Os Ecos da Geração 80 - Ana Beatriz Bezerra de Melo
Os Ecos da Geração 80 - Ana Beatriz.pdf
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTE
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ANA BEATRIZ BEZERRA DE MELO
OS ECOS DA GERAÇÃO 80: A PINTURA CONTEMPORÂNEA EM MACEIÓ
MACEIÓ
2016
ANA BEATRIZ BEZERRA DE MELO
OS ECOS DA GERAÇÃO 80: A PINTURA CONTEMPORÂNEA EM MACEIÓ
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade
Federal de Alagoas, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
História.
Linha de Pesquisa: Cultura, Representações e
Historiografia
Orientadora: Profa. Dra. Maria de Lourdes
Lima
Coorientadora: Profa. Dra. Rossana Viana
Gaia
MACEIÓ
2016
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
M528e
Melo, Ana Beatriz Bezerra de.
Os ecos da geração 80: a pintura contemporânea em Maceió / Ana Beatriz Bezerra
de. – 2016.
155 f. : il.
Orientadora: Maria de Lourdes Lima.
Coorientadora: Rossana Viana Gaia.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Alagoas.
Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes. Programa de
Pós-Graduação em História. Maceió, 2016.
Bibliografia: f. 97-109.
Apêndices: f. 110-153.
Anexos: f. 153-155.
1. História cultural. 2. Geração 80. 3. Arte contemporânea - Brasil. 4. Cultura.
5. Pintura. 6. Pintores alagoanos. I. Título.
CDU: 930.85
À minha mãe Josenilde Bezerra de Melo por ter me ensinado, desde a infância, a amar tudo
oferecido pela a vida, cada palavra de incentivo, abraços e por todo o amor dedicado a mim
até hoje.
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora Maria de Lourdes Lima (UFAL), por todos os ensinamentos,
paciência, comprometimento, livros emprestados e amizade sincera. Também a minha
coorientadora Rossana Viana Gaia (IFAL) pelas recomendações e palavras de estímulo.
A coordenação do PPGH em especial aos professores Felipe Caetano, coordenador do
curso no período do meu ingresso e ao professor Gian Carlo coordenador desde o segundo
semestre de 2014. Agradeço também à antiga secretária do curso Caroline Fialho.
A professora Arrisete Cleide de Lemos Costa pela ajuda com a disciplina de
Metodologia, pelas contribuições na qualificação e com o Estágio Docente.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) pelo fomento na
realização do trabalho e pelo comprometimento com a pesquisa científica.
A minha amiga e professora da graduação em Comunicação Social Sandra Nunes
Leite pelo incentivo, carinho e amizade.
Aos meus amigos de graduação do Instituto Federal de Alagoas: Anderson Diego
Almeida; Ana Carolina Sarmento; Arlete Cândido; Rosemary Lopes; Sarah Medeiros;
Jefferson Nunes.
Aos amigos de graduação da Universidade Federal de Alagoas Kermesson Carlos
Magalhães e Ben-Hur Bernard.
Ao amigo David Lima e Caroline Fontan.
Aos colegas de curso Felipe Barbosa e Tarcyelma Lira. Aos meus colegas de classe
Carine Pinto e Jeferson Vidal. Ao José Luiz, a Simoneide Araújo e a Izabela Cristina,
companheiras de Estágio Docente. A Simone Lopes, a Marta Regina, a Adriana Lima e a
Josian Paulino.
A minha mãe Josenilde Bezerra de Melo, meu irmão Edilson Oliveira de Melo Junior,
meus sobrinhos Joaquim Eduardo e Pietro Caio e toda a minha família.
Por fim, e de suma importância, aos artistas alagoanos que colaboraram com a
pesquisa Delson Uchôa, Paulo Caldas e Maria Amélia. Muito obrigada pelo aprendizado, pela
cooperação e pelos momentos de emoção enquanto me contavam sobre as suas produções,
sempre com tanto amor envolvido e histórias marcantes. E aos demais grandes artistas
alagoanos que fazem do vasto campo das artes visuais a preservação da nossa identidade,
cultura e memória no estado de Alagoas.
A arte não deve ser concluída, mas apenas “curtida’’, envolvida e sentida, não importa se
pertence a Neoclassicismo, Art Nouveau, Pré História ou Abstracionismo, tudo é igual, o que
mudam são os materiais e personagens, o espírito é sempre o mesmo o de representar algo
acompanhado de sentimentos próprios.
Não existe arte falsa ou cópia, por mais que um falsário tente copiar algo, a obra será sempre
sua, uma expressão do seu ego, a figura pode ser de Modigliani, mas a cor dos olhos e sua
expressão serão sempre do autor.
(José Leonilson Bezerra Dias 16/04/78, apud CASSUNDÉ, 2011, p. 18)
RESUMO
A geração de 1980 é o objeto de estudo nesta pesquisa e foi estudada como um momento de
inflexão diante dos movimentos modernistas e pós-modernistas consagrados na pintura. No
Brasil, esse momento foi marcado pela exposição Como vai você, Geração 80? no Rio de
Janeiro, mas repercutiu e foi também destaque, em São Paulo. Em Maceió foram encontrados
os possíveis ecos desse período passado nas grandes capitais do país, representada pelo
surgimento de grupos artísticos locais. Foram selecionados três artistas alagoanos (Delson
Uchôa, Maria Amélia Vieira e Paulo Caldas) e três artistas da denominada ‘Geração 80’
(Adriana Varejão, Beatriz Milhazes e José Leonilson). Em paralelo à abordagem do campo da
História Cultural foi realizado um panorama dos antecedente e das pré-condições, influências
primordiais para as transformações artísticas, através de pesquisa bibliográfica. Além disso, a
análise de fontes distinguidas entre primárias e secundárias ajudaram na construção desses
aspectos constituindo-se dos ecos da geração de 1980 em Maceió. Mesmo com o atraso
artístico-cultural, mencionado pelas fontes orais e periódicos diante do olhar nacional, Maceió
pode ser incluída como um dos componentes identitários para a formação da unidade na
pintura brasileira.
Palavras-chave: Geração 80. Arte Contemporânea. cultura. pintura.
ABSTRACT
The generation of 1980 is the object of study in this research and has been studied as a turning
point before the modernist movements and postmodernists enshrined in the painting. In
Brazil, this time was marked by exposure How are you, Generation 80? (Como vai você,
Geração 80?) in Rio de Janeiro, but it rebounded and was also featured in Sao Paulo. In
Maceió possible echoes of that past period were found in major cities of the country, were
represented by the emergence of local artistic groups. Three artists from Alagoas were
selected (Delson Uchôa, Maria Amélia Vieira and Paulo Caldas) and three artists called
'Generation 80' (Adriana Varejão, Beatriz Milhazes and José Leonilson). Parallel to the
Cultural History field approach was conducted an overview of the history and preconditions,
primary influences for artistic transformations through literature. Furthermore, analysis of
sources distinguished between primary and secondary aided in the construction of these
aspects making up the generation of 1980 echoes in Maceió. Even with the artistic and
cultural backwardness, mentioned by oral sources and periodicals on national look, Maceió
can be included as a component of identity for the formation of unity in Brazilian painting.
Key-words: 1980’s Generation. Contemporary Art. culture. painting.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Variáveis de inferência e interpretações.......................................................... 75
Tabela 2 – Dados quantitativos......................................................................................... 76
Tabela 3 - Representação dos artistas vivartistas e chalitistas.......................................... 77
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Linha do Tempo da História da Arte Moderna ...................................................... 17
Figura 2 - Tropicália, Hélio Oiticica...................................................................................... 54
Figura 3 - Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, Exposição Como vai você,
Geração 80? ........................................................................................................................... 59
Figura 4 - Delson Uchôa....................................................................................................... 66
Figura 5 - Maria Amélia....................................................................................................... 68
Figura 6 - Paulo Caldas........................................................................................................ 69
Figura 7 - Buquê, Delson Uchôa, 2013...............................................................................
85
Figura 8 - Senhorita com seus bichinhos de estimação, Beatriz Milhazes, 1993................ 86
Figura 9 - Sem título, Maria Amélia, 1989.......................................................................... 88
Figura 10 - Leo não consegue mudar o mundo, Leonilson 1989......................................... 89
Figura 11 - Composição Surreal (Série Signos marginais), Paulo Caldas, 1986................. 91
Figura 12 - Azulejaria em carne viva, Adriana Varejão 1999............................................. 93
SUMÁRIO
1
1.1
1.1.1
1.1.2
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
Nas trilhas da pintura moderna: do Impressionismo à Pop Arte.......................... 17
A Cena Modernista Brasileira...................................................................................... 33
A passagem da modernidade para a pós-modernidade na arte
pictórica ocidental........................................................................................................ 45
2
O CONTEXTO DA ‘GERAÇÃO 80’: A ARTE CONTEMPORÂNEA (19802014) ............................................................................................................................ 50
2.1
As pré-condições (1950-1970): Nova York (E.U.A), Londres (Inglaterra), Veneza
(Itália), Aachen e Kassel (Alemanha)....................................................................... 52
2.2
A Presença da ‘Geração 80’ no Ocidente e no Brasil: ruptura ou continuidade?54
2.3
Os Ecos da ‘Geração 80’ em Maceió......................................................................... 60
3
UM ESTUDO DAS FONTES: A ‘GERAÇÃO 80’ EM MACEIÓ........................ 72
3.1
Estudo das Fontes Primárias (Manuscritos, Entrevistas, Depoimentos Orais)... 73
3.2
Estudo das Fontes Secundárias, por meio de livro, periódico e filme
documentário.............................................................................................................. 79
3.2.1 Um Estudo Comparativo ........................................................................................... 84
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 95
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 98
APÊNDICE A Entrevista com Delson Uchôa ........................................................111
APÊNDICE B Entrevista com Maria Amélia ....................................................... 127
APÊNDICE C Entrevista com Paulo Caldas .........................................................140
ANEXOS....................................................................................................................154
10
1
INTRODUÇÃO
O impulso inicial nesta pesquisa se origina nas experiências obtidas na Pinacoteca
Universitária da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com a participação ativa nos
bastidores das exposições, no projeto de extensão Amigos da Pinacoteca de 2009 a 2011. As
atribuições incluíam desde o trabalho com a divulgação até as visitas guiadas no local. As
obras de artes, sempre classificadas no local como Arte Contemporânea, despertaram
interesse e também dúvidas. A questão básica seria identificar o ponto inicial das produções
atuais e da nomenclatura agregada a todas as práticas em Artes Visuais. A partir disso, foram
feitas leituras a fim de primar pela execução das atividades designadas pelo projeto de
extensão.
A primeira experiência acadêmica com o tema foi a realização do Trabalho de
Conclusão de Curso desenvolvido no Instituto Federal de Alagoas, orientado e coorientado
por Patrícia Soares Lins e Rossana Gaia, respectivamente. Tratava-se da análise de trabalhos
executados na fronteira do design de interiores com a produção dos artistas contemporâneos
(MELO, 2012). Foi observada a partir de então, com base em Campos (2000), a efervescência
ocorrida em Maceió no campo das artes plásticas na década de 1980, com a abertura de
galerias e o surgimento de grupos artísticos e um deles, com duração de um ano, o grupo
Vivarte.
As bibliografias anteriores que fornecem uma visão sobre a arte alagoana são: a obra A
Arte Contemporânea na Pinacoteca Universitária da Universidade Federal de Alagoas em
2010 com o olhar voltado para a Semiótica e Comunicação no acompanhamento das
exposições no ano de 2010 (NUNES, 2013); O resultado da tese doutoral de Célia Campos,
intitulada Uma Visualidade, traz um panorama da história e crítica da pintura em Alagoas no
período de 1892 a 1992 (CAMPOS, 2000); a obra Testemunhas do Vivartismo, com textos
reunidos, retirados de publicações em jornais (VILLAS BOAS, 2006); o Documentário Mais
que traços e cores em memória do pintor Roberto Ataíde atuante nas produções plásticas em
Maceió na década de 1980, (MAIS..., 2014).
A motivação para esta pesquisa partiu das lacunas encontradas na conceituação da arte
nos anos de 1980, nas bibliografias e fontes até então disponibilizadas sobre as artes plásticas
em Alagoas. Foi considerada a necessidade de investigar esse passado para compreender as
11
produções no âmbito nacional e posteriormente local, uma vez que foi detectado nessa
‘Geração 80’ um ponto de inflexão na História da Arte.
O problema da pesquisa se pautou na investigação por uma amostragem na pintura de
três artistas alagoanos identificados como expressão de uma produção pictórica vinculada ao
conceito de Pós-Moderno, que transcende a ideia de estilo para se converter em um espaço de
representação temporal.
Como hipótese é possível identificar nos acontecimentos artísticos ocorridos no eixo
Rio-São Paulo, com repercussão em Maceió, nos anos 1980, este ponto de inflexão que
marcou, a partir da Pop Arte, em meados dos anos 1950, a transição da arte moderna para a
arte pós-moderna ou contemporânea.
A arte pictórica, suporte escolhido para este estudo, é uma das manifestações artísticas
mais antigas e com valor muitas vezes contemplativo desde a antiguidade. Através dos
estudos em História Cultural foi possível trabalhar a História da Arte e o conjunto de aspectos
socioculturais na cidade de Maceió para verificar os conceitos teóricos cabíveis às produções
plásticas.
A referência modernista foi fixada no Brasil na Semana de Arte Moderna de 1922.
Porém, há controvérsias a respeito da chegada do Modernismo ao país, abordada na segunda
etapa desta pesquisa. Para compreender a arte produzida nos anos de 1980, foi preciso
mergulhar nos seus antecedentes e pré-condições.
Em Nas trilhas da pintura moderna: do Impressionismo à Pop Arte como
antecedentes, seguiu-se a cronologia proposta pelo historiador de arte Giulio Carlo Argan,
cuja obra há registros do movimento Modernismo, a partir do Impressionismo (1860) que
trabalha com artifícios para conduzir o observador a sensações representadas, na maioria das
obras, pela natureza, Argan (2010). Já o Expressionismo (1905) quis se impor supostamente
como um estilo nacionalista no pós-guerra por seguir o caminho oposto as vanguardas como o
Cubismo francês e o Futurismo italiano (MATTOS, 2000).
