionais. Aponte-se ainda que o futuro primeiro bispo de Alagoas
participou da comitiva do episcopado brasileiro que viajou à Roma para participar do Concílio
Plenário Latino-americano, em 1899:
Enquanto Bispo de Belém, Dom Antônio Brandão participou dos trabalhos do
Concílio Plenário Latino Americano, celebrado em Roma em 1899. Ao
retornar do mencionado Concílio, foi um grande entusiasta do seu
cumprimento. Para a Diocese de Belém do Pará, Dom Antônio trouxe os
Padres Agostinianos Recoletos e as Religiosas Filhas de Santa Ana.147
145
O PARÁ. Belém, 5 de março de 1898.
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: A estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, pp. 88-89.
147
NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença da igreja católica em Alagoas: o primeiro bispo e a nova
diocese. Maceió: EDUFAL, 2013, p. 40.
146
54
Convocado por meio da Carta Encíclica Cum diaturnum, pelo então papa Leão XIII, em
25 de dezembro de 1898, e realizado em Roma de 28 de maio até 9 de junho de 1899, a
conferência conciliar objetivou estabelecer os planos de atuação necessários, na concepção da
Cúria Romana, para a América-Latina diante da nova realidade social e das dificuldades vividas
pelo catolicismo em localidades específicas no continente. Participaram do sínodo 13
arcebispos e 40 bispos, correspondendo à metade do episcopado latino-americano.148
A documentação oriunda dos debates conciliares foi promulgada por Leão XIII no ano
seguinte à realização do evento conciliar, ou seja, em 1º de janeiro de 1900, por meio da carta
apostólica Iesus Christi Ecclesiam. As atas e os decretos do Concílio Plenário são compostos
em 998 artigos, distribuídos em dezesseis sessões. Acerca do conteúdo das “Atas e Decretos”
constam tópicos, como, por exemplo, aqueles referentes à relação entre a Igreja e o Estado (art.
01-96). O discurso conciliar ressalta a concepção da Igreja Católica como “Sociedade Perfeita”,
ou seja, compreende a instituição eclesiástica católica como uma esfera hierarquicamente
infalível e incontestável, que existe em contraposição à deficiência da sociedade civil (art. 52).
Há de se salientar um fato, mesmo que de forma resumida: no contexto em questão a
instituição católica encontrava-se sob a influência da redescoberta do pensamento de São
Tomás de Aquino149, mais especificamente pela concepção da existência de dois poderes, um
temporal para reger o mundo terreno, e um religioso para gerir os bens espirituais, morais e
éticos. Os bispos conciliares e, em consequência, o episcopado brasileiro, passam a defender a
concepção de “sociedade perfeita” como principal meio de defesa argumentativa. É a partir
dessa concepção que se propõe uma “relação harmônica” entre o poder temporal e o espiritual.
Euclides Marchi resume muito bem a autocompreensão da Igreja Católica neste momento:
(...) Nessa proposta estava inserida a questão do poder, especialmente no que
diz respeito à sua dualidade: Poder eclesiástico e poder civil, ou seja, Estado
e Igreja. A distinção está nos fins que ambos se propõem, pois enquanto o
Estado busca um fim natural que se realiza na terra, com a promoção da
ordem, da paz e da prosperidade, a Igreja busca um fim sobrenatural, cuja
realização, embora preparada aqui na terra, somente ocorrerá, plenamente, no
céu. Na sua autocompreensão ela considera que recebeu o mandamento de
Jesus Cristo, o que a faz depositária das verdades eternas e a investiu do
tríplice poder: legislativo, judiciário e penal exercido sem nenhuma
dependência ou limites pelo Papa, pelos Bispos e pela Igreja, que, no exercício
de conduzir os homens ao fim eterno, não devem a mínima submissão ao
Estado. Contudo, se no exercício de seu fim, reclama do Estado plena
autonomia e liberdade de ação, proclama também a independência da
148
ARANEDA, Carlos Salinas. El Concilio Plenario de América Latina y su proyección em La codificación del
derecho canónico de 1917. In: Revista Española de Derecho Canónico, vol. 70, nº 175, Samalanca, 2013, p.161.
149
VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006,
p.85.
55
sociedade civil órbita de suas atribuições temporais, recomendando,
expressamente, a submissão aos poderes constituídos.150
Outro ponto dos debates está relacionado à liberdade religiosa, compreendida nas falas
conciliares como consequência nefasta do processo de modernização da sociedade. São ainda
mencionadas as principais ameaças e apostasias enfrentadas pela Igreja Católica no continente
latino-americano, ou seja: o ateísmo (art. 99), o materialismo (art. 100), o protestantismo (art.
110), o naturalismo (art. 103) e o liberalismo (art. 104). Há também a menção a debates
relacionados à educação católica, e os níveis de influência do catolicismo dentro do sistema
educacional (primeiras letras, ensino secundarista e ensino superior). E, por fim, há uma série
de artigos que abordam a questão da formação clerical, a escolha do corpo sacerdotal e o reforço
da doutrina católica.
Para Carlos Araneda, os debates registrados na documentação do Concílio Plenário
Latino-americano serviram de base para a elaboração em 1917, do Código de Direito Canônico,
elaborado durante o pontificado de Pio X (1903-1914), mas promulgado somente no período
do governo de Bento XV (1914-1922).151 Para o Brasil, o sínodo latino-americano embasou as
atividades e posturas da Igreja Católica até meados do século XX, inclusive inspirando a
publicação da Carta Pastoral Coletiva de 1915, assinada pelos bispos que compunham as
províncias eclesiásticas meridionais.152
Um ano após a realização do concílio plenário, em 2 de julho de 1900, por meio da
promulgação da bula Postremis hisce Temporibus do Papa Leão XIII, foi criada a diocese de
Alagoas, com sede na cidade de Maceió.153 Com a confirmação da fundação da nova jurisdição
eclesiástica iniciaram-se os rumores acerca de quem assumiria o bispado. Pouco tempo
150
MARCHI, Euclides. Uma Igreja no Estado livre: o discurso da hierarquia católica sobre a República. In:
História: Questões & Debates. Curitiba, v.10, n. 18-19, p. 213, jun-dez, 1989, p. 226.
151
ARANEDA, Carlos Salinas. El Concilio Plenario de América Latina y su proyección en la codificación del
derecho canónico de 1917. In: Revista Española de Derecho Canónico, vol. 70, nº 175, Samalanca, 2013, p.162.
152
Uma província eclesiástica é um conjunto de dioceses sujeitas simbolicamente a um arcebispo. Esse, por sua
vez, é o bispo de Sé determinado ou aprovado pelo pontífice romano. Ele tem o título de arcebispo, e os outros
bispos da província são seus sufragâneos. No Brasil, no contexto em questão, o território eclesiástico estava
dividido em duas províncias principais: a meridional (criada em 1892), com sede no Rio de Janeiro; e a setentrional
(criada em 1676), com sede em Salvador. Cf. ARAÚJO, José Carlos Souza. Igreja Católica no Brasil: Um estudo
de mentalidade ideológica. São Paulo: Paulinas, 1986.
153
MEDEIROS, Fernando Antônio Mesquita de. O homo inimicus: Igreja, ação social católica e imaginário
anticomunista em Alagoas. 1ª. ed. Maceió: EDUFAL, 2007, p.38; NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença
da igreja católica em Alagoas: o primeiro bispo e a nova diocese. Maceió, AL: EDUFAL, 2013, p. 46; QUEIROZ,
Álvaro. Notas sobre a história da igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p.165.
56
depois154 foi confirmado que Dom Antônio Brandão tinha sido nomeado bispo de Alagoas.155
Sua posse ocorreu no dia 21 de agosto de 1901, quase um ano após a criação do bispado.
Cabe agora refletir sobre as possíveis razões para nomeação de D. Antônio Brandão para
a condição de primeiro bispo de Alagoas. Sua indicação pode estar ligada ao seu conhecimento
prévio sobre as forças políticas oligárquicas, por causa do longo período em que atuou como
Vigário Geral na cidade das Alagoas (atual Marechal Deodoro), ou ainda por ser um nativo, e
certamente por causa da sua proximidade com o projeto da Cúria Romana.
Entretanto a mais: no momento em que tiveram início as conversas e acordos para
instalação do bispado alagoano, especialmente com a criação da Comissão Central do
Patrimônio da diocese, Dom Antônio Brandão, ainda atuando na jurisdição eclesiástica do Pará,
solidarizou-se com os seus conterrâneos, dando-lhes todo o apoio necessário.156 Os periódicos
do dia da posse do novo bispo relatam o alvoroço que a vinda de D. Antônio Brandão teria
causado na cidade de Maceió, como pode ser averiguado na passagem a seguir, encontrada no
jornal A Tribuna, publicado dois dias após a celebração da posse do bispado de Alagoas:
Desembarque
Às 07h:30min. da manhã do dia 21 do corrente mês fundeava na ancoradeira
do Jaraguá o paquete São Salvador, a cujo bordo vinha o exmº sr. Bispo
Diocesano.
Seguiu logo o 1º escaler em que ia a vista de saúde do porto
Logo após o 2º escaler da Comissão de honra para recepção do exmo. e
reverendíssimo Dom Antônio, sendo acompanhando de outros escaleres e
lanchas embandeirais, puxadas por dois rebocadores.
Às 6h:30min da manhã partiram da Catedral todas as Confrarias da Capital
acompanhadas pelo clero e povo, procedidos da banda marcial de 33º
batalhão, os quais se enfileiraram desde o Camarim do porto do desembarque
até a matriz do Jaraguá.
A multidão ali era espessa e compacta.
Na ponta se achavam as bandas de música da polícia, do 33º e da filarmônica
Minerva.
Às 9h:30min teve lugar o desembarque vindo na ponta o escaler da alfândega
que trazia o exmo. bispo diocesano, com a Comissão que havia ido a bordo
recebê-lo, achando-se na ponte outra Comissão de recepção. Ao soltar tocaram
154
A TRIBUNA. Maceió: 22 de março de 1901.
NUNES, Marcio Manuel Machado. A criação do bispado das Alagoas: religião e política nos
primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil (1889-1910). Dissertação (Mestrado em História
Social) – Maceió: UFAL, 2016, p.112.
156
Tem que levar em contar informação apontada por Márcio Nunes em sua dissertação. Segundo o autor, ao saber
dos acordos entre o governo estadual alagoano e a Nunciatura Apostólica para a constituição do bispado, Dom
Antônio Brandão, do Pará, teria enviado mensagens de apoio aos conterrâneos e aos envolvidos na efetivação do
projeto. Consta-se também que ele tentou interceder junto ao Papa em relação ao assunto e no participou ano de
1900 das reuniões da Comissão Central do patrimônio do bispado. E por fim, ofertou do próprio bolso uma quantia
em dinheiro em auxilio ao projeto em prol de adquirir os bens patrimoniais diocesanos. Cf. NUNES, Marcio
Manuel
Machado.
A
criação
do
bispado
das
Alagoas:
religião
e
política
nos
primeiros anos da República dos Estados Unidos do Brazil (1889-1910). Dissertação (Mestrado em História
Social) – Maceió: UFAL, 2016, p.147.
155
57
as músicas, o hino Nacional. Daí seguiu o préstito para a matriz de Jaraguá,
onde s. excelência tomou as vestes pontifícias.
(...) S. excelência reverendíssima vinha sob o pálio conduzido pelos senhores
secretários do Interior e da Fazenda, desembargador Rodrigo Jorge, intendente
da Capital, delegado fiscal do Governo Federal e o cap. Inácio Lobo, ajudante
do 33º batalhão de Infantaria.
(...) Ás 11h:20min entrava S. excelência na Catedral com enorme
acompanhamento.
Aí se achava o exmo. sr. Governador do Estado que assistiu às cerimônias ao
lado da epistola, em cadeiras preparadas para ele e seus Secretários. À entrada
de S. excelência o sr. Bispo, entoou a orquestra o Ecce Sacerdos, enquanto S.
Excelência Reverendíssima fazia o asperges.
E logo o reverendíssimo Cônego Otavio Costa entoava o Te Deum, a que
assistiu S. Excelência Reverendíssima no altar mor. Depois do que
Reverendíssimo padre Vieira, Vigário da Freguesia de São Miguel dos
Campos, leu o decreto da S.C. Consistorial e da Nunciatura brasileira erigindo
o Estado de Alagoas em diocese sufragânea do Arcebispado da Bahia e
independente do de Olinda; e o diácono Alfredo Silva leu o Breve de
transferência de S. excelência Reverendíssima a diocese de Belém do Pará
para a nova Diocese de Alagoas.
(...) A 1h:40min começou o almoço tomando a mesa S. Excelência.
Reverendíssima, o exmo. sr. Dr. Governador do Estado, membros do Tribunal
Superior, do corpo legislativo, do Liceu Alagoano, do Exército, da
Magistratura, do Clero, da Imprensa e de todas as classes sociais.
Coube ao Exmo. Sr. Dr. Euclides Malta levantar o primeiro brinde de
saudação ao Exmo. D. Antônio e fê-lo com muita felicidade, brinde a que
respondeu o redeclaro sacerdote com as efusões de sua alma.
Falaram em seguida o ilustre Dr. Manuel Lopes Ferreira Pinto em nome da
sociedade de São Vicente de Paula; o Dr. Desembargador Jacinto de
Mendonça em nome da magistratura; o Dr. Vicente de Mouro, que fez
igualmente elogio do ilustre vigário de Maceió.
(...) Não podiam ter sido mais importantes os festejos realizados em honra ao
virtuoso D. Antônio.
Todas as classes sociais concorreram pressurosa e espontaneamente para o seu
maior brilhantismo.
As sociedades existentes na Capital a eles compareceram tendo à frente os
seus estandartes.
As fibras que se desfilaram a entrada do primeiro pastor que vem dirigir os
destinos do rebanho alagoano hão de juncar-lhe o caminho e seguir em seu
venturoso governo.
São estes os votos que fazemos.157
O relato extraído acima revela muitos elementos pertinentes a serem observados.
Primeiro, ele registra a permanência das relações/acordos entre os poderes temporais e
espirituais. Apesar do fim oficial da união entre as duas esferas, em vigor desde 7 de janeiro de
1890, na prática os diálogos entre elas não cessaram. Em seguida, pode-se observar o valor
simbólico atribuído ao ritual de posse de Dom Antônio Brandão. O artigo descreve amplamente
157
A TRIBUNA. Maceió: 25 de agosto de 1901.
58
expressões de pompa e esplendor, o que transmite ao leitor um pouco da preocupação, tanto da
Igreja Católica como das demais categorias sociais envolvidas, de passar a imagem de que
Alagoas, em fim possuía sua própria diocese.
No entanto algo de muito importante deve chamar a nossa atenção: percebe-se nele o de
“silêncio” social. Não se sabe quem redigiu o artigo do jornal A Tribuna. Quem quer que tenha
sido, certamente estava empolgado com o momento, ao mencionar o seguinte: “Todas as classes
concorreram pressurosa e espontaneamente para o seu brilhantismo (da celebração).” Fica, no
entanto, a pergunta: a que classes ou estamentos sociais o redator do artigo faz menção?
Partindo da constituição do campo político e religioso alagoano exposto anteriormente,
pode-se notar a ocorrência de relações de interesses no interior da sociedade civil, para a
elevação de Alagoas à categoria de sede apostólica. E, foram as suas categorias dirigentes que,
convenientemente, compareceram à cerimônia de posse do bispo diocesano, destacadas em
primeiro plano no artigo. Além disso, a narrativa deixa claro que os outros grupos religiosos
não tomaram parte na cerimônia mencionada, ou que reforçava a imagem dominante de uma
população brasileira que, em sua totalidade, seria composta por católicos fiéis e praticantes.158
O texto do período A Tribuna também traz uma categorização do cortejo presente
durante a celebração de Dom Antônio Brandão, apontando a existência de relações com as elites
oligárquicas e o judiciário. Para a política eclesiástica em execução, no período, era necessário
o desenvolvimento de aproximações entre a Igreja Católica e as burguesias agrárias, em outros
termos, os detentores do poder. Essa perspectiva se articula ao que Edgar Gomes denomina
“eixos de atuação do episcopado”, no caso alagoano associado ao “eixo norte”, marcado pelo
diálogo entre clero, coronéis e bacharéis.159
O novo bispo coordenou a jurisdição eclesiástica entre os anos de 1901 a 1910, quando
veio a falecer. Esse período de nove anos, em seu caráter inaugural se enquadra no processo de
fortalecimento da política de reordenação eclesiástica católica, defendida no Concílio Plenário
Latino-Americano. E, demarca as possíveis adaptações que o projeto católico sofreu no
confronto com realidade local da diocese de Alagoas.
158
Carta Pastoral Coletiva: Reclamação do episcopado brasileiro dirigida ao excelentíssimo sr. chefe do
Governo Provisório. Rio de Janeiro, 1890, p. 23.
159
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, p. 315.
59
3.2. A fundação do seminário diocesano Nossa Senhora da Assunção e a formação do
corpo eclesiástico católico em Alagoas (1902 a 1909)
Os seminários católicos sempre foram vistos como um “berço da intelectualidade do
clero”, um ambiente associado ao ensino de qualidade. Riolando Azzi argumenta a respeito da
existência de “uma cultura do clero”, um espaço simbólico e social no qual o estabelecimento
de formação sacerdotal é visto como mecanismo de instrução e erudição da sociedade
brasileira.160 Ao se observar o trecho a seguir, da Carta Pastoral de D. Antônio Brandão em
saudação aos seus diocesanos, nota-se com clareza sua motivação para fundar um seminário
diocesano161 na jurisdição eclesiástica de Alagoas.
(...) A instrução se difunde com a instituição do grande e pequeno Seminário.
Naquele se formam na piedade e nas ciências sagradas dos futuros levitas do
Senhor, encarregados da administração dos Santos Sacramentos instituídos
para a Santificação das almas (...).
(...) A fundação do Grande Seminário nesta capital promoverá e ajudará as
vocações eclesiásticas de muitos jovens que outrora não podiam transportarse a Olinda e que por isso viam fenecer em seus peitos a doce e meiga
esperança, em que afagavam em servir a Deus ao Sacerdócio.
Também o pequeno Seminário facilitará à mocidade, esperança do futuro,
ensino dos preparatórios necessários à matricula nos cursos superiores do
grande Seminário e das faculdades civis.162
Na verdade, a inquietação do prelado alagoano acerca da formação do clero diocesano
não foi um caso isolado. Durante o início da república, mais precisamente após ser confirmada
a separação entre os dois poderes, a hierarquia católica se contrapôs às medidas adotadas pelo
novo regime político brasileiro. E se servia da publicação de cartas pastorais163 como formar de
criticar a legislação republicana. No entanto, o discurso elaborado pelos bispos tende a associar
a ascensão da república brasileira, a difusão de correntes variadas de pensamento político
160
AZZI, Riolando. A presença da Igreja na sociedade brasileira e a formação das dioceses no período republicano.
In: SOUZA, Rogério Luiz de; OTTO, Clarícia (orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis: Insular 2008, p.82.
161
Os seminários diocesanos podem ser classificados em três tipos: os seminários menores, destinados a alunos
mais novos, entre 11 e 17 anos; os seminários propedêuticos, ou pré-seminários, que recebem que recebem por um
período 1 a 2 anos até candidatos aos Seminários Maiores. Estes, por sua vez, oferecem a formação superior em
teologia e filosofia. Observando a documentação relativa à Dom Antônio Brandão se percebe a utilização dos
termos “pequeno seminário” e “grande seminário”, como a referência da criação de um seminário menor e do
Seminário Maior para diocese.
162
Carta Pastoral de D. Antônio M. Castilho Brandão, Bispo de Alagoas, saudando aos seus diocesanos no
dia da sua posse. Pará, 1901, p. 5,6.
163
Para se entender melhor a dinâmica e a utilização das cartas pastorais cf.: ARAÚJO, José Carlos Souza. Igreja
Católica no Brasil: um estudo de mentalidade ideológica. São Paulo: Paulinas, 1986; GOMES, César Leandro
Santos. Fé e sociedade: o discurso do episcopado brasileiro e alagoano nas cartas pastorais do Arquivo da Cúria
Metropolitana de Maceió. In: Revista Quæstionis Documenta – Revista do Arquivo da Cúria Metropolitana de
Maceió, Ano I, Nº 1, 2016, pp. 114-133.
60
(liberalismo e socialismo) e filosófico (positivismo, o naturalismo e o materialismo) na
sociedade e a questão do ensino laico à falta de sacerdotes.164
A vastidão territorial composta pelas dioceses, por sua vez, impossibilitava aos bispos
averiguar a transmissão dos ensinamentos católicos à população.165 O que poderia acarretar o
risco de flexibilização da forma de aplicação da doutrina religiosa católica, permitindo a
ressignificação de manifestações de fé e possibilitando a preservação de expressões do sagrado
relacionadas às formas de religiosidade populares, consideradas heterodoxas.166 Aumentar
gradativamente o número de sacerdotes tornou-se uma das pautas essenciais da nova política
eclesiástica desenvolvida pelo episcopado brasileiro.
Fundado em 15 de fevereiro de 1902, o seminário maior Nossa Senhora da Assunção é
apontado como a principal obra do bispado de Dom Antônio Brandão. O seminário, depois de
inaugurado funcionou no antigo edifício do convento franciscano na Cidade das Alagoas (atual
Marechal Deodoro)167 para a realização de suas aulas, entre os anos de 1902 e 1904. Os padres
Jonas Taurino e Alfredo Manuel da Silva exerceram os cargos de primeiro reitor e vice-reitor,
respectivamente.168 Em seguida, o seminário diocesano acabou por ser transferido para a capital
Maceió, próximo ao bairro do Alto da Jacutinga169, onde se encontra até os dias atuais.170
Segundo Raylane Barreto, o modelo educacional adotado nos seminários diocesanos
católicos era de matriz única; os estabelecimentos possuíam a função de formar o clero
diocesano conforme as predisposições exigidas na época pela Santa Sé.171 Isso com a finalidade
de que esses sacerdotes pudessem estar preparados para se inserir nas diversas realidades
tornando-se, assim, defensores dos preceitos católicos.
(...) Assim como nos colégios, a Igreja católica investiu na formação de seus
quadros quando, atendendo aos enunciados do Concílio de Trento, financiou
a criação de seminários. Através deles, os bispos eleitos para as novas
Dioceses continuaram o trabalho dos “reformadores” e deram início à mais
alta missão da romanização: a apropriada formação sacerdotal. Constituídas
164
OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo
romanizado no Brasil. Vozes, Petrópolis 1985, p. 277; SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um
catolicismo romano (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2016, p. 79.
165
HAUCK, João Fagundes, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo: segunda
época, Século XIX. 4ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 13.
166
MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e a política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989,
p. 17.
167
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 11 de janeiro de 1902.
168
NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença da igreja católica em Alagoas: o primeiro bispo e a nova
diocese. Maceió, AL: EDUFAL, 2013, p. 64.
169
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 6 de dezembro de 1902.
170
NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença da igreja católica em Alagoas: o primeiro bispo e a nova
diocese. Maceió, AL: EDUFAL, 2013, p. 65.
171
BARRETO, Raylane Andreza Dias Navarro. A formação de padres no nordeste do Brasil (1894-1933). Tese
(Doutorado em Educação) - Natal: UFRGN, 2009, p. 35.
61
de prédio, mobiliário, corpo dirigente, um rol de padres professores e um
estatuto, as casas de formação sacerdotal, criadas e implantadas póslaicização, ou seja, depois da proclamação do Brasil República, foram, ao
menos nas três primeiras décadas, grandes polos de estudos educacionais não
só para os futuros sacerdotes, mas para muitos dos leigos que de lá saíram e
tornaram-se grandes nomes da história política e intelectual do país. Assim
sendo, tais iniciativas significaram mais do que um crescimento quantitativo
e qualitativo, nos espaços destinados ao recrutamento e formação de
sacerdotes, significou[sic] investimentos nos setores estratégicos da Igreja
Católica.172
Nos periódicos da época encontram-se relatos das atividades do seminário diocesano
de Alagoas. Por meio deles sabe-se que no ano de 1907, o estabelecimento de ensino contava
com cerca de 50 alunos, a maioria discentes do curso superior em Filosofia, e alunos que
estavam prestes a ingressar na carreira eclesiástica.173 Os jornais também trazem informações
a respeito da composição do estatuto do seminário; é mencionado que o estabelecimento seguirá
“mais ou menos o estatuto do Seminário de Olinda”174, o que concorda com a fala anterior de
Raylane Barreto, que aponta para “homogeneidade” dos modelos educacionais dos seminários
católicos.
Ressalte-se que a difusão de um pensamento segundo os moldes das profissões
liberais, como os bacharéis, faz com que muitos passem a ver o caminho do sacerdócio como
mais uma opção de ofício ligado à busca de status e prestígio.175 Para as famílias das diferentes
categorias sociais ter um filho sacerdote seria motivo de orgulho.176 Constitui-se, dessa maneira,
o “ser padre” como opção associada à ascensão social. Como um dos principais fatores de
atração estaria o rigor intelectual e a qualidade educacional dos estabelecimentos dos centros
de formação sacerdotal.177
Na edição de 20 de junho de 1905 do Gutenberg, de Maceió, encontra-se uma
entrevista com o bispo de Alagoas. Nela o prelado explica quais seriam as suas motivações ao
querer criar um seminário menor ligado à Diocese. Segundo sua fala, a função do
estabelecimento seria a de facilitar o ingresso de indivíduos “pobres” na vida sacerdotal, como
pode ser observado a seguir:
172
BARRETO, Raylane Andreza Dias Navarro. A formação de padres no nordeste do Brasil (1894-1933). Tese
(Doutorado em Educação) - Natal: UFRGN, 2009, p. 35.
173
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 11 de maio de 1907.
174
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 11 de janeiro de 1902.
175
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 130.
176
SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo: Cia das Letras,
2008, p. 60-61; MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, pp.
104-105.
177
AZZI, Riolando. A presença da Igreja na sociedade brasileira e a formação das dioceses no período republicano.
In: SOUZA, Rogério Luiz de; OTTO, Clarícia (orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis: Insular 2008, p.79.
62
A notícia que a imprensa desta capital de acerca do colégio que agora trato
não destina à mocidade pobre em geral nem é inteiramente gratuita sua
frequência.
Impressionado pela falta de sacerdotes, cuido fundar um pequeno seminário
no interior da diocese, mas em lugar fácil comunicação e à margem da via férrea, onde os viveres tenham preço módico e haja outras facilidades para que
a pensão seja baixa e possa também aproveitar a alunos gratuitos, facilitandose assim a carreira eclesiástica e pobre, cujas famílias que não podem mandar
seus filhos ao seminário dessa capital.
Penso deste modo despertar as esperanças destas famílias que desejam ter um
filho ou parente feito sacerdote.
Já tinha contratado o lugar apropriado na União; mas contrariaram-me
sentimentos avaros que desviaram dali a fundação projetada, por isto busco
noutra parte de um lugar onde possa realizar o projeto, que ora me preocupa
vivamente.
Entretanto alimento, para mais tarde, a esperança da fundação de uma para a
mocidade abandonada, onde se lhe dê educação e trabalho.
A Divina Providência abençoa, por certo, esta obra, pois as crianças muito
mereceram de N.S. Jesus Cristo em sua vida mortal.178
Mais adiantes. irá discutir sobre o papel da educação católica como um dos
mecanismos do projeto de restruturação. Cabe salientar, nesse momento, que o colégio
diocesano sob a direção dos Irmãos Maristas, fundado em 1905, passou a exercer, por algum
tempo, a função de seminário menor. O estabelecimento tinha o formato de um internato,
destinado à juventude masculina da faixa etária 10 a 17 anos, incluindo, portanto, o curso
secundarista. Assim poderia desempenhar o papel de selecionar os futuros membros do corpo
de funcionários da instituição católica.
O caminho do seminarista para se tornar um sacerdote não era fácil. A burocracia179
relacionada à profissão eclesiástica era algo ainda mais rigoroso do que nos dias de hoje.
Existem níveis para se chegar ao patamar de “padre”. A “ordem” é um sacramento católico,
um conjunto de ritos ou sinais constitutivos de sua doutrina e confissão de fé. O sacramento da
Ordem habilita a pessoa que o recebeu a ministrar os demais sacramentos aos fiéis. Havia
ordens menores e maiores e, segundo o modelo eclesiástico da época180, que esteve em vigor
178
GUTENBERG, Maceió, 20 de junho de 1905.
O significado original do termo "burocracia" está interligado as concepções weberianas relacionadas
funcionamento dos âmbitos administrativos, jurídico e público. No entanto, no texto em questão o sentido da
palavra pode ser ampliado para entende-se a formação sacerdotal católica. Para Max Weber, uma das premissas
da burocracia é a formação de corpo funcionários especializados e treinados. Logo, a "burocracia eclesiástica",
tem a ver com a composição do quadro de "servidores", ou seja, sacerdotes, selecionados, de diversas instâncias
sociais, treinados e nomeados, com o objetivo de melhor desempenhar suas funções na instituição religiosas. cf.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5ª ed. - Rio de Janeiro: LTC, 1999, p. 231.
180
CATECISMO DE SÃO PIO X, Roma, 1905, art. 6.
179
63
até o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), essas últimas são subdivididas em quatro
níveis.
A primeira é o subdiaconato, que habilita auxiliares dos presbitérios e dos bispos.
Nessa fase, os candidatos ainda não podem executar os trabalhos religiosos, e ocuparam os
serviços ligados à assistência ao clero e ao laicato. O segundo grau é o diaconato, que assim
como no nível anterior, não habilita o candidato para o exercício dos deveres sacerdotais, mas
serve como um grau intermediário. O terceiro grau das ordens maiores é o presbiterado. Os
presbíteros, popularmente conhecidos como padres, já possuem a habilitação para presidir os
trabalhos religiosos, além de servir como auxiliares dos bispos. Por fim, o último grau do
sacramento da Ordem é o episcopado, pelo qual um clérigo ascende ao cargo de bispo. Nesse
momento interessa apenas explorar a nomeação e ordenação dos candidatos ao grau de
presbíteros.
A principal documentação para essa questão são os “processos de habilitação
sacerdotal” ou processos de ordenação.181 No acervo do Arquivo da Cúria Metropolitana de
Maceió (ACMM) encontram-se 177 processos dessa categoria, divididos em quatro caixas.182
A maioria dos processos corresponde ao século XX, para a conjuntura estudada temos
existência de quinze processos de ordenação.183 O uso desse material como fonte histórica
possibilita, entre outras coisas, a compreensão das origens socioeconômicas dos candidatos ao
sacerdócio católicos.
Os processos de ordenação se dividem em três fases: Primeiro, há o processo de
habilitação genere et moribus184, uma investigação minuciosa das origens sociais do candidato
181
Atualmente, o uso da documentação dos processos de habilitação sacerdotal é considerado como ferramenta de
análise da histórica para a compreensão das relações de sociabilidade das dinâmicas e dos contingentes sociais do
clero católico. Por exemplo, a obra pioneira de Sergio Miceli A Elite Eclesiástica Brasileira (1890-1930),
publicada originalmente no final da década de 1980, traz uma análise elucidativa sobre as origens sociais do
episcopado brasileiro e as estratégias adotadas pela hierárquica católica durante os quarenta anos da Primeira
República. Pode-se ainda mencionar a tese de Wheriston Silva Neris, intitulada As bases sociais de recrutamento
da elite eclesiástica no bispado do Maranhão (1850-1900). Para o cenário alagoano pode ser menciona a
monografia, defendida como trabalho de conclusão do curso de História (Bacharelado), de Adryene Araújo de
Carvalho, com o título Formação sacerdotal e documentação eclesiástica: os Processos de Ordenação no Arquivo
da Cúria Metropolitana de Maceió (1930-1939), nela a autora busca compreender a realidade eclesiástica do
estado dentro das propostas apresentadas anteriormente e apontam as possibilidades teórico- metodológicas em
História para um estudo regional acerca das bases socioeconômicas do clero.
182
Respectivamente as Caixas 5 (1815-1912); Caixa 6 (1913-1940); Caixa 7 (1942- 1953) e a Caixa 8 (19542006). No entanto, não se pode afirmar que a quantidade de processos vocacionais encontrada no acervo do
Arquivo da Cúria de Maceió corresponde à totalidade de seminaristas matriculados. Cf. SANTOS, Irinéia Maria
Franco dos (Org). Guia geral do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió. Maceió: Online, 2017, pp. 2126.
183
Correspondentes aos anos de 1901 a 1909. Cf. SANTOS, Irinéia Maria Franco dos (Org). Guia Geral do
Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió. Maceió: Online, 2017, p. 21.
184
Segundo Aldair Carlos Rodrigues as habilitações de genere – abreviação da expressão latina “de genere, vita
et moribus” (de geração, vida e costumes) – eram formadas pelo conjunto de pré-requisitos ao qual os indivíduos
64
ao sacerdócio realizada pelas autoridades eclesiásticas. Esse tipo de verificação, segundo Sergio
Miceli, remonta aos antigos “estatutos de pureza de sangue” impostos pelo Tribunal do Santo
Oficio185, com a finalidade de observar os antecedentes morais do futuro clérigo e da família
dele.186 Concretamente se buscava junto ao pároco da localidade de origem do seminarista, se
o candidato seria filho legítimo. A segunda modalidade de habilitação denominada de vitae et
moribus, consistia em verificar a vida pregressa do candidato, por exemplo, se havia adquirido
contratos matrimoniais ou alguma forma de irregularidade que impedisse a sua nomeação ao
sacerdócio. Por fim, temos o “processo patrimonial”, que definiria a espécie e o montante de
capital que o seminarista e sua família estariam dispostos em ofertar à Igreja.187
Exemplificações dos trâmites burocráticos indicados encontram-se na documentação
acerca das habilitações sacerdotais. Primeiramente, se tem a abertura do processo com os “atos
de habilitação para ordenação in sacris” pelo bispo diocesano à Câmara Eclesiástica em favor
do candidato (solicitante do processo de habilitação sacerdotal). Em seguida, solicita-se ao
pároco da cidade natal do candidato a elaboração de breve relatório sobre os antecedentes do
candidato. Se for filho legítimo, quem eram seus pais, seus avôs. Se o candidato recebeu os
sacramentos do batismo, eucaristia e crisma, onde e quando. Após o levantamento dessas
informações, passa-se à averiguação da conduta moral do seminarista, como pode ser observado
na passagem a seguir no processo aberto por Júlio de Assis Braga:
Maceió, 30 de março de 1902.
Nós. D. Antônio Manoel de Castilho Brandão, por mercê de Deus e Santa Sé
Apostólica, bispo de Alagoas.
Ao Reverendo pároco de Pilar
Fazemos saber que Júlio de Assis Braga, clérigo tonsurado, natural dessa
paróquia e aluno do nosso Seminário pretende ordenar-se in sacris até o
presbiterado, e para que possamos obrar com acerto, necessitamos saber se o
referido clérigo tem ou não incorrido em excomunhão, suspensão, interdito
irregularidade canônica, se é jogador ou rixoso; se é inclinado a bailes e outros
divertimentos profanos; se é incontinente; se tem vicio ou defeito físico ou
moral, que possa causar escândalo ou impedi-lo na celebração da Missa; se é
interessados na ordenação sacerdotal deveriam se submeter, mostrando que possuíam as exigências necessárias
pela legislação eclesiástica para a concessão do estado eclesiástico. Cf. RODRIGUES, Aldair Carlos. Os processos
de habilitação: fontes para a história social do século XVIII luso-brasileiro. In: Revista Fontes, nº 1, São Paulo,
2014, p. 32.
185
O "Estatuto da Pureza de Sangue" foi instaurado em 1449 e sofreu a diversas mudanças e adaptações em sua
forma de aplicação aos longos dos anos. No Brasil, durante os séculos XVII e XVIII, fazia-se o levantamento
genealógico do candidato para averiguar, se neles encontrariam traços semitas, escravos ou indígenas. Em outras
palavras, fazia-se um exame a fim de constatar se o candidato a sacerdote em seus ciclos familiares possuiria bons
antecedentes cristãos. Cf. RODRIGUES, Aldair Carlos. Os processos de habilitação: Fontes para a história social
do século XVIII luso-brasileiro. In: Revistas Fontes, nº, 2014-2, p.34; MENDONÇA, Pollyanna Gouveia.
Parochos imperfeitos: Justiça eclesiástica e desvios do clero no Maranhão colonial. Tese (Doutorado em História)
Niterói: UFF, 2011, p. 292.
186
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 30.
187
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 37.
65
de má vida, fama e costumes; se esquiva-se a frequentar os santos
sacramentos, assistir ao divino ofício e funções religiosas e ao cumprimento
exato das obrigações do seu estado. E, para este efeito mandamos expedir este
edito e comissão que aceitará e executará V. Rev.mo em virtude da santa
obediência. Logo será e publicará V. Rev.mo em três dias de preceito, ao
tempo ofertório da missa paroquial para que as pessoas que souberem de
algum impedimento pelo o qual sobredito pretendente não possa nem deva ser
ordenado, o denunciem a V. Rvª e o declarem com o juramento dentro de vinte
e quatro horas depois da última publicação, sob as penas do direito, advertindo
aos fiéis que se guardará rigoroso segredo acerca do que denunciarem, afins
de que possam fazê-lo com mais liberdade. Em seguida certificará a
publicação deste Edito e juntará sua informação jurada in verbo Sacerdotis do
que souber extra judicialiter acerca desta comissão.
Deverá guardar segredo na parte que lhe toca, pelo que oneramos sua
consciência.188
Tais exigências aparecem em outros processos de habilitações, o que indicaria uma
normatização durante as solicitações dos referidos requerimentos. Um ponto relevante a ser
mencionado diz respeito à origem dos seminaristas. Nos quinze processos encontrados entre os
anos de 1902 e 1909, percebe-se que uma parte dos seminaristas vinha de famílias alagoanas
“ilustres”, ou seja, eram filhos de militares, de membros do judiciário (juízes e promotores), de
políticos influentes, de intelectuais (redatores e editores de jornais), comerciantes e, outros, de
famílias humildes de diferentes regiões do estado.189 Isto se constata também ao se cruzarem os
dados encontrados nos processos, como os nomes dos pais, com as informações dos jornais do
final do século XIX e início do XX.
A criação da diocese, a fundação do seminário e os mecanismos de seleção e triagem
dos jovens candidatos ao sacerdócio representam a porta de entrada para a estruturação das
bases institucionais do bispado. Contudo, agora que elas foram lançadas, seria preciso elaborar
meios que conduzissem a uma atuação mais ativa da Igreja Católica frente à sociedade, com o
propósito de demarcar seu espaço hegemônico no cotidiano social, de acordo com o que Edgar
Gomes denomina como “tentáculos invisíveis de articulação da Igreja Católica”190, a saber: a
188
Processo de habilitação sacerdotal de Júlio de Assis Braga, 1902. Pasta Processos de Ordenação (18151912), Caixa 6, fl. 10.
189
Serve de exemplo o processo de habilitação de Aquiles Mello Filho, natural da freguesia (cidade) de Pão de
Açúcar, filho de Aquiles Mello (ou, como consta em alguns periódicos da época, Achilles Mello). Ao se
verificarem os jornais encontra-se menção a um Aquiles/Achilles Mello, o pai, a um indivíduo atuando em três
ofícios diferentes: (1) como major do exército; (2) como deputado estadual pela cidade de Penedo; (3) dono de
uma tipografia da cidade de Penedo; inclusive jornais com teor “conservador” foram publicados por sua empresa,
entre eles o católico A Fé Christã. Cf. Processo de habilitação sacerdotal de Aquiles Mello Filho, 1906. Pasta
Processos de Ordenação (1815-1912), Caixa 6.
190
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: A estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, p. 242.
66
fundação de colégios confessionais, o incremento de associações leigas, a instituição de uma
imprensa católica e a prática das visitações pastorais.
3.3. Em defesa da fé católica: a romanização e as práticas pastorais do primeiro bispado
de Alagoas
As produções locais referem-se ao bispo diocesano de Alagoas como um líder religioso
“desbravador”, “empreendedor”, um consolidador da religião católica durante o começo do
século XX. Contudo, ao relacionarem esses atos de dedicação com o momento histórico
vivenciado pela Igreja Católica no Brasil notam-se similaridades entre as suas práticas e o
mencionado projeto da romanização. No território alagoano a base para a reordenação
institucional da Igreja Católica foi lançada, como vimos, com a criação da diocese e dos
estabelecimentos de formação eclesiástica, o seminário menor e no seminário maior. Contudo,
era preciso traçar estratégias pastorais perspicazes com intuito de tornar legítima a conquista
religiosa adquirida pela Instituição eclesiástica.
Nesse quesito, se identifica a utilização de quatro instrumentos para a consolidação do
bispado alagoano, que se interligam com as estratégicas religiosas adotadas pelo episcopado
em outras regiões do país, a saber: (a) a fundação de colégios confessionais católicos sob a
direção de ordens religiosas, com a intenção de fortalecer os laços entre o clero e as elites
socioeconômicas; (b) a presença de ordens religiosas que ao mesmo tempo teve o intuito de
inserir novas formas de devoções religiosas como contrapartida ao catolicismo popular e buscou
exercer um controle do laicato; principalmente das associações religiosas e irmandades e o
ordenamentos das missões populares; (c) as visitas pastorais, para monitorar os trabalhos
religiosos do clero diocesano, reforçar a imagem do bispo frente aos seus fiéis; e, por fim, (d)
o uso da imprensa como campo de apologia e defesa da fé – combate às apostasias e aos “erros
modernos.”
3.3.1. Os colégios confessionais dos irmãos maristas e das irmãs sacramentinas
Durante os anos do bispado de D. Antônio Brandão dois colégios confessionais católicos
foram fundados. O Colégio Marista de 1905 e, como o próprio nome aponta, encontrava-se sob
a direção dos irmãos da Ordem Marista, e, aparece nas fontes com a nomenclatura “colégio
diocesano”; era um estabelecimento de ensino destinado a juventude masculina. No ano anterior
67
já havia ocorrido fundação do Colégio Santíssimo Sacramento, dirigido pelas irmãs religiosas
do Santíssimo Sacramento, direcionado à educação da mocidade feminina.
A pesquisa em questão não tem como intenção fazer um debate amplo sobre as relações
do catolicismo com os mecanismos sociais de instrução, ou seja, as escolas. No entanto,
salienta-se a utilização de colégios confessionais, sejam eles paroquiais ou diocesanos, como
parte das estratégias políticas eclesiásticas da romanização, na medida em que se nota que parte
dos intelectuais católicos veio dos estabelecimentos de ensino com esse feitio. Outro ponto a se
destacar, é a presença de ordens religiosas de origem estrangeira. Tal representaria um reforço
aos trabalhos religiosos exercidos pelo episcopado em suas respectivas regiões no campo da
educação. Conforme afirmou Norberto Dallabrida:
Para fazer frente à laicidade do sistema público de ensino o episcopado
brasileiro investiu as suas melhores energias institucionais no estabelecimento
de uma rede de escolas católicas no território nacional. O fato decisivo do
êxito da Igreja Católica no campo educacional foi a atuação das Ordens e
Congregações Religiosas católicas, masculinas e femininas, de origem
europeia, como os lazaristas, jesuítas, salesianos, maristas, franciscanos,
lassalistas, Irmãs de São José de Chamberry, Apóstolos do Sagrado Coração
de Jesus, Irmãs da Divina Providência. Esses grupos religiosos começaram a
migrar para o Brasil ao longo do século XIX, especialmente no Segundo
Reinado, e introduziram práticas católicas romanizadas, muito diferentes da
religiosidade do catolicismo "tradicional" luso-brasileiro, que envolvia tanto
o clero como o povo. A entrada de ordens e congregações católicas
intensificou-se após a promulgação da Constituição de 1891, que contornou o
anticlericalismo radical dos primeiros meses do regime republicano,
permitindo maior liberdade à Igreja Católica. Em boa medida, essas
congregações católicas tiveram problemas com alguns governos europeus e se
deslocaram para outros países como a Espanha e Brasil. [...] Esses grupos de
religiosos contribuíram no trabalho litúrgico e catequético nas paróquias e
criaram várias redes de instituições assistenciais e educativas, como orfanatos,
creches, casas de saúde, hospitais, asilos de idosos e especialmente escolas e
colégios. É importante sublinhar que no processo de romanização do
catolicismo do Brasil, foram poucas as congregações masculinas e femininas,
que não se envolveram em instituições escolares.191
As interfaces entre a educação e o catolicismo estão historicamente dadas.192 Desde o
período colonial a Igreja Católica exerceu predominância no campo do ensino. As ordens
religiosas vindas da Europa, como os salesianos, jesuítas, foram os principais responsáveis pelo
surgimento dos colégios confessionais, e com eles a reputação que os associa a ensino de
191
DALLABRIDA, Norberto. Das escolas paroquiais às PUCS: república, recatolicização e escolarização. In:
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara(Orgs.). História e memórias da educação no Brasil,
vol. III: Século XX. Petrópolis: Vozes, 2005, pp. 78-79.
192
ALVES, Manoel. A escola católica, uma História de serviço ao povo e a nação brasileira. In: Revista Diálogo
Educacional, Curitiba, v. 3, n.7, p. 37-62, set. /dez. 2002, p. 2.
68
qualidade, segundo os moldes dos internatos europeus, conforme as exigências das elites
socioeconômicas.193
Para o projeto que visava a reordenação do catolicismo, os colégios católicos
constituem-se como espaços propícios para a inserção dos preceitos religiosos do
catolicismo.194 Outro ponto é o incentivo às práticas de difusão das doutrinas religiosas por
meio dos “ritos de passagem” do catolicismo, ou seja, as celebrações sacramentais.195 Os alunos
matriculados nos colégios confessionais católicos, além de assistirem disciplinas como
aritmética, letras, ciências naturais e história, também teriam aulas de ensino religioso, onde os
professores, em sua maioria padres seculares ou leigos, ministravam os conteúdos voltados à
catequese e difusão dos dogmas. Verifica-se esse elemento ao se observar nos periódicos
alagoanos uma narrativa da celebração da primeira comunhão (eucaristia) dos alunos
frequentadores do colégio diocesano de Maceió realizada no mês de outubro de 1905:
A SOLENIDADE DA 1ª COMUNHÃO NO COLÉGIO DIOCESANO.
Muito significativa foi a cerimônia religiosa que teve lugar no dia 15 do
corrente ano na capela do Colégio Diocesano, sob a direção dos Rev.mos,
Irmãos Maristas.
Depois de um retiro espiritual de 3 dias em que pregou o Rev.mo sr. Padre
Júlio Braga, mente da teologia dogmática no seminário episcopal, foram
admitidos a fazer a primeira comunhão 28 alunos dos diversos cursos desse
acreditado educandário, renovando tão piedoso ato ainda 4 outros alunos dos
que já tinham se aproximado da sagrada mesa eucarística.
O zelo dos devotados irmãos entregou os mais decididos e francos apoios no
seio das fami[li]as(?) que tem seus filhos entregues aos cuidados desses
educadores eméritos, que pela persuasão sabem emitir no ânimo dos alunos os
sentimentos da sã moral cristã e o amor as letras e ao cultivo intelectual.
Causaram a mais agradável impressão a ordem e a regularidade observada em
todos os atos, compenetrados os jovens da grandeza do sacramento em que
pela primeira vez tomavam parte, recebendo em seus cândidos corações a
Jesus, o terno amigo das crianças.
193
AZZI, Riolando. O Estado leigo e o projeto ultramontano. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 66; MATOS,
Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 de presença da Igreja Católica no Brasil. Tomo: 3 - Período
republicano e atualidade. 2ª ed. - São Paulo: Paulinas, 2011, p.37; SERPA, Élio Cantalício. Igreja e poder na
Primeira República. In: SOUZA, Rogério Luiz de; OTTO, Clarícia (orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis:
Insular, 2008, p. 89.
194
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012, p. 92; AZZI, Riolando. O Estado leigo e o projeto ultramontano. São Paulo: Paulinas, 1994, p.14;
VIEIRA, Dilermando Ramos. História do catolicismo no Brasil (1889-1945): Vol.2. Aparecida: Santuário, 2016,
p. 130.
195
Segundo Rita de Cássia Magueta, anteriormente praticada como uma celebração religiosa realizada de forma
reservada nas capelas e paróquias, com o decorrer do tempo a primeira comunhão passou a ser entendida como
um rito de passagem, um momento de transição entre a infância e a adolescência. Para a autora, nesse momento o
ritual possuiria a capacidade de tornar público algo que é privado, ao mesmo tempo em que serve para estabelecer
e reforçar laços sociais. Cf. MAGUETA, Rita de Cássia de Matos. Salve o dia entre todos o mais belo! Educação
religiosa e fotografia de primeira comunhão na década de 1940 (Porto Alegre/RS). Dissertação (Mestrado em
Educação) Porto Alegre: UFRGS, 2015, p. 76.
69
Cada aluno tinha no braço esquerdo um laço de vida branca, como emblema
de 1ª comunhão, trazendo na mão direita uma vela, símbolo da fé, que
abrasava seus ternos corações.
Às 7 horas da manhã achavam-se todos reunidos no vasto salão do colégio.
As salas enchiam-se de famílias, das mais gradas da cidade, a contando-se
muitos cavalheiros dos mais salientes na ordem social, desde o exmº
Governador e sua exmª esposa, magistrados, jornalistas, funcionários de todas
as classes, comerciantes, industriais, até os mais modestos representantes das
classes ativas.
Houve a mais escrupulosa regularidade na colocação dos assistentes, não
obstante ser a solenidade celebrada em edifício não apropriada a concorrência
tão numerosa.
Ás 7h:40min chegou s. exe. Rev.mo. sr. Bispo Diocesano, que se dignou vir
celebrar o santo sacrifício da missa e distribuir a Sagrada Comunhão aos
nossos jovens coestaduanos. Recebido na portaria pela comunidade, tendo a
frente o ilustrado e zeloso Irmão Luiz Chanel, acompanhado dos alunos que
iam fazer a 1ª comunhão, dirigiu-se sua excelência a elegante capela
provisória, em que foi assistido por 4 clérigos.
Ao precipitar a missa entoaram os alunos os mais ternos e piedosos hinos,
acompanhados a harmonium[sic] pelo provecto Irmão José, que nos conta ser
igualmente pintor exímio.
Chegando o momento solene em que Jesus Cristo Sacramentado devia ser
recebido pelos jovens comungantes, S. Exe.ª pronunciou uma tocante oração,
mostrando a grandeza do ato que se ia realizar.
Um dos alunos, o jovem Virgílio Mauricio da Rocha pronunciou em voz clara
e segura diversos atos que deviam preceder a sagrada Comunhão, em que
tomaram parte 32 alunos do colégio, os religiosos que não tinham ainda
comungado nesse dia, algumas religiosas do S.S. Sacramento do Coração de
Maria e outras pessoas, que quiseram acompanhar os nossos jovens patrícios
nesse ato o mais solene de sua vida, tão solene que fez Napoleão, o Grande,
ainda no fastígio do poder, declarar ter sido o dia da sua 1ª comunhão e mais
feliz de sua vida.
Terminada a missa, o jovem Virgílio recitou, anda em voz alta, as orações
depois da comunhão, sendo acompanhado pelos demais.
S. Exeª Rev.mo, se dignou ainda de preferir entrar alocução análoga ao ato,
dando assim desafogo nos seus sentimentos de pastor devotado.
A harmonia dos cânticos sacros entoados pelos jovens alunos, a modesta
ornamentação da sala que precede a capela, aonde via a monograma do exmº
Sr. Bispo; o puro e bom gosto que presidiram[sic] a ornamentação da capela,
tudo causou em nós assistentes a mais salutar impressão, especialmente pela
alegria e candura que transpareciam dos rostos dos jovens alunos, ou tenham
feito a 1ª comunhão, ou aguardem sua oportunidade pelo desenvolvimento
físico e intelectual.
Na Capela havia diversos escudos, sobressaindo 1 que representava o Sagrado
Coração e Jesus e outro uma alegria à Sagrada Eucaristia, obra do irmão José,
como nos informaram.196
196
O GUTENBERG, Maceió. 17 de outubro de 1905.
70
Encerrada a primeira parte da celebração religiosa, o jornalista responsável pelo artigo
continua a narrar os acontecimentos pós-cerimônia de 1ª comunhão dos estudantes do Colégio
Diocesano:
A uma hora da tarde os alunos tinham feito sua 1ª comunhão se dirigiram
incorporados ao palácio episcopal e por intermédio do Rev.mo Superior,
foram agradecer a mercê recebida por S. exeª, que ofereceu a cada [aluno] uma
estampa representando a 1ª comunhão.
A tarde S. Exeª Rev.mo se dirigiu à Catedral e junto no altar-mor recebeu a
renovação das promessas de batismo, reinando a maior regularidade nas
cerimônias que deviam ser praticadas pelos jovens alunos, que foram ainda
representados pelo seu companheiro Virgilio Mauricio na leitura do ato de
renovação.
Depois da administração da Crisma retirou-se S. Exeª Rev.mo. que foi
acompanhado até a porta da Catedral pelo rev.mo Cura da Sé, o virtuoso
Cônego O. Costa e sacerdotes presentes.
Por ocasião dos exercícios do mês do Rosário, antes que fossem dadas a
benção do S.S. Sacramento, o jovem Virgilio Mauricio pronunciou a
consagração sua e de seus companheiros à Virgem S.S. sob a invocação de
N.S. das Vitórias.
Depois desse ato o Rev.mo Sr. Cônego Octavio pronunciou emocionante
discurso análogo a grandeza da solenidade.197
Por fim, o artigo nos apresenta uma reprodução de uma forma de pensamento que parece
aproximar o discurso da elite eclesiástica ao “conservadorismo burguês” pelo qual busca
destacar o papel da instituição católica no campo da educação e os seus benefícios para a
comunidade.
A comunidade depois da benção entoou os mais belos hinos sacros, sendo
motivo de satisfação e alegria e regularidade com que tantos jovens entoavam
hinos de honra e glória à Virgem S. Santíssima e a Jesus, o mais terno e o mais
solicito amigo das crianças, a quem se vem igualar pela inocência os que
aspiram à glória celestial.
A solenidade da 1ª comunhão dos alunos do Colégio Diocesano abre no seio
da mocidade alagoana uma nova era de progresso e regeneração social.
A família alagoana soube corresponder ao pensamento moralizador e
patriótico dos dignos e zelosos educadores, que tanta afeição tem sabido
granjear no seio da mocidade pela sua solicitude, habilitações profissionais e
autoridade moral.
O resultado literário obtido durante o curto espaço dos alguns meses bem
demonstra o acerto com procedem o Exmºsr. Bispo, confiando o Colégio
Diocesano aos Rev.mo. Maristas, representado por essa plêiade de devotados
apóstolos da mais santa cruzada, a educação da mocidade, tento por base o
desenvolvimento físico, moral e intelectual ou literário, fazendo do ensino
uma realidade.
Inspirados nos verdadeiros sentimentos de patriotismo, não podemos deixar
de levantar um brado de animação a esses arautos do bem e de sua grandeza
da pátria que adotaram a que é a nossa.198
197
198
O GUTENBERG, Maceió. 17 de outubro de 1905.
O GUTENBERG. Maceió. 17 de outubro de 1905.
71
Riolando Azzi afirma que para o projeto eclesiástico em vigor neste período o emprego
do ensino religioso tornou-se um dos elementos essenciais, assumido com zelo por parte das
ordens religiosas.199 Demonstrações de fé como a primeira comunhão eram marcadas por
cerimônias solenes, para as quais eram convidadas as famílias dos discentes e membros ilustres
na sociedade. Nesse caso, a cerimônia de primeira eucaristia descrita acima se refere a esses
momentos de reforço da sociabilidade entre a instituição eclesiástica e as “pessoas de prestígio”
do estado alagoano.
Percebe-se em vários momentos que a formação educacional da juventude constituiu
uma das preocupações do episcopado brasileiro. A Carta Pastoral de Reclamação, escrita em
1890 e encaminhada ao presidente provisório do Brasil, o marechal Deodoro da Fonseca,
possuía vários parágrafos sobre a questão do estabelecimento do “ensino laico” que, conforme
as palavras dos membros da hierarquia eclesiástica, contribuiriam para a difusão do ateísmo,
que em consequencia, “levaria à revolução”. Os bispos criticam a retirada do ensino religiosos
da matriz curricular escolares; segundo consta no documento era vedado aos professores em
declarar a sua fé no âmbito escolar.200
Posteriormente,
as
Atas
do
Concílio
Plenário
Latino-Americano
trazem
encaminhamentos do Papa Leão XIII ao episcopado acerca do campo educacional. E, quais
seria o objetivo da “educação católica”? O de instruir a juventude dentro dos preceitos
dogmáticos e religiosos instituídos pela Igreja Católica. O documento fruto dos debates
conciliares, é bem categórico e traça nitidamente as estratégias que deveriam ser adotadas nos
diversos níveis da educação: primeiras letras, ensino secundário e ensino superior. Além de
expor o posicionamento dos bispos conciliares sobre o direito e o dever que a instituição
eclesiástica teria em educar a juventude:
Daqui se deduz claramente, que a Igreja, não só tem por natureza o direito,
independentemente de toda autoridade humana, de erigir e regular as escolas
para a formação e educação cristã da juventude católica, mas também reforçar
o direito de exigir que em todas as escolas, públicas e privadas, a educação e
a educação da juventude católica estejam sujeitas à sua jurisdição, e que
nenhum ensinamento é ensinado sobre qualquer coisa que seja contrária à
religião católica e à moral saudável. Portanto, os bispos e outros Ordinários,
em todos os tipos de escolas, devem ter absoluta liberdade para dirigir o ensino
católico de fé e moral, e toda a educação religiosa da juventude católica. Além
disso, eles não devem ser impedidos de forma alguma, no desempenho de seu
199
AZZI, Riolando. A presença da Igreja na sociedade brasileira e a formação das dioceses no período republicano.
In: SOUZA, Rogério Luiz de; OTTO, Clarícia (orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis: Insular 2008, p. 20.
200
PASTORAL COLETIVA. Reclamação do episcopado brasileiro dirigida ao excelentíssimo sr. Chefe do
Governo Provisório. Rio de Janeiro, 1890, p. 15.
72
próprio ministério, monitorar e investigar, se a doutrina que nos vários ramos
é ensinada, está ou não de acordo com a religião católica.201
A criação de ambos os colégios, o Marista e o Santíssimo Sacramento, em Alagoas
possibilitou uma melhoria na educação do estado, que contava com poucas instituições
dedicadas ao ensino e instrução da população. Até então os principais centros de formação
escolar eram o Liceu Alagoano, fundado em 1850; o Colégio XV de março; Colégio Coração
de Jesus.202Além do que a fundação dessas duas escolas confessionais dentro do primeiro
bispado de Alagoas permite, como se viu, a compreensão do estreitamento das relações entre a
Igreja Católica e as elites sociais locais.
A ordem religiosa dos Irmãos Maristas foi fundada na França, em um pequeno vilarejo
com o nome de La Valla, por Marcelino Champagnat, no ano de 1817. Seu objetivo inicial foi
fornecer acesso à educação e evangelizar as crianças e jovens necessitados. Organizadas em
unidades administrativas, denominadas províncias e distritos, os institutos educacionais
maristas criados nas décadas posteriores passaram a ser reconhecidos como estabelecimentos
de ensino de qualidade destinados à mocidade.
Conforme as notícias do Gutenberg203, seis religiosos da Ordem Marista chegaram a
Alagoas no final de 1904, liderados pelo irmão Louis Channel. As aulas do Colégio Diocesano
tiveram início no dia 8 de fevereiro de 1905.204 No periódico Evolucionista consta a reprodução
da seguinte carta do diretor do colégio diocesano, o já mencionado irmão Channel, na qual
comunica a população interessada sobre as atividades e matrículas do recém-inaugurado
instituto de ensino.
Tenho a honra de participar-vos que, a 8 do corrente mês, os Irmão Maristas,
sob os auspícios do S. Ex. Rev.mo. o Sr. Bispo Diocesano, abriram o Colégio
Diocesano, então Instituto Alagoano, na Rua 15 de novembro, n. 97, para
instrução e educação dos meninos de 5 a 12 anos, em geral.
O ensino primário e secundário é ministrado conforme os programas oficiais
aprovados, quer pelo Governo Federal, quer pelo desde Estado.
201
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Título IX, Cap. I, § 674.
Douglas Apratto Tenório faz algumas considerações sobre os estabelecimentos de ensino alagoanos e menciona
que o colégio 15 de Março funcionava na Rua Boa Vista, no centro de Maceió, e era dirigido pelo Professor Agneli
Barbosa; o Coração de Jesus, ficava na rua Apolo, também localizado no bairro do Centro, era um estabelecimento
destinado a mocidade feminina; havia também o colégio 24 de Fevereiro, dirigido pelo professor Luiz Carlos de
Souza Netto. No interior do estado podem-se indicar o Externato Pilarense, em Pilar; São João, em Penedo e o
Hilário Ribeiro, em Pão de Açúcar. COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado
de Alagoas. Maceió: EDUFAL: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 350; TENÓRIO, Douglas Apratto.
Metamorfose das oligarquias. Maceió: EDUFAL, 2009, p. 31.
203
GUTENBERG, Maceió, 12 de janeiro de 1905.
204
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p.276.
202
73
Admitem-se alunos internos, semi-internos e externos: Os internos pagarão
por trimestre 180$, os semi-internos 105$, e os externos, do curso primário 5$
por mês.