Posteriormente, Picasso ao se destacar com o Cubismo (1907), coloca o movimento
Fauves em crise e inicia “a fase decididamente revolucionária da arte moderna” (ARGAN;
MAURIZIO, 1992, p. 229). O movimento revisita a estrutura dos objetos, ao contrário do
Figuratismo clássico, presente nos fenômenos anteriores. Esse foi considerado o início do
impacto como um antecedente da Arte Contemporânea, por ser o primeiro a causar um
12
estranhamento, em comparação às pinturas anteriores, já que se estrutura em planos, através
da geometria dos espaços e incita discussões sobre a estética do belo.
O Dadaísmo (1916), iniciado ainda no período da Primeira Guerra Mundial, possui
como principal característica a contestação aos princípios econômicos e à própria arte. Seu
modo de produção foi de acordo com as leis do acaso e possibilidades de utilizar qualquer
instrumento, sem regras ou manuais (ARGAN, 1992). O Surrealismo (1920) insere na arte a
atitude e a reflexão psicológica, sendo o inconsciente sua ferramenta de criação. O movimento
levanta a bandeira em oposição à razão. Já o Abstracionismo (1930), conteve técnicas
relacionadas a linguagens das cores e a composições e pode ser definido como um movimento
central da arte ao longo do século XX (MONTERADO, 1978).
Na Rússia, Vladimir Tatlin desponta com o Construtivismo (1913), por meio do seu
interesse pela mecânica. Sua criação consistia na produção de objetos com contra-relevos em
metal, plástico, madeira ou vidro. O trabalho dos construtivistas mostrava-se presente nas
formas simples e ultrapassava representações ou maneiras de interpretar a realidade
(GULLAR, 1999). Também o Suprematismo (1920) representa um movimento de cunho
ideológico e revolucionário, pois a arte naquela perspectiva, deveria estar a serviço da
revolução. A pintura era determinada a ter papel funcional (ARGAN, 1992).
Em O contexto da ‘Geração 80’: A Arte Contemporânea (1980-2014) as précondições no Brasil foram iniciadas com os movimentos: Concretismo, Neoconcretismo e o
Tropicalismo. No Concretismo brasileiro (1950), após a I Bienal Internacional de São Paulo,
foi estabelecido o contato com os modelos internacionais de artes plásticas. Seus ideais
constituíam criar uma linguagem universal, permitir interação entre a arte e a produção
industrial, induzir a socialização da arte e utilizar os produtos desenvolvidos em série como
ferro, alumínio, esmalte. Essa nova lógica criativa desempenhava a criação de maneira precisa
com instrumentos como régua e compasso através do rigor geométrico (CAMPOS, 1996).
O Neoconcretismo (1950 e 1960), no Rio de Janeiro ultrapassava a ortodoxia
racionalista a favor do seu sensualismo fenomenológico (LEONÍDIO, 2013). É um marco na
passagem da arte brasileira moderna para a contemporânea. Os artistas manifestaram a ruptura
com o ato da mera contemplação entre público e obra de arte com proposta de interação entre
eles, e assim, indica novas possibilidades na composição e nos suportes do objeto artístico.
Já o Tropicalismo (1960), batizado dessa forma como referência à manifestação da
paisagem brasileira realizada pelo artista Hélio Oiticica, Tropicália, em 1964, buscou
13
referências de todas as épocas anteriores. Esse movimento continua a influenciar as gerações
futuras, como foi o caso do movimento musical Mangue-Beat, em Recife, nos Anos 1990
(FISCHER, 2003). Havia o desejo de ruptura com o tradicionalismo e ao mesmo tempo,
vontade de reinventar a crítica cultural com a retomada das literaturas brasileiras de
vanguarda, inclusive a antropofagia oswaldiana, o concretismo paulista e as conquistas da
Bossa Nova, vistas sob a estética Pop. Em Maceió, sobre os grupos artísticos presentes na
década de 1980, verifica-se que mesmo havendo a impossibilidade de serem categorizados
enquanto movimentos artísticos, já que não tinham programa teórico e tampouco plano de
ação em seus manifestos, de fato demonstravam duas características basilares: coerência
comportamental e objetividade em suas intenções (CAMPOS, 2000).
Em Um estudo das fontes: A ‘Geração 80’ em Maceió, especificamente sobre o grupo
Vivarte, nos anos 1980, existe preservado um livro de atas denominado Noitário de uma
revolta, utilizado ao final deste trabalho na análise das fontes, no qual além de relatar as
reuniões, contém o manifesto do grupo com autoria de Maria Amélia e Ricardo Maia. Neste
documento consta que a função da obra de arte “[...] não é de passar por portas abertas, mas
de abrir portas fechadas” (MAIA; VIEIRA, 1984-1985, p. 3), opinião essa reforçada até os
dias atuais, conforme entrevista realizada para esta pesquisa1. Maria Amélia aparece sempre
nas atas das reuniões como uma figura central, sempre a favor da liberdade artística e contra o
discurso da arte acadêmica predominante no estado de Alagoas.
O estudo das fontes históricas foram primordiais para compreender o testemunho do
tempo passado, aqui divididas entre fontes primárias e secundárias, pois as fontes expõem o
problema da pesquisa de modo preciso. As referências fornecem os sinais, classificados como
o antecedente ao argumento, no método do historiador Carlo Ginzburg (LIMA, 2007). Os
ecos provocados pela geração dos anos de 1980 em Maceió são analisados mediante três
metodologias: História Oral, Método Indiciário e a Análise de Conteúdo.
O retorno ao estudo da década é relevante pela contribuição da referência sobre o tema
com uma reflexão sobre os movimentos modernistas e suas interferências. É importante
observar, em termos de nomenclatura, em que medida a pintura contemporânea é uma
expressão do Pós-Modernismo.
Essa nova percepção social global envolve uma série de terminologias que incluem
nomes como modernização, sociedade pós-industrial, sociedade das mídias ou do espetáculo.
1
Ver apêndice B Entrevista com Maria Amélia (p. 127-139).
14
De um modo amplo, artistas e consumidores de arte passam a ter um sentimento de nova
configuração social a partir da Segunda Guerra Mundial (SANTAELLA, 1994).
A pesquisa foi conduzida pela identificação de documentos e fontes primárias que
ajudaram a estabelecer a situação sociocultural da cidade na década de 1980. Foram
consultados, em parte, no Arquivo Público do Estado de Alagoas os seguintes periódicos:
Jornal de Alagoas, Gazeta de Alagoas e a revista Novidade. Em acervo pessoal, foram
consultadas edições do jornal A voz dos Jornalistas. Além disso, foram realizadas entrevistas
com os artistas selecionados e para isso utilizaram-se técnicas da História Oral para o
tratamento dessas fontes, pois “apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade:
descolar camadas de memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a
verdade oculta” (THOMPSON, 2002, p. 197). A ordenação na abordagem de cada artista
nesta pesquisa foi feita em ordem alfabética para facilitar o desenvolvimento da leitura.
A interdisciplinaridade, característica presente na Escola dos Analles é uma interação
estabelecida entre disciplinas e contribui com a bagagem atribuída pelo campo do saber da
História Cultural, fornecendo subsídios para lidar com os problemas da pesquisa histórica,
estes “no século XXI, lugar-comum para qualquer historiador formado historiador”,
(BARROS, 2012, p. 109). O ofício do historiador é elaborar uma ciência do homem em seu
tempo, suas relações e transformações nos processos históricos. Bloch (2001) revela a
necessidade do distanciamento entre o historiador e o objeto de pesquisa para que não
ocorram interferências guiadas por crenças ou emoções pessoais.
Metodologia e pesquisa possui o caráter exploratório devido ao levantamento de
fontes primárias e secundárias acerca do objeto de pesquisa a partir dos registros dos
movimentos de renovação plástica em Maceió, na década de 1980.
O recorte conceitual e metodológico, instrumentos para o desenvolvimento do
raciocínio neste trabalho, inicia com o referencial em Argan (2010) para o critério de seleção
e análise das produções inclui o estudo da obra de seis (6) artistas, dos quais três (3) são locais
e três (3) tem atuação nacional. Na análise local, foram investigados: Delson Uchôa, Maria
Amélia e Paulo Caldas e na investigação sobre os provenientes da ‘Geração 80’: Adriana
Varejão, Beatriz Milhazes e Leonilson. A escolha dos alagoanos foi feita com base nas
produções pictóricas produzidas durante os anos de 1980 até a atualidade e que mais se
aproximam de composições da pintura Pós-Moderna, além da participação ativa na cena das
artes plásticas. A posteriori, quando a pesquisa já havia sido finalizada, tomou-se
conhecimento de artistas alagoanos como Carlos Fiúza, Analu Cunha e Ju Barros que junto
15
com Delson Uchôa participaram da exposição Como vai você, Geração 80, mas, optou-se
pelos artistas radicados em Maceió e que participaram de modo ativo da efervescência
cultural ocorrida na cidade na década de 1980.
Já os da ‘Geração 80’ foram selecionados em virtude dos ecos que mantêm com as
produções artísticas alagoanas escolhidas. O estudo tem caráter exploratório pela busca de
fontes levantadas sobre o objeto e os registros dos movimentos de renovação plástica em
Maceió.
Na História Cultural (CHARTIER, 1987) aborda a representação cultural e afirma ser
composta por formas simbólicas como os seus valores e as construções feitas pelos grupos
sobre as suas práticas e com isso, desmistifica a ideia da História como disseminadora da
realidade absoluta.
Enquanto Ginzburg (1989) utiliza a narrativa histórica para desmembrar os sinais que
foram encontrados no percurso da pesquisa. O autor identifica na obra, traços da imagem,
referências do próprio artista, sua individualidade e técnicas diferenciais das possíveis
falsificações, através do método de Morelli, crítico e artístico. Seu conhecimento tem como
base a escola de Aby Warburg (1866-1929) onde predominavam os estudos acerca do
Renascimento Italiano. Parte destes estudos foram utilizados na análise das fontes visuais
nesta pesquisa.
O exercício do uso de imagens nos processos historiográficos é realizado, nesta
pesquisa, através dos conceitos da iconologia e iconografia. A primeira implica o estudo
baseado em teorias, generalização e perspectivas. A segunda pressupõe o papel descritivo
acrescentado de comparações, classificação, circulação, dentre outros quesitos possíveis para
o tratamento das imagens a favor do conhecimento histórico (MENESES, 2012). Esse método
foi criado por Panofsky e faz parte do tratamento das imagens sob o ponto de vista histórico e
da crítica de arte.
A sociedade contemporânea vivencia um mundo repleto de imagens e símbolos e para
identificá-los é necessário adquirir um repertório, sobretudo quando se aborda o artefato do
campo artístico. Cabe à produção científica contribuir para desvelar esses significados os
quais indicam perspectivas sobre sua experiência estética (CARDOSO, 2012).
Deduz-se então que um estudo sobre as artes visuais agrega multiplicidade: as
características de diferentes movimentos e estilos, a identidade e a memória provenientes de
processos socioculturais. Jamesom (1992) aponta a década de 1960 como um momento de
16
expansão da cultura, quando todas passam a se relacionar entre si. O pós-moderno se define
como o campo de forças em que vários tipos diferenciados de impulso cultural, quer sob
formas ‘residuais’ e ‘emergentes’ de produção cultural, têm que encontrar uma via
(JAMESON, 1996, p. 31).
Os alagoanos integram o processo de hibridização da América Latina na década de
1980. Segundo Canclini (2015), a América Latina sofreu um processo de descentralização
democrática e aumentou a acumulação do poder e a centralização transnacional da cultura. A
tendência nas Artes Plásticas contemporâneas é o processo de bricolagem entre as variadas
possibilidades e desdobramentos nas produções artísticas.
17
1.1. Nas trilhas da pintura moderna: do Impressionismo à Pop Arte
Para compreender a produção das artes plásticas em Maceió é preciso considerar as
principais referências fornecidas aos artistas alagoanos, ou seja, o que antecedeu a
considerada Arte Contemporânea. Trata-se aqui da revisão de literatura, ponto inicial de toda
pesquisa monográfica, por extensão e/ou desdobramento e oferece um panorama da pintura no
Ocidente entre as décadas de 1860 a 1960. Tem-se uma linha do tempo que anuncia os
antecedentes das pré-condições e as condições que ensejaram a emergência da “Geração
Oitenta”, fenômeno de forte intensidade nas artes plásticas, sobretudo, em relação aos
movimentos do Modernismo apontados a seguir, na arte pictórica. São os responsáveis por
desencadearem o ponto de inflexão, ou seja, a emergência da Pós-modernidade no Brasil e em
Alagoas (CANONGIA, s.d.; CAMPOS, 2000).
Figura1: Linha do Tempo da História da Arte Moderna
Fonte: Criação da Autora.
É importante salientar a imprecisão na linearidade do tempo no caso dos movimentos
artísticos, porque em alguns momentos eles ocorreram quase sempre de maneira simultânea,
mas para alguns autores há distorções nos eventos que indicam a demarcação dessas fronteiras
(ARGAN, 1992; GULLAR, 1999). Nesta pesquisa, o autor utilizado como base para a
ordenação foi Giulio Carlo Argan por ser um historiador da arte cujas obras são consideradas
a base fundamental nos cursos de História da Arte e pela abrangência e profundidade das suas
pesquisas bibliográficas. Seus estudos integram da Arte Clássica ao Modernismo.
Alguns estilos tiveram maior ênfase neste estudo, são eles: o Expressionismo,
Cubismo, Construtivismo, Dadaísmo, Surrealismo, Abstracionismo e Pop Arte por serem
identificados também como interferências nas produções artísticas da ‘Geração 80’ e por
serem considerados como as primeiras manifestações da Arte Contemporânea. Suas
características de mudanças com o figurativo na arte provocaram brusca ruptura em
comparação às produções antecedentes.
18
O Modernismo é um movimento atrelado aos termos “moderno” e “modernidade”,
sendo Charles Baudelaire o principal porta-voz. A partir do século XVIII o teórico trata o
tempo como parte do presente/passado e fornece- lhe a característica da continuidade quando
aborda o estado do prazer efêmero na transitoriedade da arte, uma vez que
[...] tudo o que é material ou emanação do espiritual representa e representará
sempre o espiritual de onde provém. Se um pintor paciente e minucioso, mas dotado
de uma imaginação medíocre, em vez de pintar uma cortesã do tempo presente,
inspira-se (é a expressão consagrada) em uma cortesã de Ticiano ou de Rafael, é
muito provável que fará uma obra falsa, ambígua e obscura (BAUDELAIRE, 1996,
p. 24).