Estes preços ficam sujeitos à mudança de acordo com o Rev. Diretor. O
Colégio está montando num belo, espaçoso e saudável prédio onde, a par da
boa higiene, ha[sic] uma ativa direção e fiscalização em bem dos educandos.
O corpo docente será composto de professores Maristas e outros seculares
desta capital.205
Por outro lado, as Irmãs Sacramentinas, responsáveis pelas as atividades do Colégio o
Santíssimo Sacramento, constituíam uma congregação religiosa foi fundada no ano de 1715,
em Boucieu-le-Roi, França, por Pierre Vigne. Desde o momento de sua criação foi uma ordem
religiosa direcionada exclusivamente às mulheres. Entre as suas atividades está o incentivo a
devoção feminina ao culto eucarístico. Mais tarde o campo educacional também passou a ser
uma forma de sua atuação. As escolas por elas administradas são destinadas, de início, apenas
ao público feminino. Assim ocorreu com o Colégio Santíssimo Sacramento em Maceió nos seus
primórdios.
Em Maceió, essas mesmas religiosas assumiram o asilo de Órfãs de N. Senhora do Bom
Conselho, localizado no bairro de Bebedouro, em 1904. Nas décadas posteriores, segundo
Álvaro Queiroz, as irmãs do Santíssimo Sacramento desenvolveram vários trabalhos
envolvendo educação e amparo social em favor de crianças pobres da periferia da capital do
Estado.206
A inserção dos Irmãos Maristas e das Irmãs Sacramentinas,207 na conjuntura em questão
possibilita entender um pouco a extensão da preocupação da hierarquia católica relacionada
com a distribuição dos "papeis sociais", mais especificamente com a conservação de um status
quo que preza pela representação de uma ordem social dividida entre os espaços destinados às
mulheres, e aqueles direcionados aos homens.208
O intuito da educação na óptica do pensamento eclesiástico vinculado à política da
romanização seria criar "bons cidadãos", homens ligados à esfera pública, formados nos valores
católicos, que poderiam atuar na linha de frente, a fim de defender os interesses da instituição
205
EVOLUCIONISTA, Maceió, 8 de fevereiro de 1905.
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a história da igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, p. 275.
207
Na história eclesiástica em Alagoas podem ser encontradas referências às ordens religiosas desde o século
XVIII: franciscanos, capuchinhos, jesuítas. Houve também a experiências religiosas de ordens marianas, além das
Irmãs do Santíssimo Sacramento. Para o contexto do primeiro bispado, no entanto, a presença e atividades dos
irmãos maristas e das Irmãs do Santíssimo Sacramento inserem-se no bojo de reordenação do catolicismo em terras
Alagoanas. Cf. QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja nas Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, pp.
113-119, 277-281.
208
AZZI, Riolando. A presença da Igreja na sociedade brasileira e a formação das dioceses no período republicano.
In: SOUZA, Rogério Luiz de; OTTO, Clarícia (orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis: Insular 2008, p. 23.
206
74
eclesiástica. O papel das mulheres seria o de liderança dos movimentos laicos, na difusão de
novas formas de devoção.209 No entanto, ainda continuariam reclusas no espaço privado,
destinadas a serem boas mães católicas e com o dever de criar seus filhos dentro dos princípios
e valores estabelecidos pela Igreja. Para além do campo da educação, a presença das ordens
religiosas mescla-se com outros elementos: a difusão de novas formas de devoção, a
reestruturação das associações leigas, por exemplo, as irmandades, e, por fim, o controle das
manifestações e práticas associadas à religiosidade popular, como procissões e romarias.210
No entanto para a hierarquia católica, influenciar os fiéis por meio da educação, e por
meio de instrução doutrinal não pareceu ser o bastante. Seria preciso também fazer-se presente
no cotidiano das categorias mais humildes que compunham a população da diocese. As
visitações pastorais inserem-se nesta forma de estratégia. As Constituições Primeiras do
arcebispado da Bahia de 1707211 , traziam instruções acerca das práticas de tais visitações que
deveriam ser realizadas periodicamente. Seria uma forma de o bispo conhecer os fiéis que
habitavam as regiões que fazem parte das dioceses, e bem como monitorar e averiguar se os
párocos estavam instruindo corretamente os fiéis, e se não haveria relaxamento doutrinal e
moral por parte do clero.
3.3.2. As visitações pastorais (1905 a 1908)
As grandes faixas territoriais que correspondiam às dioceses, em muitas ocasiões,
acabavam por tornar o exercício de monitoramento do clero e dos fiéis pelo o bispo algo difícil.
Como forma de dobrar essa dificuldade instituiu-se a prática das visitações pastorais, solenidade
a qual o prelado em pessoa percorria as paróquias sob a sua jurisdição, batizando, realizando,
confissões, crismas e casamentos, observando a forma como o pároco instruía os seus
“fregueses” na doutrina católica. Na impossibilidade ou contratempo que impedisse o bispo de
realizar esta respectiva atividade foi instituído a função do “visitador diocesano”;, ou seja, um
vigário nomeado pelo bispo que se tornaria responsável em aplicar os encaminhamentos na
região visitada, assim como ser seus os olhos e ouvidos.212
209
SANTOS, Israel Silva. Igreja Católica na Bahia: por um catolicismo romano (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2016, pp.
123-124.
210
SERPA, Élio Cantalício. Igreja e poder na Primeira República. In: SOUZA, Rogério Luiz de; OTTO, Clarícia
(orgs.). Faces do catolicismo. Florianópolis: Insular, 2008, pp. 89-90.
211
Constituições primeiras o Arcebispado da Bahia (1707). São Paulo: Typografia 2 de dezembro 1853.
212
O Concílio de Trento, realizado no século, destaca que “se os Bispos não puderem visitar, pessoalmente ou por
seu Vigário Geral ou Visitador, em caso de estarem legitimamente impedidos, todos os anos toda sua diocese,
75
Sua regulamentação tem a finalidade de cumprir as instruções do Concílio de Trento,
realizado no século XVI, que definia a sua ocorrência como uma ferramenta para “expelir as
heresias, promover os bons costumes e corrigir os maus, inflamar o povo com exortações e
conselhos à religião, paz e inocência, para regularizar todas as demais coisas com utilidade aos
fiéis segundo à prudência dos visitadores, e como houver predisposição do lugar, do tempo e
das circunstâncias”.213 No século XX, a ata do concílio plenário latino-americano sugere a
intensificação da prática das visitações pastorais pelos próprios bispos:
Não deixem os bispos de visitar pessoalmente as suas próprias dioceses, ou
em caso de impedimento legítimo, através de seu vigário geral ou outro
visitante, ou por alguns eclesiásticos recomendados por sua ciência, piedade,
destreza e maturidade na administração dos negócios. Tendo em vista a grande
extensão das nossas dioceses, e por outro lado a grande utilidade da visita
pessoal, praticada pelo próprio Bispo, é necessário tentar com toda
persistência que o Bispo chegue em devido tempo, inclusive aos lugares já
visitados. pelo seu representante; e para consegui-lo mais facilmente, dividir
a diocese em regiões e visitar região por região, para que em certo número de
anos toda a diocese seja visitada.214
Durante o tempo do bispado de Dom Antônio Brandão se encontram nos jornais
referências e relatos de visitas pastorais realizadas pelo prelado no território alagoano, em
específico entre os anos 1905 e 1908. Neles se notam ricas descrições sobre a rotina do bispo
ao visitar as paróquias, e as celebrações como consequência desse evento, como se observa na
apresentação minuciosa da visita do prelado à freguesia de Palmeira dos Índios:
Como era esperado chegou no dia 21 [de janeiro de 1905] a Palmeira dos
Índios, o Chefe da Igreja Alagoana, D. Antônio Brandão.
Duas léguas antes de chegar ao ponto de seu destino foi S. Excia. Surpreendido
por um numeroso grupo de cavalheiros que vinham esperá-lo, trocando por
essa ocasião diversos vivas.
Ao fim de meia hora entrava S. Excia Rev.mo. a cidade no meio das
aclamações da população, encontrando-se todas as ruas caprichosamente
ornamentadas.
Em frente à residência do Rev. Vigário, onde demorou S. Excia. achava-se
levantado um elegante coreto, donde a Filarmônica Palmeirense saudou a S.
Excia. ao som do hino nacional, tocando até as 11 da noite.
Às 8 horas da manhã S. Excia. acompanhado de grande massa popular, tendo
recebido na Igreja do Rosário as insígnias pontificais, dirigiu-se para a Igreja
Matriz onde fez entrada solene por entre duas filas de gentis senhoritas que
formavam a guarda de honra do Sagrado Coração de Jesus.
A porta do templo um escolhido grupo de meninas atirou sobre a cabeça do
Prelado alagoano flores em profusão.
devido à sua grande extensão, não deixe ao menos de visitar a maior parte delas, de modo que se complete toda a
visita por si ou por seus Visitadores em todos os anos”. Cf. Concílio Ecumênico de Trento. Secção XXIV,
Capítulo III, em 11 de novembro de 1563.
213
Concílio Ecumênico de Trento. Secção XXIV, Capítulo III, em 11 de novembro de 1563.
214
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Título III, Cap. II, §200.
76
Observando todas as prescrições do Pontifical Romano, S.Excia dirigiu-se ao
altar-mor da Igreja Matriz, que se achava cuidadosamente decorado com
muita arte e elegância, e depois das orações do estilo tomou assento no solo
episcopal e expôs aos seus diocesanos o fim da visita pastoral e a obrigação
que tem os Bispos como pastores, que são, de visitar as suas ovelhas para que
elas o conheçam, segundo estas palavras das Sagradas Letras: Ite in mundum
universum predicate Evangelium omni creatura.
Imediatamente visitou o tabernáculo dando por essa ocasião benção do S. S.
Sacramento, a lâmpada, os confessionários, a bia batismal, encontrando tudo
na melhor ordem possível, devido ao zelo do respectivo pároco Padre João
Guimarães Lessa, que tem sabido com o seu trato amável captar a simpatia de
seus paroquianos.
No dia de sua chegada S. Excia recebeu a visita dos representantes da
Sociedade S. Vicente de Paulo, orando por ocasião o major Vieira de Brito.
No dia imediato fez-se representar a Centro Dramático Palmeirense, por doze
sócios presendidos[sic] pelo Promotor Público, dr. Helvecio tendo lido uma
elaborada saudação a S. Excia o sr. Artur Cavalcante.
A noute[sic] o Sr. Bispo recebeu as associadas do Sagrado Coração tendo a
sua frente a exma. sra. D. Antônia Romualda, da Costa, incansável presidente
das zeladoras do mesmo Apostolado. S. Excia Rev.mo. foi saudado por uma
gentil senhorita que terminou seu conciso discurso ofertando ao Príncipe da
Igreja Alagoano um lindo buquê pedindo a sua benção.
S. Excia respondeu a saudação excitando todas as associadas a trabalhar afim
de que se verifiquem em breve as palavras do Padre Nosso: Advenial
regunmtuum.
O sr. Bispo Diocesano também a convite do Presidente assistiu no mesmo dia
a sessão ordinária da Sociedade de S. Vicente de Paulo, na qual ocupou a
atenção dos confrades durante 40 minutos dissertando acerca da caridade
cristã.
Durante os dias que S. Excia. permaneceu entre os Palmeirenses foram
crismadas 1.857 pessoas.
Na tarde de domingo, foi o Sr. Bispo em romaria ao cemitério, em cujo portão
liam-se estas consoladoras palavras: Beati mortui que Domino moriuntur.
Nesse campo Santo após uma breve alocução comovedora acerca da devoção
das almas do purgatório, o venerado Prelado deu solenemente a absolvição
dos defuntos, desfilando a piedosa romaria em regresso a Igreja matriz.
Aí S.Excia apresentou a todos os seus filhos em Jesus Cristo as suas
despedidas, agradeceu em um substancioso discurso o bom acolhimento que
os palmeirenses lhe dispensaram durante os poucos dias que entre eles
permaneceu.215
Da zona da mata ao sertão, as páginas dos jornais trazem narrações sobre as visitações
pastorais, quer seja em pequenos informativos mencionando a sua localização atual, quer seja
com longos e descritivos artigos relacionados aos trabalhos eclesiásticos do prelado. O
interessante a ser mencionado é que os artigos mais extensos no detalhamento das visitações
indicariam que, não importando o local, elas seguiam uma estrutura similar: celebração pela
chegada do líder diocesano, sua visita à matriz e às obras locais coordenadas pelo pároco; em
215
EVOLUCIONISTA, Maceió, 31 de janeiro de 1905.
77
seguida o culto litúrgico, com a participação dos fiéis e membros das associações religiosas, a
verificação e participação em reuniões de confrarias leigas e, por fim, um culto de despedida,
no qual D. Antônio Brandão agradecia pela colaboração dos fiéis durante o período em que se
hospedou na freguesia pelo motivo da visita pastoral. Nessas ocasiões, também, o bispo
aproveitava para exercer seu poder simbólico sacramental, batizando e, oferecendo a primeira
comunhão, crisma e matrimônio.
No entanto, os veículos jornalísticos da época foram mais do que um meio de informar
os itinerários e os trabalhos eclesiásticos de D. Antônio Brandão. Os periódicos em circulação
tendem a refletir um ambiente marcado por eclosão de conflitos, como uma extensão da
atmosfera social no momento histórico nos quais estão inseridos. Por outro lado, também se
tornaram uma ferramenta de apologia e defesa da instituição católica. Disso será tratado a
seguir.
3.3.3. A imprensa católica em Alagoas: O jornal A Fé Christã (1902-1907)
Os jornais, semanários e periódicos são uma ótima ferramenta de propagação de
ideias.216 Sua praticidade e fácil locomoção possibilitam uma rápida difusão de informações.
Contudo, eles também podem se tornar propagadores de ideologias políticas e religiosas, como
as verificadas no caso do presente estudo. E o mais importante: esses veículos informativos são
sempre direcionados a públicos específicos. Observa-se essa característica durante a leitura de
jornais como: O Orbe, Gutenberg, Jornal de Penedo, Evolucionista; entre os seus redatores
notam-se aproximações com a instituição católica.217
Sabe-se que os jornais ou o desenvolvimento de uma imprensa católica (ou um sistema
informativo sobre a influência da Igreja Católica, como pode ser observado em Alagoas)
fizeram parte das estratégicas institucionais e, ao mesmo tempo, das práticas pastorais adotadas
pelo clero. Uma possibilidade de entender a opção pelo uso da imprensa pode ser a aproximação
com o discurso ultramontano que respaldou a política eclesiástica e o pensamento conversador
216
BECKER, Jean-François. A opinião Pública. In: RÉMOND, René. Por uma História Política. 2ª ed. - Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 188.
217
KLAUCK, Samuel. A imprensa como instrumento de defesa da Igreja Católica e de reordenamento dos
católicos no século XIX. In: Mneme – Revista De Humanidades, 11(29), 2011 – jan. / jul., p.146; REIS, Marcus
Vinicius Freitas; SOUTO, Josias Freitas. A relação Igreja-imprensa: O nascimento da imprensa católica no Brasil
no século XIX. In: Diversidade Religiosa, v. 6, nº 1, João Pessoa, 2016, p. 164; MICELI, Sérgio. A elite
eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 168.
78
presente nas elites sociais, reforçando a representação do catolicismo como um meio de
sustentar a ordem vigente, o status quo e os privilégios das categorias que detinham o poder.
Para o catolicismo, a sociedade encontrava-se em um processo contínuo de degradação
moral por causa da difusão de correntes de pensamentos consideradas errôneas que iam de
encontro à doutrina católica imposta na coletividade. As cartas encíclicas pontifícias da segunda
metade do século XIX já apontavam essa característica218 e com o passar do tempo a ideia só
se fortaleceu. No século posterior, as atas do Concílio plenário traziam um extenso capítulo
sobre o uso da “boa imprensa”, ou seja, um sistema jornalístico voltado aos interesses católicos.
Para o documento conciliar o jornal aparece como um meio da instituição eclesiástica “defender
os seus interesses”, por meio da elaboração de textos visando a “proteção” da moralidade, da
família, da consciência da população brasileira, enfim, da sociedade.
No discurso católico, há uma batalha a ser travada pela consciência e pelo o bem da
sociedade. E, como ferramenta para vencer a “guerra”, a hierarquia católica teria que usar das
mesmas armas que o inimigo.219 Nesse caso, a instituição religiosa católica passou a contar com
o uso de materiais impressos, visando combater o discurso anticlerical, maçônico e liberal nos
jornais; a distribuição de panfletos e livros pelas congregações protestantes e, a propaganda
espírita por meio de cartazes.
No cenário alagoano, além dos jornais e semanários mencionados que contaram com a
participação de membros do clero e laicato, parece que a “imprensa católica” não chegou a
constituir um campo de atuação mais sólida.220 Para o contexto estudado destaca-se a
publicação de um periódico católico na cidade de Penedo, já mencionado nas páginas
anteriores, A Fé Christã, publicado desde 11 de janeiro de 1902, ficando em circulação até
1907. Logo nas páginas iniciais de sua primeira edição o periódico deixa claro o seu propósito:
"semanário dedicado aos interesses da religião católica". E o seu corpo editorial, composto por
diversos sacerdotes e seculares "de reconhecida competência", apontando a atuação de
intelectuais leigos nos trabalhos desenvolvidos pelo jornal.
218
Podem ser citadas as cartas encíclicas: Mirari Vos: Sobre os principais erros de seu tempo (1832) de Papa
Gregório XVI, o Syllabus: Contendo os principais erros da nossa época. (1861) e o seu anexo, a Quanta Cura:
Sobre os principais erros da época (1864), ambas assinadas pelo Papa Pio IX, e a Constituição Dogmática Dei
Filius (1870), fruto dos debates do Concílio Ecumênico Vaticano I, ocorrido em Roma entre os anos de 1869 a
1870.
219
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Título X, Capítulo VII, § 723.
220
Consta no acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional um exemplar do periódico Imprensa Católica,
publicado durante a segunda metade do século XIX, no qual se nota a presença de um forte discurso próximo ao
conservadorismo político, ao qual o pensamento ultramontano passou a interligar-se. No século XX, além de A Fé
Christã, em Alagoas teremos a publicação do jornal O Semeador, na cidade de Maceió, a partir de 1913.
79
O tipógrafo responsável pela publicação das edições do jornal foi o senhor
Aquiles/Achiles Mello, um militar e político influente e respeitado nas Alagoas, nos anos
anteriores comandou a publicação do jornal O trabalho, mesmo nome de sua empresa
tipográfica na cidade de Penedo. Em sua primeira edição consta um artigo intitulado "Nossa
orientação"221, no qual um dos redatores, que não se identificou, considera os jornais um dos
pontos altos do "processo de civilização" da sociedade moderna. E afirma que o papel do
periódico católico é "apostolar e concretizar dos principais ideais da religião católica e
combater, destruir, os erros impostos pela modernidade”. Demarcando objeto do A Fé Christã
como um instrumento de propagação e defesa do catolicismo.222
Os documentos pontifícios da segunda metade do século XIX traziam inúmeros
contrapontos à “modernidade”. Conforme estes documentos, o "mundo moderno", ou seja,
todos os processos de mudanças estruturais, culturais, políticas e coletivas que a sociedade
sofreu nos últimos séculos, seria o responsável pelo estado de degradação humana, pelo
rompimento com o sagrado e o "afastamento" progressivo da "religião" (essencialmente a
católica) por parte da coletividade.
O processo de secularização, ou como definiu Peter Berger, o procedimento pelo qual
setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos
religiosos223, e o ateísmo eram considerados nas falas do clero consequências da temida
Modernidade. Mudanças de costumes, as tendências à liberdade de crença e consciência,
também eram criticados pelos documentos pontifícios da segunda metade do século XIX. A
Quanta Cura e o seu anexo, Syllabus Errorum, de Pio IX, são considerados o ápice das críticas
católicas à Modernidade, para além das cartas encíclicas, e foram reelaboradas nas páginas dos
jornais, por meio de artigos escritos pelo clero. O mundo moderno e tudo associado a ele são
considerados um perigo à fé católica e a sociedade; por isso precisavam ser combatidos:
A HERESIA ATUAL
A nossa civilização - diz Cesar Balbo – é Cristã e filha da religião de Jesus
Cristo. O que debilita a religião cristã, embaraça o progresso e a civilização.
Quem pretende, pois, fortalecer a ideia de humanidade, progresso e
civilização, divorciando-se da fé cristã em cujo seio ela nasceu e se nutriu
durante séculos, procura o impossível: Quem, porém, em nome desta ideia
221
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 11 de janeiro de 1902.
Indica-se os artigos no momento inéditos da professora Irinéia Maria Franco dos Santos aonde se discutem a
articulação do jornal católico penedense como instrumento de conservação de visões de mundo e debates políticos.
Cf. SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. Conflitos religiosos, visões de mundo e relações de poder na imprensa
católica: “A Fé Christã” (Alagoas, 1902-1907). Porto Alegre: UFRGS, 2018 [no prelo] e SANTOS, Irinéia Maria
Franco dos. Catolicismo e política no A Fé Christã: disputas político-ideológicas na imprensa católica da Primeira
República (Alagoas, 1902-1907). Porto Alegre: UFRGS, 2018 [no prelo]
223
BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:
Paulus, 1985, p. 119.
222
80
combate o Cristianismo, os seus dogmas e as doutrinas que desses mesmos
dogmas se deduzem, está minando o terreno sobre o que habita. A tentativa de
arrancar a religião e a Igreja a sua influência para transferi-la ao Estado
(secularização da sociedade) e a divinização do Estado Moderno que é a
consequência imediata, e precisamente a heresia da época atual, a maior das
heresias.224
A apologética católica, ou seja, a defesa da fé e de uma sociedade conforme os valores
do catolicismo não se detinham apenas no campo das ideias, nos embates filosóficos e políticos,
ou por busca em reforçar a influência da religião no âmbito político. As tensões em outras
esferas sociais acabam por se refletir em outros âmbitos, como é o caso do religioso mais amplo.
Uma das principais contraposições do discurso romanizador católico foi referente à questão da
liberdade de crença, que nada mais é que o direito de cada indivíduo de professar a forma de fé
que julga mais conveniente. Para a hierarquia católica isso representou um desafio, pois
significava igualar o catolicismo a outras formas vigentes de manifestação religiosa. E como
forma de reafirmar-se diante de sua nova realidade social, a hierarquia saiu em campanha por
meio dos jornais, para legitimar sua suposta pretendida posição como religião majoritária e,
acima de tudo, a única verdadeira. Em alguns casos, se tentou desmoralizar a fé do Outro para
obtenção deste objetivo. Três grupos, mais precisamente, foram visados por esta estratégica do
clero: os maçons, ainda como resquício dos atritos da chamada “Questão Religiosa”; os
protestantes e os espíritas, este último, nos textos da "boa imprensa" encontravam-se
subdivididos entre o espiritismo kardecista; o espiritualismo; ligado a práticas mediúnicas
relacionadas a ocultismo, como hipnose, magnetismo e ilusionismo; e o “fetichismo”, aonde se
enquadrava as formas de religiosidade popular e manifestações de matriz africana.
Uma categoria política e filosófica que constantemente aparece nas páginas do A Fé
Christã é a maçonaria. Para Giocondo Martina os embates entre maçons e católicos eclodiram
no século XIX225, a principal motivação para a ocorrência de conflitos era o discurso
anticlerical, marcado por uma crítica recorrente à religião, em especial o catolicismo, e a sua
influência no campo político e social. Por outro lado, para a igreja católica, a Maçonaria é uma
das principais difusoras das “ideias revolucionárias” e deístas.226
O discurso antimaçônico ganhou força em dois momentos históricos diferentes:
primeiro durante a Revolução Francesa (1789) e nas revoluções liberais ocorridas 1820 e
224
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 27 de junho de 1903.
MARTINA, Giocomo. História da Igreja: De Lutero aos nossos dias. Vol. III: A era do Liberalismo. 2ª ed.
- São Paulo: Loyola. 2005, p. 310.
226
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de consciência: Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do
Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte: Fino Traço, 2015, p. 425.
225
81
1848227, influenciadas pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade (do
francês Liberté, Egalité, Fraternité). Na Europa, ainda no século XIX, se registraram na França,
Bélgica e Itália conflitos entre o clero ultramontano, defensores do papa, e os maçons.228
No território brasileiro os conflitos entre os bispos do Pará e Pernambuco com a
burocracia imperial, ou seja, entre o ultramontanismo e a política regalista, correspondem à
tentativa de inserir a igreja católica brasileira na conjuntura hostil dos embates recorrentes na
Europa229 e, eram frutos de um casamento híbrido, mal sucedido, entre a Igreja ultramontana e
um Estado liberal.230 Décadas depois, as atas do Concílio Plenário Latino-Americano fazem
referências à continuidade do discurso antimaçônico. Os bispos conciliares apontam a
Maçonaria como uma das principais ameaças à fé católica e, por isso, ela precisa ser
combatida.231
Nos artigos do jornal penedense, escrito pelo redator que assina como Cincinato,
notam-se a reprodução das falas recorrentes utilizadas pela hierarquia católica com a finalidade
de reforçar a imagem elaborada acerca da maçonaria. Ela é vista como uma instituição maligna,
que utiliza a concepção de fraternidade e de filantropia como fachada com a finalidade de
enganar a sociedade e levá-la ao ateísmo:
As sociedades secretas, ou franco-maçônicas, têm um fim público e outro
oculto.
O fim público o que é conhecido da imensa maioria dos associados reduz-se
a proclamar e a fomentar o indiferentismo e preparar o caminho para
incredulidade e a revolução, por meio de aparências suaves ou indiferentes.
O segundo, o "oculto", que se é conhecido dos iniciados, encaminha-se a
utilizar a [ilegível] e ignorância dos associados comuns em proveito da
incredulidade e da revolução.
O objetivo, pois, da Franca - maçonaria é o naturalismo ou a negação de Deus,
ou da ordem sobrenatural; mas os francos-maçons dividem-se em direções que
sabem o que fazem, e em cegos instrumentos que não sabem se quer a
significação do que fazem. A maçonaria é, na sua essência, o ódio ao Céu, ou
a guerra sistemática a Religião católica.
Já sabemos que negam isto os que têm interesse em negá-lo; mas poderá
negar-se que a maçonaria não fomenta em ninguém a fé nem o zelo pela
Religião? Poderá negar-se que todos os esforços, mesmo públicos da
maçonaria, se dirigem a diminuir o zelo religioso ou a propagar o
indiferentismo? Poderá negar-se que os filiados na maçonaria de dia para dia
se mostram menos religiosos? Enfim, poderá negar-se que na maçonaria quem
227
Principalmente em países como: Bélgica, Portugal, França, Áustria, Alemanha e Itália.
MARTINA, Giocomo. História da Igreja: De Lutero aos nossos dias. Vol. III: A era do Liberalismo. 2ª ed.
- São Paulo: Loyola. 2005pp. 312-316.
229
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de consciência: Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do
Segundo Reinado (1840-1889). Belo Horizonte/MG: Fino Traço, 2015, pp. 420-421.
230
HAUCK, João Fagundes, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo:
segunda época, Século XIX. 4ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 246.
231
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Título II, Secção VII, §167.
228
82
tem maior preponderância e adquire mais grão são os que renunciam de todo
o Catolicismo ou maior ódio mostra contra a religião católica?
E não provará tudo isto que a maçonaria é inimiga da religião Católica?
Fazemos estas observações a fim de contribuir um pouco para que abram os
olhos certas pessoas as quais com a maior boa-fé crêem que a maçonaria não
é mais do que uma sociedade filantrópica ou de beneficência humana.232
Dentre os pontos tratados pelo artigo de Cincinato, destaca-se a associação entre a
franco-maçonaria e o naturalismo, uma corrente filosófica, vertente do materialismo, que
defende que os fatos e acontecimentos se dão de forma natural, excluindo qualquer explicação
motivada por agentes transcendentais ou sobrenaturais (divindades). A grosso modo, a filosofia
naturalista passou ser interpretada pelos defensores do catolicismo como o um germe do
ateísmo científico, marcado pela negação da intervenção de Deus e substituindo as explicações
sobrenaturais dos fenômenos por uma justificativa racionalizada.
Para a Igreja católica influenciada pela interpretação da História como "narração da
salvação da humanidade" por um Ser Superior, o naturalismo se torna uma ameaça, pois tentou
explicar os fatos históricos levando em conta a conjuntura social, econômica e política,
afastando a participação do “divino” dos acontecimentos processuais.233 Os impasses entre
catolicismo e maçonaria, como as demais tensões no campo religioso, correspondem a conflitos
de visões de mundo, percepções da realidade. E no discurso da instituição eclesiástica há a
ocorrência de uma guerra entre a ordem (representada pelo catolicismo) e o caos (representado
pelas seitas e heresias modernas), cujo prêmio é a conquista da hegemonia sobre as “as
consciências da sociedade”.
Entre outros inimigos a serem combatidos destaca-se o protestantismo. As páginas de A
Fé Christã se posicionam na concepção de artigos a desmoralização das lideranças protestantes
frente aos leitores e, procuram desenvolver uma imagem dos adeptos do protestantismo como
indivíduos maldosos, com intenções perversas de afastar os fiéis católicos da “verdadeira
religião”.234 O momento histórico da criação do bispado de Alagoas coincide com a presença
de missionários metodistas e presbiterianos no estado, como já visto. Entre os anos 1900 a 1910,
se verifica a menção da realização de cultos protestantes tanto na capital e em cidades do
interior, no caso Penedo. A “interiorização” das missões protestantes, ou seja, a expansão das
denominações batista, presbiteriana e metodista para localidades predominantemente rurais do
232
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 13 de setembro de 1902.
Para saber mais sobre essa questão ler MANOEL, Ivan Aparecido. O pêndulo da História: Tempo e eternidade
no pensamento Católico (1800-1960). Maringá: EDUEM, 2004.
234
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 10 de maio e 6 de setembro de 1902.
233
83
estado podem ser indicadas como a principal motivação da “campanha antiprotestante” católica
no A Fé Christã:
Acha-se nesta cidade, vindo no último vapor do Norte, o celebre Salomão,
protestante que tem estes dias feito falação, chamando o povo incauto a ouvir
a doutrina do irrequieto Lutero, que, como Judas, no momento de desespero,
morreu enforcado.
Prevenimos ao povo católico que não assista a pregação do irreligioso
Salomão, não ouça sua manhosa cantilena, não aceite os seus livros, folhetos
e jornais ímpios.
Cuidado, povo católico.
Ouçamos somente a palavra dos Ministros da Religião Católica, que é a única,
verdadeira, instituída por N. Senhor Jesus Cristo.
Todo o ensino que não está de acordo com a santa Madre Igreja, é falso, é um
invento grosseiro.
Cuidado com o Salomão e outros embusteiros!
Estejamos sempre na presença de Jesus, Maria Santíssima e seus santos para
que a palavra não nos atinja. Para que o porta-voz da mentira não tire proveito
entre os nossos patrícios despercebidos.
Satanás é sagaz, sabe enganar, também acredita na existência de Deus; e os
seus emissários pela mesma forma também, falem em Deus para iludir.
O próprio demônio tentou, pretendeu enganar o próprio Jesus Cristo, que o
repeliu.
Cuidado com o Salomão.235
A passagem acima traz referência à presença do missionário protestante Salomão
Ginzburg (ou Ginsburg), como já vimos, um velho conhecido dos editores do periódico
penedense. Ginzburg foi um líder religioso ligado à denominação batista conforme as
informações encontradas nos jornais da época, enquadrando-se dentro de um movimento
presente no Brasil desde o final do século XIX, conhecido como “protestantismo de missão”.
Como a própria expressão indica, este movimento se caracteriza pelos trabalhos de
evangelização de missionários estrangeiros (no geral vindo dos Estados Unidos) vinculados,
principalmente, às denominações metodista, presbiteriana e batista.236 Esses grupos tinham a
pretensão de difundir a fé protestante e, consequentemente, criar igrejas para a realização de
seus cultos e fundar de escolas.237 Como método evangelístico típico consta o recurso da
235
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 9 de fevereiro de 1907.
CAMPOS, Leonildo Silveira. O protestantismo de missão no Brasil, cidadania e liberdade religiosa. In: Revista
Educação & Linguagem, v.17, nº 1, jan - jun,2014, p. 107; CAVALCANTI, H.B. O Projeto Missionário
Protestante no Brasil do Século 19: Comparando a experiência Presbiteriana e Batista. In: Revista de Estudos da
Religião, Nº 4 / 2001 / p. 65.
237
CAMPOS, Leonildo Silveira. O protestantismo de missão no Brasil, cidadania e liberdade religiosa. In: Revista
Educação& Linguagem, v.17, nº 1, jan - jun,2014, p.104; CAVALCANTI, H.B. O Projeto Missionário
Protestante no Brasil do Século 19: Comparando a experiência Presbiteriana e Batista. In: Revista de Estudos da
Religião, Nº 4 / 2001, p. 83; SANTOS, Lyndon de Araújo. O protestantismo no advento da República no Brasil:
Discursos, estratégias e conflitos. In: Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, set.
2010, p. 80.
236
84
pregação de casa em casa. Também evangelizavam nas ruas, distribuindo bíblias e panfletos.238
No A Fé Christã encontra-se a menção a essas práticas239 com um tom de crítica os redatores
tentam alertar os leitores sobre os perigos do “protestantismo de Salomão.”240
A presença de indivíduos que professam o protestantismo na cidade de Penedo – e em
outras localidades próximas – parece ter incomodado bastante o clero, ao ponto de seus
membros transferirem, por assim dizer, “a culpa” ao principal representante da doutrina
protestante na região, o já mencionado missionário. Os periódicos relatam a trajetória de sua
missão entre as regiões de Alagoas e Pernambuco. Sua primeira passagem pelo território
alagoano ocorreu no ano de 1897, em Maceió.241 Cinco anos depois, em 1902, ele inicia seus
trabalhos em Penedo e no mesmo ano funda a primeira igreja batista da cidade.
Para a história do catolicismo em Alagoas, a cidade de Penedo possui um peso
significativo, fundada no século XVII, correspondendo a uma das primeiras vilas que foram
criadas na antiga comarca de Alagoas. No século XVIII, a freguesia possuía dez capelas filiais,
um convento de frades franciscanos e, posteriormente, foi fundado um estabelecimento sob a
direção da ordem beneditina.242 Dessa forma, percebe-se que a presença intensa de atividades
associadas à Igreja Católica contribuiu para a elaboração discursiva que articulava o catolicismo
como um elemento “enraizado nas almas dos habitantes de Penedo”.243 Ao considerar a relação
entre Igreja Católica e a história local percebe-se as raízes específicas do discurso apologético
desenvolvido pelo clero.
A glorificação da existência do catolicismo em Penedo acabou por se tornar o principal
mecanismo de defesa não só contra o protestantismo, mas também contra qualquer doutrina
religiosa ou política que fosse de encontro às concepções e visões de mundo Igreja Católica. A
Fé Christã deixa bem explícito o seu objetivo: é um periódico em favor dos interesses da Igreja
Católica e possui a finalidade de denunciar “os enganos” propagados pelo protestantismo e
outros inimigos da instituição eclesiástica.244
Dessa forma, o objetivo do periódico é gerar descrença nas lideranças ou praticantes
de outras expressões religiosas diante da população e salientar, incansavelmente, que a única e
238
PEREIRA, Valdinei Aparecido. Protestantismo e Modernidade no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia)
- São Paulo: USP, 2008, p. 190.
239
Conferir as edições de 10 de maio de 1902, 24 de maio de 1902 e 18 de outubro de 1902.
240
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 14 de fevereiro de 1903.
241
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 26 de abril de 1902.
242
COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de Alagoas. Maceió: EDUFAL:
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 48; QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja nas
Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2015, pp. 90-91.
243
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 18 de janeiro de 1902.
244
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 13 de setembro de 1902.
85
verdadeira religião é a católica.245 Um ponto pertinente a se ressaltar, de acordo com os artigos
do periódico, é que as principais “vítimas” da divulgação protestante seriam pessoas
“ignorantes”, sem instrução e humildes.246 Segundo Scott Mainwaring, os setores mais
humildes da população teriam mais predisposição a assimilar outras formas de doutrinas
religiosas, o que, de outro lado, o que era compreendido como uma das principais dificuldades
a serem enfrentadas do catolicismo.247
Observam-se esses elementos quando se analisar o artigo intitulado "A nova seita de
Palmeira dos Índios"248, escrito pelo redator Mario de Carvalho, em 20 de julho de 1903, e
publicado na edição do mês seguinte do jornal penedense. O autor em seu texto elabora críticas
à presença protestante na região palmeirense e como alguns fiéis católicos e "estudados"
conseguiram se afastar das investidas protestantes. Carvalho também menciona a ocorrência do
seguinte acontecimento: durante as celebrações do 10ª aniversário do Apostolado do Coração
de Jesus, o sr. Fernando Sandes, supostamente pastor protestante, entrou na igreja matriz e
passou a distribuir junto com crianças folhetos de propagada evangelísticas, o que acabou por
gerar indignação das pessoas ali presentes.
Após esse breve relato o jornalista reproduz as suas críticas às lideranças protestantes,
denominados por ele como "modernos satãs cristãos", às doutrinas propagadas pelos
missionários na região e às suas práticas religiosas, de modo específico o batismo, salientando
que representam erros doutrinais e sacramentais, uma apostasia ao catolicismo. No final do
artigo Mario Carvalho faz uma exaltação à igreja católica ao escrever: "Viva sempre a Igreja
Católica! Abaixo o protestantismo, religião de Satanás!!".
A mesma tática foi utilizada pelo jornal católico em relação à propaganda espírita nos
municípios alagoanos. O discurso desenvolvido para as religiões de caráter mediúnico tem a
especificidade de atribuí à religião espírita/espiritista o caráter de superstição, charlatanismo e
de não passam de ilusionismo barato para enganar os bons cidadãos católicos.249 Na edição de
10 de dezembro de 1904 foi publicado um artigo no qual com o redator tenta convencer os
leitores a não participarem das reuniões organizadas pelos grupos espíritas.
Como órgão do Catolicismo, nos cumpre declarar peremptoriamente [sic] que
os católicos não podem assistir a sessões espiritísticas [sic] e, muito menos,
tomar parte delas, nem ler livros ou jornais espiritísticos [sic], nem consultar
a pessoas que tratam de moléstias por meio do espiritismo. O Espiritismo é
245
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 24 de março de 1902.
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 26 de abril de 1902.
247
MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e a Política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989,
p. 50.
248
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 15 de agosto de 1903.
249
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 4 de junho de 1904 e 3 de junho de 1905.
246
86
uma seita condenada pela Igreja Católica, em razão dos perigos que a
encerra[sic] e dos erros que ensina contra os seus dogmas: Para nenhum
cristão admiti-lo saber que os sectários[sic] do espiritismo negam a divindade
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Acautelem-se, pois, os fiéis católicos.250
Também aqui ecoam as recomendações do tantas vezes citado Concílio Plenário, de
1899, que considerada o espiritismo o ápice das ameaças heterodoxas à verdadeira religião. A
leitura das atas conciliares aponta a concepção que a instituição católica faz a associação entre
a doutrina espírita e o cientificismo, bem como as ideias errôneas de progresso:
Entre todas as superstições que invocando o progresso e a civilização do nosso
século são exibidos com grande aparato científico para melhor enganar os
incautos, a mais perigosa é a que atende pelo o nome de espiritismo. Assim
como o naturalismo e o racionalismo contêm, como um compêndio, todos os
erros do nosso século, também o espiritualismo aderiu a todas as superstições
e enganos da descrença moderna; e embora na aparência se oponha ao
naturalismo, na verdade tem a mesma raiz e produz os mesmos efeitos
terríveis. O espiritismo é a astuta superlotação de doutrinas tolas, recebida por
muitos com sarcasmo e risos, um conjunto de superstições conhecidas por
vários séculos em outras formas e outros nomes e devidamente punidos, e
agora não mereciam ser mencionadas entre pessoas sãs, se não fosse pelos
estragos de seu prestígio entre os ignorantes.
Como os espíritas, com inúmeras ficções e mentidos com espetáculos que
enganam os incautos e promovem operações diabólicas, e não tem medo em
propagar muitas heresias, especialmente contra a eternidade das penas do
inferno, o sacerdócio católico e direitos igreja, eles não podem, ou no interno
ou externo, ser tratados como meros pecadores comuns, mas a serem
considerados e julgados como hereges e cúmplices e defensores dos hereges,
e não podem ser admitidos aos sacramentos, mas é consertar o escândalo,
renunciar ao espiritismo e fazer a profissão de fé, de acordo com as regras
prescritas pelos teólogos.251
Como se apontou anteriormente, apesar da suposta liberdade religiosa possibilitada
pelo regime republicano, a crença espírita passou a ser perseguida. A nova legislação instituída
com a República criminalizava as práticas mediúnicas e o curandeirismo. O discurso religioso
católico, segundo Oscar Lustosa252 e Euclides Marchi253, continua a influenciar as instâncias
jurídicas e legislativas, mesmo após a separação entre os poderes espiritual e temporal. A
política higienista e o projeto ultramontano da romanização traçaram nesse período
significativos diálogos: de ambos provinham exigências de mudanças comportamentais e
250
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 10 de dezembro de 1904.
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Título II, Secção VI, § 163-164.
252
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. A Igreja Católica no Brasil República. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 30.
253
MARCHI, Euclides. Uma Igreja no Estado livre: o discurso da hierarquia católica sobre a República. In:
História: Questões & Debates. Curitiba, v.10, n. 18-19, p. 213, jun-dez, 1989, p.218.
251
87
organizacionais no tocante aos espaços sagrados, a serem rigorosamente controladas pela
hierarquia eclesiástica.254
A tipificação do espiritismo nas décadas posteriores em dois níveis se reflete nas
expressões do “alto espiritismo” – associado ao espiritismo kardecista, também denominado
“mesa branca”, representado por manifestações e práticas mediúnicas e trabalhos filantrópicos,
em contraponto ao “baixo espiritismo” – com o que se denominam o curandeirismo e as
religiões de matrizes africanas, como o xangô e a umbanda, fazendo a sua associação a sambas,
batuques de preto da mina, a menção a práticas de feitiçaria e mandingueiros.
Ressalte-se ainda que a tipologia de espiritismo mencionada acima evidencia
claramente um preconceito de ordem racial. Os cultos espíritas kardecistas, por sua origem
europeia, se encontrariam em um patamar superior aos cultos praticados pelas populações
afrodescendentes. Durante o desenvolvimento da política higienista entre o final do século XIX
e início do século XX o “baixo espiritismo”, nesta época associado ao “fetichismo” passou a
ser perseguido pelo discurso médico e sanitarista. Segundo Ana Lory Soares, essa tática
também foi utilizada pelos adeptos do kardecismo, o que permite comprovar a afirmação sobre
a ocorrência de algum tipo de diálogo com o modelo discursivo católico.255
O medo da existência de uma “sociedade sem Deus” pareceu ser algo bastante
recorrente nas falas do clero católico, associado também ao temor da instituição religiosa de
perder as suas regalias. No entanto, como se frisou, apesar da separação entre os dois poderes,
e da crítica em decorrência do “nivelamento” do catolicismo com outras expressões religiosas,
historicamente o catolicismo continuou a usufruir de seus privilégios, deu continuidade à
manutenção das relações de poder com as forças políticas, prosseguiu em sua estratégia de
inserir seus preceitos e valores na sociedade, embasando-se na utilização de discursos
apologéticos, criminalizando outros credos, colocando em cheque sua política institucional e
pastoral.
Não foi diferente no território alagoano. A criação da jurisdição eclesiástica em
Alagoas facilitou a inserção do estado no projeto centralizador, levado a frente pelo episcopado
brasileiro, permitiu a ordenação do campo de atuação institucional e pastoral da instituição
religiosa. A formação sacerdotal de Dom Antônio Brandão fortemente influenciada pelas ideias
254
AQUINO, Maurício de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção
do Bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923). Tese (Doutorado em História e Sociedade). Assis: UNESP,
2012, p.36.
255
SOARES, Ana Lorym. A “orientação pelo evangelho” e a consolidação do espiritismo no Brasil (1860-1940). In: Revista
Eletrônica História em Reflexão, UFGD, vol. 7, 2013, p. 12.
88
ultramontanas europeias, como já se viu, continuará a deixar marcas em toda sua atuação como
bispo, já no Pará, e principalmente em seu estado natal.
Assim, é relevante para a pesquisa a observar as concepções do primeiro bispo de
Alagoas e como em seus discursos se reproduz o espírito ultramontano, tão típico das falas do
episcopado brasileiro. Dessa forma, a próxima secção terá como foco a análise do conteúdo de
escritos específicos de D. Antônio Brandão: a carta pastoral de saudação aos seus diocesanos e
algumas correspondências oficiais de seu bispado.
89
4. “AO CLERO E FIÉIS DE NOSSA DIOCESE”: o ideal da reorganização do
catolicismo nas cartas de Dom Antônio Brandão
Durante o caminho desta pesquisa se buscou observar a conjuntura política, social e
religiosa de Alagoas, entre os finais do século XIX e o início do XX, a fim de compreender o
contexto da criação da diocese do estado, em 1900, e a nomeação de Dom Antônio Brandão
para a função de ser o primeiro bispo. Procurou-se analisar, também, o modo como as relações
de poder entre forças políticas locais e o catolicismo encontravam-se estruturadas e
processualmente dadas. E, de forma sistemática, se examinou o esforço desempenhado por
Dom Antônio Brandão para organizar a sua jurisdição eclesiástica, dentro de estratégias
voltadas ao campo institucional, burocrático e à pastoral católica.
Entretanto, apesar de ter abordado determinadas questões associadas às práticas
pastorais, ficaram em aberto as discussões que se relacionam a uma participação mais ativa do
primeiro bispo diocesano no cotidiano da sua jurisdição eclesiástica, em específico quanto às
temáticas da disciplina clerical e atuação frente aos fiéis. Salienta-se que, por meio da consulta
das fontes (correspondências, circulares e cartas pastorais) se constata o esforço do bispo em
traçar aproximações com os seus diocesanos, corrigir e exortar os seus párocos e elaborar laços
de sociabilidade com segmentos da sociedade civil e das esferas executivas. É nas linhas destes
manuscritos e nas páginas da imprensa que podem ser observadas as articulações do prelado
com o pensamento ultramontano. Sendo assim, essa secção, que constitui a última parte do
estudo proposto, tem a finalidade de analisar os escritos de Dom Antônio Brandão em
documentações distintas, mas complementares entre si, manuscritas e impressas, disponíveis
no acervo do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió.
A primeira parte da secção se dedicará a um breve debate sobre a relevância dos
documentos epistolares (cartas) para as pesquisas históricas e, especificamente, sobre o recurso
das Cartas Pastorais por parte da instituição eclesiástica. Pretende-se compreender as Pastorais
por meio de uma aproximação entre as documentações de origem episcopal e o gênero epistolar.
Na segunda parte se analisará a Carta Pastoral de saudação de Dom Antônio Brandão aos seus
diocesanos, publicada no dia de sua posse, apresentada como um “plano de intenções”, referente
às propostas a serem executadas ao longo do seu episcopado. Posteriormente, se propõe a
examinar a atuação e a aplicação de algumas das propostas de sua epístola pastoral nas
correspondências oficiais do bispado, ofícios enviados aos párocos alagoanos, à Nunciatura
Apostólica e às autoridades civis. Estas correspondências do bispado constituem o segundo tipo
de fonte documental a ser observado.
90
A análise das fontes será feita com o auxílio da chamada “análise de conteúdo”, definida
por Laurence Bardin como “o meio metodológico de extração, classificação e comparação entre
as informações e significados de diferentes meios de comunicação”.256 A escolha deste
procedimento analítico possibilita reconhecer os possíveis conflitos e tensões em meio aos
encaminhamentos de Dom Antônio Brandão em ordenar o espaço burocrático-religioso da
jurisdição eclesiástica em Alagoas. Na secção anterior foram mencionados aspectos dentro do
nível institucional e pastoral. Contudo, estes elementos acabaram por direcionar as principais
áreas em que o prelado focou seus esforços e preocupações.
E quais foram os meios
empregados pela autoridade diocesana para organizar e solucionar as dificuldades específicas
na recém-criada circunscrição eclesiástica.
4.1. A escrita eclesiástica e as correspondências episcopais em Alagoas
As cartas são usadas como um recurso que tem o intuito de criar um vínculo de
comunicação e, assim, aproximar dois sujeitos específicos. A prática de sua escrita encontra-se
presente em vários momentos da história257, constituindo-se, dessa forma, até pouco tempo,
como um produto material resultante das relações humanas, caracterizado por uma estrutura de
redação e composto por sentidos próprios. Dentro da literatura aponta-se a existência da
epístola, definida como um gênero no qual a estrutura se aproxima da carta, no entanto,
possuindo diferenciações em relação ao seu conteúdo.258 Enquanto a noção de carta parece estar
associado a uma mensagem, na maioria das vezes, de teor mais “íntimo” e particular, as
epístolas são redigidas para expressarem opiniões e críticas que vão além do sentido privado,
podendo inclusive ser lidas entre um público mais amplo. As técnicas aplicadas à redação das
cartas recebem a denominação de epistolografia, e o profissional especializado nos métodos de
sua escrita, epistológrafo.
Entre as funções das cartas está a finalidade de apresentação ao leitor de uma breve
notícia ou relato. Ao serem tomadas e utilizadas pelas instâncias ligadas aos poderes políticos
e religiosos, como parte de suas atividades burocráticas, as cartas passam a ter o objetivo de
256
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 36.
ESTRADA, Francisco López. La epístola entre la teoría y la práctica de la comunicación. In: BUENO, B. L.
(org). La epístola. Sevilla: Universidad de Sevilla, 2000. pp. 27-60; VASCONCELLOS, Eliane. Intimidade das
correspondências. In: TERESA - Revista de Literatura Brasileira, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, n. 8/9, p. 372-389, 2008.
258
Para entender melhor a estruturação do gênero epistolar cf. HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Escritas
Epistolares. São Paulo: EDUSP, 2016; KRASNIQI, Florie. El texto epistolar: Un punto de intersección entre los
géneros discursivos y lo géneros literarios. In: Tonos Digital - Revita de estudos filológios, nº 26, Murcia, Enero
de 2014.
257
91
facilitar a transmissão de diretrizes e normatizações institucionais.259 No âmbito dos atuais
debates historiográficos, o uso de cartas, seja na forma de ofícios de cunho burocrático, como
circulares e processos criminais, correspondências pessoais e eclesiásticas, ganhou notoriedade
em pesquisas que analisam a possibilidade de compreensão destas documentações como
instrumento para os estudos dos profissionais das ciências sociais e humanas.260
Dois fatores permitem o direcionamento dos pesquisadores para as análises das práticas
culturais de escritas e a sua observação como fonte histórica. Primeiramente, as
correspondências são tomadas como “registros diretos” que fornecem ao pesquisador a
percepção sociocultural do contexto em que foram produzidas.261 Neste viés relacionado à
compreensão dos estudos históricos voltados às produções socioculturais da escrita, o gênero
epistolar passa a configurar uma forma de representação, no sentido apresentado por Roger
Chartier, ou seja, um conjunto alegórico da realidade social.262
Por outro lado, as fontes epistolares também são elaboradas com o objetivo de preservar
lembranças, pelo fato de serem guardadas, desta forma, pretendendo ser mantidas viva na
memória de seus destinatários. Para Jacques Le Goff “a memória tem a propriedade de
conservar certas informações, remetendo em primeiro lugar a um conjunto de funções
psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que
ele representa como passadas”.263 O autor também considera a escrita como um mecanismo que
embasa os aspectos da oralidade, como meio de reforço e ao mesmo tempo um registro da
memória.264 Em algumas sociedades de tradições predominantemente orais o uso da escrita
passou a constituir uma ferramenta de preservação de traços culturais, principalmente dos
aspectos ligados à religião, como os mitos e os ritos, para as gerações futuras.265
A observação das correspondências conforme a sua utilidade, como meio de análise das
produções culturais humanas se dá por meio da sua compreensão como documentos que foram
redigidos para um fim específico. Ao se ler uma carta nota-se que a mesma segue uma
259
GOODY, Jack. Introducción. In: GOODY, Jack (org.). Cultura escrita en sociedades tradicionales.
Barcelona: Gedisa, 1996, p. 13
260
Pode-se citar como exemplo a obra organizada pela Ângela de Castro Gomes, intitulada “Escrita de si, escrita
da História”, onde os ensaios publicados buscam inserir a possibilidade observação de cartas e correspondências
administrativas e pessoais como fontes de análise e estudos de pesquisadores das áreas das ciências humanas e
ciências sociais. Cf. GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV,
2004.
261
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela de Castro
(org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 18.
262
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990, pp. 17-18.
263
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: EDUNICAMP, 1990, p. 423.
264
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: EDUNICAMP, 1990, pp. 432-433.
265
GODDY, Jack; WATT, Ian. Las consecuencias de la cultura escrita. in: GODDY, Jack (org.). Cultura escrita
en sociedades tradicionales. Barcelona: Gedisa, 1996, p. 50.
92
estruturação. Ela possui: (a) introdução, demarcada pelo uso de formas de saudação; (b) corpo,
o conteúdo que especifica objetivo de sua escrita; (c) conclusão, que inclui expressões de
despedidas. Após escritas as correspondências são destinadas a um ou mais destinatários
específicos e direcionadas a um endereço. Em outras palavras, é um meio de comunicação que
exige que se tenha no mínimo um diálogo entre um sujeito, ou em uma situação mais solene,
um determinado grupo. Por essas características a prática de análise de documentos epistolares
passou a ganhar destaque nos estudos biográficos e históricos, como afirmou Ângela de Castro
Gomes:
Além da questão da materialidade do objeto, a escrita de si estabelece uma
relação de domínio do tempo que está determinada por seus objetivos e pela
sensibilidade que a provoca. Embora se possa considerar que toda escrita de
si deseja reter o tempo, constituindo-se em um “lugar de memória”, cabe
observar que certas circunstâncias e momentos da história de vida de uma
pessoa ou de um grupo estimulam essa prática. É o caso dos textos - sejam
eles diários, memórias ou cartas - que se voltam para o registro de fases
específicas de uma vida, como viagens, estadas de estudo e trabalho,
experiências de confrontos militares, prisão, enfim, um período percebido
como excepcional.266
Dessa forma, para Gomes a escrita de uma carta é uma prática que delimita a ocorrência
de um “espaço de sociabilidade” e os estreitamentos de vínculos sociais entre indivíduos e
grupos. Simultaneamente, pode ser uma ferramenta marcada pelos os sentimentos de intimidade
de quem a escreveu e para quem a leu.267 Constata-se a existência de uma lógica relacionada ao
ato de receber, ler, responder e guardar a correspondência. Já que em muitos casos os
destinatários decidem guardar as cartas, o registro e o seu conteúdo ficam preservados.
Por outro lado, segundo Antonio Castilho Gómez a utilização destas práticas de escrita
pode estar relacionada para além do sentido da representação. O autor considera o ato de
escrever, neste caso associado à redação das cartas, dentro de duas outras perspectivas: a
concepção do texto enquanto um discurso e a sua noção como uma prática sociocultural.268
Enquanto discurso, os textos das correspondências são compreendidos como a materialização
de arcabouços ideológicos e visões de mundo269. Conforme afirma Michel Foucault “o discurso
266
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela de Castro
(org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 18.
267
ARAÚJO, Ana Cristina. A correspondência: regras e práticas de escrita. In: SOBRAL, Margarida Neto (Coord.)
As comunicações na Idade Média. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2005, pp. 121-122.
268
GÓMEZ, Antônio Castillo. História de la cultura escrita: ideas para el debate. In: Revista brasileira de história
da educação, n° 5, jan./jun, 2003, pp. 109-110.
269
GÓMEZ, Antônio Castillo. História de la cultura escrita: ideas para el debate. In: Revista brasileira de história
da educação, n° 5, jan./jun, 2003, p. 109.
93
é uma representação culturalmente construída pela realidade, não uma cópia exata”.270 Ou seja,
a escrita atuaria como uma forma de legitimação da realidade. E em muitos casos atuaria como
um instrumento de sustentação das relações sociais e da ordem pré-estabelecida. Por outro
lado, a prática de redigir uma carta é marcada pela facilidade de circulação de informações, e
pela experiência que repercute ao leitor.271
Partindo desses pressupostos, pode-se colocar em diálogo a análise da cultura da escrita
com os estudos das religiões, onde os textos sagrados que são considerados oriundos de
inspiração divina ocupam um lugar central em suas doutrinas, discursos e interpretações sobre
o mundo.272 No caso da tradição católica, durante o período medieval ela foi marcada pelo
processo de letramento do seu corpo eclesiástico e pelo do trabalho dos copistas, em sua
maioria membros de ordens religiosas, responsáveis por reproduzir os escritos da instituição
religiosa. Durante os séculos que sucederam a Reforma e a Contrarreforma, passaram a elaborar
os seus textos e leitura com um sentido pedagógico, relacionando instrução e ensino de seus
dogmas, objetivando a defesa de sua “unidade religiosa”.273
Neste ponto se indica a compreensão do poder de propagação que possui o discurso
religioso. O sociólogo Pierre Bourdieu chama a atenção para o papel da “mensagem”, segundo
ele construída pelo corpo de especialistas do sagrado (clero, intelectuais e eruditos) e que se
interliga em quatro sentidos intrínsecos: o de produção, o de reprodução, a da circulação e da
interpretação.274 Em outras palavras, as mensagens religiosas são desenvolvidas e reproduzidas
com um determinado objetivo, justificam determinados preceitos, crenças e doutrinas. Na
medida em que circulam são interpretadas de acordo com os interesses de determinados grupos
religiosos e sociais275 e, por fim, ressignificados de acordo com a conjuntura histórica.
Ainda segundo Bourdieu, o intuito da mensagem religiosa encontra-se ligado à
legitimação da ordem social e política vigente, atribuindo à práxis discursiva um instrumento
para a sua representação.276 Porém, também tem que se levar em conta que, em alguns casos,
dependendo dos fatores sócias e da conjuntura história, a mensagem proposta pela religião
270
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 52.
GOMES, Ângela de Castro. “Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo”, In: GOMES, Ângela de
Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 20; HAROCHE-BOUZINAC,
Geneviève. Escritas Epistolares. São Paulo: EDUSP, 2016, p. 36
272
REIS, Edilberto Cavalcante. Visita e Cartas Pastorais: A construção de um Projeto Eclesial. In: Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá, vol. 3, nº 9, jan/2011, p.1.
273
REIS, Edilberto Cavalcante. Visita e Cartas Pastorais: A construção de um Projeto Eclesial. In: Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá, vol. 3, nº 9, jan/2011, p. 3.
274
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 51.
275
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, pp. 51-52.
276
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 52.
271
94
adquire uma característica a contestação a esta mesma ordem constituída. Sendo, assim, a noção
de “discurso religioso” pode ser compreendida por meio de um plano temporal - em que se
situam os sujeitos com suas representações religiosas concretas/imediatas e também em um
plano espiritual - onde se situam o sujeito e seus mecanismos de coerção sobre outros
indivíduos.277 Conforme sugere Mônica Maria de Souza Melo, as noções de “palavra” e de
“escrita” presentes nas religiões orientam os discursos produzidos (por exemplo as homilias,
pregações), e definem os meios e as finalidades da ação religiosa sobre a instância leiga
e o corpo eclesiástico:
O discurso religioso possui, portanto, um caráter pragmático, no sentido de
que leva o outro a uma ação. Porém, essa disposição para agir, por parte do
fiel, depende desse identificar, entre as instâncias envolvidas, uma relação de
autoridade que sinaliza uma submissão entre o fiel (leigo) e as autoridades
religiosas. A obediência por parte do fiel é proveniente da crença de que,
acatando o que é determinado, ele será recompensado e que, desobedecendo,
estará, de alguma forma, ameaçado.
As instâncias de produção e de recepção do discurso religioso possuem
características bastante peculiares. Essas instâncias têm sido tratadas no
âmbito da Sociologia e também dos Estudos Discursivos, sendo que essas
abordagens se complementam, no sentido de permitir a compreensão dos seres
e das circunstâncias envolvidos na circulação desse tipo de discurso.278
A partir dessas ponderações menciona-se a utilização por parte da hierárquica católica
das Cartas Pastorais, conhecidas também apenas como “Pastorais”. Ao estudar esse tipo de
fontes para o século XVIII, Fernando Torres Londoño afirma que as cartas são tanto uma forma
de os bispos manifestarem junto aos fiéis as suas preocupações e determinações, como expor
as suas relações com os poderes temporais constituídos e com clero.279
As cartas pastorais enquadram-se entre os diversos tipos de texto produzidos durante toda
a história da Igreja Católica Romana, tais como documentos teológicos, bulas papais, cartas
encíclicas, constituições religiosas etc. Elas têm como característica
aludir aos escritos
neotestamentários, especialmente às epístolas assinadas pelos apóstolos Paulo e Pedro. 280 Elas
também são classificadas como correspondências ostensivas, redigidas pelos bispos para um ou
277
ALMEIDA, Eliana de. Discurso religioso: um espaço simbólico entre o céu e a terra. Dissertação (Mestrado
em Letras) - Campinas: UNICAMP/UNEMAT, 2000, p. 46.