Para Baudelaire, o homem moderno deveria adequar-se a modernidade e reforçar a
tradição e a memória para garantir sua contribuição a partir dos elementos característicos da
temporalidade. Por isso, a importância de estudar a percepção e as representações visuais,
bem como as condições de produção nas quais se inserem (MENESES, 2012). Estudos desse
porte indicam que a imagem contribui para a formação presente na historiografia.
Logo, compreendem-se as manifestações artísticas como desenvolvimentos históricos,
nos quais é possível encontrar sistemas ou modos de representações variáveis entre os artistas
e suas escolas. A obra de arte é criada no interior de cada sociedade com sua situação
histórica específica e o artista é parte ativa das atividades e sofre as interferências que são
refletidas na sua produção. A arte “como qualquer outro produto, é fruída; e no ciclo
econômico o qual se insere, a fruição influi na produção” (ARGAN; MAURIZIO, 1992, p.
35-36). As mudanças ocorridas desde o Século XX possibilitaram novos comportamentos de
fruição estética.
O termo vanguarda, durante a primeira metade do século XX, foi considerado radical
de acordo com Santos; Souza (2009, p. 790) por incorporar as novas produções a um
movimento revolucionário contra os dogmas clássicos. O termo deveria ser abrangente o
suficiente para nomear todas as escolas artísticas emergentes com a premissa de rejeitar o
passado e cultuar o novo. Por esse motivo, foi escolhida para esta pesquisa, a mesma
denominação encontrada nos trabalhos de Giulio Carlo Argan, ou seja, movimento ao invés
de vanguarda.
A transitoriedade, em marcos temporais, caracteriza a divisão entre o antigo e o novo,
portanto, é válido apontar a distinção entre “Modernidade” e “Modernismo”. A Modernidade
é constituída pela transformação do social como reflexo do mundo industrial. A partir do
século XIX torna-se um momento ambíguo, pois, ao mesmo tempo em que apresentava, por
19
exemplo, o aumento na produção industrial, por outro lado, aumentava a miséria na parcela
menos favorecida da população. O Modernismo está associado aos movimentos artísticos que
se expandem durante todo o século XX e serão explanados mais adiante (VELLOSO, 2010).
Já o pensamento do ser moderno em Berman determina-o como aquele em constante
crescimento, em autotransformação e transformação das coisas ao seu redor, ao passo que
rompe com paradigmas e questiona o presente e seus conceitos: “ser moderno é fazer parte do
universo onde tudo o que é sólido se desmancha no ar2”, (BERMAN, 1986, p. 11). Nessa
perspectiva, os pensamentos de Nietzsche e Karl Marx são essenciais para a compreensão das
correntes que integram a história moderna que para ambos se constituíam de ironia e conflitos
nos ideais cristãos. A supremacia da modernidade para Nietzche que informava ser um ideal
“sem mediocridade”, assim como a “morte de Deus” e o niilismo são questões relevante para
compreender-se a Arte Contemporânea (BERMAN, 1986).
Berman também ressalta a relação entre os pensamentos de Marx e Baudelaire a
respeito das peculiaridades do comportamento econômico da burguesia uma vez que
modificou o status, por exemplo, de advogados e médicos em trabalhadores assalariados. Para
Baudelaire, o burguês é conduzido a uma nova mentalidade, pois a busca pela sobrevivência o
faz perder a racionalidade do mundo econômico (SOUZA; STEIGLEDER, 2014).
O Modernismo, em meio a todos esses processos,
[...] abrigou o conjunto de transformações sofridas no campo das artes entre a
década de 1870 e o início da Segunda Guerra, envolvendo toda a Europa e os
Estados Unidos [...] o movimento criou linguagens e expressões artísticas que
buscavam entender o caos social decorrente de uma mudança radical de referenciais
e padrões civilizatórios. A crise afetava sobretudo a autoconfiguração dos
intelectuais e dos artistas (VELLOSO, 2010, p. 19).
O historiador cultural trabalha com esse olhar múltiplo desde a fundação da Escola
dos Annales. Seus integrantes eram livres para seguir os paradigmas e os aportes teóricos das
disciplinas que lhes fossem convenientes para desenvolver as questões dos problemas os quais
se propunham a “reconstruir o passado e reconstituí-lo a cada presente” (BARROS, 2012, p.
133) ou o que Geertz (2008, p. 4) denomina “teia de significados” criados pelo homem, uma
vez que tudo por ele praticado é visto como uma ação simbólica.
“Tudo o que é sólido se desmancha no ar” é o título da sua obra e faz alusão a uma frase do manifesto
comunista de Marx e Engels.
2
20
As representações, os signos3 e seus significados atribuídos às produções artísticas
podem revelar sinais ainda não analisados na trajetória da pintura. Foi o que Ginzburg
proporcionou na aplicação do seu método historiográfico aliado a perspectiva do historiador
de arte alemão Aby Warburg atribuindo-lhe dados biográficos, estilísticos e iconográficos
yalém das informações sobre o mercado de arte. A sociedade, em seu estudo, sempre esteve
diretamente relacionada ao trabalho artístico porque a forma
[...] de uma representação não pode ser separada de sua função, das exigências da
sociedade onde aquela determinada linguagem visual é válida. Toda mudança de
função da arte ocasionaria, portanto, uma mudança de forma, e assim, de estilo. Por
sua vez, essa mudança de função pressuporia o aparecimento de novas exigências e
uma postura diferente por parte do espectador (PITTA, 2007, p. 136-137).
Por isso, nos movimentos artísticos a existência dos seus respectivos manifestos não
aponta somente para novos estilos e tendências, mas também, para uma luta em comum entre
a imagem vinculada a princípios, teorias, a seus seguidores e aos criadores dos movimentos
futuros.
Para o historiador, a representação cultural é “construída através de formas
simbólicas” (CHARTIER, 1987, p. 17) e sua problemática pode ser moldada pelo discurso,
em forma de texto ou imagem, fio condutor para a base de reflexões dos seus leitores sobre o
real e o atual. Essas representações esboçam ainda relações de poder e
[...] produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um
projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas. Por isto esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando
sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se
enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta
importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais
um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que
são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1987, p. 23).
Tais valores estão presentes no que Chartier afirma serem as construções feitas pelos
grupos sobre as suas práticas e com isso, desmistifica a ideia da História como disseminadora
a realidade absoluta. Não existe a possibilidade das produções desses grupos serem traduzidas
sem que se compreenda a interpretação fornecida às representações e de como ocorreram as
suas respectivas apropriações. É assim que lhes são atribuídos o caráter do relativismo com o
olhar histórico sem esquecer, porém, que a História sempre será uma expressão da identidade,
Conforme Santaella (2004, p. 10): “Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções, reações etc. Por
isso mesmo, pensamentos, emoções e reações podem ser externalizadas. Essas externalizações são traduções
mais ou menos fiéis de signos internos para signos externos”.
3
21
segundo Aróstegui (2006) o que justifica a sua subordinação ao poder das políticas públicas e
sociais ligadas a elite dominante, à nação e ao Estado.
A arte impressionista, primeira vertente do Modernismo apontada por Argan;
Maurizio (1992, p. 76), formou-se em Paris entre 1860 e 1870. Teve como característica
técnicas de pintura com artifícios que conduzem o observador a sensações representadas por
seus seguidores, na maioria das suas obras, pela natureza e “foram os primeiros a rejeitar o
valor absoluto do tema para considerar apenas o seu valor relativo” (LÉGER, 1989, p. 21). Ao
relativizar o figurativo o Impressionismo fornece formas ao olhar através de nuances de cores
as quais contém profundidade, volume e contrates sem os traços marcados ensinado até então
nas Escolas de Artes.
Essa reformulação pictórica ocorreu no intuito de se destacar em frente ao novo objeto
mecânico ascendente: a máquina fotográfica. Foi no estúdio do fotógrafo Nadar [1820-1910]
a primeira apresentação do movimento em Paris no ano de 1874. O evento findou em uma
troca de interesses entre os pintores e os fotógrafos e acredita-se na imagem sendo mediadora
dessa aproximação (ARGAN; MAURIZIO, 1992).
A imagem se posiciona entre o mundo e o homem, característica não-simbólica e que
conduz o observador a direcionar o olhar como janelas e não imagens: “O observador confia
nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios olhos [...] quando critica as
imagens técnicas (se é que as critica), não o faz enquanto imagens, mas enquanto visões do
mundo” (FLUSSER, 1985, p. 10).
Deste modo, a imagem carrega a sua mensagem, mas, ela é codificada pelo homem
através do conhecimento adquirido já que, “a realidade real não existe, é sempre um olhar
condicionado” (JANELA...2001). O Impressionismo conseguiu ultrapassar a maneira de se
enxergar a obra de arte porque não conduzia apenas ao olhar, por causar sensações ao
invisível e dessa maneira, modificar o conhecimento anterior com o figurativismo na imagem.
Quanto aos seus precursores, se tem as produções de Édouard Monet [1832-1883] e Paul
Cézanne [1839-1906]. O primeiro trouxe temáticas relativas à vida contemporânea e o
segundo, a abstração livre sem a obrigatoriedade de traços com fácil identificação da sua
representatividade.
O movimento expressionista, datado de 1905, destaca o processo de criação individual
do artista através da transposição da expressão dos seus sentidos interiores para o mundo
22
exterior por meio das obras pictóricas. A comunicação com o receptor se constitui na troca de
sentimentos que transborda no artista e na emoção de forma objetiva.
A expansão desse modelo de pensamento teve na literatura Rilke [1875-1926], poeta
alemão, como destaque. Ele publicou em 1910, Os cadernos de Malte Laurids Brigge, que
traduzem a corrente literária de introdução ao Expressionismo. Também, conseguiu se
difundir por meio da música com os compositores da Escola de Viena, Arnold Schoenberg
[1874-1951], Alban Berg [1885-1935] e Anton Webern [1883-1945], da dança (com Isadora
Ducan [1877-1927], Rudolf Von Laban [1879-1958] e Mary Wigman [1886-1973] e nas
demais manifestações artísticas como o cinema e o teatro. O momento histórico na Alemanha
contava com uma sociedade que integrou o ciclo do capitalismo tardio4, dominada pela
burguesia, militares e nobres, eles encontravam na arte neoclássica sua melhor representação
(CAVALCANTI, 2000).
Ao se deparar com a obra O grito (1895), do norueguês Edward Munch [1863-1944],
as peculiaridades do movimento se evidenciam, pois, a obra representa a vida e dores
particulares. A angústia e o desespero do personagem são representados pela fonte dos sons e
ondas de cor que se propagam no ar, “espalhando o sentimento trágico da vida e a sensação de
catástrofe iminente” (BATTISTONI FILHO, 1984, p. 114).
No movimento há duas vertentes, mais conhecidas, lideradas por grupos de artistas:
Die Brücke (A ponte) em Dresden e Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul) em Munique,
(MATTOS, 2000). O primeiro, iniciado em 1905, era composto por: Ernst Kirchner [18801938], Erich Heckel [1883-1970], Emil Nolde [1867-1956] e outros que partilharam ateliês,
conduziram exposições, lançaram e publicaram álbuns inspirados pelas xilogravuras alemãs
medievais, pela escultura primitiva e pela manifestação artística de crianças. Esses artistas
criaram uma estética que alinhava o sentimento trágico, melancolia e altas doses de acidez e
humor características encontradas nas produções de Munch.
O segundo, criado em 1911, tinha participação do líder Kandinsky [1866-1944] e mais
Franz Marc [1880-1916], August Macke [1887-1914] e Paul Klee [1879-1940]. O grupo
editou um almanaque, promoveu exposições e reforçou o contato da Alemanha com os
movimentos da Rússia e da França. Kandinsky sempre atrelado ao espiritualismo abandona as
referencias da atualidade e passou a trabalhar com a abstração (GONÇALVES, 2012).
4
Segundo Mello (1991, p. 31), o Capitalismo Tardio faz parte de um conjunto de pensamentos a respeito do
futuro econômico pós capitalismo. Possui a visão de decadência e até fim do modelo capitalista. Acredita que
seu processo industrial pode gerar a escassez dos recursos naturais e mão-de-obra.
23
Logo após o início da Primeira Guerra Mundial [1914-1918] e principalmente no pósguerra, o Expressionismo tentava ser visto como um estilo nacionalista, caminho oposto ao
Cubismo francês e ao Futurismo italiano. A pintura do grupo Brücke e seus seguidores se
interessava em resgatar o gesto espontâneo da arte.
O próprio nome, cuja tradução é ponte, se origina de uma perspectiva conceitual,
indicando a passagem de uma vida para outra, uma vez que, a prática da pintura já não era
realizada em ateliês, pois as atividades estavam integradas ao cotidiano do grupo. Os artistas
desejavam libertar a arte da ideia puramente estética. A admiração pela arte primitiva e sua
espontaneidade, os levou a recuperar a técnica da xilogravura como uma espécie de
homenagem aos grandes mestres anônimos da Idade Média (MATTOS, 2000).
Já o grupo Der Blaue Reiter acreditava na dimensão estética das obras como
intervenção da atitude espiritual diante do mundo. Seus representantes possuíam a visão transhistórica da arte, por isso, Kandinsky pesquisou durante anos sobre o princípio criativo
comum, debruçando-se inclusive na área das atividades psíquicas (CHIARELLI, 2012).
Entende-se com isso a percepção do artista como personagem imerso no tempo sensível,
mutável e dentre variáveis.
Com o término da Primeira Guerra, o Expressionismo passa a ser, na Alemanha, uma
espécie de porta-bandeira da esperança para obter a arte nacional dentro da nova República.
No entanto, em 1925, depois de críticas contrárias ao seu subjetivismo, presente nas obras, o
movimento chega ao fim.