278
MELO, Mônica Maria de Souza. Considerações sobre o domínio da prática discursiva religiosa. In: MELO,
Mônica Maria de Souza(org). Reflexões sobre o discurso religioso. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do
Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2017. p. 144
279
LONDOÑO, Fernando Torres. Sob a autoridade do Pastor e a sujeição da Escrita: Os Bispos do Sudeste do
Brasil do Século XVIII na Documentação Pastoral. In: História: Questões & Debates, Curitiba, nº 36, p. 163,
2002. UFPR.
280
Edilberto Cavalcante. Visita e Cartas Pastorais: a construção de um projeto eclesial. In: Revista Brasileira de
História das Religiões. Maringá, vol. 3, nº.9, jan/2011, pp.1-2.
95
mais destinatários encarregados de transmitir a mensagem episcopal a um grupo maior, os
fiéis.281 As cartas pastorais encontram-se presentes em todos os períodos marcados pela presença
da instituição religiosa na história do Brasil e na Europa.282 A prática acabou sendo instituída
como parte das instruções religiosas implantadas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado
da Bahia (1707)283, que por sua vez tinha a intenção de aplicar as diretrizes estabelecidas pelo
Concílio de Trento (1545-1563).284
Os manuscritos pastorais atuam como um mecanismo para o bispo exercer o seu poder
de forma simbólica285, impondo a sua autoridade em meio aos seus diocesanos.286 Normalmente
após ser enviada a uma determinada paróquia ou capela, a documentação pastoral deveria ser
lida aos fiéis pelo padre ou vigário durante as celebrações (missas). Em seguida, tinha que ser
anotada em seu respectivo livro de Tombo, para que fosse constatado, futuramente, se tais
orientações foram devidamente aplicadas.287
Durante a segunda metade do século XIX e o início do XX as pastorais passaram a ser
impressas na forma de pequenos livretos,288 fazendo parte do que passou a ser denominada
como “Boa Imprensa” junto com os periódicos católicos. Para André Luiz Caes, “as Pastorais
constituem para os pesquisadores de hoje, um referencial documental de grande valia para a
compreensão e esclarecimento das relações estabelecidas entre a Igreja, o Estado e a sociedade
brasileira naquele momento histórico”.289 Por causa de sua diversidade temática, no geral, as
cartas pastorais podem ser classificadas em cinco tipos: (1) administração religiosa,
relacionadas com o dia a dia do funcionamento administrativo da diocese; (2) controle do clero,
281
HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Escritas Epistolares. São Paulo: EDUSP, 2016, p. 53.
Para melhor compreensão a respeito da utilização das Cartas Pastorais como fontes históricas, veja:
LONDOÑO, Fernando Torres. Las cartas pastorales del Brasil del siglo XVIII. In.:Anuario de história de La
iglesia, n. 12, p. 225-232, 2003; ___________. Sob a autoridade do Pastor e a sujeição da escrita: os Bispos Sudeste
do Brasil do Século XVIII na documentação Pastoral. In.: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, p. 161188, 2002. UFPR; GOMES, César Leandro Santos. Fé e sociedade: O discurso do episcopado brasileiro e alagoano
nas cartas pastorais do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió. In: Revista Quæstionis Documenta – Revista
do Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió, Ano I, Nº 1, pp. 114-133, 2016.
283
Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia, Typografia: 2 de dezembro de 1853. Tomo III, §23-24.
284
LONDOÑO, Fernando Torres. Las cartas pastorales del Brasil Del siglo XVIII. In.:Anuario de historia de La
iglesia, n. 12, p. 227, 2003; ZANON, Dalila. A ação dos bispos e a orientação tridentina em São Paulo (17451796). Dissertação (Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1999, p. 60.
285
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil, 1989, p. 14.
286
LONDOÑO, Fernando Torres. Sob a autoridade do Pastor e a sujeição da escrita: Os Bispos Sudeste do Brasil
do Século XVIII na documentação pastoral. In.: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, p. 161-188, 2002.
UFPR, p. 162.
287
LONDOÑO, Fernando Torres. Cotidiano paroquial e Livros de Tombo. In.: Revista de Cultura Teológica, nº
4, São Paulo, 1994, pp. 97-98.
288
REIS, Edilberto Cavalcante. Visita e Cartas Pastorais: a construção de um projeto eclesial. In: Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá, vol. 3, nº .9, jan/2011, p.2.
289
CAES, André Luiz. As portas do inferno não prevalecerão: a espiritualidade católica como estratégia política
(1872-1916). Tese (Doutorado em História) – UNICAMP, Campinas, 2002, p. 6.
282
96
para tudo que se referisse aos sacerdotes daquela diocese; (3) doutrinais, normativa quanto aos
sacramentos e a sua administração; (4) vida espiritual e moral dos fiéis, aquelas que tematizam
à salvação de suas almas, os seus costumes e as suas moralidades; e (5) saudação aos
diocesanos, aquelas que traçam o perfil de atuação do recém-nomeado representante da
jurisdição eclesiástica. Londoño, ao analisar as cartas pastorais dos bispos das regiões sul e
centro-oeste do Brasil, chama a atenção que uma mesma Carta Pastoral poderia reunir mais
destas características conforme o propósito de sua escrita e narrativa.290
Desta forma, as pastorais constituem-se como um tipo de documento de teor burocrático
e religioso, utilizado pelos bispos com o objetivo de resolver questões ligadas ao cotidiano das
paróquias em suas jurisdições, ligado a aspectos dogmáticos e morais.291 Um ponto relevante
em relação à circulação das Cartas Pastorais é a recomendação para a realização da “copia,
registro e arquivamento” do documento (quer seja manuscrito ou impresso), confirmando o
que se mencionou anteriormente, em específico, a relação entre a escrita e a preservação da
memória. Estas categorias de fontes eclesiásticas carregam em suas linhas um pouco dessa
concepção, ao serem utilizadas como um instrumento do exercício de controle e averiguação
por parte do bispo que escreveu a epístola, e eventualmente de seus sucessores, a fim de conferir
se as diretrizes e encaminhamentos propostos foram obedecidos. Sobre essa problemática
Edilberto Reis afirma:
Tais características chamam bastante a atenção, pois sendo lidas e explicadas
ao povo nas missas, nas reuniões das associações de leigos, nos seminários,
esses documentos eram em certo sentido os mais “lidos” pela sociedade
brasileira do século passado. Principalmente por aqueles estratos sociais mais
baixos e com menos acesso à cultura letrada. Num certo sentido, podemos
dizer que eram as ideias que mais fundo penetravam na sociedade brasileira.
Em certa medida mais que a imprensa, mais que a literatura e infinitamente
mais que os escritos filosóficos, científicos e políticos da intelectualidade de
então. Ao mesmo tempo, a exigência do registro das cartas pastorais nos
arquivos paroquiais era uma forma de os bispos manterem o controle sobre os
párocos e saber se os mesmos estavam cumprindo a determinação de dar
publicidade aos documentos. Importante lembrar que, o cumprimento desta
orientação era supervisionado pelos bispos por ocasião das visitas pastorais às
paróquias.292
290
LONDOÑO, Fernando Torres. Sob a autoridade do Pastor e a sujeição da escrita: os Bispos sudeste do Brasil
do século XVIII na documentação Pastoral. In.: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, p. 180, 2002.
UFPR
291
LONDOÑO, Fernando Torres. Sob a autoridade do Pastor e a sujeição da escrita: os Bispos sudeste do Brasil
do século XVIII na documentação Pastoral. In.: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, p. 180, 2002.
UFPR
292
REIS, Edilberto Cavalcante. Visita e Cartas Pastorais: a construção de um projeto eclesial. In: Revista
Brasileira de História das Religiões. Maringá, vol. 3, nº .9, jan/2011, p. 4.
97
Podem-se perceber dois elementos relativos à escrita eclesiástica na documentação aqui
analisada: primeiramente a transversalidade do discurso religioso, no sentido do poder de
inserção da mensagem elaborada pela hierarquia católica em diferentes estamentos das
estruturas sociais. Em seguida, nota-se a relação intrínseca entre as epístolas com outra prática
obrigatoriamente exercida pelos bispos, as já mencionadas visitações pastorais. Na verdade, o
ato de escrever as epistolas tem como intuito completar as visitações dos bispos diocesanos nas
paróquias. Para Dalila Zanon, ao pesquisar sobre as orientações tridentinas na capitania de São
Paulo, durante o século XVIII, as cartas pastorais seriam enviadas na impossibilidade do
deslocamento do bispo ou da nomeação de representante, visitador, para uma ou mais
paróquias, com a finalidade exortar o clero, na pessoa do pároco, e os fiéis.293
Já os livros de tombo, volume onde seriam registradas as pastorais, constituem-se como
outro tipo de fonte eclesiástica com o intuito de registrar o cotidiano paroquial. Para Londoño,
nada haveria de escapar ao registro desta documentação, tornando-se uma fonte sobre a vida
paroquial a ser consultada pelo vigário a cada seis meses.294 E por meio dos seus registros os
bispos ou os visitadores poderiam conferir o nível de obediência às determinações episcopais.295
Este material classifica-se em dois subtipos. Como o próprio nome indica, os livros de tombo
paroquiais têm a função de anotar as atividades das capelas e paróquias. As atas do Concílio
Plenário Latino-Americano recomendavam aos bispos que orientassem seus párocos a
manterem os livros de registros constantemente organizados:
(...) Para obter esse conhecimento de maneira mais fácil e precisa, forme o
censo chamado status animarum; e classifique em livros separados, de acordo
com ao formulário prescrito, sem demora e conforme ocorram, batismo,
confirmações, casamentos e óbitos: cujos livros serão visitados pelo Ordinário
ou seu representante.296
Para se ter uma noção, aponta-se como exemplo o registro feito pelo pároco de Pilar,
pe. Francisco Maria de Albuquerque, em 13 de fevereiro de 1902:
Tendo obtido de Frei Aloysius Lauer- Superior dos menores franciscanos, [a]
faculdade para indulgenciar as cruzes das quadras da via-sacra existentes na
matriz desta Cidade, depois de ter alcançado a autorização do bispo diocesano
conforme determinava a mesma faculdade erigi-a canonicamente do que para
constar escrevi este termo que assino.
293
ZANON, Dalila. A ação dos bispos e a orientação tridentina em São Paulo (1745-1796). Dissertação
(Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1999, p. 65.
294
LONDOÑO, FERNANDO TORRES. Cotidiano paroquial e Livros de Tombo. In.: Revista de Cultura
Teológica, nº 4, São Paulo, 1994, pp. 96-97.
295
LONDOÑO, FERNANDO TORRES. Cotidiano paroquial e Livros de Tombo. In.: Revista de Cultura
Teológica, nº 4, São Paulo, 1994, p. 97.
296
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo IIi, cap. IX, Art. 268.
98
Ita in verbo sacerdotis [conforme a palavra do sacerdote].297
Por outro lado, também há livros de tombo diocesanos, entendidos como a compilação
dos escritos pessoais e atividades do bispo. Como se nota, os livros de tombo possuíam a função
de controle burocrático das paróquias e dioceses; neles seriam escritos os ofícios circulares,
ofícios administrativo-religiosos, encaminhamentos episcopais ao clero. No âmbito do tombo
diocesano ainda se consta o registro de troca de correspondências entre os Bispos e a Nunciatura
Apostólica. Para a pesquisa, os livros de tombo acabaram indicando a leitura de outro tomo
pertinente, o Livro de Correspondências Oficiais do Bispado de Alagoas298, com número de
sessenta e um registros de ofícios enviados por Dom Antônio Brandão, em sua maioria ao clero;
mas, também podem ser observadas correspondências enviadas a autoridades civis e a
Nunciatura Apostólica.
Por meio de uma breve leitura constata-se que as correspondências encaminhadas aos
vigários diocesanos durante o governo episcopal de Dom Antônio Brandão, equivalem a
quarenta e nove registros de cartas; dentro destes cinco não possuem identificação, o que leva
a acreditar que também foram destinadas a párocos. Em seguida vêm os ofícios direcionados à
outros membros do episcopado brasileiro e ao Núncio Apostólico, possuindo o total de três
cartas para cada categoria; as circulares e ofícios destinados as autoridades governamentais
ocupam o terceiro lugar dos assuntos da documentação, correspondendo a duas
correspondências para cada tipologia. Por fim, há uma carta encaminhada ao Arcebispado da
Bahia e outra a um particular (tratando de questões relacionadas a licença para celebração de
um matrimônio).
Após esta breve exposição sobre as contribuições dos diálogos entre História Cultural e
História da Escrita, tendo foco o gênero textual epistolar, e o papel do discurso religioso como
uma forma de interpretação da realidade sociocultural, destacando, também, a utilidade das
Cartas Pastorais e dos Livros de Tombo, como forma de registro de informações cotidianas das
paróquias e dioceses, indico as fontes específicas que serão analisadas: a carta Pastoral de
saudação e o Livro de Correspondências do Bispado de Alagoas.
297
Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, livro de Tombo vol.1, 13 de fevereiro de 1902, fl. 73.
Quero agradecer as contribuições de Altina Maria Farias que com seu trabalho de pesquisa conseguiu auxiliar
na análise dos conteúdos da documentação episcopal. Cf. O livro de correspondência oficial (1901-1922):
Governo episcopal de D. Antônio Brandão. In: Quæstionis Documenta – Revista do Arquivo da Cúria
Metropolitana de Maceió. Ano III, Nº 3, pp. 90-109, 2018.
298
99
4.2. A Carta Pastoral de saudação de Dom Antônio Brandão ao clero e aos fiéis da Diocese
de Alagoas, 23 de agosto de 1901
A Carta Pastoral de saudação do primeiro bispo alagoano foi escrita em meio ao
processo de sua transferência, enquanto ele ainda exercia a função episcopal da Diocese do
estado do Pará. O documento foi distribuído no momento em que tomava posse da nova
jurisdição. Possuindo vinte e duas páginas, a Carta Pastoral foi impressa em um papel áspero.
A tipografia responsável pela sua impressão se chamava Livraria Bittencourt, localizada em
território paraense. Segundo Cícero Vasconcelos, o documento foi distribuído entre os párocos
durante as festividades de celebração da posse do bispo diocesano.299 Em um dos livros de
tombo da paróquia de Pilar300 encontra-se uma cópia manuscrita da Pastoral, em cumprimento
a uma das primeiras determinações do novo bispo: "os reverendos párocos e capelães leiam esta
nossa Carta Pastoral a estação da missa em dia festivo, a registrem e a arquivem".301 Em relação
ao aspecto linguístico, nota-se que a carta é escrita na primeira pessoa do plural, permitindo aos
leitores e ao público perceber o ponto de vista apenas de quem está escrevendo ou narrando. A
utilização deste artifício se articula com a “escrita de autoridade”, já que passa a impressão de
unidade, uniformidade e de uma identificação com uma determinada categoria social.
Nos parágrafos iniciais a Carta Pastoral já sinaliza para quais grupos o seu texto foi
direcionado ao começar a expressão “ao clero e fiéis de nossa diocese”.302 Em relação aos seus
conteúdos o documento eclesiástico gira em torno de alguns temas centrais: a proposta de
constituição das bases institucionais e estruturais do bispado, o seminário, conforme o modelo
e as indicações do Concílio de Trento, e as visitações pastorais.
Não esqueceremos irmãos e filhos muitos amados, esta paternal e solícita
recomendação do nosso muito amado Pontífice Leão XIII, e nos aplicaremos
com tão grande obra da formação do clero e deste rumo não nos desviarão
dificuldades, nem incômodos, pois os bons sacerdotes que tivermos a
felicidade de formar no Seminário serão nossos amigos leais, nossos fiéis e
dedicados cooperadores na vinha do Senhor que nos ajudaram a carregar o
peso formidável do episcopado, e, finalmente, serão nossa coroa de glória na
Eternidade.303
299
VASCONCELOS, Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão: primeiro
bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 13.
300
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pasta - Livro de Tombo da paróquia de Pilar (1897-1935), vol. 1, fl. 44-65.
301
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 22.
302
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 3.
303
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, pp. 15-16.
100
Conforme se observa, o primeiro bispo de Alagoas possuía uma grande preocupação em
aplicar as diretrizes da cúria romana. De certo modo, este rigor e urgência para a constituição
de estabelecimentos que iriam fortalecer as bases institucionais da jurisdição eclesiástica podem
ser compreendidas a partir da reprodução de um discurso coletivo, elaborado pela hierarquia
católica, pelo qual entendia a criação desses espaços de atuação da Igreja católica como os
primeiros sinais da aplicação das orientações de Trento. Outro ponto presente na Pastoral é a
existência de uma distinção entre os poderes temporais e espirituais, e ainda a crítica à adesão
a sistemas políticos influenciados pelo liberalismo e pelo positivismo304, que para elite
eclesiástica foram reflexos da ineficácia do trabalho pastoral do clero junto aos fiéis.
Ainda segundo o texto, Dom Antônio Brandão reproduz o discurso de outros intelectuais
de Alagoas, ao afirmar que a criação da Diocese trará inúmeros benefícios ao estado, entre eles
a formação de um clero propriamente alagoano, sem ter mais a necessidade de os futuros
candidatos aos sacerdócio se deslocarem para fora do estado, e a fundação de escolas, hospitais
e instituições filantrópicas:
Com efeito, são evidentes os benefícios resultantes da criação da Diocese de
Alagoas.
A instrução se difunde com a instituição do grande e pequeno Seminário.
Naquele se formam na piedade e nas ciências sagradas os futuros levitas do
Senhor, encarregados da administração dos Santos Sacramentos instituídos
para santificação da alma mediante o valor infinito do precioso sangue de N.
S. Jesus Cristo, vítima sacrossanta, que eles imolam quotidianamente de modo
incruento no santo sacrifício do altar, com que dão a S.S. Trindade louvor e
gloria aos anjos causam alegria, aos pecadores proporcionam o perdão, aos
justos auxilio e graça, e a Igreja purgante refrigério e alivio.
Os Sacerdotes são também os embaixadores de Deus encarregados de ensinar
aos homens a sua lei e os preceitos da moral.
Infelizmente quão poucos são atualmente nesta nossa Diocese estes
mensageiros de Deus que outrora eram tão numerosos! Então as solenidades
do culto revestiam-se de máximo esplendor as necessidades espirituais dos
fiéis eram prontamente atendidas e a Religião florescia.305
Em seguida, o bispo solicita o apoio de seus diocesanos, para melhor exercer as suas
atividades episcopais, que o prelado entende como o esforço para manter a salvação e proteger
as almas dos fiéis, segundo ele: “conforme inspirado no exemplo dos trabalhos dos Apóstolos,
cuja missão seria conservar puras e inocentes nesta vida as almas dos diocesanos, para que na
304
Segundo as informações de Cícero Vasconcelos, Dom Antônio Brandão assinou um manifesto junto com os
demais bispos brasileiros, no qual o episcopado se posicionou contra as ideias positivistas que influenciavam o
regime político da Primeira República. Cf. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão:
primeiro bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 11.
305
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 6.
101
outra gozem do sumo bem, que é Deus, que nos criou e conserva".306 Os significados embutidos
nestas poucas palavras são bem interessantes. O bispo traz à tona a fala que apresenta a
Instituição Católica como portadora dos bens para salvação a humanidade. Então seu dever
como pastor apostólico de Alagoas é conservar as consciências de seus diocesanos dentro dos
ensinamentos religiosos católicos, defendidos como verdades absolutas, quanto aos únicos
meios de os seres humanos obterem a salvação divina.
Outro tema abordado nas páginas da Pastoral é a problemática da caridade. Segundo a
Carta Pastoral do bispo alagoano, é necessário que os seus diocesanos “observem as santas leis
de Deus e da Igreja” e que pratiquem as virtudes cristãs, entre elas “a fé, a esperança e a
caridade”.307 O problema da caridade descrito no texto de Dom Antônio Brandão não é uma
temática “nova” em sua escrita sacerdotal. Na época em que era governante apostólico da
jurisdição paraense, o bispo publicou outra Pastoral, no ano de 1899 308, após o seu retorno do
Concílio Plenário Latino Americano, em que orientava aos fiéis da sua antiga diocese acerca
do jejum e da caridade. Nos documentos conciliares esta é entendida como umas das virtudes
cristãs que deveriam ser estimuladas pelo bispo diocesano, “como autoridade responsável por
preservar a obediência da população, constituindo uma concordância entre os poderes civis e
eclesiásticos”309, como pode ser conferida:
Para o progresso da República, é indispensável que se conserve a ordem
apropriada. Somente a disciplina religiosa, cuja a intérprete e guardiã é a
Igreja, pode efetivamente organizar e unir os superiores e os subordinados,
chamando estas duas classes de pessoas para seus deveres mútuos. Exortamos,
pois, a todos e a cada um dos magistrados que sejam constantes e fiéis em
administrar a justiça; e ao povo que preste a devida obediência, e que cumpram
as leis legitimamente estabelecidas e preservem a todos e defender a paz
pública, unidos aos laços de caridade.310
Durante o final do século XIX, regimes embasados pelas ideias republicanas passaram
a ser instaurados ao longo do território sul-americano. No entanto, conforme a passagem do
documento conciliar latino-americano apresentada anteriormente, para a hierarquia católica os
governos republicanos só poderiam ter avanços se mantivessem seus planos políticos
306
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 8.
307
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 10.
308
Originalmente a Pastoral foi escrita em 1899, no entanto, no ano seguinte foi publicada na forma de livreto.
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Belém do Pará, ao regressar de
Roma depois do Concílio Plenário Latino-Americano. Pará: Tipografia Oliveira, 1900.
309
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano, Roma: 1900, Titulo I, capitulo VIII, $68.
310
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano, Roma: 1900, Título X, Capítulo II, $764.
102
direcionados à conservação da ordem constituída e da doutrina religiosa. Como uma ferramenta
de preservação da obediência às leis e defesa da paz pública, neste quesito os bispos conciliares
destacam o papel da união dos laços de caridade, como um mecanismo que atrelasse as
diferentes classes em torno de um bem comum.
Etimologicamente a palavra caridade deriva do latim carĭtas, conotando o sentido de
“amor, afeto, amor ao próximo”.311 Normalmente, a noção empregada também se associa à
prática da filantropia, relacionada às doações e ajudas às classes menos favorecidas
economicamente. De acordo com o pensamento católico da época o estímulo à caridade por
meio das práticas filantrópicas está relacionado tanto à perspectiva de um controle social,
movido pela crença de que com isto se combateria a pobreza, como também à possibilidade de
ser entendida como uma ferramenta de colaboração em vista manutenção da ordem312 e
conservação das ideias de civilidade:
Vide esta harmonia e união que reina na natureza, lançai os olhos para o
firmamento e admirai a ordem e a harmonia deste exército de estrelas que há
tantos séculos desde a criação do mundo giram no espaço incomensurável sem
jamais se chocarem e obedecendo sempre à lei que lhe foi imposta pelo
Criador.
Assim também no mundo moral sejamos unidos, observemos a lei divina da
caridade; que nos foi imposta, para podermos alcançar o fim para que fomos
criados.
Esta união, irmãos e filhos muitos amados, nos é sobre tudo necessária no
momento presente em que, com a inauguração desta cara Diocese, teremos de
defrontar com tantas dificuldades que só podem ser vencidas e superadas pelo
esforço unânime do generoso, nobre e brioso povo alagoano.313
Contudo, nas entrelinhas do documento em questão, o texto pastoral acaba direcionando
o leitor a outra conotação do termo caridade, ou seja, a concepção cristã de bondade, mas
necessariamente articulado à unidade em termos de harmonia social. Essa questão nos faz
pensar que a menção do tema da caridade pelo bispo diocesano em sua carta pastoral
seguramente não ocorreu por acaso. A possível justificativa para utilização desta expressão no
texto está conectada à conjuntura que marcou tanto a criação da Diocese como a produção da
311
OTTAVIANI, Edelcio Serafim. A caridade na história da Filosofia. In: Revista Cultura Teológica, nº 35, São
Paulo, 2001, p. 62.
312
NEVES, Frederico de Castro Neves. Caridade e controle social na Primeira República (Fortaleza, 1915). In:
Revistas Estudos Históricos, vol. 27, Nº 53, Rio de Janeiro, 2014, p. 117; PINTO, Jefferson de Almeida. “Uma
esmola pelo Amor de Deus!”: Caridade, filantropia e controle social (Juiz de Fora, 1870-1930). In: Revista Opsis
- Departamento de História e Ciências Sociais, vol. 8, nº 11, Goiás, 2008, p.277.
313
Carta Pastoral de Dom. Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, pp. 14-15.
103
Carta Pastoral. No campo político, como se apontou anteriormente, o estado de Alagoas passava
por um momento bastante conflituoso desde a instalação do governo republicano.
Um acontecimento a ser mencionado foi a ocorrência do conflito armado motivado pela
deposição do então governador Manuel Gomes Ribeiro, o barão de Traipú, em 1º de maio de
1895. Segundo os relatos, sua destituição ocorreu como consequência das agitações públicas
causadas pelos seus opositores.314 Traipú, então, decide entregar o cargo de chefe do poder
executivo do estado, formando então uma junta administrativa composta por Dário Cavalcante
de Albuquerque, José da Rocha Cavalcante e Francisco da Silva Porto.315 O afastamento do
governador da chefia do estado acirrou as tensões existentes no campo político, gerando um
clima de desordem e hostilidade na cidade de Maceió.
O jornal Gutenberg de 4 de maio do mesmo ano narra que por volta do meio dia um
grupo de indivíduos chefiado pelo segundo-tenente Peralgino se dirigiu ao hotel Nova Cintra,
no centro da capital, local onde se encontrava o Barão de Traipú e seus aliados. Disto ocorreu
uma troca de tiros, levando às mortes do capitão Vieira Dantas (do batalhão policial), do capitão
Pereira Lima (tenente Candido, da Guarda Nacional), da D. Maria Amália Accioly Cahet (filha
do secretário do governo Major Cahet), e ferindo a outros tantos. Em repercussão ao ocorrido,
no dia seguinte o presidente Prudente de Moraes restituiu o Barão de Traipú a função de
Governador, onde permaneceu até 14 de janeiro de 1896, passando o governo para o Coronel
José Vieira Araújo Peixoto.316 Desta forma, acredito que a fala do bispo em prol da unidade
social se insere na perspectiva de que eventos com este não repitam no interior da estrutura
política e executiva do estado.
Já se encaminhando para as páginas finais, em seu texto D. Antônio Brandão faz uso de
metáforas, os fiéis são apresentados como o seu rebanho, ele se apresenta como o pastor, que
tem como objetivo ensinar e cuidar de suas "ovelhas".317 Esta alegoria envolvendo os termos
ovelha, rebanho e pastor faz referência aos textos do Antigo e Novo Testamento, nesse caso
uma reinterpretação da linguagem bíblica. Observa-se a preocupação do bispo de se fazer
entendido para os seus diocesanos. O mesmo se dá ao apontar a questão dos párocos, quando
314
BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Maceió: Sergasa, 1981, p. 116; COSTA, Craveiro. História de
Alagoas: Resumo Didático. Rio de Janeiro/Maceió: Melhoramentos/Sergasa, 1983 [1923], pp. 164-165.
315
GUTENBERG, Maceió, quarta-feira, 1 de maio de 1895.
316
BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Maceió: Sergasa, 1981, p. 116; COSTA, Craveiro. História de
Alagoas: Resumo Didático. Rio de Janeiro/Maceió: Melhoramentos/Sergasa, 1983 [1923], p. 165.
317
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 20.
104
aborda, mais uma vez, a grandeza e o papel dos sacerdotes318 como porta-vozes da mensagem
sagrada e funcionários habilitados para a aplicação dos sacramentos aos seus paroquianos, ou,
como o bispo se refere no texto, aos "fregueses".319
Conforme a descrição da Carta Pastoral, o trabalho sacerdotal é a ferramenta de difusão
da mensagem religiosa e como um meio e dos princípios morais da Igreja e, portanto, seriam a
missão dos sacerdotes ensinar e guiar os fiéis dentro desses preceitos. O bispo também saúda
os seminaristas, a nova geração do clero, comparados a um jardim, “onde as melhores flores
foram cultivadas”. No caso ele está referindo-se aqui aos Seminários, fazendo referência ao
principal estabelecimento que tem o objetivo de selecionar novos membros para o corpo
eclesiástico, da mesma forma que apresenta a provável semelhança com a dinâmica que será
aplicada durante o seu episcopado.320
Por fim, o texto do bispo diocesano saúda as autoridades e membros do poder político.
Para ele, a esfera pública não pode ser considerada como uma "inimiga do poder eclesiástico”;
eles são “igualmente independentes e distintos”. Ambos "emanam da mesma fonte que é
Deus".321 Observa-se neste enunciado o destaque para a colaboração e as relações harmoniosas
entres as esferas públicas e a hierarquia católica; segundo o prelado, ambas as esferas
necessitam viver em unidade para que possam agregar e trazer benefícios para a sociedade por
meio de uma relação de mão dupla.
Contudo, mais do que um "plano de intenções", a Carta Pastoral de Dom Antônio
Brandão pode ser interpretada como um "guia" para se entender as suas propostas para
administração da Diocese de Alagoas. O documento tem muito a nos dizer, principalmente no
que diz à ressignificação do discurso religioso proposto pela política de reestruturação católica.
De início, percebe-se toda a erudição e rigor nos termos utilizados na escrita, como é de se
esperar devido à formação intelectual do bispo alagoano no Seminário de Olinda. Também se
observa a preocupação do prelado em organizar as bases patrimoniais e institucionais da
diocese, seguindo o modelo tridentino, perceptível em membros do episcopado atrelados às
determinações pontificais, principalmente no que diz respeito à moralização do clero. A forma
como Dom Antônio Brandão elogia e tenta constituir as relações entre a esfera pública e
318
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 20.
319
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 20.
320
Lembrando sobre a utilização dos processos vocacionais de ordenação mencionados na Secção 2.
321
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p.21.
105
religiosa também é significativa, trazem muito do pensamento católico que defendia a
conciliação entre a ordem política e a ordem religiosa.
Relativamente a este tema, Cícero Vasconcelos afirmou que Dom Antônio Brandão, ao
contrário de muitos companheiros de episcopado, que foram atuantes politicamente em suas
respectivas jurisdições, preferiu evitar qualquer tipo de intervenção ou desavença com a
administração civil, e mostrava todo o respeito às autoridades públicas322. Possivelmente, este
clima de aparente harmonia entre o bispado e os poderes legislativos do estado explicaria o
silencio do prelado durante a campanha de desmoralização de Euclides Malta pelos seus
opositores durante a conjuntura que antecede a ocorrência do “Quebra do Xangô de 1912”.323
Por fim, o documento consegue trazer a reflexão de quais seriam as principais
preocupações do bispo diocesano, e quais foram os principais focos do seu trabalho, a saber: as
questões correspondentes a administração do patrimônio eclesiástico; o controle e normatização
do clero e a regulação das práticas religiosas. Seus posicionamentos acerca destas questões
podem ser verificados por meio da leitura das cartas circulares e ofícios enviados aos párocos
e registradas nos livros de correspondência oficial do bispado, de forma manuscrita ou, ainda,
impressa, nos jornais.