O Cubismo, em 1907, inicia “a fase decididamente revolucionária da arte moderna” e
considera-se ser este o movimento precursor da Arte Contemporânea. O movimento retoma a
estrutura dos objetos, ao contrário das linhas presentes nos fenômenos anteriores. A pintura se
constitui em planos através da geometria dos espaços (ARGAN, 1992, p. 229). Picasso em
Guernica, sua principal obra, retrata o bombardeio sofrido pela Espanha em 26 de abril de
1937:
Pode-se dizer que Guernica, [...] retorna e amplia em escala mundial o motivo de
Les demoiselles de Avignon: é de novo um quadro de estrutura clássica, mas
despedaçado por uma explosão que revela de um golpe a negatividade total da
história. Não é apenas uma aguda denúncia da brutalidade nazista, mas o anúncio
trágico da crise final da civilização clássica e cristã, que fixou, na história [...],
portanto, à criação, à vida, à salvação. Com Guernica talvez se encerre para sempre
o problema a historicidade da arte, ou seja, de seu pertencimento, nem que seja por
contradição dialética, ao sistema global da cultura moderna (ARGAN, 2010, p. 493494).
24
A obra traz a visão político-social abordada pelo artista e causou forte impacto perante
o público (observador) e o poder público, no seu lançamento. Atualmente, a obra é utilizada
para ilustrar a história do bombardeio e destaca-se a participação dos observadores na
composição, pelos múltiplos significados que atribuem à obra, repleta de signos a serem
interpretados. A obra passa a ser uma referência icônica como testemunha da arte com o
social e relacionada aos aspectos da liberdade e da democracia. Essa nova visualidade permite
à arte, a partir de então, passar ao status de emissora de opinião (GINZBURG, 2014). Naquele
momento, a arte podia ser vista como a representação da violência, da opressão e do poder.
Guernica foi uma maneira de impedir que o silêncio e a dor apagassem a tragédia sofrida.
Picasso [1881-1973] utilizou a paleta monocromática, porque a cor passou a ter papel
secundário ao lado das propriedades esculturais dos objetos retratados. Já para Braque [18821963], outro pintor da época, a obra era considerada incômoda diante das sensações espaciais.
O Cubismo é uma arte de experimentação que criou um novo desdobramento do real, como a
criação de um gênero “original e antinaturalista de figuração, o qual, ao mesmo tempo,
desvendara os mecanismos da criação pictórica e, no decorrer desse processo, contribuíra
substancialmente para destruir barreiras artificiais entre abstração e representação”
(GOLDING, 1991, p. 56). O movimento conseguiu reunir os estudos sobre a
tridimensionalidade e a fruição do sentimentalismo.
Já o Construtivismo, iniciado em 1913, tem o pintor russo Vladimir Tatlin [18851953], como principal representante. O movimento nasceu por meio do interesse pela
mecânica, pois, a sua pintura consistia “na construção de objetos e de contra-relevos
realizados em metal, plástico, madeira ou vidro esses contra-relevos ficavam numa zona
intermediária entre a pintura e a escultura [...]” (GULLAR, 1999, p. 139). O trabalho dos
construtivistas não se constituía de representações ou maneiras de interpretar a realidade,
assim a arte estava presente nas formas simples.
O Construtivismo tinha característica propagandística “ora pela colocação de simples
formas geométricas na espécie de contexto literário que convertia essas formas em
representações, ou quase representações, de objetos reais; ora, como no projeto de cartazes, ou
na fotomontagem, ou na ilustração de livros e revistas [...]” (SCHARF, 1991, p. 116).
O cenário em que se estabelece é de revolta da sociedade perante o regime dos czares.
A industrialização ganha novo impulso devido ao capital estrangeiro o que determina uma
grande elevação crescente rumo à cultura Ocidental, com destaque para Munique e França
(ARGAN, 1992).
25
A indústria abriu novas portas para as produções artísticas, novas criatividades e
inspirações na praticidade e funcionalidade. Naquele período, as produções funcionalistas
estavam atreladas ao estudo do Design com o objetivo de produzir uma linguagem universal a
favor da indústria. A tradicional Escola de Bauhaus [1919-1933] e o movimento De Stijl
passaram a ter influências relevantes, assim como os artistas cubistas, construtivistas e
suprematistas russos, abordados em seguida. O valor da arte passou a ser designado pelos
construtivistas não só pelo fazer artístico, mas também, pela sua função social. No início do
século XX5, a velocidade industrial acelerou também a vida urbana social e essa rapidez
exigiu a cidade também mais rápida, com arquitetura e peças no design mobiliário com
funcionalidade.
Diante da automação, o artista passou a ser o único representante de trabalhos
artesanais. Os artistas construtivistas acreditavam na arte como uma função social e
almejavam criar a arte do proletariado, com a concepção de cartazes, pôsteres, desenhos de
objetos para a indústria e projetos arquitetônicos (SILVA, 2014).
O Dadaísmo é marcado e tem início no período da Primeira Guerra Mundial, por volta
de 1916. O manifesto publicado em 1918, por Tristan Tzara [1896-1963] era “agressivo e
niilista”, indicando uma nova fase ao movimento. O texto seduz Breton [1896-1966] e recebe
apoio de escritores franceses. Francis Picabia [1879-1953] difunde as ideias pessimistas e
sombrias na revista 391 que circula e é editada em locais diversos como Barcelona, Nova
Iorque, Paris e Zurique (ADES, 1991).
Picabia marca o movimento que possui como principal característica a contestação aos
princípios econômicos e à própria arte. Seu modo de produção é de acordo com as leis do
acaso e com possibilidades de utilizar qualquer instrumento, sem regras ou manuais
(ARGAN, 1992).
O Dadá, termo escolhido por Tzara é uma designação francesa que significa tanto
“cavalo” quanto marca a falta de sentido na linguagem das crianças ainda bebês e não possuía
a intenção de ter funções estabelecidas ou de produzir obras de arte, mas sim, de se produzir
de modo livre com intervenções. Justamente por isso, o movimento foi compreendido como
sem sentido e com ideias absurdas (BATTISTONI FILHO, 1984).
5
O Século XX é apontado por Hobsbawm (1995) na obra A era dos extremos: o breve século XX 1914-1991
do ano de 1995, como o período pós-Primeira Guerra Mundial.
26
No manifesto Dadá há declarações a favor da criação com espontaneidade absoluta,
anti-ideias do passado e uso da intuição nas produções e da antiarte, como no trecho a seguir:
“Odeio a objetividade viscosa e a harmonia, essa ciência que considera que tudo está em
ordem. [...]. Sou contra os sistemas, o sistema mais aceitável é aquele de não ter por princípio
nenhum” (TZARA, 1918). Havia um reconhecimento da liberdade total do indivíduo como
critério elementar para criar e se distanciar do ato de veneração das artes já criadas
(REACHERS, 2012).
Marcel Duchamp [1887-1968] provocou a crítica de arte quando em 1917, na segunda
Armory Show em Nova Iorque, substituiu um objeto artístico denominado por ele como “arte
da retina” por agradar aos olhos, por um objeto do intelecto, o ready-made, ou seja, já
fabricado, pronto. Não era um objeto de grande valor tangível e importante para ele, mas, sua
importância estava nos pensamentos sobre a utilidade da arte e a definição que o objeto
questionava. Então, inseriu o urinol intitulado de La Fontaine em uma das principais
exposições de Arte Moderna, embora não exista
nada que comprove que a La Fontaine tenha de facto existido na sua versão original,
ou que a direcção (sic) da Exposição que se recusou a ver o objecto possa talvez ter
sido enganada por um boato lançado por Duchamp, ele é considerado um dos pais
dessa arte de ideias conhecida como Arte Conceptual (HONNEF, 2004, p. 8).
Ele foi o primeiro a pensar a arte para além das formas estéticas e fez nascer assim, a
Arte Conceitual, uma vez que, pensou a arte para além do objeto, desmaterializando-o. Essa
produção artística é descrita com frequência como teórica e sem equilíbrio devido ao excesso
intelectual. Faz parte do momento criativo e da justificativa das obras, modelos teóricos não
necessariamente do campo artístico, como por exemplo, a filosofia linguística de Ludwig
Wittgenstein [1889-1951], a semiologia de Roland Barthes [1915-1980] e a teoria crítica de
Herbert Marcuse [1898-1979], dentre outros presentes inclusive, na contemporaneidade
(MARZONA, 2007).
Nas entrevistas concedidas a Pierre Cabanne [1921-2007], crítico de arte e jornalista
francês, Marcel Duchamp registrou a definição do ser artista ao ser indagado sobre a explosão
causada por ele, nos limites da criação:
27
[...] eu tenho medo da palavra “criação”. No sentido social, ordinário, da palavra a
criação é muito bonito, mas, no fundo, não acredito na função criativa do artista. Ele
é um homem como qualquer outro. É sua ocupação fazer certas coisas, mas o
homem de negócios também faz certas coisas, entende? [...] Antigamente, eles eram
designados por outra palavra que eu prefiro: artesãos. [...] a palavra “artista” foi
inventada quando o pintor se transformou em um personagem, primeiro na
sociedade monárquica, e então na sociedade atual, onde é um homem de respeito
(CABANNE, 1987, p. 24-25).
Duchamp considerou o processo artístico como a sua ferramenta de trabalho, o que
ultrapassa a ideia de “esvaziamento” da mente do pintor. O artista destacou a sua atitude antiretiniana e informou incômodo quanto ao fato de a arte ter sido, desde sempre, uma arte
voltada para o mundo visual e considera os surrealistas como pioneiros na tentativa de mudar
essa realidade (CABANNE, 1987).
No seu trabalho Nu descendo as escadas, o estudo sobre o paralelismo elementar é
também um destaque na Arte Conceitual. É possível notar as interferências do movimento
cubista, mas, ao mesmo tempo transcende a ideia da Arte Cinética pelo trabalho com a
anatomia humana.
A Arte Conceitual em emergência entre 1966 e 1975, dificilmente é interpretada como
um movimento único e invariável em relação a meio ou conteúdo, mas, ela renovou a
compreensão da arte quando passou a fazer parte do contexto entre ideais, objetos e imagens
(MARZONA, 2007). Ela deixou de ser só um objeto de desejo e só uma forma de gosto, uma
questão apenas de hábito para Duchamp, pois, o conceito do belo e daquilo o que agrada ao
ser humano é mutável.
O Suprematismo se fortalece no segmento da chamada Arte Avançada Russa, em
1925, e se insere nas premissas do Construtivismo de cunho ideológico e revolucionário. A
arte, para seus seguidores, deveria estar a serviço da revolução e a pintura deveria ter papel
funcional (ARGAN, 1992).
Para esse grupo havia a necessidade de fornecer respostas ao povo, de modo visual,
sobre as transformações provenientes da revolução. As obras interrompem a ideia de
linearidade e se mostram a favor da liberdade do artista sob o plano. A forma geométrica
plana se deforma de modo elástico e se dispõe em diversificadas posições e configurações no
espaço. O efeito “cinético” é o elemento construtor das pesquisas construtivistas, de maneira
não convencional.
28
Sobre seu início:
O manifesto suprematista – Do cubismo ao suprematismo.- escrito por Malevitch
com a ajuda de alguns escritores russos de vanguarda, entre os quais o poeta
Maiacovsky, foi publicado em 1915, mas não se pode datar desde então o
nascimento do suprematismo. Na verdade, em 1913, [...] Malevitch tinha exposto
um quadro que consistia apenas num quadrado preto sobre um fundo branco. Essa
primeira obra suprematista causou naturalmente um espanto geral, pelo fato de levar
de maneira radical a um ponto extremo o despojamento que se manifestava, desde o
cubismo, na pintura ocidental: nela, não apenas a forma atingia total simplificação,
como a cor desaparecia [...] (GULLAR, 1999, p. 134).
As obras do período exprimiam a “supremacia do espírito sobre a matéria”. Dessa
forma, Malevich [1879-1935] indica resquícios da manipulação das mãos na produção, como
o escurecimento de suas formas quadradas com a utilização de um lápis. O quadrado, forma
geométrica que nunca se encontra na natureza foi seu elemento suprematista básico e seu uso
era a forma de repudiar o mundo das aparências e da arte passada (SCHARF, 1991, p. 100).
A ideologia marxista foi elemento integrante desse movimento no período do
leninismo. Os artistas integrados a todo esse movimento artístico, por volta de 1922, foram
acusados de “capitalistas cosmopolitas” e tiveram seus trabalhos rejeitados, inclusive,
Malevich (SILVA, 2014, p. 17). Por estarem interligadas ao Construtivismo, a referência
brasileira e suas influências relacionam-se ao período Concretista no Brasil, explanadas na
próxima sessão desta pesquisa.
O Surrealismo apropriou-se das pretensões dadaístas para se renovar e o principal
ponto que os difere é o uso de novas teorias e dentre elas, o automatismo presente na
psicologia. Dentre as peculiaridades dadaístas, estava à necessidade de negar a arte e as suas
demais manifestações anarquistas, mas: “[...] ao negar tudo, o Dadá tinha que terminar
negando a si mesmo [...]” (ADES, 1991, p. 89), ou seja, não existindo a arte, sendo ela uma
mentira, o grupo também seria uma fantasia. Os surrealistas queriam, então, permitir a
criatividade do subconsciente de aflorar (ARGAN, 2010).
O Surrealismo marca-se em Paris na década de 1920, no período entre guerras, insere
na arte a postura psicológica, sendo o inconsciente sua ferramenta de trabalho e desse modo, o
movimento se opõe à razão (MONTERADO, 1978). Seu Manifesto, datado de 1924 e escrito
por André Breton [1896-1966], aponta a arte como uma comunicação vital, biopsíquica criada
pelo indivíduo por meio do simbólico e exalta a liberdade como os dadaístas, só que a de
espírito (ARGAN, 1992).
29
As teorias freudianas reforçam reflexões contidas no manifesto, como: “a memória
arroga-se o direito de nele fazer cortes, de não levar em conta as transições, e de nos
apresentar antes uma série de sonhos do o sonho. Assim também, a cada instante só temos das
realidades uma figuração distinta, cuja coordenação é questão de vontade” (BRETON, 2015).
A relação entre memória e sonho é, assim, direta e a realidade é o ponto de partida das
expressões simbólicas.
A memória está interligada ao tempo e é frágil ao cérebro humano guardar tantos
momentos e seus registros. No foto romance La Jetée, um filme realizado com fotografias,
exemplifica bem esse aspecto. No enredo, um homem é chamado para fazer parte de um
experimento por ser obcecado por uma imagem do passado. O cineasta Chris Marker [19212012] trabalha, em 1962, com imagens estáticas e mostra o quão rápido e passageiro são os
momentos que deveriam ser preservados. O único movimento no filme é na única lembrança
forte e inesquecível: a mulher acordando (LA JETÉE, 2012).
O surrealista espanhol Salvador Dalí [1904-1989] destaca-se pelo uso constante de
elementos literários e produz com detalhes minuciosos o método denominado por ele de
paranoico-crítico (BATTISTONI FILHO, 1984, p. 123). A psicologia de Freud [1856-1939]
e os conceitos filosóficos estão presentes no seu trabalho, já que cada artista cria de acordo
com uma técnica que significa para o seu próprio mundo existencial (SUASSUNA, 2007).
Com base nas suas teorias Dalí encontrou, por meio do método Paranóico-Crítico, uma
válvula para o conhecimento irracional e funcionamento do inconsciente que era
desconhecido pelo próprio eu. O pintor trabalha também sobre o desejo, através de formas
substitutivas, fantasias e devaneios. Decorre dessa opção a valorização da psicanálise e aos
demais conhecimentos científicos, pois, via neles a possibilidade de extrapolar a realidade e ir
de encontro ao infinito (SANTOS, 2010).
O Abstracionismo reúne técnicas relacionadas a linguagens repletas de cores e
composições. No início do século XX, apesar da aceitação não ser imediata, seu tema foi
difundido a princípio pelas artes gráficas e então, a tendência conquistou o gosto da sociedade
e conseguiu seguidores (TIRAPELI, 2006). Wilhelm Worringer [1881-1965] em seu escrito
datado de 1908 apresentou pressupostos do não figurativo o qual considera como a criação de
uma realidade independente da natureza. São elencados como principais artistas abstratos:
Kandinsky [1866-1944], Klee [1879-1940], Van Doesburg [1883-1931] e Mondrian [18721944] (ARGAN, 2010).
30
No início do século XX, apesar da aceitação não ser imediata, seu tema foi difundido a
princípio, pelas artes gráficas e após a Segunda Guerra Mundial [1939-1945] a sociedade
iniciou consideráveis mudanças de pensamento e comportamento. Havia necessidade de uma
comunicação rápida e descomplicada, pois,
[...] o mundo havia mudado muito, a velocidade já fazia parte de nossas vidas, assim
como o acúmulo de informação. Portanto, uma arte que fosse de se comunicar
apenas com o olhar, e de fácil leitura, foi muito bem-aceita após a Segunda Guerra
Mundial. No Brasil, a arte abstrata começou a ser difundida após a realização da
primeira Bienal Internacional de São Paulo. A cidade já contava com o museu de
Arte de São Paulo (Masp) e o de Arte Moderna, este logo depois também criado no
Rio de Janeiro (MONTERADO,1978, p. 40).
Dentre as técnicas produzidas, conforme Battistoni Filho (1984) o movimento pode ser
subdivido em informal ou geométrico. No informal, predominam o sentimento e a emoção,
sem a preocupação com as especificidades da vida moderna como o racionalismo e a
civilização. O geométrico, cujo pintor holandês Piet Mondrian é o principal representante,
utiliza a estética rígida com formas e cores que necessitam de uma análise intelectual para a
composição ter o resultado com equilíbrio e harmonia.
Mondrian foi um homem contraditório, pois, suas obras representavam a realidade
verdadeira enquanto ele evitava as formas naturais do mundo a favor da realidade ideal. Esse
conceito teórico conduzido para a sua produção na realidade abstrata é característica presente
em parte dos seus textos para a revista De Stijl, a qual foi fundador, junto com Theo van
Doesburg, e perdurou por 14 anos de 1917 a 1931. O movimento priorizava três cores
essenciais: o amarelo, o azul e o vermelho (FRAMPTON, 1991).
Nessas passagens entre as tendências e historicidade nos movimentos do Modernismo
é relevante a reflexão do sociólogo Pierre Bourdieu sobre o campo6 artístico uma vez que,
nesse momento o papel social da arte torna-se inevitável. Ele cita o Impressionismo para
exemplificar a questão do reconhecimento no campo artístico, na obra em que dialoga com o
historiador Roger Chartier, e conduz ao pensamento do reconhecimento do artista em meio
aos seus pares (BOURDIEU, 2012). Monet foi um dos primeiros artistas a seguir contrário ao
universo acadêmico e sua atitude desafiadora lançou novo gosto artístico perante a hierarquia
Na Revista Cult (2012, p. 34) encontra-se a seguinte definição: “Espaço social estruturado e conflitual no qual
os agentes sociais ocupam uma posição definida pelo volume e pela estrutura do capital eficiente no campo,
agindo segundo suas posições nesse campo”.
6
31
presente nesse campo cultural. O pintor se fortaleceu através do capital cultural 7, o qual
designa o que é ou não arte e quem são os seus produtores.
Para Bourdieu (2007), os artistas, mesmo os eruditos, quando produzem o fazem tendo
em vista um público, inclusive os concorrentes, pois sua imagem pública depende da opinião
formada pelos demais sobre eles e sobre a obra. Nessa lógica, a existência da liberdade
criativa é sempre relacionada e dependente do julgamento do outro. Os movimentos
apresentados até aqui fazem parte de um conjunto de antecedentes. A partir de 1950 há uma
nova situação: o ponto de inflexão para o início da Pós-Modernidade o qual está inserido o
objeto de estudo desta pesquisa.
A Pop Arte surgida na segunda metade do século XX é o ponto de partida para a
recomposição de novos aspectos da arte e aspectos estéticos, antes determinados pela França.
Sobre o termo registra-se que “[...] foi usado pela primeira vez pelo crítico britânico Lawrence
Alloway, em 1959, como um rótulo conveniente para a ‘arte popular’ que estava sendo criada
pela cultura de massa [...]” quando a cultura do consumo instalava-se (LUCIE-SMITH, 1991,
p. 160). A falta de propriedade de tal comparação é confirmada quando se sabe que a analogia
entre a Pop Arte e a cultura popular é completamente inadequada e improcedente. Dessa vez,
Nova Iorque foi o berço de artistas como Roy Lichtenstein [1923-1997], Claes Oldenburg
[1929-], James Rosenquist [1933-], Tom Wesselmann [1931-2004] e Andy Warhol [19281987].
Nas artes plásticas predominavam a linguagem da cultura urbana, anúncios, bandas
desenhadas, fotografia, de modo irônico e crítico. Em certos momentos, segundo Honnef
(2004), Manhattan ficou reconhecida por lançar novos artistas em suas galerias e museus.
Herkenhoff (2015) sustenta que a Pop Arte foi uma reflexão sobre a liberdade de expressão do
consumidor, em oposição ao Realismo Socialista. As discussões pairavam sobre os fóruns na
Documenta de Kassel, a Bienal de Veneza e a Bienal de São Paulo.
Como corrente do pós-modernismo, agregou não só novas tendências na pintura, como
também, lançou um novo estilo de vida para a juventude dos anos de 1960 aliado ao rock, ao
cinema que criou mitos com a ideia do “rebelde sem causa”, movimento hippie, drogas e
manifestações ligadas às culturas underground. Dessa forma, a cultura pop se expressa como
a contracultura ligada à cultura de massa.
“Conjunto de qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família [...] Não se
adquire nem se herda sem esforços pessoais, sem um longo trabalho de aprendizagem e aculturação; tende a ser
estreitamente correlacionado ao capital econômico do agente” (REVISTA CULT, 2012, p. 33).
7
32
Quando os Estados Unidos da América (EUA) identificam o sucesso global da
indústria cinematográfica passam a expor valores e propriedades através dessa mídia. Assim,
criaram o Star System, um sistema de contratos exclusivos e a longo prazo para geração de
novos ícones, mitos e ídolos expostos para conduzir a identificação e reprodução do modelo a
ser seguido pela massa de modo a estimular o consumo (VELASCO, 2010, p. 128).
A colagem Just what is it that makes today’s homes so different, so appealing? [O que
torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?8] produzida por Richard Hamilton [19222011] conduz a alguns questionamentos da identidade construída para gerar novas
necessidades, pois o público deixou de ser visto como homogêneo para seguir a lógica
capitalista e passa a ser subdividido por gênero, faixa etária, etnia, geografia e classe. Sobre
este trabalho cujo título já conduz a uma provocação característica, considerada pelo autor, da
antiarte:
a contradição aflora [...] quando os troféus da banalidade transformam o aconchego
do lar no palco público do consumo. O fisiculturismo posa, com a raquete pop na
mão, no centro da sala como em um folheto publicitário de esporte e ginástica, sem
rosto e anonimamente como ídolo de consumo. O ponto alto da obra, consiste,
porém, no fato de que se trata de uma colagem com novos meios, disfarçada numa
pseudossala com um contexto que também é pura aparência, sem que se queira
concluir daí que o mundo do consumo se confundiu nesse meio tempo com um
espaço de vida sem saída (BELTING, 2012, p. 135).
O cenário da obra consiste no ambiente doméstico com elementos da cultura de massa.
Esta imagem tornou-se a marca da nova estrutura sócio-econômica, considerando o seu
caráter mágico primordial para o entendimento das mensagens. Para Flusser (1985, p. 7), as
imagens são códigos, os quais transformam os processos e/ou eventos em cenas.
Na
perspectiva do pop, encontra-se na imagem o valor de texto, pois é fruto da ação humana.
Assim, existe uma carga de memória visual (social ou individual) que é legada a cada geração
(PESAVENTO, 2008).
Já o Kitsch foi incorporado ao fenômeno da cultura de massa pelo crítico de arte
americano Clement Greenberg [1909-1994] como forma de polemizar o termo alemão. Na sua
concepção, o termo engloba produções: “popular, arte e literatura comercial com as suas
impressões em quatricomia, capas de revistas, ilustrações, anúncios publicitários, romances de
cordel, bandas desenhadas, musicais de Tin Pan Alley (1940), sapateado, filmes de
Hollywood, dentre outros”, tudo isso inserido no universo da Pop Arte (HONNEF, 2004, p.
14).
8
Tradução da autora.
33
A origem do Kitsch remonta à Alemanha em meados de 1860 com o significado de
“produzir algo novo a partir de objetos existentes” (QUADROS; SOUZA 2011, p. 30). Com o
poder de compra adquirido na ascensão da burguesia, a proposta promoveu o alcance dos que
possuíam menor poder aquisitivo ao universo da arte com produtos extravagantes. Além
disso, fomentava a necessidade de se igualar a classes mais elevadas, através dos modelos em
série. Este foi um dos motivos que levou o Design a enquadrá-lo como brega e de baixo valor,
pois as críticas se mesclavam a diretrizes da escola Bauhaus e aos seus ideais funcionalistas.
Essa dinâmica resulta em mudanças na arte popular, a partir dos fenômenos ampliados de
reprodutibilidade massiva (QUADROS; SOUZA, 2011).
Assim, a arte popular passa também a ser conduzida pela indústria, pelo poder
capitalista e não mais pelo povo a fim de representar sua identidade porque os novos objetos
criaram novas necessidades. É difícil, nessa vertente, falar sobre autenticidade, pois, Belting
(2012), afirma que, aparentemente, a arte passa a imitar o Kitsch por uma questão de
sobrevivência. Tratava-se de um momento de crise com perda do status de aura, afinal quanto
mais se popularizava, mais era reconhecida e consumida. No Brasil, como será visto
posteriormente, a arte utilizou-se da linguagem Pop como instrumento de denuncia política e
social.
Os pintores até o Modernismo aprendiam o seu ofício estudando as obras-primas no
Louvre. Com essa retomada aos estudos, a arte com o suporte do embasamento teórico, ao
invés de aprender através da cópia de técnicas, o artista busca na história do homem e nas
culturas passadas o exercício compositor da vida. Assim, a arte vem acompanhada do seu
repertório de pesquisa.
Para o historiador Eric Hobsbawm (1995), o século XX foi marcado pela era do
homem comum, dominado pelas artes produzidas por e para ele, absorvendo a realidade
contemporânea dos povos e tornando a realidade do homem visível através dos equipamentos
mecânicos. A arte revela, na Modernidade, a memória dos percursos do tempo histórico
através dos simbolismos e representações cada vez mais evidentes com as transformações dos
movimentos artísticos, pois, as artes registram também os tempos históricos.
1.1.1
A Cena Modernista Brasileira
Esta pesquisa também indica aspectos desses movimentos modernistas no Brasil, uma
vez que o termo “Arte Moderna” só seria utilizado, tardiamente, depois da Semana de Arte
34
Moderna, quando os jovens artistas provocaram a reforma no ensino acadêmico da arte em
meio ao conservadorismo predominante. Resultou deste debate um dos grandes eventos
representativos da História das Artes no Brasil:
[...] os artistas brasileiros procedem à descoberta de novo caminho. Precisamente
quando a inquietação intelectual do após-guerra repercute no Brasil, chega a Semana
da Arte Moderna (1922), que inicia o último período da história da arte nacional [...]
Em fins de 1921, a atmosfera estava saturada e o estado de exaltação pronto para
uma revolução [...] A Semana teve grande repercussão no país, porque
consubstanciava a aspiração bastante generalizada de uma nova orientação nas
manifestações artísticas (MONTERADO, 1978, p. 302).
Além disso, o Manifesto Antropofágico (1928), escrito por Oswald de Andrade,
orientava para a urgência do trabalho crítico (VELLOSO, 2010). Nele foi ressaltada a
produção artística com base na identidade brasileira com seus mitos, crenças e lendas, bem
como, a crítica direcionada à sociedade burguesa capitalista. Naquele período, a luta artística
clamava pela organização estética e sindical e criou-se em 1932, em São Paulo, a S.P.A.M
(Sociedade Pró-arte Moderna), em 1933 o Clube dos Artistas Modernos e o Sindicato dos
Artistas Plásticos (BOPP, 1966).
Esse momento de ruptura é importante, mas convém registrar que a formação de
Almeida Júnior [1850-1899], pintor e desenhista brasileiro, na Academia Imperial de Belas
Artes foi um primeiro momento de mudança. Ao obter financiamento da Corte Portuguesa no
Brasil, garante estudos na Europa onde recebe influências das vanguardas Realista e
Impressionista que despontavam com o pensamento Moderno (DIAS, 2013). No seu retorno
ao país, o artista desenvolve produções com todos os gêneros da pintura: natureza-morta,
cenas de gênero, paisagens da cidade e do campo, pintura alegórica, religiosa e retrato.