4.3. Entre o discurso e a prática: o projeto da restruturação católica nas cartas de Dom
Antônio Brandão
No dia 24 de agosto de 1901 o titular do bispado dirige uma mensagem à pessoa do
governador alagoano, Euclides Vieira Malta, encontrada entre as anotações iniciais do Livro de
Correspondência do Episcopado de Alagoas, disponível no Arquivo da Cúria Metropolitana de
Maceió. Ela indica de forma clara, as bases das alianças constituídas entre o poder eclesiástico
e as esferas executivas do estado, envolvidas por um sentimento de visível harmonia e
cumplicidade324:
322
VASCONCELOS, Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão: primeiro
bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 21.
323
Segundo se observa por meio da leitura da historiográfica sobre o período, a Igreja Católica possuía uma
diversidade de discursos depreciativos direcionados às religiões de matriz africana e às manifestações de crenças
“hibridas”, como a religiosidade popular. O próprio pensamento que insiste em demonizar o culto afrodescendente
traz muito da concepção católica. Recordo que Dom Antônio Brandão faleceu no ano de 1910, dois anos antes de
ter ocorrido “o Quebra”. E, se por acaso, durante a época do seu episcopado o prelado ficou sabendo das relações
de Euclides Malta com os Xangôs, decidiu ignorá-las em prol da harmonia entres os poderes políticos e religiosos.
Cf. RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na Primeira República. São Cristóvão:
EUFS/EDUFAL, 2012; TENÓRIO, Douglas Apratto. Metamorfose das oligarquias. Maceió: EDUFAL, 2009.
324
NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença da igreja católica em Alagoas: O primeiro bispo e a nova
diocese. Maceió, AL: EDUFAL, 2013.p. 81.
106
Tendo sido transferido da Diocese de Belém para esta Diocese de Alagoas
criada pelo decreto consistorial de 2 de junho do ano passado, dela tomei
posse, inaugurando-a ontem. Fazendo a vossa excelência esta comunicação,
me congratulo com o Estado de Alagoas de que a vossa excelência é
digníssimo governador, pela realização de um dos seus mais ardentes desejos,
a inauguração da Diocese e tenho a honra de dar a disposição de vossa
excelência meu pequeno préstimo para o que for do serviço público e do
particular de vossa excelência a quem Deus guarde.
Excelentíssimo senhor Dr. Euclides Vieira Malta, digno governador do Estado
de Alagoas.325
O registro acima consiste no resumo do acontecimento da transferência do prelado da
diocese do Pará para Alagoas, no dia de sua inauguração e sobre a respectiva posse para a
função de primeiro bispo. Por meio do ofício, Dom Antônio Brandão afirma o seu
comprometimento quanto a qualquer futura necessidade, tanto no âmbito público, como no
privado, que o governador possa ter. A olhos desatentos, este manuscrito pode passar
despercebido. No entanto, esta indicação nítida da constituição de alianças entre os
representantes dos poderes eclesiásticos e o poder executivo, no contexto analisado, não pode
ser considerada mera cordialidade. Seria obrigação dos bispos reconhecer a existência das
forças políticas locais e traçar diálogos com elas.326 Por meio da aliança com esta categoria a
elite eclesiástica encontraria colaboradores, para patrocinar e manter financeiramente os
projetos eclesiásticos que seriam futuramente realizados.
Todavia, o conteúdo da mensagem destacada anteriormente corresponde, também, à
preocupação do prelado alagoano em registrar, minuciosamente, os fatos cotidianos,
burocráticos e religiosos do bispado. Após assumir a diocese Dom Antônio Brandão
recomendou aos párocos sob a sua cobertura manterem sempre atualizados os registros de
tombo de suas respectivas freguesias, como apontou Márcio Nunes:
Fato peculiar e muito significativo foi, exatamente, a grande preocupação
demonstrada por Dom Antônio pela "organização" e atualização dos
assentamentos dos atos sacramentais [das paróquias às quais estavam em
Visitas Pastorais] (...) Em suas circulares dirigidas aos sacerdotes aos
exerciam o ministério nas Paróquias, o primeiro Bispo das Alagoas sabia
expressar, entre determinações e exigências, o que a Igreja solicitava de seus
fiéis em termos de vivência da fé. Quando escrevia, geralmente fazia menção
aos documentos da Igreja e às determinações do Concílio Plenário LatinoAmericano do qual, como vimos, foi um dos participantes.327
325
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 24 de agosto de 1901. fl. 3.
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: PUC-SP, 2012, p. 100.
327
NUNES, Marcio Manuel Machado. Presença da igreja católica em Alagoas: O primeiro bispo e a nova
diocese. Maceió, AL: EDUFAL, 2013, p. 75.
326
107
Ao se refletir sobre a afirmação de Nunes, pode-se pensar sobre a utilização da troca de
ofícios entre o bispo e os párocos, articulado ao pouco com o que já foi debatido nas páginas
anteriores, ou seja, as concepções da escrita como um mecanismo auxiliar da memória. Ou seja,
a compreensão das práticas de escrita está relacionada a constantes atualizações das
informações ligadas às paróquias, como forma de recurso que ajudasse aos futuros bispos da
jurisdição eclesiástica. Ou ainda, indica uma possível forma de monitoramento da autoridade
episcopal, já que os registros seriam averiguados durante a realização das visitas pastorais.
Outro ponto destacado é o uso das correspondências por Dom Antônio Brandão
associado a uma perspectiva de “retórica do poder”, que Geneviève Haroche-Bouzinac
identifica em cartas e ofícios vinculados a operações burocráticas como a circulação de
diretrizes e determinações institucionais.328 Para a autora, as epístolas, não importando
finalidade de cada uma delas, no âmbito das relações institucionais possuiriam o objetivo de
convencer os destinatários e por este fator demonstrar um sentido de autoridade.329 No caso em
questão, isto se relaciona com o fato de que as cartas apresentam aos leitores (destinatários), no
caso os párocos, formas expressivas de convencimento e argumentação, ligadas a uma
concepção de normatização e enquadramento do corpo eclesiástico nas orientações
do
episcopado para o seu corpo de funcionários e fiéis.
Dessa forma, se o emprego das correspondências pelo bispo alagoano lhe serve ao
mesmo tempo de um mecanismo de comunicação entre a autoridade eclesiástica e os vigários
sob a sua cobertura, para a pesquisa ele se apresenta como um meio de verificação das
aproximações que a escrita do bispo tinham com as linhas gerais do discurso ultramontano
vigente naquela época. Para tal, é preciso compreender o tipo das fontes que serão trabalhadas
como uma documentação que se aproxima do modelo das cartas pastorais, só que em um nível
mais particular. As cartas e ofícios que serão tratados a seguir foram destinados à instrução e à
correção dos vigários em assuntos de interesse do titular da diocese. Levando em contas estas
características, no sentido temático, as correspondências entre o bispo e os vigários podem ser
enquadradas em três tipos: (a) administração dos bens eclesiásticos; (b) controle e normatização
das práticas religiosas – do laicato, do clero e das expressões de religiosidade popular e (c)
disciplina e correção sacerdotal.
328
329
HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Escritas Epistolares. São Paulo: EDUSP, 2016, p. 93.
HAROCHE-BOUZINAC, Geneviève. Escritas Epistolares. São Paulo: EDUSP, 2016, pp. 93-94.
108
4.3.1. "Que os párocos defendam com valor os bens e os direitos de suas Igrejas": Os
direcionamentos sobre o patrimônio eclesiástico
Ao ler o início da Pastoral de saudação de Dom Antônio Brandão percebe-se a referência
aos planos de criação de alguns estabelecimentos, já mencionados ao longo das páginas desta
pesquisa, o seminário diocesano e as escolas confessionais. No entanto, não se pode resumir a
noção de patrimônio eclesiástico apenas a eles. Por séculos a Igreja Católica conseguiu
acumular bens materiais que passaram a constituir parte de suas propriedades.
Estamos falando aqui de uma extensa listagem de bens adquiridos por meio de doações
ou compras pela a instituição eclesiástica, como lotes de terra, cemitérios, sob o controle de
paróquias e de associações religiosas, como as irmandades, hospitais, asilos, orfanatos e
escolas. Porém, durante o último decênio do século XIX, a publicação do já mencionado
decreto 117-A, em seu artigo 5º, reconhece o direito jurídico de propriedade por parte
instituições religiosas, no entanto; destaca que sua administração está limitada pela legislação
relacionada aos bens de mão-morta, garantindo que as organizações religiosas só poderiam
obter, construir e vender seus bens com a autorização das autoridades políticas.330
Por outro, a “brecha da legislação”, que tirou a responsabilidade de manutenção dos
estabelecimentos católicos pelo Estado, permitiu a ocorrência de uma gradual subtração de
propriedades, antes sob o domínio da Igreja católica, durante o final do século XIX, que
passaram ser secularizadas. Portanto, os anos transcorridos nas primeiras décadas do regime
republicano no Brasil são marcados pelo esforço do episcopado católico em reaver o domínio
e a autonomia dos patrimônios eclesiásticos, como indica Sérgio Miceli:
Na conjuntura de implantação do regime republicano, a Igreja católica passou
a enfrentar um duplo desafio. A tarefa mais urgente era, sem sombra de
dúvida, a definição de uma moldura organizacional própria em condições de
garantir autonomia material e financeira, institucional, doutrinaria capaz de
respaldar quaisquer pretensões futuras de influenciar a política. Não podendo
330
Segundo José Sacramento, ao falar sobre este elemento jurídico é preciso levar em consideração a existência
de corporações de mão-morta, ou seja, “entidades que detêm a propriedade dos Bens de Mão-Morta: igrejas,
mosteiros, conventos, confrarias, asilos, hospitais como as casas de misericórdia e as entidades pias ou
beneficentes. Os bens de tais entidades são considerados ‘riquezas mortas’, assumindo, portanto, o caráter de
inalienabilidade. São bens que a tais entidades foram incorporados através de doações, de legados, de heranças, de
consolidações enfitêuticas ou aquisições. Se a tais entidades foi possível construir, adquirir, e incorporar bens
patrimoniais, diante do instituto aqui invocado elas estão impedidas de dispor deles sem autorização do Estado,
daí o entendimento de que tais entidades possuem a ‘mão-morta’ para vender os seus bens. Então, dizia-se de mãomorta porque os bens que caíam sob o seu domínio estavam como que mortos à vida civil, já que eram raras as
ocasiões em que esses bens eram alienados [...] os comandos do Decreto nº 119-A, de 1890, que extinguiu o
padroado, pelo menos no que refere aos bens de mão-morta, ainda estão em plena vigência e, como se vê, no
campo da preservação patrimonial, especialmente na proteção de edifícios religiosos, e dos seus bens moveis e
integrados havidos no regime do patronato” (SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. Bens de Mão-Morta.
Monografia [Graduação em Direito]. São João del-Rei: Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de
Almeida Neves, 2014, pp. 8-9)
109
mais contar com os subsídios governamentais, cumpria desenvolver
atividades e serviços de molde a assegurar margem razoável de rentabilidade.
A estagnação organizacional ao logo do período permitirá inclusive ao
governo apossar-se de uma quantidade apreciável de imóveis e outros bens
eclesiásticos. Dentro das metas de curto prazo, uma das mais urgentes era
justamente reaver a parcela do patrimônio incorporada pelo poder público. As
duas primeiras décadas do regime republicano serão pontuadas por inúmeras
pendências em torno da reapropriação de conventos, Igrejas, residências, casas
de misericórdia, sedes de irmandades e terras. Outros litígios de caráter
patrimonial envolviam as pretensões quase vitoriosas do prelado sobre a
retomada de posses e direitos de gestões sobre as irmandades leigas. Tais
pendências deram origem a graves desentendimentos entre as autoridades
eclesiásticas, mormente certos prelados passaram a reclamar a extensão de
seus poderes de jurisdição sobre os bens, atividades e o processo de
designação das lideranças das irmandades, e os grupos dirigentes que delas se
haviam apoderados instrumentos de barganha nas lutas políticas locais.331
Na alvorada do século XX, as determinações propostas pelo sínodo conciliar latinoamericano trazem orientações aos bispos em relação ao assunto da administração dos bens
patrimoniais das dioceses. Para o episcopado conciliar, a principal função dos párocos era a
defesa dos direitos às posses e aos bens da instituição eclesiástica.332 O documento também
recomenda o registro minucioso dos bens e objetos existentes nas paróquias.333 Uma cópia deste
inventário obrigatoriamente deveria ser enviada para as cúrias diocesanas e a outra escrita nos
livros de tombo das freguesias; e ficaria sob a responsabilidade dos vigários sua constante
verificação e atualização. Durante as visitas pastorais as anotações nos respectivos volumes
seriam averiguadas pelos bispos, ou pelos visitadores instituídos.334 A ata conciliar ainda aponta
que é “dever de um bom administrador preservar com cuidado, classificar e armazenar em um
arquivo de boa ou armário, todos os documentos e instrumentos, em que são fundados os
direitos da igreja para seus bens temporais”.335 Há ainda as seguintes recomendações:
Portanto, o bom administrador se esforçará para preservar, melhorar e
aumentar a propriedade eclesiástica sob seus cuidados. Tem que evitar toda a
perda e deterioração, restaurar os edifícios que necessitam, cultivar melhor as
ferramentas mal encaminhadas, concertar os bens debilitados e defender
contra usurpação dos direitos da Igreja. Para que o reverendo não se envolta
em processos inúteis, ele não poderá se encarregar dos litígios associados à
sua administração, sem a previa autorização do Bispo. Será mantido, acima de
tudo, a tributação da propriedade eclesiástica, com as dívidas contraídas com
toda prudência e direito.336
331
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, pp. 47-48.
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Título XII, Cap. I, art. 824-828.
333
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo XII, Cap. IV, art. 851.
334
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo XII, Cap. IV, art. 850.
335
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo XII, Cap. IV, art..852.
336
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo XII, Cap. IV, art. 854.
332
110
A dedicação, o cuidado e o esforço para conservar e multiplicar os bens das paróquias
são entendidos pelos bispos conciliares como os sinais de um bom administrador eclesiástico,
cuja função não pode ser realizada de forma negligente. E para qualquer decisão que seja
tomada pelo vigário, em relação à adição ou venda de partes do patrimônio das paróquias, o
bispo diocesano deveria ser consultado a fim de conferir ou não a permissão para a realização
dos trâmites legais de forma legítima.
Em Alagoas, durante a segunda metade do século XIX, encontra-se nos periódicos da
época referência a cemitérios sob a responsabilidade das irmandades católicas337 ou paróquias,
instituições pias, casas de misericórdia338, orfanatos e asilos.339 Durante os anos iniciais da
República alguns destes estabelecimentos passaram para a tutela dos poderes executivos do
estado. E durante o primeiro decênio do século XX, com a instalação do bispado, podem ser
conferidas na imprensa local a informação da atuação de religiosos e religiosas ligados a ordens
terceiras, marcando, assim, a existência de acordos entre o bispo diocesano e as autoridades
públicas sob o pretexto de recuperar o acesso aos espaços de certas propriedades.
E, assim, vão sendo constituídas alianças visando beneficiar a ambas categorias, o que
pode ser verificado pela existência de atividades das ordens religiosas nos estabelecimentos em
questão, como foi o caso das irmãs de Caridade de São Vicente340 e as religiosas do Santíssimo
Sacramento, respectivamente na área da saúde e da ação social. Outro exemplo que pode ser
observado é o breve relato do trecho extraído do livro de correspondências oficiais do
episcopado alagoano:
Ao intendente municipal do Passo de Camaragibe comunicamos a Vossa
Senhoria que nesta data nomeamos o Rv. vigário desta paróquia administrador
dos bens da Irmandade do Santo Sacramento dessa paróquia do Passo de
Camaragibe, atualmente impedida de exercer suas funções especialmente das
337
Um exemplo é o cemitério localizado no bairro do Jaraguá no ano de 1840, pertencente à confraria de Nossa
Senhora Mãe do Povo. Cf. COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de
Alagoas. Maceió/AL: EDUFAL: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 281.
338
Pode-se mencionar a Santa Casa de Misericórdia de Maceió como exemplo: foi fundada em 7 de setembro de
1857, pelo padre João Barbosa Cordeiro, político e vigário da mesma freguesia, com a denominação “Hospital de
Caridade”. O estabelecimento hospitalar foi concebido para ser destinado à caridade e era supervisionado pela
Congregação dos Religiosos de São Vicente de Paulo. Segundo o Almanak da Província de Alagoas do ano de
1873, tinha como provedor e administrador o capitão José Adolpho de Barros Correia. Ainda segundo as
informações de Craveiro Costa e Torquato Cabral, no ano de 1896 o Barão de Traipú, na época governador,
realizou uma reforma a partir da qual a provedoria passou a ser exercida por um delegado do governo do Estado.
Cf. Almanak da Província de Alagoas. Maceió: Tipografia Social de Amintas e Soares, 1873, pp. 97, 158;
COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de Alagoas. Maceió/AL: EDUFAL:
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p.264
339
São eles: Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho, Asilo Santa Leopoldina, Asilo de Mendicidade, Asilo de
Alienados.
340
GUTENBERG, Maceió, 20 de abril de 1905.
111
catacumbas que ela possui no cemitério da cidade que, sendo da paróquia, se
acha atualmente a cargo do município.341
Contudo, as questões relativas aos bens eclesiásticos não estavam limitadas, apenas, à
adição e à recuperação de espaços e propriedades que uma vez estiveram sob a responsabilidade
da Igreja Católica. Há também a preocupação com a manutenção e preservação dos edifícios
das paróquias, dos utensílios utilizados para a realização das celebrações litúrgicas. Dom
Antônio Brandão, como um bispo alinhado às diretrizes do Concílio Plenário e as pontifícias,
ao se dirigir aos seus párocos por meio de circulares destacava quais eram as orientações que
buscava seguir para a organização a estrutura diocesana, como se pode observar no ofício
circular de 26 de maio de 1902, dirigidos aos párocos diocesanos, e publicado alguns dias
depois no Jornal A Fé Christã, de Penedo:
O Concílio Plenário da América Latina, tendo em vista restabelecer a sabia
disciplina da Igreja onde ela arrefecia e avigorá-la onde era observada, no
capítulo que trata das Igrejas, capelas e oratórios públicos (nº 874 e seguinte)
reproduziu disposições que desde eras remotas regulam as condições
requeridas para edificação, restauração, reparação e ampliação das Igrejas,
capelas e oratórios públicos, que não devem ficar ao arbítrio dos párocos e
nem dos fiéis.
Assim, pois, determina que nenhuma nova edificação se faça sem licença
escrita do Bispo Diocesano, precedendo certas diligencias, e, uma vez
efetuada, não devem sofrer alteração sensível em seu plano e, muito menos,
restauração, reparação ou ampliação.
Entretanto, estas disposições, outrora executadas, são presentemente
transgredidas nesta Diocese a cada passo pelo abuso de edificações, reparos e
etc. sem os transmites legais.
Para este assunto chamamos a atenção de V. Rv. para que cesse o referido
abuso e que se observem fielmente as disposições da Constituição do
Arcebispado da Bahia, Titulo 19, nº 692 e seguinte, certo que não
autorizaremos a benção de Igreja e capelas edificadas ou restauradas etc. sem
previa, licença nossa, e na visita pastoral inspecionaremos, como nos cumpre,
esta parte da disciplina eclesiástica.
Deus Guarde a V. Rv.342
Por meio da circular se percebe que o ato da publicação de cartas episcopais constituiuse numa estratégia para facilitar a divulgação e circulação das orientações do prelado aos seus
vigários. Na situação da circular mencionada anteriormente, verifica-se, primeiro, a utilização
das orientações do Concílio Plenário Latino-americano, o objetivo disto é tornar legítima a
proposta institucional que prelado quer repassar aos vigários. O conteúdo específico da circular
se relaciona à questão das licenças para edificação, restauração, reformas e reparos de paróquias
341
342
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, [s/d], fl. 6.
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 7 de junho de 1902.
112
e capelas. O documento assinado por Dom Antônio Brandão proíbe a realização de novas
edificações ou reparos de paróquias sem as devidas autorizações do bispo diocesano. E caso
fosse realizada, a liderança eclesiástica ameaça utilizar-se de seus poderes simbólicos ao
afirmar que não serão "autorizadas bênçãos de igrejas e capelas edificadas ou restauradas sem
a prévia licença".343
Porém, o ato de publicar na imprensa as circulares não substituiu a exigência da prática
de registrar os ofícios do bispo nos livros de tombo das paróquias. Observando em outros
documentos, entre eles os livros de despachos e de provisões, disponíveis no Arquivo da Cúria
Metropolitana de Maceió, percebe-se o controle minucioso do bispo em relação à liberação de
licenças para reformas, reparos e, em muitos casos, verbas financeiras para a manutenção da
estrutura paroquial, que atenderiam a solicitações por parte dos vigários. E, por meio deles se
notam as relações entre as orientações articuladas à estrutura patrimonial eclesiástica, à
disciplina clerical e à ordenação de práticas religiosas, como por exemplo, na realização de
procissões, missas, bem como o controle dos ambientes das irmandades, como se verá mais
adiante.
Contudo, se por um lado, Dom Antônio Brandão passou a ser conhecido por causa do
rigor com que administrou a jurisdição diocesana, já por outro, se percebe, no tocante à sua
escrita, a necessidade que ele notava de corrigir os párocos pelo descumprimento ou pela
irresponsabilidade na aplicação de suas orientações. Nas fontes consultadas, nota-se o uso de
um tom paternal para cobrar do clero a implementação, e por que não dizer, a obediência de
suas determinações, entre elas a atualização dos registros paroquiais. O que nos faz pensar que
a prática da realização do inventário dos bens eclesiásticos não consistia apenas na exigência
do bispo para exercer um controle nos assuntos pertinentes ao patrimônio das capelas e
paróquias, consequentemente da diocese, mas se apresenta como uma necessidade de ter uma
perspectiva dos bens patrimoniais que existiriam, e quais foram adquiridos, ou quais foram
vendidos com ou sem a sua autorização. O descumprimento dessas orientações poderia ser
interpretado como subtração ilícita e acarretar punições, entre elas a suspensão dos benefícios
das provisões, ou seja, licitações para realização de práticas ligadas ao culto católico e assim
como o auxílio financeiro à paróquia, correndo o sacerdote, ainda, o risco ter suspensas as suas
“ordens”, ou seja, os direitos para a realização de serviços religioso.
Neste momento surge a figura do "fabriqueiro". Para resumir, a renda destinada à
restauração, reforma e manutenção de uma paróquia ou capela era chamada de "fábrica de
343
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 7 de junho de 1902.
113
sacristia", "fábrica eclesiástica", ou simplesmente "fábrica".344 Dessa forma, constitui-se como
parte dos recursos utilizados pelos vigários para prover as necessidades de suas paróquias. O
responsável por administrar os bens eclesiásticos recebia a denominação de "fabriqueiro"; à ele
seria conferido o caráter de sui generis (“de seu próprio gênero” ou “de espécie única”),
adquirindo, portanto, uma noção de “particularidade”.345 Segundo Dalila Zanon e Valéria
Eugênia Garcia, os fabriqueiros eram indivíduos que, na sua maioria, não faziam parte da
hierarquia sacerdotal. Na verdade, eram paroquianos (leigos), escolhidos por uma assembleia
de habitantes da freguesia. O candidato tinha por obrigação cumprir alguns pré-requisitos para
ser escolhido à função: seguir os códigos morais católicos, ou seja, deveriam apresentar uma
conduta íntegra perante os demais fregueses da paróquia; e serem alfabetizados; tinham que
saber ler e escrever.346
Apesar do objetivo da análise de Dalila Zanon ser a organização da Igreja Católica
paulista durante o século XVIII, observar-se, também a referência ao fabriqueiro nos
documentos do início do século XX, notando-se, desta forma, a continuidade da estrutura
burocrática anterior regida pelo sistema do padroado régio:
(...) Dentre as tarefas atribuídas para este grupo estava a manutenção do prédio
da igreja, a guarda dos bens móveis (devendo-se inventariar todos os anos), a
administração dos recursos, arrecadação das receitas e quitação das dívidas,
sendo responsáveis pela igreja e seus anexos, incluídas as sepulturas.347
Zanon ainda traz informações pertinentes em relação à burocracia que distinguia a
administração de paróquias católicas convencionais, estabelecidas nas freguesias e centros
urbanos, e as capelas particulares, criadas em engenho e fazendas, seguindo as diretrizes das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia:
(...) As paróquias e capelas fundadas pelos monarcas recebiam da fazenda real
um dote para constituir suas fábricas. Esse dote deveria ser enviado todos os
anos aos fabriqueiros, responsáveis, segundo as Constituições da Bahia, pela
administração destes recursos. No caso das capelas erigidas por leigos,
ordenavam as Constituições que os fundadores deveriam dotar ao menos de
344
ZANON, Dalila. A missa e a fábrica: tentativas de controle dos espaços da igreja pelos bispos coloniais
paulistas. In: Revista História, vol. 2, nº 28, São Paulo, 2009, p. 95; GARCIA, Valéria Eugenia. Do Santo ou de
quem ... Ribeirão Preto: Gênese da cidade mercadoria. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - São
Paulo: USP, 2013, p. 61.
345
GARCIA, Valéria Eugenia. Do Santo ou de quem ... Ribeirão Preto: Gênese da cidade mercadoria. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - São Paulo: USP, 2013, p. 61.
346
ZANON, Dalila. A missa e a fábrica: tentativas de controle dos espaços da igreja pelos bispos coloniais
paulistas. In: Revista História, vol. 2, nº 28, São Paulo, 2009, p. 95; GARCIA, Valéria Eugenia. Do Santo ou de
quem ...Ribeirão Preto: Gênese da cidade mercadoria. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - São
Paulo: USP, 2013, p. 61.
347
ZANON, Dalila. A missa e a fábrica: tentativas de controle dos espaços da igreja pelos bispos coloniais
paulistas. In: Revista História, vol. 2, nº 28, São Paulo, 2009, p. 95.
114
seis mil réis as fábricas todos os anos. Além disso, parte das taxas cobradas
por ocasião das missas festivas e fúnebres, enterros multas e rendas territoriais
que pertenciam à fábrica da igreja.348
Ainda sobre esta questão, compartilho a hipótese sustentada pela autora ao destacar que
a "intenção dos bispos era subordinar as atividades dos fabriqueiros ao pároco"349, ou seja, que
gradualmente as funções de administrador dos bens paroquiais passassem das instâncias leigas
para eclesiásticas, que a função passasse a ser outorgada aos vigários. Nos ofícios de Dom
Antônio Brandão enviados principalmente aos párocos, mas também aos fabriqueiros, a
mensagem é marcadas pela insistência no dever dos párocos em cumprir as determinações do
Concílio Plenário Latino-Americano, em especifico no que diz respeito à entrega dos registros
e das prestações de contas anuais das paróquias, como uma forma do bispo observar os gastos
e a composição dos patrimônios sob a responsabilidade dos párocos. Na sua correspondência
encaminhada no dia 30 de junho de 1903 ao vigário de Água Branca, o bispo diocesano exige
que se cumpra, fielmente, a execução do Regulamento das Fábricas Paroquiais, publicado no
ano de 1894e, também, que se cumpram as orientações que ele, como a autoridade eclesiástica,
tem determinado por meio das provisões ao fabriqueiro.350 Além do mais, Dom Antônio
Brandão recomenda ao administrador que examine os seus livros de registros e mande uma
cópia assinada por ele e pelo vigário à secretaria da diocese.
A leitura das correspondências episcopais mostra, dessa forma, o quanto elas são
assinaladas por visíveis conflitos de interesses. Quando o fabriqueiro não cumpria com os
prazos, ou não mantinha devidamente atualizados os registros das provisões e dos gastos das
paróquias e capelas, ou não exercia os seus deveres burocráticos de forma correta, o bispo
diocesano chamava a sua atenção. Na verdade, não só dele, como também a do pároco. Segundo
Zanon, “ao sacerdote ficava a responsabilidade de cobrar tanto transparência, como clareza e
compromisso em relação à administração das fábricas".351
Portanto, não é de se estranhar o fato de que ocorram relatos de má administração por
parte dos funcionários responsáveis. Para se ter uma ideia, em 11 de março de 1903, Dom
Antônio Brandão encaminha uma carta ao vigário de Jaraguá a fim de obter informações sobre
as graves acusações que recebeu em relação ao recém-nomeado administrador do cemitério
348
ZANON, Dalila. A missa e a fábrica: tentativas de controle dos espaços da igreja pelos bispos coloniais
paulistas. In: Revista História, vol. 2, nº 28, São Paulo, 2009, p. 95.
349
ZANON, Dalila. A missa e a fábrica: tentativas de controle dos espaços da igreja pelos bispos coloniais
paulistas. In: Revista História, vol. 2, nº 28, São Paulo, 2009, p. 98.
350
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 30 de junho de 1903. fl. 9.
351
ZANON, Dalila. A missa e a fábrica: tentativas de controle dos espaços da igreja pelos bispos coloniais
paulistas. In: Revista História, vol. 2, nº 28, São Paulo, 2009, p. 96.
115
paroquial da região. E, exige que o fabriqueiro explique tais circunstâncias para que possam ser
tomadas as providências "com a máxima urgência".352 O bispo também intima o
comparecimento do fabriqueiro perante a sua presença, no Palácio Episcopal, a fim de justificar
as alterações encontradas nas contas das despesas do livro de registros. O prelado encerra o
ofício direcionando umas poucas linhas ao pároco, ao chamar sua atenção sobre o requerimento
da fábrica que se encontrava expirado, acentuando que era sua responsabilidade cumprir estes
encargos burocráticos.
Contudo, o caso mais intrigante parece ter sido o dos ofícios destinados ao cônego
Vicente Ferreira de Meira Lima, pároco de Traipú, sobre as denúncias recebidas referentes ao
responsável pela administração da capela dedicada ao Senhor dos Pobres em Mumbaça, sobre
a jurisdição do dito pároco:
Tendo nós recebido graves acusações contra a administração da capela ao
Senhor dos Pobres de Mumbaça, mandamos a V. Rv. que intime o Fabriqueiro
ou administrador para dentro de 30 dias a contar de hoje, para que nos
apresente as contas julgadas ou não julgadas da referida administração desde
o ano de 1894, afim de avaliarmos a procedência das acusações feitas. Tratase de assunto grave que interessa ao próprio fabriqueiro pelo que não
prorrogamos o prazo de 30 dias. Depois de examinarmos as contas ouviremos
a V. Rv. se for necessário.353
Em outro ofício, sessenta dias depois, com a data de 17 de maio do mesmo ano, o bispo
diocesano escreve mais uma vez ao pároco questionando-o sobre o atraso do envio dos
respectivos registros de provisões, já que o tempo limite estabelecido já tinha expirado. E, por
não cumprir as determinações episcopais o fabriqueiro acaba por ser destituído de suas funções
até ser tomada uma nova providência:
Recebi o ofício de V. Rv. de 2 de abril de 1902 e com ele a provisão já sem
valor do Fabriqueiro, dizemos ao administrador daquela capela de Mumbaça,
por ser muito expirado do seu prazo, portanto o referido administrador é nulo
enquanto não tiver nova provisão. Com o referido ofício veio também uma
cópia das contas da referida capela, que não satisfaz o nosso pedido em oficio
de 7 de março. Repetimos, requeremos que venha[sic] a nossa presença as
contas julgadas ou não julgadas relativas à capela de Mumbaça desde 1894
acompanhadas das autorizações da autoridade competentes para as despesas
que excedem 25$000, como preceitua o regulamento das fabricas que deve ser
observado.