Almeida Júnior foi ainda, um dos artistas que favoreceu a crítica sobre a arte nacional nos fins
da década de 1880, sendo então um dos precursores do Modernismo no Brasil.
Dessa maneira identifica-se a evidência da chegada desse movimento no Brasil antes
da conhecida Semana de Arte Moderna. Além de Almeida Júnior, Anita Malfatti [1889-1964]
também retorna dos seus estudos realizados em Nova York com referências da Arte Moderna
e em dezembro de 1917 lança uma exposição denominada Exposição de Pintura Moderna
Anita Malfatti (GONÇALVES, 2012).
A Semana de 22, como foi popularizada, destaca-se também pela formação dos
artistas, que até então só poderia ser realizada na Europa, e iniciam criações com identidade
brasileira. Nesse momento, a maioria dos membros preferia ser reconhecida pelos meios de
35
comunicação como “futuristas” para não se assemelhar aos europeus. Os modernistas, como
terminaram sendo reconhecidos, pertenciam a famílias influentes, de boa linhagem e se
relacionavam com artistas, escritores e personalidades do tempo passado. O poeta Guilherme
de Almeida [1890-1969] ainda comenta, em entrevista ao Suplemento Literário do Estado de
São Paulo, a sua visão sobre a formação do grupo: “Éramos os playboys intelectuais de
1922”, (GONÇALVES, 2012, p. 31). Neste sentido, a Semana de Arte Moderna é considerada
o marco oficial do Modernismo no Brasil.
Rubens Borba de Moraes, um dos organizadores da Semana e 22, afirma sobre o
Modernismo: “[...] não vivemos numa época de realizações. Os dadaístas, os cubistas,
futuristas, unanimistas, bolchevistas, espíritas são apenas precursores de uma nova
organização política, de uma nova ciência talvez uma nova religião” (BARDI, 1978, p. 38).
Entende-se que os movimentos são transformações ocorridas de acordo com as
interferências exteriores ao ser em sociedade, pois, cada membro “reescreveu ou revalorizou o
passado para encaixá-lo nas exigências contemporâneas” (HOBSBAWM, 1995, p. 184). Com
o desencadeamento de grupos artísticos distintos em diferentes espaços e temporalidades:
Desde o início do século XX, os movimentos culturais relacionados ao advento de
uma sensibilidade modernista vinham acontecendo em várias cidades brasileiras.
Ocorre que as dinâmicas e os ritmos culturais desses lugares necessariamente não
condiziam com o perfil urbano e industrial-tecnológico de São Paulo. A coexistência
do arcaico e do moderno marcando distintas temporalidades era uma realidade na
vida cultural brasileira (VELLOSO, 2010, p. 28).
E esse momento foi registrado em Maceió em 17 de junho de 1926, no evento
realizado pelo Cenáculo Alagoano de Letras intitulado Festa da Arte Nova e ficou conhecida
como a Semana de Arte Moderna de um dia só. Na literatura, o destaque é o poema de Jorge
de Lima, Essa Negra Fulô. O evento foi criticado pelo folclorista e pesquisador Diégues
Júnior, membro do movimento futurista, por assumir caráter nacionalista, o que denominava
“Verdeamarelismo” (SANT’ANA, 1980).
A festa, porém, se distanciou da brasilidade9, forte perspectiva nas grandes capitais.
Apesar do curto momento, pela primeira vez, alguns artistas “pintaram moderno pela primeira
vez”, em contradição a arte tradicionalista como a ensinada no Instituto de Belas Artes do
pintor Lourenço Peixoto [1897-1984] (SANT’ANA, 1980, p. 34).
9
Parte dos objetivos dos modernistas na Semana de 22 era a busca pela identidade brasileira, pois, acreditavam
que ela se distanciava devido a interferência da estética européia.
36
É possível repensar o movimento sem o acontecimento de uma ruptura, porque não
ocorre o pensamento Moderno de fato, e como consequência o Modernismo no Brasil, mas
sim, uma reapropriação dos movimentos ocorridos na Europa e das tradições e memória da
história brasileira, porque a transformação firma-se à medida que a intelectualidade muda.
Chiarelli (2012) confirma esse dado ao reunir textos que apontam a Semana de 22, em São
Paulo, como uma amostra das vertentes europeias já esgotadas diante do estudo dos
brasileiros no exterior.
O Modernismo surgiu não somente como uma tendência a partir da primeira metade
do século XX, mas, como movimento agregador de várias delas nas artes plásticas, arquitetura
e artes gráficas, por exemplo. Seguem neste trabalho as demais interferências que ampliou o
olhar moderno no Brasil e que repercutem na gama de possibilidades das artes plásticas
presentes na contemporaneidade alagoana.
Os conceitos e objetivos atingiram as produções no Brasil e o artista Amilcar de
Castro [1920-2002] destaca-se por ter sido um dos mais importantes na reforma do Design
Gráfico brasileiro em 1950, e por suas criações como artista plástico, escultor e designer
gráfico. Castro se considerava um desenhista, um designer, mas não um pintor e assinou o
Manifesto do grupo Neoconcreto. Posteriormente amplia sua técnica com uso de formas
geométricas puras, sem nenhum modo representativo de desenho. As obras em tampo de mesa
já se iniciam, mesmo que involuntariamente10, em um quadrado com fundo branco e
pinceladas com as cores predominantes nos seus trabalhos (MOL, 2012).
A arte moderna foi um processo lento e chegou ao Brasil sem o processo evolutivo
externo ao país que agregava várias áreas do conhecimento, ou seja, não teve o pensamento
moderno, mas aceitou a imposição do que foi projetado na Europa. A contradição interna era
que no Brasil, havia a busca por caracterizar a identidade das condições locais, enquanto o
europeu buscava acabar com as tradições e desenvolver identidades artísticas. É possível
afirmar que o Construtivismo foi o pontapé inicial para o Modernismo pós Semana de 22,
uma vez que é o retorno da preocupação com a produção genuinamente brasileira
(CHIARELLI, 2012).
Destaca-se, nesse período, Vicente do Rego Monteiro [1899-1970]. Ele iniciou seus
estudos em artes na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1908. Ampliou
10
Porque seu trabalho nesse suporte inicia através do interesse de um colecionador de arte ao visitar seu atelier e
se deparar com os respingos de tinta na mesa do artista. Foi a sua primeira venda desse tipo de obra, conforme
Mol (2012, p. 148).
37
seus conhecimentos na Academia Francesa, a partir de 1911, onde permaneceu até 1914,
quando voltou ao Brasil devido à I Guerra Mundial. Em 1922, participou da Semana de Arte
Moderna em São Paulo e o seu processo criativo era valorizado por Oswald de Andrade
[1890-1954] e Tarsila do Amaral [1886-1973]. Foi um dos pioneiros no trabalho com a
identidade brasileira a partir de personagens indígenas. A princípio filiou-se ao Cubismo
francês, porém, suas obras já possuíam características próprias da sua individualidade
(SANTOS, 2011).
A semana de 22 marcou o confronto oficial ao “passadismo” com as artes plásticas
chegando próximo à tradição de modo a atingir o patamar Moderno. Vicente do Rego
Monteiro conseguiu a junção entre o Modernismo que lhe foi ensinado e o nacionalismo ao
Primitivismo. O Cubismo lhe “legou noções de construção luz e formas” e o Expressionismo
o ensinou a utilizar as cores misturando-as até fornecer as sensações de movimento
(SANTOS, 2011, p. 10).
O Modernismo brasileiro desencadeou a produção de movimentos em diferentes
temporalidades e espaços. Em cada parte do país eles se manifestaram de maneiras diferentes.
Como a imagem estigmatiza a identidade “[...] o povo brasileiro deixava de ser visto de modo
abstrato e romantizado, apresentando-se como terra de ordem reflexiva [...] começava a ser
identificado na figura do indígena, no africano, no europeu e no mestiço”. O olhar para a
estética transformou-se com o passar dos anos (VELLOSO, 2010, p. 42).
O Cubismo exerceu estudos presentes em sua produção através da presença das
formas, da profundidade e volume da tela expressas pelo uso de perspectiva e técnicas de
sombra entorno das figuras, lembrando até mesmo seus primeiros estudos em Paris. Ao
trabalhar com o primitivismo, Monteiro adota realidades conceituais da cerâmica marajoara,
um objeto-primitivo indígena e ao invés de reapresentar a imagem, elabora o refinamento
artístico a partir de novas combinações e analogias (OITICICA FILHO, 1999).
A obra de Monteiro surpreende, inclusive, por essa complexidade precoce mediante as
realidades que vivenciou. O índio foi retratado, mas, não da maneira ingênua como nas obras
acadêmicas anteriores, e sim, robusto e com formas acentuadas.
Anita Malfatti vai para a Europa em 1910, no período o Expressionismo já inicia sua
emergência no campo da pintura, e assim essas interferências impregnam o seu trabalho em
cores fortes, cores e deformações culminando em uma pintura agressiva, espontânea e
singular. No verão de 1915, a artista vai para Nova Iorque encontrar Homer Boss [1882-1956]
38
criador da Independent School of Art. (KRANZFELDER, 2006, p. 89). Nesse período,
Malfatti encontra a liberdade artística ao lado dos colegas que pairam sob os movimentos
Expressionismo e Cubismo, em contraponto ao Futurismo (GONÇALVES, 2012).
O Concretismo, movimento pós-modernista, na década de 1950, surgiu no momento
em que Oswald de Andrade, um dos principais representantes do Modernismo de 1922,
abandonou o formalismo para se dedicar ao engajamento político desde o início do
Populismo, em 1945, no Brasil. A meta do grupo era estabelecer a política de massas e a
proletarização dos trabalhadores (GOMES, 1996).
O Modernismo da Semana de 1922 e suas discussões a respeito da identidade
brasileira, a maioria executada de maneira figurativa na pintura, se extinguiram. Com o
nascimento da Arte Concreta, os artistas assumem uma rota pela abstração e se inserem, de
fato, no Modernismo, através do Manifesto Concreto. Este primava pelo uso da palavra
justamente contra o realismo simples e trabalhou o Abstracionismo seguindo a ortodoxia
racional do Construtivismo, o que favoreceu a modernização no Brasil a partir da união entre
arte e funcionalidade (CAMPOS; PIGNATARI, 1958).
Neste contexto, Cândido Portinari [1903-1962], participante do período modernista e
influenciado pelas vanguardas europeias, encontrou no Brasil suas próprias referências e
obteve destaque nas artes a partir da sua identidade própria. De 1930 até meados de 1950 foi
considerado um dos pintores mais importantes do país na Arte Moderna pelas suas
abordagens inovadoras sobre a cultura visual brasileira, ao mesmo tempo em que dialogava
com a arte italiana, influência retomada no campo artístico nos anos de 1980 (CHIARELLI,
2012).
Dois grupos concretistas, com características distintas, se instalaram no Brasil: um em
São Paulo e outro no Rio de Janeiro com o Grupo Frente. O primeiro empenhou-se em
referenciar a problemática teórica apontada por Max Bill na Escola de Ulm, de maneira rígida
e formal. O segundo grupo optou pela autonomia em relação aos critérios estabelecidos desde
as tendências estabelecidas pelo Construtivismo Russo (SILVA, 2014). Dessa forma, em
meados de 1950-1960, o Rio de Janeiro e alguns paulistas fundaram o Neoconcretismo.
No manifesto concretista, assinado pelos poetas Augusto de Campos [1931-], Décio
Pignatari [1927-2012] e Haroldo de Campos [1929-2000], em 1958, essa rigidez é
comprovada quando atestam serem a favor do realismo total, sem poesia de expressão,
hedonista e subjetiva. Além disso, para eles a poesia estruturada, com o uso do ideograma
39
(símbolos gráficos ou desenhos), auxilia na rapidez da comunicação, sem problemas com a
funcionalidade e/ou estrutura.
No Manifesto Neoconcreto, publicado em 1959, a mudança é peculiar, a princípio,
pelos signatários do manifesto, pois atuavam em diversas áreas: Amílcar de Castro [19202002], Ferreira Gullar [1930-], Franz Weissmann [1911-], Lygia Clark [1920-1988], Lygia
Pape [1927-2004], Reynaldo Jardim [1926-]) e Theon Spanúdis [1815-1986] dentre eles,
poetas, pintores e escultores. É um manifesto explicativo sobre a primeira exposição
neoconcreta ocorrida no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. A bandeira
levantada é sobre a reinterpretação do Neoplasticismo e para as mudanças agregadas a ele,
como a destruição da superfície nas obras de Mondrian (SANTIAGO, 2015).
O cearense Antônio Bandeira [1922-1967] é um dos destaques da arte abstrata e
produz a técnica informal. Coube ao pintor, inserir a abstração no Brasil após longo período
de estudos em Paris, a partir de 1946. Foi através da bolsa de estudos da Embaixada da França
no Brasil que seu trabalho passou a conter toda a carga da cultura francesa no período pósguerra. Bandeira agregou o emocional sem regras e decisões pré-determinadas à sua arte
(COUTO, 2011a).
Em 1951, o pintor participou da I Bienal de São Paulo, marco que lhe garantiu
reconhecimento em maior proporção no seu país de origem. Uma das pinturas presentes na
bienal, A grande cidade iluminada, exibia formas indefinidas, na qual a cidade era seu
elemento principal, com “formas efêmeras que parecem flutuar no ar”. Os contornos não
definidos e traços despretensiosos revelavam o impacto que seu trabalho recebeu da
influência de artistas como o suíço Paul Klee [1879-1940], um dos destaques na sua chegada
a Paris no Museu de Arte Moderna em 1948 (COUTO, 2009, p. 85).
Ferreira Gullar explorou no movimento Neoconcreto, a expressão “não-objeto” sobre
a arte correspondente a exploração sensorial e mental. A mesma tipologia foi explorada por
Flusser (2007) ao indicar a diferença entre “coisa” e “não-coisa” na perspectiva da filosofia
do design. O objeto pode ser considerado imaterial quando o sentimento por ele transmitido
passa e suas sensações vindas a cada interpretação dos seus observadores é algo imperceptível
e subjetivo também é uma “coisa”, no conceito flusseriano.