Ao Bispo compete tomar conta aos fabriqueiros e administradores e queremos
exercer pessoalmente este direito. V. Rv. informe quem é o zelador da capela
de Mumbaça. Devolvemos a provisão já sem valor.354
352
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 11 de março de 1903. fl. 7.
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 7 de março de 1902. fl. 4.
354
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 17 de maio de 1902. fl. 3.
353
116
Segundo Álvaro de Queiroz, no ano de 1870 a Freguesia de Traipú possuía, além da
igreja matriz dedicada à Nossa Senhora do Ó, 11 capelas filiais. O número aproximado de
batizados atingia os seiscentos, os casamentos cem e óbitos a sessenta.355 No início do século
XX, a vila era composta por aproximadamente dez povoados que tiravam da agricultura e a
pecuária as suas principais fontes de subsistência, conforme as palavras de Costa e Cabral "a
criação pastoril é a principal riqueza do município; o gado ali se desenvolve rapidamente".356
Uma localidade pequena, simples, predominantemente rural, quase no meio do nada, próximo
à foz do Rio São Francisco; contudo, pela quantidade de estabelecimentos destinados aos cultos
e celebrações católicas, não é de se estranhar preocupação do titular episcopal alagoano pela
má administração dos bens eclesiástico por parte do fabriqueiro, nem tampouco pelo omissão
do pároco em relação às más atitudes do administrador.
Neste quesito a burocracia eclesiástica e os interesses religiosos convergem, o que nos
leva a crer que o interesse do prelado não estaria concentrado apenas no dever de organizar as
informações financeiras e patrimoniais das paróquias diocesanas. Parece ter a ver com o dever
de regular o ambiente diocesano conforme as orientações da Cúria Romana. Para o prelado, o
fato de o vigário de Traipú ter relevado as atitudes do fabriqueiro não apenas prejudicaria a
imagem do próprio pároco, mas comprometeria ao bispo diocesano, pois este prestaria contas
ao “Santo Padre” (Papa) e a Deus, por causa das atitudes dos seus funcionários, como se pode
observar no oficio datado de 05 de junho de 1905:
Como Supremo administrador eclesiástico da diocese, não podemos
concordar e consentir quando esta administração vá à revelia como tem
acontecido até agora, pois pesa sobre nós grave responsabilidade desde de que
daremos conta a Igreja, isto é, ao Santo Padre e a Deus.
Daí a responsabilidade que há dos párocos de nos informarem acerca dos bens
eclesiásticos e nos ajudarem nessa missão, não abranso(?) por si, mas com
subordinação a Nós, e V. Rv. tem ainda a maior obrigação porque por sua
causa nos demitimos a um tempo o administrador da capela de Mumbaça para
quem V. Rv. se interessou, quando tínhamos graves desconfianças.
Agora nos consta que morrendo o sr. João Emporio(?), foram separados os
bens para o pagamento da devida capela de Mumbaça e quando a quantia que
sr. Lima tinha em mão de V. Rv. pertencente a [ilegivel] V. Rv. lhe entregara
já conhecendo como aí que o sr. Lima não inspirava confiança!!!!
Como V. Rv. espera esgueirar-se desta responsabilidade? Como entender sua
situação até hoje?
355
QUEIROZ, Álvaro. Notas sobre a História da Igreja nas Alagoas. Maceió: Edufal, 2015, p. 99.
COSTA, Craveiro; CABRAL, Torquato (Orgs.). Indicador Geral do Estado de Alagoas. Maceió/AL:
EDUFAL: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016, p. 43.
356
117
Será responsabilidade grande e lhe agrava a consciência fique certo disto,
portanto, procure reparar o mal que a sua negligência fez e nós informe de
tudo como é de sua obrigação.
Nossa intenção é afastar de nós toda responsabilidade e cumprir o nosso dever
de prelado.357
O trecho acima é bastante significativo. Em suas entrelinhas traz muito do pensamento
centralizador proposto pela política católica ultramontana. O zelo pela instituição eclesiástica,
o comprometimento da responsabilidade conferida pelo papa ao bispo, o dever dos vigários em
cuidar dos bens postos em suas mãos, uma missão que deve ser executada com excelência. Ao
utilizar a sua autoridade pastoral, Dom Antônio Brandão faz jus a sua imagem construída de
um bispo engajado no processo de reforma do catolicismo no que diz respeito a correção do
clero.
Pela breve leitura do ofício percebe-se a cobrança do prelado relativa à subordinação e
ao cumprimento dos encargos administrativos e burocráticos dos vigários. Pela escrita da
correspondência também se nota que era dever do pároco informar ao bispo sobre qualquer
problema que estivesse ocorrendo na relação entre vigário e fabriqueiro. O que chama a atenção
é que o reverendo Meira Lima passa por cima de uma ordem estabelecida anteriormente pelo
titular episcopal, que foi a demissão do administrador eclesiástico, e sem as devidas explicações
mantém o fabriqueiro no exercício de suas funções. Para Dom Antônio Brandão, este ato é
considerado uma manifestação de insubordinação à autoridade e, principalmente, um escândalo
que deveria ser evitado. O prelado lembra ao reverendo do seu lugar hierárquico e exige que a
negligência sobre a sua responsabilidade seja reparada, a fim de não atrair piores consequências.
As práticas do prelado em relação à disciplina e moralização do clero serão debatidas
posteriormente; antes cabe trazer uma reflexão sobre os posicionamentos de Dom Antônio
Brandão em relação a manifestações de religiosidade ligadas à Igreja Católica, especificamente
nas celebrações realizadas pelas irmandades e confrarias religiosas, nas ordenações das santas
Missões Populares e, possivelmente, da própria ritualística associada ao catolicismo popular.
4.3.2. "Para que vossas almas se conservem puras": a escrita e as práticas de controle
religioso no primeiro bispado de Alagoas
Como na questão relacionada aos bens eclesiásticos, a Pastoral de saudação de Dom
Antônio Brandão traz referência a aspectos religiosos do catolicismo como um elemento
predominante e enraizado na identidade alagoana e brasileira. Esta “vivência católica” aparece
357
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 5 de junho de 1905. fl. 13.
118
como uma característica associada à temática do progresso, civilização e salienta o espaço da
Igreja Católica romana como a única religião verdadeira, e os seus sacerdotes e pastores têm
como missão a salvação do seu rebanho, seguindo os moldes dos apóstolos, conforme o titular
episcopal escreveu:
Nos exemplos dos Apóstolos temos apreendido que nossa missão é trabalhar
assídua e diligentemente para que vossas almas, confiadas a nossa direção, se
conservem puras e inocentes nesta vida para que na outra gozem do sumo bem,
que é Deus, que nos criou e conserva.358
Neste caso, em particular observa-se a motivação transcendente no discurso do bispo
relacionado ao seu dever junto aos fiéis. A utilização dos termos "para que vossas almas se
conservem puras e inocentes" passa a impressão de uma imposição dos ideais católicos pela
autoridade eclesiástica aos seus diocesanos. A imposição aqui não está ligada à uma prática no
sentido imperativo, ou seja, de uma ordem. Mas a algo aproximado à concepção de um controle
das modalidades religiosas. A hierarquia católica sempre observou com estranheza a existência
de manifestações relacionadas com o sagrado que na sua ótica fugiam das “normatizações” dos
seus rituais; ou ainda, buscava exercer a sua autoridade em espaços coletivos considerados
propícios ao surgimento de ameaças a sua autoridade e ao domínio doutrinal:
Desejosos de impedir a ocorrência de surtos de mobilizações religiosas nesses
lugares de devoção que pudesse escapar ao seu controle, a exemplo do que
sucedera em Juazeiro e Canudos, os prelados da República Velha [ou Primeira
República] não mediram esforços para coibir desmandos nas irmandades,
buscando enquadrá-las em um regime idêntico de submissão à autoridade
episcopal a que se sujeitavam as ordens terceiras e as associações pias findas
pela Igreja no contexto da política de "romanização". Nessas condições, o
empenho em canalizar as rendas auferidas por essas confrarias por conta da
exploração econômica de importantes santuários se inscrevia numa política de
disciplinamento das principais festas religiosas, sobretudo dos santos
padroeiros.359
Desta forma, assinala-se na ocorrência da “Questão dos Bispos” (1872-1875) o ponto
de partida para à elaboração de estratégias por parte da hierarquia católica visando o controle
dos espaços das irmandades religiosas. Durante as últimas décadas do século XIX, este objetivo
passou a ser uma das prioridades do episcopado.360 No Brasil, as irmandades, congregações e
confrarias religiosas eram regidas pelos seus próprios compromissos e, por isso, desfrutavam
358
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 9.
359
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 41.
360
FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Igreja e romanização: A implantação da diocese da Paraíba (18941910). João Pessoa: EDUFPB, 2016, p. 196.
119
de uma significativa autonomia em relação à hierarquia eclesiástica.361 Estes ambientes de
manifestações religiosas eram destinadas ao laicato e possuíam a incumbência de "administrar
os bens patrimoniais, do culto e das festas e de tudo que envolvesse ao santo patrono da
associação religiosa".362 O papel dos sacerdotes ficava resumido aos convites para a ministração
dos sacramentos em determinados eventos e dias festivos.
No território alagoano, grande parte das associações leigas existentes foram fundadas
durante o século XIX, entre elas: a irmandade de Bom Jesus dos Martírios (1833), a Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos (c. 1829) e a Irmandade de São Benedito
(1864). Os jornais desta época apontam a ocorrência de conflito entre o clero católico e os
maçons por causa do direito à realização dos ritos fúnebres e ao convívio coletivo fornecido
pelas irmandades.363 Percebe-se que esses conflitos em Alagoas eclodiram como uma
repercussão das tensões que envolviam os bispos de Pernambuco e do Pará e a administração
civil do Império. Além das irmandades religiosas, os jornais dos séculos XIX e XX mencionam
a presença de outras instituições pias ligadas ao laicato católico; são elas: a Pia União das Filhas
Maria, Apostolado da Oração e a Sociedade de São Vicente de Paula. Durante a primeira década
após a criação da diocese, notou-se, por meio da consulta às fontes, que Dom Antônio Brandão
adotou a execução de uma estratégia de vigilância e normatização das associações leias, cuja as
indicações podem ser observadas na mensagem de 12 de janeiro de 1903, direcionada ao vigário
responsável pela freguesia de Alagoas (atual Marechal Deodoro):
Constando-nos que na tarde do dia 6 deste mês a Irmandade de São Benedito,
desta cidade, fez esta uma procissão para Taperaguá e vice-versa, mandamos
a V. Rv. que retornando com a referida irmandade e nos informem[sic] se tal
se deu e por quem foi autorizada já que no ano passado havíamos condenado
verbalmente este abuso.364
O pároco da freguesia de Alagoas, na época, era o padre Emilio Diverchy. Ele era um
sacerdote de nacionalidade francesa, que atuou como pároco da cidade de Alagoas, na freguesia
de São Miguel dos Campos e como vigário das paróquias de Nossa Senhora da Graça, na
Levada, e Santo Antônio de Pádua, em Bebedouro, ambas na cidade de Maceió. Por meio da
361
DIAS, Roberto Barros. "Deus e a Pátria": Igreja e Estado no processo de romanização na Paraíba (1894-1930).
Dissertação (Mestrado em História Regional) - João Pessoa - UFPB, 2008, p.140.
362
FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Igreja e romanização: A implantação da diocese da Paraíba (18941910). João Pessoa: EDUFPB, 2016, p. 196
363
Agradeço a contribuição dos trabalhos dos amigos(as) do curso de História da Universidade Federal de Alagoas,
Lívia Gomes da Silva, Os termos de compromisso e a organização das irmandades leigas dos homens pretos de
Maceió no século XIX , e Élida Kassia Vieira da Silva, “De patuscadas a bachanaes”: As festas das Irmandades
religiosas e o avanço ultramontano em Alagoas (1840-1889), cuja as pesquisas buscam contemplar as tensões
entre Igreja Católica e Maçonaria em meio ao ambiente das Irmandades Religiosas no território Alagoano.
364
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, 12 de janeiro de 1903, fl. 3.
120
leitura do ofício apresentado anteriormente pode-se observar dois elementos: em primeiro lugar,
a restauração de uma irmandade religiosa sem a permissão do bispo, o que por si só já
considerado um ato de insubordinação por parte do vigário. E, em seguida, têm a informação
da realização de uma procissão até Taperaguá, um povoado próximo à cidade das Alagoas. Este
pequeno distrito, segundo o Almanak da Província de Alagoas se localizava a cerca de dois
quilômetros de seu centro urbano.365
Buscando nos periódicos encontrou-se a notícia de que no ano 1891, Taperaguá possuía
aproximadamente setecentos e cinquenta habitantes “na distância de uma milha e ligados por
três pontes de madeira sobre o rio Samaúma, no riacho Utinga e um pequeno córrego que vai
desaguar na lagoa Mamguaba”.366 Taperaguá também é apontada como umas das primeiras
povoações fundadas na região que hoje corresponde ao município de Marechal Deodoro, cuja
as origens rementem aos finais do século XVI e os meados do XVII.367
Ainda nos consta que nesta localidade foi edificada uma igreja dedicada ao Nosso
Senhor do Bonfim, fortemente influência pela arquitetura barroca, e cujos festejos são
realizados entre os dias 01 a 06 de janeiro, coincidindo com a folia de Reis, a mesma data
indicada pelo ofício episcopal que corresponde a realização da procissão. Estes fatos nos levam
a pensar que a repreensão feita pelo bispo diocesano ao pároco Diverchy foi motivada pelas
irregularidades ligadas a realização da solenidade. Já que nas palavras da autoridade eclesiástica
a cerimônia era considerada um abuso. Estas características fornecem a indicação que a
festividade ao santo patrono da região de início não era reconhecida pela hierarquia católica,
recebendo a classificação de "manifestação religiosa do povo", ou até mesmo, poderia conter
associações com as expressões de religiosidade africana e que, posteriormente, passou a ser
assimilada pela população deodorense, ao longo do tempo, dentro da tradição católica:
A festa do Senhor do Bonfim também sempre foi tradicional e, embora já se
processe em ritual bem diverso dos da época em que os engenhos de açúcar
eram ativos e enviavam carros de bois com madeira da mata para uma
evolução em frente à igreja e a montagem de uma grande fogueira, ainda
acontecem as missas e apresentações de bandas musicais no adro, além da
concorrida procissão do santo realizada no dia de Reis, com seu percurso
longo, sob o acompanhamento alternado de duas bandas de música.368
365
ALMANAK DA PROVÍNCIA DE ALAGOAS. Maceió: Typ. Social, 1877, p. 189
ALMANAK DO ESTADO DE ALAGOAS. Maceió: Typ. da empresa Gutenberg, 1891, p. 234.
367
MARGALHÃES, Ana Cláudia; FERRARE, Josemary; SILVA, Maria Angélica da (org). O convento
franciscano de Marechal Deodoro-Santa Maria Madalena. [Online]: IPHAN, 2012, pp. 87-88.
368
MARGALHÃES, Ana Cláudia; FERRARE, Josemary; SILVA, Maria Angélica da(org). O convento
franciscano de Marechal Deodoro-Santa Maria Madalena. [Online]: IPHAN, 2012, p. 105.
366
121
Outras situações atingiram a estrutura burocrática das associações, como pode ser lido
no ofício encaminhado ao pároco de Atalaia, o padre Pio Correia. Onde o bispo na qualidade
de governante diocesano, o nomeia como responsável pela administração dos bens, os utensílios
e os serviços da Irmandade do Santíssimo Sacramento, localizada na mesma paróquia, a qual
se encontrava sem mesa regedora há anos, até que fossem realizada novas eleições para a
composição da junta administrativa da confraria.369
Contudo, o espaço das associações leigas não foi o único âmbito em que se observa a
ocorrência da regulamentação de práticas religiosas; na documentação analisada se consegue
notar o modelo clerical proposto pelo projeto eclesiástico em desenvolvimento no contexto
estudado. O sacerdote deveria atuar como um exemplo de virtude e dignidade para os fiéis. E
essas qualidades deveriam resplandecer durante as realizações das cerimônias religiosas
católicas. Sendo assim, ficaria ao encargo dos bispos escolher a melhor maneira de
regulamentar e organizar os atos externos de fé. Entre o material encontrado no acervo do
Arquivo da Cúria de Maceió destaca-se o "Livro de despachos", criado no ano de 1901, sendo
a responsabilidade do tomo atribuída ao padre Arthur Alfredo Passos, vigário coadjutor da
Paróquia do Jaraguá e secretário diocesano. Este documento traz informações sobre a liberação
de licenças para as realizações de procissões, festas de santos e de padroeiros, execução de atos
sacramentais, como batismo e casamento.
Este ponto perpassa o tema da disciplinarização do clero, que será explanado mais à
frente, e nos leva a pensar que o uso das correspondências, ofícios e cartas circulares ligado a
pretensão de homogeneizar as práticas religiosas. Ao cruzar as informações do livro de
despachos com as correspondências oficiais do bispado, pode-se notar o empenho de Dom
Antônio Brandão relacionado ao cumprimento das funções dos párocos com a devida
responsabilidade e sem exageros. Porém, tais medidas são marcadas por atritos entre a
autoridade eclesiástica e os vigários diocesanos.
Um caso apropriado para se mencionar ocorreu com o vigário de Murici, Joaquim da
Rocha. Nas páginas do livro de despachos consta que em 3 de janeiro de 1903 ele solicitou ao
bispo diocesano a permissão para realização de uma missa no oratório privado do senhor
Marcos Vieira.370 Contudo, ao se fazer uma leitura nas correspondências episcopais nos
deparamos com a informação de que aos 13 de janeiro do mesmo ano, o dito padre Joaquim da
Rocha celebrou uma missa campal ao ar livre na rua de Branquinha, uma cerimônia totalmente
369
370
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, 11 de abril de 1903, fl. 3.
Livro de despacho (1901-1910). Maceió, 03 de janeiro de 1903. fl. 19.
122
diferente daquela para a qual solicitou permissão. Dom Antônio Brandão exige que o pároco
"informe conscientemente o que soube a respeito", cobrando satisfações sobre os motivos pelos
quais não atuou conforme os despachos.371
Porém, o caso mais expressivo continua a ser o do vigário Vicente Ferreira de Meire
Lima, o já mencionado pároco de Traipú. Como vimos nas páginas anteriores, o padre Meire
Lima, como também era conhecido, testemunhou os atritos entre o bispo diocesano e o
fabriqueiro das capelas sob a responsabilidade da sua paróquia. Contudo, esta não foi a única
situação em que o titular eclesiástico buscou corrigir o seu subordinado. Em um comunicado
enviado ao pároco em 10 de março de 1906, Dom Antônio Brandão chama à atenção do
sacerdote em relação às suas responsabilidades junto à igreja matriz do município,
principalmente nos dias de domingo, como poderá ser lido na íntegra a seguir:
Parece-me que já uma vez lhe disse que ao meu conhecimento chegava a
notícia de que V. Rv. se ausentava muitas vezes da sua matriz em domingos
para celebrar nas capelas e sua resposta não me satisfez. Continuam as queixas
pelo que de novo venho perguntar-lhe se é [ilegível] que V. Rv. se ausenta
todas as [?] vezes de sua matriz em dias que tem obrigações de nela celebrar
em capelas e no caso afirmativo que privilégio tem para assim fazer?
Desde já lhe digo que o mau exemplo de outros não justifica. O dever do meu
cargo me obriga a pugnar [?] pela [?] fiel observância das leis eclesiásticas,
especialmente do Concílio Plenário Latino Americano, que no nº 357, trata do
caso.
Estimarei muito saber que V. Rv. cumpre este seu dever, contentando assim
seus paroquianos e seu Prelado que o estima e deseja-lhe saúde e dons
celestes.372
Pelo ofício nota-se o descontentamento do bispo em relação à negligência do sacerdote
por não realizar as celebrações da missa na igreja matriz da freguesia, mas fazê-lo em outras
capelas da localidade. Entre as capelas da época subordinadas à paróquia de Traipú encontrase a dedicada a Nosso Senhor dos Pobres, no povoado de Mumbaça, um território marcado pela
convergência entre o catolicismo e o culto africano. Segundo Magno Francisco de Jesus Santos,
a capela de Mumbaça se originou a partir de uma comunidade de descendentes de
quilombolas.373 Há nos relatos dos jornais referências de peregrinações nas proximidades em
honra ao santo padroeiro374, cujas memórias remetem ao século XVII. No entanto foi apenas
371
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas. Maceió, 13 de janeiro de 1903. fl. 6.
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 10 de março de 1906. fl. 14.
373
SANTOS, Magno Francisco de Jesus. “Nesta terra entre montes e baixos”: usos dos passados e sacralização
dos espaços no Santuário Senhor dos Pobres. In: Revista Sapiência -Sociedade, Saberes e Práticas
Educacionais, vol. 6, Dossiê: Religiões e Religiosidades na Modernidade Tardia, p. 156-157, dez. de 2017.
374
A FÉ CHRISTÃ. Penedo, 24 de novembro de 1904.
372
123
durante a segunda metade do século XIX que o local se tornou um epicentro e destino de
romarias e procissões.
Em mais de uma ocasião Dom Antônio Brandão encaminhou ofícios ao pároco Meira
Lima cobrando as informações referentes a acusações feitas ao administrador da capela de
Mumbaça.375 Em alguns momentos o bispo chega a repreender o vigário pela omissão dos
relatórios e registros dos bens da capela, 376 destacando o descumprimento das determinações
do Concilio Plenário Latino Americano.377 Esses pontos mencionados sugerem o prelado tentou
normatizar as práticas de manifestações de religiosidade popular, junto com os lucros gerados
pelas realizações destas solenidades.
Outro tema observado durante a análise das fontes foi a presença das congregações
religiosas como um mecanismo de difusão de formas de devoções alinhadas ao projeto
centralizador da cúria romana, como os cultos marianos e ao Sagrado Coração de Jesus.
Segundo Luiz André Caes, o auxílio das congregações religiosas tinha o objetivo de controlar
o laicato, as já citadas irmandades e confrarias, e conter manifestações do catolicismo popular.
Com a finalidade, de substituir gradualmente, e diminuir as atividades das confrarias, ou até
mesmo encerrá-las. Os bispos tinham a possibilidade de solicitar junto à Nunciatura Apostólica
o envio de religiosos e religiosas para que pudessem suprir a suposta escassez de padres. Em
Alagoas, durante a primeira década do século XX, membros pertencentes às ordens religiosas
iniciaram seus trabalhos em localidades sertanejas e distantes dos grandes centros urbanos.378
No ofício de 13 de maio de 1903, o bispo alagoano enviou ao Núncio Apostólico um
comunicado solicitando a vinda de congregações religiosas. No texto consegue-se notar a
permanência do discurso sobre a insuficiência de sacerdotes no estado, principalmente em áreas
distantes da diocese:
Acuso a recepção da carta de V. Excelência de 20 de fevereiro que respondo.
Quando Bispo do Pará expus ao antecessor de V. Excelência o que pensava
acerca das missões naquelas vastíssimas regiões e agora confirmo quanto
então disse que as condições da diocese de Alagoas são outras. Cumpre-me
dizer o meu pensar acerca dela. Se nesta diocese não temos silvícolas, nem
grande extensão territorial, contudo há falta de clero presentemente para regar
as paróquias e se ocupar das missões, que são[?] de tão alta importância e cuja
falta o povo lamenta. Portanto, Excelentíssimo senhor, eu, o clero e o povo
desejamos a vinda de religiosos e religiosas e muito agradeceremos os
esforços que Vossa excelência fizer nesse sentido. Há paróquias nesta Diocese
375
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, 07 de março de 1902, fl. 2.
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, 05 de julho de 1905. fl. 12.
377
Mais sobre ocorrido pode ser conferido em: FARIAS, Altina Maria Rodrigues. O livro de correspondência
oficial (1901-1922): Governo episcopal de D. Antônio Brandão. in: Quæstionis Documenta – Revista do Arquivo
da Cúria Metropolitana de Maceió. Ano III, Nº 3, pp. 90-109, 2018.
378
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 13 de março de 1903. fl. 4.
376
124
que podem receber até 4 religiosos, sendo um dele[sic] pároco e prover a
cômoda subsistência deles, além disto há nas cidades de Alagoas e Penedo
conventos de franciscanos desocupados onde poderia estabelecer-se alguma
comunidade. O território desta Diocese é salubre e aqui se dão bem os
europeus.
Não temo que faltem aos religiosos meios de viver e algumas religiosas
poderiam tomar a direção de um asilo de órfãos e talvez do hospital de
caridade que aqui existem. Eu receberei como um presente do céu a vinda dos
religiosos por quem tenho suspirado; por isso ponho-me à disposição de V.
Excelência para prestar quaisquer informações.379
Alguns meses depois do envio deste ofício, em 17 de agosto do mesmo ano, o prelado
alagoano encaminha outra mensagem ao órgão diplomático da Cúria Romana em território
brasileiro, solicitando o envio de quinze religiosos e seis religiosas. Inclusive o bispo diocesano
afirma haver algumas paróquias vagas e alguns estabelecimentos nos quais os membros das
congregações poderiam assumir. Cabe lembrar que o discurso sobre a ausência de sacerdotes
para à execução do trabalho pastoral já apareceu no texto de sua carta pastoral de saudação, que
destacava que a fundação da diocese aumentaria a quantidade de sacerdotes no estado, de
acordo com suas palavras: "que eram tão numerosos no passado".380
Por coincidência, ou não, membros de congregações religiosas chegaram à capital do
estado nos anos de 1903 e 1904, cerca de seis meses após o envio do primeiro pedido à
Nunciatura Apostólica. No início de dezembro 1903, registra-se nos jornais a passagem de
missionários franciscanos oriundos da Bahia, entre eles o frei Hipólito Zurek, superior da
Ordem, em direção ao sertão de Pernambuco e que durante o percurso visitou várias localidades
no estado de Alagoas.381 No ano seguinte, os mesmos periódicos descrevem a chegada dos
frades capuchinhos Frei Angélico e Frei Gaudioso à cidade de Penedo e o desenvolvimento dos
seus trabalhos nas circunvizinhanças.382
Os anos que vão de 1904 até 1907, podem ser caracterizados, pelos relatos nos jornais,
da presença destas ordens religiosas, através da realização das solenidades conhecidas como
"Santas Missões Populares", principalmente em localidades do agreste e do sertão do estado,
conforme o discurso do bispo diocesano, “carentes da presença de clero”.383 Segundo Lúcia de
Fátima Ferreira, esta prática foi utilizada pela hierarquia eclesiástica brasileira como uma das
estratégias para a implantação do projeto da "romanização", tanto entre as populações de
379
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 07 de julho de 1903. fl. 5.
Carta Pastoral de Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, bispo de Alagoas, saudando aos seus
diocesanos no dia de sua posse. Pará: Tipografia da Livraria Bittencourt, 1901, p. 6.
381
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 5 de dezembro de 1903 e 27 de fevereiro de 1904.
382
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 16 de janeiro de 1904.
383
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 13 de março de 1903. fl. 4.
380
125
cidades interioranas, como em paróquias das grandes cidades.384 Em um artigo de A Fé Christã
um dos redatores aponta os frutos e os benefícios causados pelos missionários em algumas
localidades:
Eis os frutos das Santas Missões em três paróquias da Zona do São Francisco
pelos missionários capuchinhos Frei Angélico e Frei Gaudioso.
Penedo (18 dias) - confissões 4.000; comunhões, 3.500; batizados, 78,
crismas, 3.000; prédicas, 43; casamentos, quase todos de amancebados, 600.
Piaçabuçu (10 dias) - confissões, 3.000; comunhões, 2.500; batizados, 72;
crismas, 1.542; prédicas, 27; casamentos, quase todos de amancebados, 232.
São Brás (7 dias) - confissões, 2.000; comunhões, 1.500; batizados, 40;
crismas, 1.310; prédicas, 18; casamentos, quase todos de amancebados, 150.
Os algarismos acima provam claramente que o trabalho dos missionários de
Deus é uma obra afanosa e de verdadeiro mérito, não só para a causa da Igreja
como da sociedade. Em confronto: qual é o bem, o resultado que produzem as
seitas execradas condenadas por Deus e pelo mundo? O mal, a corrupção de
costumes: o mal, sempre o mal!385
Um ponto interessante a se analisar na mensagem do bispo diocesano ao Núncio
apostólico é a afirmação da inexistência de nativos indígenas no território alagoano, e esse fato
seria o diferencial que facilitaria o trabalho das congregações religiosas solicitadas pelo prelado
ao órgão diplomático da Cúria Romana. A fala em questão, seguramente aplicada de forma
intencional, reproduz uma prática discursiva desenvolvida desde a segunda metade do século
XIX, que tentava diminuir a visibilidade étnica das populações remanescentes indígenas. Desde
a promulgação da lei de terras de 18 de setembro de 1850386, ainda no período imperial, os
poderes políticos buscaram elaborar estratégias para assimilar os povos nativos e incorporá-los
à sociedade.
Para Darni Bagolin, a incorporação de terras devolutas levou à tomada dos territórios de
aldeamentos supostamente extinto pelos poderes provinciais, sob a alegação de que não
constituiriam mais uma população de "selvagens", mas sim indivíduos civilizados.387 Ou ainda,
384
FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Igreja e romanização: A implantação da diocese da Paraíba (18941910). João Pessoa: EDUFPB, 2016, p. 168
385
A FÉ CHRISTÃ, Penedo, 27 de fevereiro de 1904.
386
Brasil. Leis e decretos. Lei 601 de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e
acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por
simples título de posse mansa e pacifica: a determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas
a título oneroso, assim para empresas a particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de
estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Lex-Coletânea
de
Legislação,
pp.
233-237,
1850.
Disponível
em:
<http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao02/materia02/leis_ze.rtf> Acessado em
2 de dezembro de 2018.