Essa prática de Gullar saiu do padrão da pintura de cavalete para explorar a interação
entre o ambiente e seus respectivos participantes e/ou observadores. Constatam-se na arte, a
partir do Neoconcretismo, limites relativos, trabalhos executados para além do tradicional,
40
pois “tratou-se de compreender a arte como processo contínuo de estudo entre corpo, artista,
espectador e obra, onde a ação artística derivaria das experiências vividas no meio social”.
Nesse sentido, os Parangolés11 de Hélio Oiticica são um marco para a liberdade de expressão
brasileira (SILVA, 2011, p. 200).
O carioca Flávio de Carvalho [1899-1973] foi referência do Dadaísmo no Brasil mais
pela sua postura do que necessariamente sua produção. Isso porque o artista tinha o olhar
múltiplo e transitou em diferentes áreas como arte, balé e cinema sempre com a marca do
modernismo e da inquietude (GREGGIO, s.d.). O artista, era arquiteto/engenheiro por
formação, possuía vasta e conturbada erudição nas áreas de cultura e ciências sociais. Foi um
causador de polêmicas, mas, com atitudes contemporâneas ao contribuir para novos
questionamentos, após estudar e viver o Modernismo europeu.
Nos trabalhos de Carvalho são nítidas as interferências de várias vertentes da Arte
Moderna como Surrealismo, Dadaísmo, Futurismo e os relacionados ao Construtivismo
Russo. Por isso, mesmo com a sua ausência na Semana de Arte Moderna em São Paulo, pois
ainda estava na Europa concluindo seus estudos de Engenharia, o artista causou tumulto nas
décadas de 1930 a 1950 pela sua ousadia e discussões impactantes com influências dadaístas.
Através das performances, trabalhou a desigualdade de gêneros e o “ser homem” na
sociedade, o que o torna figura importante no Modernismo Tardio brasileiro (LOTUFO,
2006).
O alagoano Jorge de Lima [1893-1953], conhecido como príncipe dos poetas
alagoanos, foi um dos seguidores do movimento ao incorporá-lo às suas fotomontagem e
obras poéticas. Sua adesão ao Modernismo ocorreu, após ter criticado e resistido
anteriormente, em 1927 quando publicou o poema O mundo do menino impossível. A sua
composição gráfica foi finalizada em 10 de junho do mesmo ano no Rio de Janeiro
(SANT’ANA, 1980).
A presença do Surrealismo no Brasil teve opiniões divergentes. O pensamento crítico
de José Paulo Paes e Antonio Candido não acredita na sua importância no cenário literário
brasileiro, mas Sérgio de Lima é favorável e indica Jorge de Lima e Murilo Mendes como os
representantes do movimento no país. Com extenso número de trabalhos, Jorge de Lima se
destaca por ter sido além de poeta, pintor, escultor, operador de fotomontagens, médico,
“Os Parangolés de Hélio Oiticica são manifestações artísticas compostas pelo momento de sua apreciação, de
sua vivência por parte do partícipe. São manifestações de cumplicidade com o artista, com a situação” (ROSA,
2007, p. 16).
11
41
vereador da Câmara do antigo Distrito Federal e ainda professor de Literatura Brasileira na
antiga Universidade do Brasil (atual Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ).
As fotomontagens executadas por Jorge de Lima integram a obra A Pintura em
Pânico, de 1943. Foram executadas durante a Segunda Guerra Mundial, o que a classifica
como expressão da vida moderna em meio ao caos evidente. Naquele momento, final dos
Anos 1930, o poeta sofreu com crises de depressão, elemento perceptível em algumas
legendas das suas obras. Seu trabalho teve sempre sentido histórico, sem a execução da
técnica aleatoriamente (CAVALCANTE, 2012).
Hélio Oiticica [1937-1980] foi forte influência para o movimento denominado
Tropicalismo, batizado dessa forma porque faz referência à manifestação ambiental A
Tropicália, realizada pelo artista, em 1964. Este evento inspirou todas as épocas anteriores,
como o movimento musical Mangue-Beat, em Recife. Havia aparentemente, o desejo de
ruptura com o tradicionalismo e, ao mesmo tempo, vontade de reinventar a crítica cultural
com a retomada das literaturas brasileiras de vanguarda, incluindo a antropofagia oswaldiana,
o Concretismo paulista e as conquistas da Bossa Nova, vista sob uma estética Pop12. Na
pintura, a tendência abstrata invade o Figurativismo. Há um grupo de artistas plásticos que vai
manter técnicas tradicionais de gravura e de escultura, sobretudo os da Região Sul, enquanto
os artistas da área central brasileira, conforme indicam (FISCHER; FABRÍCIO;
CARVALHO, 2003) preservam o experimentalismo, o que é possível através de bolsas
obtidas em instituições norte-americanas.
É importante lembrar que os artistas relacionados ao movimento não eram indiferentes
aos acontecimentos internacionais. Na música, por exemplo, os cantores Gilberto Gil [1942-]
e Caetano Veloso [1942-], principais representantes do Tropicalismo, tiveram a influência da
banda Beatles, da música experimental do John Cage [1912-1992], do músico Bob Dylan
[1941-] dentre outros que intensificaram o cenário musical por seguir com estudos e
experimentações diferentes ao que a sociedade estava habituada na época.
Posteriormente, o termo globalização torna-se mais abrangente e comum. A História
da Arte assume maior teor crítico, necessário para dar voz ao povo e aos seus sentimentos,
pois, entre os anos de 1964 e 1985 os militares tomaram o poder e deu início ao Golpe Militar
no Brasil, iniciada a partir da renuncia do presidente Jânio Quadros em 1961. Assume o então
12
Isso porque o movimento uniu os signos da indústria cultural e os emblemas tradicionais brasileiros de modo
integrado que deslocou as atenções do debate nacional dos planos políticos para os estéticos (FISCHER;
FABRÍCIO; CARVALHO, 2003, p. 138)
42
vice-presidente João Goulart, em meio a uma crise política e institucional que se alastra até o
comício no dia 13 de março de 1964, quando pretendia instaurar as reformas de base. Estas
voltadas às questões agrária, econômica e educacional (PEREIRA, 2010).
Em 19 de março do corrente ano, partidos conservadores e opostos às ideias de
Goulart organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Goulart sai do Brasil,
diante da eminência de uma guerra civil e procura refúgio no Uruguai. Em 31 de março de
1964, enquanto João Goulart planejava reformas políticas, os militares tomam o poder e
instituem o Al-1 (Ato Institucional nº1), documento com 11 artigos (PEREIRA, 2010).
O AI-5 garantia aos militares o poder de alterar a constituição e garantia total do poder
de controle social, fornecendo seu veredito da forma como lhe conviesse aos grupos opostos à
segurança nacional, além de ditar eleições indiretas para ocupar o cargo na presidência da
república, executivo nacional e municipal. Dessa forma, existem aspectos da arte dessa
geração que incluem
[...] a intelectualização dos artistas, processo que passa da “ingenuidade” libertária,
simbolizada pelo período abstracionista, (onde a arte deve ser universal e
descompromissada, significando em última instância a liberdade individual e a
autonomia total do estético) para a pergunta da funcionalidade da arte, onde o ator
social antes preocupado com o seu EU, se vê novamente como parte da sociedade e
anseia pela participação efetiva nos seus processos (PEREIRA, 2010, p. 14, grifo do
autor).
A arte se distância da gestualiadade, como exemplo, a arte abstrata na qual o artista
realiza, dentre outras coisas, estudos de técnicas e expressa suas emoções através das cores,
formas livres e movimento. Nesse momento das décadas de 1960 até 1980 o trabalho artístico
busca força de expressão do sentimento oprimido pelo sistema da ditadura e se aproxima
ainda mais da vida ao estabelecer comunicação com o seu observador.
Cita-se a performance de Recife, em 1978, produzida pelo artista Paulo Brusky [1949]. Ele a executou da seguinte forma: caminhou pela cidade com um cartaz pendurado no
pescoço com a frase “O que é arte?”. O questionamento instigado por ele fazia parte da sua
inquietação diante da repressão que assolava o país (PEREIRA, 2010). Então, afinal, qual a
função da arte? Qual seu propósito mediante a tantos acontecimentos onde a liberdade dos
cidadãos era afetada? Eram alguns dos questionamentos propostos pelo artista.
Esta arte performática remete a questionamentos atuais sobre a funcionalidade da arte
e do seu engajamento político e social. O artista estabelece outra atitude, pois adquire
autonomia e expressividade como no Dadá e no Construtivismo russo os quais foram
43
essenciais no rompimento dos norte-americanos com o modelo modernista (formal). Essa
prática reposicionou a arte no seu tempo presente, sendo palpável e assumindo-se como
prática social (COUTO, 2011b). Esse artista engajado deixa sua marca, reflexão das
vivências, do tempo histórico e passa a ser representativo para a memória.
Nas décadas de 1960/70 o Brasil enfrentava a ditadura militar e o retorno de muitos
exilados começa a ocorrer na década de 1980. Artistas e críticos como Hélio Oiticica, Ferreira
Gullar e Mário Pedrosa que foram obrigados a deixar o país, regressavam. A Geração 80
passa a ser o exemplo do otimismo e de reconquista democrática que invadia o país, mas com
a ressalva que, em sua essência, “nasceu sob a égide do narcisismo, desprezando o passado,
ignorando o futuro [...]” (COUTO, 2009, p. 23)
O Tropicalismo, movimento antecedente à ‘Geração 80’, em suas contradições teve a
coerência de versar por caminhos teóricos e metodológicos existentes nos discursos
constituintes da sociedade, comunidade e cultura expostos. Evidenciou-se a versatilidade com
as influências europeias e os movimentos anteriores primando pela nacionalidade e linguagem
artística
características
provenientes
do
Neoconcretismo
(FISCHER;
FABRÍCIO;
CARVALHO, 2003).
Diferente dos demais, o Tropicalismo elaborou seu manifesto13 a partir de um produto
estético e firmou-se entre 1967 e 1968. As artes plásticas brasileiras ampliaram novas
formações de sentidos: a visão e a audição. Essas manifestações tinham por meta garantir
memória sobre o “milagre econômico”. Então, esse período foi fortemente marcado pelo seu
teor como testemunha histórica,
[...] no momento em que as propostas e projetos de intervenções políticas através das
artes estavam desenvolvendo um experimentalismo de alta voltagem como não tinha
sido efetivada até então no Brasil. [...] de um lado, levar a experimentação, que tinha
sido detonada em todos os lugares do mundo pela pop art até os seus limites
expressivos mais elevados, e, [...] de outro lado, no caso particular do Brasil, colocar
essa experimentação em conjugação com a necessidade de reagir à ditadura militar,
ao regime militar ditatorial imposto pelo golpe de 1964 (FARETTO, 2012).
A diferença entre Tropicalismo e Tropicália é a seguinte: o primeiro é um movimento
a partir do momento de interferência na situação social e cultural que engloba música, teatro,
cinema e o segundo tem caráter de intervenção relacionada à obra do artista Hélio Oiticica,
em 1967, denominada hoje pela Arte Contemporânea como instalação. Assim, o novo tem
13
Trata-se da obra fonográfica Tropicália ou Panis et Circenses, lançado por Caetano Veloso, Gal Costa, Os
Mutantes, Gilberto Gil, Nara Leão e Tom Zé. Caetano e Gilberto Gil são considerados os líderes do
Tropicalismo e nas músicas expandiam “suas ideias, mensagens, motivos e intenções do movimento: a busca
pelo novo caráter estético e cultural” (FISCHER; FABRÍCIO; CARVALHO, 2003, p. 146).
44
sido o grande desafio dos artistas contemporâneos devido ao grande número de referências e a
facilidade em encontrá-las, o que se apresenta como outra realidade vivida na década de 1980
devido às restrições provenientes das questões políticas (FARETTO, 2012).
O Tropicalismo ocorreu paralelo ao Pop Art fora do país e apresenta seu caráter
estético, por exemplo, na obra Lindonéia, a Gioconda do subúrbio, desenho serigráfico e
caricatural realizado por Rubens Gerchamn [1942-2008], pintor, escultor e desenhista com
grande destaque na década de 1960.
A obra serviu de fonte para a canção Lindonéia composição de Caetano Veloso para o
manifesto já mencionado. O Pop está presente na composição, pois, remete aos cartazes de
lambe-lambe encontrado nas ruas, reprodução da pré era industrial. Essa estética serviu aos
militares com os cartazes de “Procura-se” espalhados pela cidade com a justificativa de
prender os que representavam perigo ao regime, além dos traços exagerados referência do
Kitsch (SANT’ANNA MULLER; MEUER, 2010).
A imagem pictórica e o título da obra sugerem um assassinato. É uma paródia da
realidade brasileira, mulher com rosto caricato e um meio sorriso suscitando comparações à
Mona Lisa de Leonardo da Vinci, mas, já no seu nome o sufixo “éia” sugere o popular e o
retrato da miscigenação brasileira, em contradição à alta categoria da obra renascentista,
afirma (SANT’ANNA MULLER; MEUER, 2010).
As artes proporcionam o descobrimento do passado quando possibilitam o estudo do
seu contexto sócio-cultural. Na pintura é possível ler a história das práticas, das artes e das
nações. Podem ser analisadas como testemunhas de vivências passadas do artista e pode ser
feita a leitura das estruturas de pensamento e representação da época vivida por ele (BURKE,
2004).
Todos estes movimentos mostrados até aqui possuem ligação com a sociedade e
constituem parte da memória social. Porém, é preciso considerar que nem todos os aspectos
sociais tornam-se cambiáveis no campo artístico. Nas sociedades as pessoas possuem
diferentes tipos de especialidade e suas obras transcendem movimentos e ideologias, o que
implica, na maior parte dos casos, em signos e significados imensuráveis. A visão do artista
seria, pois, transversal (CANCLINI, 1984).
45
1.1.2
A passagem da Modernidade para a Pós-Modernidade na arte pictórica
ocidental
Na arte pictórica, a Modernidade foi composta por um conjunto de transformações
artísticas periodizadas entre a década de 1870 e o início da Segunda Guerra em 1939, tendo
como espaço geográfico a Europa e aos Estados Unidos e com ele linguagens e expressões
com o objetivo de entender o caos social consequência das mudanças radicais de referências e
padrões civilizatórios. O fim da Primeira Guerra delimita, segundo Velloso (2010, p. 19), uma
“sensação de desorientação e pesadelo”. Coube à geração modernista, na passagem do século
XIX para o século XX, entender novos parâmetros sobre espaço civilizatório e razão.