387
BAGOLIN, Darni Pillar. O indígena na República Velha: As instituições de "proteção" do Rio Grande do
Sul. Dissertação (Mestrado em História) - Passo Fundo: UPF, 2009, p. 37; SILVA, Aldemir Barros Júnior da.
Aldeando sentidos: os Xucuru-Kariri e o serviço de proteção aos índios no agreste alagoano. Dissertação
(Mestrado em História) - Salvador: UFBA, 2007, p. 17.
126
indicavam que as faixas territoriais correspondentes às aldeias pertenciam a propriedades
privadas.
A continuidade deste discurso desqualificante que elabora a noção do que é “ser índio”
torna-se relevante ao se pensarem as atividades pastorais desenvolvidas por Dom Antônio
Brandão anos antes na diocese do Pará. No último decênio do século XIX se observa a presença
de missionários, em sua predominância sacerdotes de origem estrangeira, com a finalidade de
catequizar e “civilizar” as populações nativas da região. Dessa forma, o fato de Alagoas
suspostamente não ter "aldeias isoladas", como era claro no caso paraense, permitiu ao prelado
a reapropriação de um discurso circulava e era dito como oficial. Um discurso que
descaracteriza e estereotipa o indígena e que reduz a sua imagem de selvagem, legitimado
durante o século XIX por escritores filiados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), bem como por romancistas. Em outras palavras, ao defender que não há índios no
território alagoano, o prelado compactua com a hipótese que defende que a população originária
dos aldeamentos indígenas, por ser “mestiça” não seria mais considerada nativas, ou teria sido
assimilada na sociedade.
De certo, um elemento recorrente quer seja na Carta Pastoral de saudação, ou nos ofícios
encaminhados aos párocos ou ao Núncio Apostólico, é o discurso que valoriza o papel dos
sacerdotes como indivíduos dedicados e zelosos, o que acaba nos encaminhando para outro
tema, a saber, a rigorosidade e disciplina exigidas pelo bispo relativa à boa conduta que os
vigários paroquiais deveriam refletir, bem como executar os seus deveres sacerdotais, com
decência e respeito ao seus iguais e obediência ao seu bispo.
4.3.3. "O sacerdote zeloso, instruído e virtuoso": a disciplina e a moralização do clero
O monitoramento dos bens materiais e financeiros, das paróquias e da diocese, o
controle das atividades do laicato e das práticas religiosas, tanto de teor popular como
institucional, foram alguns dos pontos discutidos nas últimas páginas desta secção. No entanto,
durante a leitura das cartas episcopais de Dom Antônio Brandão que serviram de base para a
confecção desta pesquisa, surgiu o problema do enquadramento e disciplinarização do clero.
Ao se falar em disciplinarização nos remetemos ao conceito de Michel Foucault, ao associar a
elaboração de discursos que vão além da utilização da força e da violência, destacando a
perspectiva da coerção.388 O autor entende a “disciplina” como a demarcação dos espaços entre
388
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 3ª ed. - Petrópolis: Vozes, 1987, p. 165.
127
os indivíduos, com o papel de reforçar as relações de hierarquização, possuindo a capacidade
de gerar sujeitos subordinados.389 A coerção é o elemento que legitima a disciplina, pois,
segundo Foucault, é “a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo
como objetos e como instrumentos de seu exercício”390, desta forma fortalecendo as relações
de poder.
No âmbito eclesiástico o estabelecimento da disciplina se revela através do emprego de
aparatos institucionais capazes de organizar o corpo eclesiástico dentro de padrões e práticas
de comportamento, por meio dos exercícios de reclusão e celibato compulsório, reforçando os
aspectos morais e legitimando o discurso institucional acerca da imagem exemplar e íntegra
dos sacerdotes diante dos fiéis. É preciso salientar que este posicionamento em relação ao
enquadramento moral do clero tem que ser compreendido como expressão da vigência das
determinações do Concílio de Trento, no século XVI, com o objetivo de conservar e proteger a
instituição católica de ameaças que poderiam romper com a sua ortodoxia e unidade. Os
documentos de Trento direcionam ao bispo diocesano a obrigação de elaborar meios a fim de
"ordenar, moderar, castigar e executar, segundo os estatutos canônicos, tudo o que lhe parecer
necessário, segundo sua prudência, em ordem da emenda de seus súditos e à utilidade de sua
diocese, em todas as coisas pertencentes à visita e à correção de costumes”.391
Durante a segunda metade do século XIX, considerada a época do apogeu da difusão do
pensamento ultramontano, a defesa do celibato e o combate ao relaxamento doutrinal foram os
pontos essenciais da atuação dos "bispos reformadores" brasileiros. Durante os períodos
colonial e imperial se registram as ocorrências de dificuldades relacionadas a estas
características, o que explica o empenho da elite eclesiástica em corrigir certas atitudes vistas
como falhas de conduta por parte dos sacerdotes católicos.392
Para o período republicano, observa-se nos textos do Concílio Plenário LatinoAmericano a permanência deste posicionamento; as atas conciliares instruem os bispos a
ensinarem os seus clérigos a evitarem costumes que poderiam vir a escandalizar os fiéis,
impedindo a execução dos trabalhos sacerdotais de forma digna.393 Ao se fazer uma leitura das
diretrizes conciliares percebeu-se que a fonte eclesiástica traz instruções específicas a respeito
do comportamento dos sacerdotes, mantendo os moldes das orientações de Trento:
389
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 8. ed, Rio de Janeiro: Graal, 1989, p. 61.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 3ª ed. - Petrópolis: Vozes, 1987, p. 195.
391
Concílio Ecumênico de Trento. Secção XXIV, Cap. X, 11 de novembro de 1563.
392
SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: Uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo: Cia das Letras,
2008, pp. 50-51.
393
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Título III, Cap. V, art. 642.
390
128
Por qual, o Concílio e Trento manda com palavras bastantes expressivas, a
serem observadas no futuro, sob a mesma pena e ainda maiores, a critério do
Ordinário, como os Sumos Pontífices e Conselhos, sábia e abundante
decretaram sobre a vida, honestidade, cultura e doutrina dos clérigos e a sua
obrigação em evitar o luxo, as festas, as danças, os jogos de azar e todos os
crimes e negócios mundanos; e também ordena que, se por qualquer meio algo
escapou a disciplina, ela deverá ser aplicada quanto antes pelos mesmos
Ordinários, para que não sejam castigados pela justiça divina, por ter
negligenciado a emenda de seus súditos.394
A temática da disciplina clerical é abordada nos escritos de Dom Antônio Brandão
explicitamente desde a publicação de sua carta pastoral de saudação. Os assuntos como a
exaltação da vocação sacerdotal, o elogio aos seminaristas e trabalhos desenvolvidos pelo clero,
a utilização de metáforas e alegorias linguísticas que remetem à representação da importância
e atuação que outrora sacerdotes católicos desenvolveram em todo o território alagoano, são
retratados ao longo das páginas da documentação analisada. Temos, neste momento, de
relembrar que o prelado foi um sacerdote forjado nos moldes e rigores das diretrizes tridentinas.
Este mesmo rigor o influenciou na sua severidade e pulso forte, demonstrado em muitos ofícios,
em relação ao modo de admoestar os seus párocos.
Entre as mensagens encaminhadas aos vigários diocesanos percebe-se o fato de o bispo
repreender o destinatário por causa dos rumores sobre o seu comportamento e má conduta, quer
seja entre na relação entre padres e os fiéis, ou ainda entre pároco. Na avaliação que o bispo
expressa nas fontes consultadas, o mau comportamento do sacerdote não prejudicaria só a ele,
mas a instituição eclesiástica, como o próprio prelado. Para ilustrar a situação menciona-se a
correspondência enviada ao já conhecido padre Emilio Diverchy, vigário da cidade de Alagoas
(Marechal Deodoro), no ano de 1902:
Ainda que V. Rv. quisesse não podia restaurar a irmandades[sic], entretanto
autorizo-as a comparecerem com a cruz [ilegível] menos a vara de juiz. Logo
resolverei acerca da restauração. Aqui chegam-me notícias de queixas, digo
censuras que V. Rv. faz ao padre Alfredo até com relação ao Seminário. Não
acredito o que me dizem por que o Pe. Alfredo, que conheço desde menino,
não merece estas censuras e V. Rv. não as teria feito. Estou certo que não
perturbará a boa harmonia. Antes concorrerá para que ele reine cada vez mais
e produza bons resultados. V. Rv. não ouça enredos de seculares contra seus
colegas e colegas tão bons e que eu muito prezo pelo que merecem. Eles nada
disseram-me, sei pela voz de seculares e não acredito. Recomendo-lhe mais
uma vez o ensino do cantochão que eu tenho a muito no[?] peito. Se V. Rv.
se[sic] descuidar me desagradará. Agora mesmo considero que se V. Rv.
cultivar a boa harmonia poderá fazer uma procissão esplendida. Cuidado, pois
com os enredadores que tanto tem explorado nestes últimos tempos. Una-se
com sinceridade a seus colegas e despreze os vis enredadores.
394
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Título III, Cap. V, art. 642.
129
Sua carta primeira[sic], como eu mandei dizer-lhe, foi uma imprudência.
Afetuosa e paternal benção que lhe[sic] envio lhe comunique que venturas,
faz e cordialidade.395
Deste fragmento podem-se elencar alguns pontos para a discussão: primeiro, o texto
pode ser considerado, também, no quesito de enquadramento das irmandades, pois nos relata
que Dom Antônio Brandão admoesta o pároco por causa da restauração de uma confraria
religiosa leiga sem a sua respectiva autorização, provavelmente a confraria de São Benedito
mencionada nas páginas anteriores. Porém, se nota pela leitura das linhas seguintes, que o
ofício, em sua essência, foi enviado com a intenção de repreender o mau comportamento do
padre Emilio Diverchy e a sua contenda com o padre Alfredo, então reitor do seminário
diocesano, que segundo a fonte é um indivíduo bastante estimado pelo bispo. Como se
conseguiu averiguar, a autoridade episcopal recrimina o vigário por esta falha de conduta. O
bispo tenta amenizar a situação, afirmando que o sacerdote foi influenciado por seculares. O
que chama atenção também é o tom das palavras escritas por Dom Antônio Brandão ao declarar
que se o padre permanecer com estes comportamentos desagradará ao seu superior episcopal, e
que o mesmo "deve cultivar a harmonia", sugerindo que os sacerdotes deveriam compactuar
com o sentimento de homogeneidade institucional.
No entanto, durante a verificação das correspondências nos anos posteriores, o padre
Emilio Diverchy se revela um sacerdote bastante intransigente. O seu mau comportamento
ocasionou outras "repreensões" por parte seu titular diocesano, principalmente por causa do seu
péssimo hábito em falar demais, como pode ser observado na mensagem enviada em 28 de
janeiro de 1909, por causa de uma publicação no periódico Diário Popular, a qual acusava o
pároco Diverchey de ser um "padre desordeiro". O motivo foi uma conversa exaltada com o
Coronel Pedro Mello, um político local, envolvendo os trabalhos desenvolvidos pelos
sacerdotes de origem estrangeira na diocese:
Temos recebido sua carta de 21 de dezembro [de 1909] na qual narra [e
explica] o fato de que se ocupa [?] uma correspondência publicada no Diário
Popular contra V. Rv. chamando-o de "padre desordeiro".
Sentimos profundamente o grave incidente que deu o lugar a [manchado]
explorações contra outros sacerdotes estrangeiros de exemplar conduta que
conosco colaboram no serviço da vinha [?] do Senhor e esperamos que não se
repita um fato semelhante e parece-nos que V. Rv. já terá se convencido de
que houve [?] imprudência.
395
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, s/d, 1902, fl. 2.
130
Nunca deveria [?] ter V. Rev. ido à porta do sr. coronel Pedro Mello, embora
com intuitos pacíficos principalmente deixando-se guiar por delações
criadas.396
Esta situação acaba por nos encaminhar a outro ponto que é a despolitização do clero e
o apego aos dogmas e doutrinas, defendidos pelo pensamento ultramontano, que influenciou o
episcopado nas elaborações de estratégias de reordenação interna e fortalecimento do corpo de
funcionários católicos. Neste caso, as preocupações pela fundação dos seminários diocesanos,
já indicadas, alinham-se com a ideia do melhoramento e enquadramento do clero, como
instrumento de fortalecimento do discurso religioso, ou seja, a consolidação da doutrina
católica, facilitando a sua circulação entre os diferentes níveis de grupos sociais. E como uma
ferramenta para à sustentação da disciplina sacerdotal, Dom Antônio Brandão utilizou-se da
prática de realização de retiros espirituais voltados ao clero397 periodicamente, que tinham como
papel renovar e preservar o "espírito sacerdotal" tanto dos seminaristas, como também dos
párocos da jurisdição eclesiástica.398
A relação harmoniosa entre as esferas políticas e religiosas, fixada pelo Concílio
Plenário Latino-americano, e legitimada em Alagoas por Dom Antônio Brandão, durante o
período de seu episcopado, se revela mais uma vez na sua escrita, em um ofício de 15 de janeiro
de 1909, ao padre Durval Goes, pároco de Viçosa, a quem o bispo questiona a respeito da
informação de que o sacerdote aceitou uma nomeação para o cargo de conselheiro municipal.
O bispo indaga o vigário afirmando que não consta nos livros de provisões nenhuma autorização
sua relativa a este fato399 e, de acordo com as palavras do titular diocesano, o padre Durval
estava desobedecendo ao art. 652 do sínodo conciliar, que aborda a questão da nomeação de
sacerdotes para cargos seculares.400
Em respeito aos aspectos morais do clero que deveriam ser praticados pelos sacerdotes
católicos, a política ultramontana, que recebeu a influência do pensamento tridentino, destaca
396
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 28 de janeiro de 1909, fl.16.
As realizações dos retiros espirituais do clero foram uma prática comum aplicada pelos bispos empenhados com
a política ultramontana no território brasileiro. Segundo Ferreira, “os retiros, além de se constituírem em momentos
de reforço da unidade ideológica e doutrinária, eram também momentos para o controle e cobranças quanto ao
andamento da administração paroquial, bem como para repreensões e conselhos por conta do comportamento de
alguns padres”. FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Igreja e romanização: a implantação da diocese da Paraíba
[1894-1910]. João Pessoa: EDUFPB, 2016, p. 159.
398
VASCONCELOS, Cícero Teixeira de. Elogio histórico de Dom Antônio Manuel Castilho Brandão: primeiro
bispo de Alagoas. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1949, p. 18
399
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 15 de janeiro de 1909, fl.15.
400
“Não pode um clérigo aceitar o cargo de curador ou tutor, sem licença, ou a medicina praticando sem o indulto
apostólico, ou exercício em empregos advogado tribunal civil, advogado, funcionário ou notário, ou ocupar cargos
públicos, embora ser livre e meramente honorário, sem a licença do Bispo; nem mesmo um privado, se requer
muito tempo e exige muita fadiga da alma ou do corpo”. Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma:
1899, Titulo VIII, Secção VI, art. 652.
397
131
que entre as formas de combater o relaxamento do clero estava a insistência na observância do
celibato. Por isso continuava a condenar o caso de padres amancebados ou até mesmo casados.
No início do século XX, atas conciliares determinavam a separação entre os espaços destinados
aos homens e às mulheres.401 Traziam também restrições relacionadas ao convívio de
sacerdotes com mulheres solteiras, proibindo a entrada delas nos quartos e cômodos pessoais
do clero.402 Um caso interessante para ser averiguado é o relato do ofício enviado pelo bispo
diocesano ao padre Alfredo Guido del Piazza. A carta dirigida ao respectivo clérigo no dia 02
de abril de 1908 exigia que o sacerdote expulsasse de sua residência uma jovem, outrora
grávida, sob da ameaça de suspensão de suas ordens sacerdotais:
Chegam ao nosso conhecimento que V. Rv. ao partir desta capital levará[sic]
em sua companhia uma moça suspeita, que se dizia sua cozinheira e que
quando se achou em estado adiantado de gravidez veio a esta capital e tendo
dado à luz uma criança que se chama Gabriel, voltara para sua casa,
acompanhado por patrício seu e de confiança. Constando-nos ainda, que
compõe[?] aí comentários, graves e feios, acerca deste fato. Havemos por bem
lhe determinar que dentro de 24 horas, depois de recebido e este ofício,
expulse de sua casa esta mulher suspeita sob a pena de suspensão de suas
ordens ipso facto [“pelo próprio fato”] e se ela permanecer aí ou nas paróquias
vizinhas V. Rv. será exonerado da paróquia e privado do exercício de ordens
nesta diocese e de tudo darei ciência ao seu excelentíssimo Prelado.403
Duas informações importantes são extraídas a partir do conteúdo deste texto. Primeiro,
o padre Piazza não era um sacerdote vinculado a diocese de Alagoas (com efeito, ele pertencia
a diocese de Pernambuco), mas seus serviços eram emprestados à jurisdição alagoana. O outro
ponto é que o dito sacerdote, ao sair de Maceió, levou consigo uma jovem moça, que não era
sua parenta; pelo relato do documento a moça tempos depois teria voltado para capital de
Alagoas grávida. O ofício ainda aponta que a informação que “chegou aos ouvidos do bispo”
e, por causa disso, ele encaminhou uma mensagem ao sacerdote em questão. Não se sabe quem
era esta jovem e muito menos qual sua relação com o sacerdote, ou se de fato o acontecimento
tem relação com a questão do concubinato.
A descrição da situação narrada pelo texto da carta gera inúmeros questionamentos em
relação do grau de proximidade entre a jovem e o sacerdote. Contudo, o que chama atenção é
que a repressão do bispo foi exclusivamente pela ocasião quando o padre Piazza ter acobertara
uma mulher grávida em sua residência, contrariando as proibições do concilio plenário a
respeito do convívio entre os padres e as mulheres. Esta separação tem a ver com a preservação
401
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo VIII, Secção V, art. 644.
Atas do Concílio Plenário Latino-Americano. Roma: 1899, Titulo VIII, Secção V, art. 646.
403
Correspondências Oficiais do Episcopado de Alagoas, Maceió, 02 de abril de 1908, fl.15.
402
132
do celibato e com o distanciamento do sacerdote frente aos prazeres mundanos. A decisão do
bispo, incluindo a ameaça da suspensão das ordens de Piazza, foi tomada como meio para evitar
futuras consequências que pudessem levar aumentar o escândalo. Pelas fontes, se percebe receio
quanto a atitudes de sacerdotes que pudessem desagradar e escandalizar a instituição
eclesiástica parece permear a escrita de Dom Antônio Brandão. Estas variadas particularidades,
que emergem da documentação eclesiástica, acabam por revelar não só os pensamentos e os
discursos, mas as práticas que nortearam o governo do primeiro bispo diocesano de Alagoas e
seu constante esforço e dedicação em aplicar as diretrizes e orientações tanto tridentinas, como
as conciliares na jurisdição da qual era titular.
133
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O transcorrer da escrita deste texto foi longo, muitas vezes difícil em relação à escassez
documental. Ao longo de sua elaboração muitas das propostas iniciais acabaram sendo
modificadas na medida em que nos deparamos com novas especificidades; um exemplo disso
foi a abordagem relacionada à cultura escrita, com o intuito de entender a análise dos ofícios de
Dom Antônio Brandão, não apenas de fonte históricas, mas como uma produção intelectual e
material de uma época. A própria compreensão da "romanização" foi desvinculada de sua
abordagem tradicional, e entendida não como um "processo", mas como um “projeto”, um ideal
a ser alcançado pelo episcopado vinculado modelo eclesiástico, que se costuma chamar
ultramontanismo, que determinaria a “autocompreensão” da Igreja, uma visão de mundo que
justificaria a atuação da instituição na sociedade.
No geral, em relação à dialética entre as conjunturas externa e interna, consegue-se
perceber que o momento vivido pela sociedade alagoana, marcado pelo processo de
modernização industrial e urbana, pelos conflitos políticos e pelas disputas no campo religioso
reforçaria a ideia de que a instalação do bispado se encontrava ligada à um esforço por preservar
uma ordem vigente. Isto é bem nítido ao lembrarmos os acordos para a instalação da jurisdição
eclesiástica no estado. Esta atmosfera conseguiu preparar a estrutura institucional diocesana
para a adaptação do projeto católico da "romanização", conforme a realidade local e como se
consegue observar no âmbito interno.
Ainda relacionado ao contexto político e social, que antecedeu a criação da diocese,
observa-se que o clima de instabilidade gerado pela proclamação da república e as tensões
políticas entre as facções oligárquicas locais acabaram por gerar uma atmosfera de desordem
social, o que marca a fragilidade das ideias republicanas em terras alagoanas. As estruturas
social e de poder predominante no estado não sofreu nenhum tipo significativo de mudança ou
alteração após instalação do regime republicano.
O jogo dos poderes, mais especificamente o da influência política dos grandes
latifundiários, permaneceu o mesmo. Para dizer que não houve algum tipo de transformação,
figuras ligadas à antiga monarquia tentaram jogar conforme as cartas, se adaptando ao novo
sistema de governo, ampliando seus domínios em meio ao seu eleitorado. As mudanças sociais
presentes no final do século XIX e início do XX destacam o esforço para inserir Alagoas no
processo de modernização, no sentido de progresso, pelo o qual o país estava passando desde a
segunda metade do oitocentos.
134
Outro ponto a ser destacado é o desenvolvimento dos diálogos iniciados em 1896 para
a criação do bispado. Ficou clara a mobilização, tanto de categorias abastadas, como por
exemplos os intelectuais, e como a participação de indivíduos de classes humildes, com intuito
de levantar o montante necessário para instalação da diocese, conduzida pela Comissão Central
do Patrimônio. Sobre este elemento ainda ficou em aberto a possibilidade de verificar mais a
fundo a participação das elites políticas e intelectuais neste processo. A criação do bispado
estava apenas ligada às ideias de "progresso", como os seus defensores apresentam nas páginas
dos jornais Gutenberg e O Orbe? Pelo que se conseguiu verificar na pesquisa a questão perpassa
os interesses políticos, na busca pela aprovação da população. Quem sabe, ao usarem a imagem
de defensores da instituição católica, não teriam o objetivo de conquistar o eleitorado adepto
desta religião?
É certo que as relações históricas entre política e igreja católica parece que não terem
sofrido impactos mais profundos com o fim do sistema do padroado régio. Apesar do Estado se
autodefinir como uma instituição laica, ele continuou a contar com o auxílio da Igreja Católica,
como um aparelho institucional colaborador em prol da "ordem", penetrando em camadas
sociais em que o poder temporal teria dificuldades de atuar, chegando a exercer, em certos casos
o papel de apaziguamento de conflitos e tensões sociais. Sendo assim, a continuidade desta
característica ressalta os meios como a instituição católica se encontrava estruturada na
coletividade, muitas vezes mesclando os seus próprios interesses com os das classes
privilegiadas. Como apontou Luiz Alberto Gómez de Souza:
A Igreja, como expressão organizada da atividade religiosa, está inserida na
sociedade e seus membros fazem ao mesmo tempo parte da estrutura de
classes dessa sociedade. Eles trazem então, para dentro da Igreja, os conflitos
e alianças da própria sociedade. Assim como a ideologia dominante numa
sociedade é a ideologia da classe dominante, a expressão religiosa principal
também é aquela ligada a essa classe. Sabemos, entretanto, que há outras
opções ideológicas que enfrentam a ideologia dominante. Da mesma maneira
há outros comportamentos religiosos. E se não reduzimos a religião à crença
e ao culto, descobrimos práticas sociais alternativas que são, ao mesmo tempo,
práticas religiosas contraditórias entre si.404
Já durante o tempo posterior à criação do bispado, no papel desempenhado por Dom
Antônio Brandão durante os nove anos do seu governo eclesiástico, percebeu-se que a
autoridade episcopal em vários momentos tratava de preservar a coexistência harmoniosa entre
os poderes temporais e religiosos. Se, em algum momento, chegaram a entrar em conflito, não
foi possível. Contudo, em relação à organização das bases institucionais e pastorais do bispado,
404
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. Igreja e sociedade: elementos para um marco teórico. In: Revista Síntese, v.
5, nº 13, 1978, p. 25.
135
nota-se a articulação do bispo em alinhar as suas atividades com o projeto católico desenvolvido
pelo episcopado, visando manter a predominância social, moral e doutrinal católica na
coletividade.
Percebe-se esta perspectiva ao se refletir brevemente sobre a atuação da Igreja Católica
no campo da educação, sobre os processos de habilitação sacerdotal e sobre a realização das
visitas pastorais. De forma simples, o objetivo destes estabelecimentos e solenidades eram
reafirmar a existência do bispado, legitimar o processo de organização burocrática e religiosa
na qual a Igreja alagoana passou a ser inserida.
No que diz respeito à imprensa consegue-se observar que, apesar do prelado defender
as relações harmoniosas entre os poderes temporal e religioso, ao dialogar com as elites
oligárquicas da região, ao mesmo tempo em que executava a estratégia de distanciamento do
clero da "esfera política", nas páginas do A Fé Christã ocorre a defesa de uma visão de mundo,
que é também é uma visão política, atrelada, como não poderia deixar de ser, ao pensamento
católico. Há críticas ao sistema de governo vigente, as crenças religiosas; as disputas que
ocorrem na sociedade refletem-se nas páginas do periódico penedense. Uma visão de mundo
que destaca os privilégios do catolicismo entre as outras formas de crenças é elemento a mais a
ser destacado.
A pluralidade religiosa marca a conjuntura da fundação da diocese. Outras
manifestações de fé existentes antes da criação da jurisdição alagoana disputavam junto a Igreja
Católica pelo direito de realizarem os seus cultos e por adeptos. Contudo, a manutenção dos
privilégios da instituição católica é nítida, já que suas práticas religiosas não eram vigiadas e
perseguidas pelas legislações e os órgãos de repressão do estado.405 Este tema vim a ser
explorado mais profundamente em pesquisa posteriores: a verificação mais detalhada nos
jornais, no primeiro decênio do século XX, dos conflitos e discursivos em vista a desmoralizar
credos como: o protestantismo, o espiritismo e os de matrizes africanas em continuidade de
uma disputa pela hegemonia no campo religioso que se aprofundou após 1875, com o fim da
mencionada “Questão dos Bispos”.
No âmbito das práticas episcopais consegue-se perceber que por meio da utilização das
correspondências o prelado buscou aproximar-se dos vigários e, em alguns casos, corrigi-los.
O que fica evidente, não só por meio dos ofícios, mas em suas cartas circulares e pastorais, é o
405
SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. Conflitos religiosos, visões de mundo e relações de poder na imprensa
católica: “A Fé Christã” (Alagoas, 1902-1907). Porto Alegre: UFRGS, 2018, pp. 17-18. [no prelo]
136
esforço em cumprir, exatamente como determinado, as orientações do Concílio Plenário Latinoamericano, como forma de respaldar suas ações ao longo do seu governo episcopal.
Contudo, é preciso salientar duas proposições para compreender a atuação do bispo
diocesano na jurisdição alagoana. Primeiro, não há como dissociar o seu engajamento no
projeto de reestruturação do catolicismo brasileiro, sem considerar a sua formação sacerdotal.
Esta é praticamente a característica inicial do trabalho de pesquisa desenvolvido nas páginas
anteriores. Dom Antônio Brandão teve sua formação eclesiástica influenciada pelo pensamento
ultramontano; ao longo da sua trajetória na estrutura eclesiástica foram estes os ideais que
nortearam suas ações como pároco, vigário-geral, bispo, primeiramente no Pará e, em seguida,
de Alagoas.
Outro ponto a ser destacado é o curto espaço de tempo que corresponde do seu governo
episcopal frente à diocese de Alagoas. Os nove anos de seu episcopado (1901-1910) são bem
significativos. A criação do seminário diocesano, a fundação dos colégios confessionais, a
vinda de congregações religiosas, o empenho para organizar os bens patrimoniais e práticas
religiosas e o rigor da disciplina e doutrinação do clero são as características marcantes deste
período. Só por eles se pode afirmar que Dom Antônio Brandão preparou o caminho, e mesmo
as bases do catolicismo, para o projeto de reestruturação vigente. Os bispos posteriores: Dom
Manuel Lopes, Dom Santino Coutinho e Dom Ranulfo Farias, foram herdeiros e defensores dos
ideais ultramontanos assentados pelo primeiro governante apostólico da circunscrição alagoana
e deram continuidade às articulações com a política centralizadora da cúria romana.
Vale ainda uma breve observação: a criação da Ação Católica, durante a década de 1940,
por Dom Ranulfo Farias, é entendida como a consolidação dos processos de organização
institucional do catolicismo iniciados por Dom Antônio Brandão. Contudo, a realização do
Concílio Ecumênico Vaticano II (1962 a 1965) trouxe modificações a configuração da Igreja
Católica, no mundo e no território brasileiro, repercutindo na elaboração de seus arcabouços
discursivos, devido as ocorrências de novas exigências e a necessidade do estabelecimento de
um diálogo aproximando a instituição eclesiástica com o mundo contemporâneo. Atualmente,
se pode observar a continuidade de traços dos ideais ultramontanos, ou romanizados, em setores
mais conservadores do clero, por meio da permanência de falas e discursos que destacam a
proeminência intrínseca do catolicismo na sociedade, por meio da realização de grandiosas
solenidades públicas, como festejos a santos e procissões, e das relações com os poderes
políticos.
137
Por fim, sabe-se que alguns pontos abordados ficaram em aberto a investigações mais
detalhadas. Contudo, a proposta primordial do estudo foi trazer novas contribuições para as
pesquisas relacionadas ao catolicismo alagoano, contemplando as suas relações com a
sociedade, com os movimentos leigos, com práticas religiosas contrárias aos seus dogmas, bem
como as relações entre a instituição religiosa e os seus fiéis. Logo, ficam sinalizadas
possibilidades para a elaboração de novos estudos referentes a esta conjuntura que proporcione
compressões da temática mais apuradas.
138
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ANEXOS
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Imagem 1: Dom Antônio Manoel Castilho Brandão. Bispo do Pará entre anos de 1896 a
1900 e prelado de Alagoas de 1901 a 1910.
154
Imagem 2: Noticia do jornal GUTENBERG de 24 de maio de 1896
informando os inícios dos acordos em favor da criação da diocese de
Alagoas. Fonte: Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.
155
Imagem 3: Ata da reunião da Comissão Central do Patrimônio do bispado 24 de janeiro
de 1898. Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió.
156
Imagem 4: Oficio enviado pelo Núncio Apostólico ao Governador Euclides Malta
Reproduzido no jornal A Tribuna de 2 de outubro de 1900.
Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió.
157
Imagem 5: Capa da carta Pastoral de Saudação Dom Antônio Brandão aos seus Diocesanos
Em 23 de agosto de 1901.
Fonte: Acervo Arquivo da Cúria Metropolitana de Maceió.
158
Imagem 6: Primeira edição do Jornal “A Fé Christã” de Penedo, de 11 de janeiro de 1902.
Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.