Dessa forma, os artistas se sentiam responsáveis em garantir ao homem moderno sua
representação perante as transformações sociais. No Brasil, Lasar Segall [1891-1957] foi um
dos primeiros artistas a expor obras modernistas. Quando esteve em São Paulo, em 1923, o
artista já se assumia expressionista.
A partir das obras Gestante (1919), Viúva e o filho II (1920), Interior de indigentes
(1921) e Interior de pobre II (1921), Segall passa a trabalhar com formas de expressão
diferenciadas como as técnicas cubo-futuristas e rompe com a bidimensionalidade até então
preponderante. As obras demonstram a crise nas pinturas de vanguarda por compreenderem a
arte de modo menos radical e suas possibilidades interligadas pelo trabalho com o homem
comum, cujas mídias principais de acesso eram a fotografia e a fotomontagem (CHIARELLI,
2012).
Essas novas possibilidades no trabalho técnico das artes plásticas podem ser analisadas
com base na metodologia estruturalista. Em Isto não é um cachimbo, Michel Foucault (1988)
observa a obra do surrealista René Magritte [1898-1967] e afirma ser um ícone diferenciado
na pintura ocidental do século XV até o XX. Essa distinção decorre da separação entre
representação plástica (como consequência a semelhança) e a referência linguística (que a
exclui). O autor, pós-estruturalista, trata a imagem, no caso o cachimbo na pintura título da
obra citada, como o simulacro do objeto em si e cria o espaço discursivo entre imagens e
signos.
Lévi Strauss, outro autor relevante do Estruturalismo, sofre interferências surrealistas,
pois trabalha o pensamento através do processo de bricolage, no qual é verificada a condução
de um determinado sistema classificatório para outro (SILVA, 1999).
46
Com a emergência da Pós-Modernidade, nos marcos desta pesquisa, ocorre um novo
ponto de inflexão. Esse termo, usado pelo historiador Anderson Perry, baseado no
pensamento de Fredrich Jameson com estudos em Bloch, Lukács, Adorno, Benjamin e Sartre
diz respeito a esse período. A cultura, nessa perspectiva, afeta e é afetada pelas condições
sócio-políticas, inclusive pelas possibilidades de mobilização social (PERRY, 1999).
Dessa forma, a inflexão ocorre porque, em comparação à Modernidade, a
temporalidade atingiu novo status, a ser compreendido mais adiante. Fredrich Jameson (2013)
aponta os valores estilísticos do Pós-Modernismo com seu início na arquitetura, seguido pelas
demais artes com diferentes nomenclaturas.
A Pós-Modernidade, também se equivale para esta pesquisa como o sucedâneo da
Arte Contemporânea e do Contemporâneo tornando, assim, essa temporalidade polêmica, uma
estrutura que estabelece o terceiro momento do capitalismo, o capitalismo globalizado.
Envolve mercado, redes de comunicação, tecnologia e assim por diante. É uma revolução
cultural a ponto de reprogramar todas as pessoas para fazer parte do novo sistema
(FREDRICH..., 2013).
Nessa fase, o Design foi inserido na ordem do mundo industrial entre meados do
século XVIII e fins do século XIX, etapa do surgimento de fábricas em parte da Europa e dos
Estados Unidos. O desenvolvimento deste campo amplia ofertas de bens de consumo, queda
dos seus custos, mudanças das organizações e tecnologias produtivas, sistemas de transportes
e distribuição. O proletariado passa a ter poder de compra e acesso ao que antes fora restrito à
burguesia (CARDOSO, 2012).
Posteriormente, o processo de globalização, amplia sistemas, incluindo o da
informação, e demarca-se a partir dos anos de 1960, transformações inadiáveis. Nessa
formação de redes estão as formatações estilísticas da Pós-Modernidade.
O homem passou a ter maior interação com a máquina e a cultura transforma-se, pois,
a comunicação passa a ser multidirecional. Depois das máquinas, os objetos industriais
passaram a ser frequentes no cotidiano e o mundo repleto de signos. Lembrando os estudos do
teórico Marshall McLuhan14, eles prolongavam os sentidos como visão e audição
amplificando as capacidades humanas por conseguir captar, gravar e reproduzir os seus
registros (SANTAELLA, 1997).
14
Remete-se aqui ao seu famoso texto “Os meios de Comunicação como extensão do homem”.
47
Não se pode deixar de mencionar também a Escola Bauhaus na Alemanha em 1919
com o objetivo de formar novas gerações de artistas, com diferentes segmentos de vanguarda,
sua ideologia era de manter a sociedade sem hierarquias e com funções complementares e a
Escola de Frankfurt, instituto fundado em 1924, ainda no período modernista, na
Universidade de Frankfurt (Alemanha), com discussões a respeito do mundo presente e antipositivistas. O método da dialética, a partir de Lukács, interpreta a História direcionada a
possibilidades múltiplas presentes em cada época, porém, essa postura se dificultava devido
ao positivismo, ainda predominante. A sociedade, para seus seguidores, dominada pela razão
científica e pela ideologia do progresso galgava rumo ao esquecimento.
Para que isso não ocorresse, apontaram uma solução: o rompimento com tudo o que é
temporal e assim, romper com a ideia de progresso. As ideias ainda sobre esse novo tempo
tinha em Adorno, um dos fundadores da escola, a preocupação com os meios de comunicação
de massa. Isso porque, para o teórico, as imagens publicitárias, televisivas e outras poderiam
impedir o homem de imaginar e dessa forma aliená-lo, pois, a indústria cultural poderia
desfigurar a sua cultura (MATOS, 1993).
Essa preocupação com a rapidez na reprodução da imagem esteve presente nas
discussões em Walter Benjamin no escrito A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica, nela destaca-se aqui, a princípio, a ideia sobre a autenticidade. Trata-se da origem de
determinado objeto artístico, tudo o que ele pode expressar através do seu decurso material e
testemunho histórico e quanto mais se distancia, mais o objeto perde sua aura composta pelo
tempo e espaço em aparição única (BENJAMIN, 2013).
Já Roger Chartier aponta as mudanças na sociedade pela análise dos instrumentos
materiais os quais compõem o livro e relata a história da produção, circulação e recepção dos
textos impressos entre os séculos XV e XVIII:
O primeiro é a série de pesquisas que dediquei aos diferentes gêneros impressos que,
desde a invenção de Gutenberg, não eram destinados aos sábios e letrados, mas aos
mais humildes leitores - ou ouvintes -, como as gravuras que ensinavam a boa morte
ou mostravam as extravagâncias do mundo ao avesso, as publicações esporádicas
que difundiam relações históricas e narrações extraordinárias ou os livros vendidos
pelos mascates, inicialmente nas cidades e em seguida no campo, designados na
França dos séculos XVII e XVIII (CHARTIER, 2011, p. 23).
Esclarece, portanto, a ideia de revolução sendo justamente o conceito estabelecido
pela mudança na estrutura, no caso do livro, em relação ao material, a produção e ao seu
suporte. Apesar de por muito tempo se ter acreditado em uma ruptura entre a cultura do
48
manuscrito e a cultura impressa, para ele não houve uma revolução pelo fato de haver
continuidade entre uma e outra (CHARTIER, 2011).
Várias teorias foram estudadas nos últimos anos do período moderno. Foi mencionada
aqui apenas uma amostra a fim de compreender a dimensão das mudanças em consequência
das novas tecnologias. Frederic Jameson caracteriza os anos de 1960 como período da
contracultura, de narrativa da liberdade humana, dando voz aos reprimidos (negros,
estudantes, povos do terceiro mundo), como maneira de abrir espaço para os artistas antes
oprimidos pelo Modernismo e ainda
a própria cultura recai no mundo, e o resultado não é seu desaparecimento, mas sua
prodigiosa expansão, a ponto de a cultura tornar-se coextensiva à vida social em
geral: agora todos os nível (sic) tornam-se ‘aculturados’ e, na sociedade do
espetáculo, da imagem, ou do simulacro, tudo afinal tornou-se cultural, desde as
superestruturas aos mecanismos da própria infra-estrutura (JAMESOM, 1992, p.
115).
Isso porque naquele momento, a cultura libertava-se da resistência imperialista e a arte
já não se bastava sozinha. Ela precisava fazer parte da vida e surgir através dela. Hans Belting
[1935-], historiador da arte alemão, em O fim da História da Arte, aponta o início da arte
como objeto científico na modernidade com o conceito de história e estilo. Para o autor, as
obras do Modernismo sempre se reportavam ao passado, porque o conceito de história seria
herança ainda do século XIX.
Assim, a história da arte chegaria ao fim porque “Quando se ergueu o chamado por
uma “nova arte”, eram a arquitetura e o design que deveriam modificar o espaço vital como
símbolo de uma nova sociedade na qual, assim se esperava, os homens também se
modificariam” (BELTING, 2012, p. 65). Esta polêmica afirmação retoma ao amplo
questionamento dos propósitos quando a Arte Conceitual a partir dos dadaístas expõe novos
significados aos objetos, afinal, o mobiliário, por exemplo, no Design pode não seguir a
função como pregava a escola da Bauhaus.
Rafael Cardoso reflete sobre esse ponto de vista ao mencionar um dos mais famosos
projetos do designer Philipper Starck. Em 1991, após fazer parte do cenário de um dos filmes
do diretor Wim Wenders, a W.W. Stool foi comercializada e descrita pelo fabricante como
objeto escultural: “trata-se de uma escultura que pode ser usada como uma banqueta ou um
suporte para o usuário que prefira permanecer em pé, mais que uma peça de mobiliário com
propósito puramente funcional” e sobre esse aspecto, o autor fala também da formação do
olhar. No caso, se a memória e a experiência do indivíduo com o objeto é de uma escultura,
49
então, ela passa a ser um signo comunicacional, e não, uma simples cadeira (CARDOSO,
2012, p. 121-122).
A imagem, portanto, conduz a discussão a respeito da diferença entre a aura e o rastro,
conceitos presentes em Walter Benjamin. São parte do repertório do tempo como processo,
pois: “O rastro é a aparição de uma proximidade, por mais longínquo que esteja aquilo que o
deixou. A aura é a aparição de algo longínquo, por mais próximo que esteja aquilo que a
evoca. No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura, ela se apodera de nós” (JANZ, 2012, p.
19).
O rastro permite o registro do conhecimento, a não perca do conhecimento histórico
tão relevante no estudo das imagens na história, principalmente em um país como o Brasil,
onde a cultura do esquecimento é evidenciada pelas lutas de poder e a ‘Geração 80’ provocou
a reversão deste fato. Os movimentos artísticos anteriores a ela, fonte dos novos
questionamentos e emergência do Pós-modernismo garantiram novas possibilidades da arte
em sua técnica, teoria e crítica.
50
2 O CONTEXTO DA ‘GERAÇÃO 80’: A ARTE CONTEMPORÂNEA (19802014)
Objeto de estudo desta pesquisa, a ‘Geração 80’ situa-se na temporalidade denominada
Pós-Modernismo e capta novas discussões sobre as definições de arte e suas finalidades.
Depois dos movimentos modernistas, o que já era considerado novo e moderno, passa por
transformações. O capitalismo e a indústria passam a ter seus recursos automatizados e isso
reflete em produções artísticas com outro pensamento e o uso de diferentes matérias-primas,
disponíveis no momento.
Diante das obras modernas, é possível apreender delas aspectos fascinantes,
reacionários e/ou reflexivos. São características percebidas por olhares ingênuos, treinados,
perceptíveis ou não, pois, elas afirmam o seu status como obra de arte ao seguirem os padrões
estéticos, predominância de técnicas e suportes. No final do período Modernista, porém, essa
precisão começa a ser discutível, pois, o fator determinante para garantir o seu lugar na
categoria artística são as autoridades capacitadas para tal como os historiadores da arte,
críticos de arte, galeristas e marchands (BOURDIEU, 2012).
Cabe ao historiador da arte evitar julgamentos de valor e buscar compreender os
fenômenos artísticos. Este profissional deve trabalhar a partir de um delimitado conjunto de
elementos que o ajudam a compreender e articular de modo coerente com o seu objeto de
estudo (COLI, 1995).
O trabalho do primeiro beneficia o segundo, pois, o historiador ao demarcar o seu
objeto de estudo vai utilizar-se da análise crítica para compreender a narrativa que pode ser
encontrada nas imagens, e assim, compor e/ou recompor a história com rigor científico a fim
de encontrar os rastros por vezes perdidos na trajetória de pesquisa. O mercado artístico,
também integra atividades relevantes para a compreensão do corpus histórico: o marchand e o
galerista.
O trabalho do marchand é mediar as negociações entre artista e comprador, mas
também atua como visionário a partir do momento em que retira as criações do anonimato.
Cabe a este profissional garantir a visibilidade necessária ao artista, enquanto o galerista se
beneficia das demais funções comentadas, pois a partir do conhecimento adquirido com a
ascensão das produções artísticas, o valor tangível de suas obras, coleções, auto-imagem e
imagem do artista ampliam, na mesma intensidade, os valores intangíveis (FIORAVANTE,
2008).
51
A arte é para a cultura um registro das ações humanas peculiares de cada região e são
importantes pela simbolização que permite o encontro de informação, de mensagem em um só
objeto. É a porta de entrada para o conhecimento e experiências acumuladas, transmitidas e
transformadas. Os processos de simbolização permitem que o conhecimento seja condensado,
as informações processadas e a experiência transmitida e transformada (SANTOS, 2006).
A pintura integra transformações e cada vanguarda remete a esse simbolismo da
realidade social. Todos os grupos vanguardistas se percebiam como novidades à frente dos
demais. Peter Bürger ao defender sua tese a respeito da teoria da vanguarda sob a ótica
marxista, afirma praticar a ciência crítica para se adequar às análises da conexão entre as
objetivações literárias e as relações sociais e considera válido historicizar a teoria estética,
conduzir a ampliação das relações do objeto com a categorização de uma ciência e aborda a
função social por trás dos parâmetros estéticos da arte pela arte (BÜRGER, 1993).
Seguindo esse ponto de vista, teóricos tecem opiniões sobre a crise das vanguardas e o
uso do que parece, a princípio, apocalíptico: o fim da História da Arte. Elas foram
consideradas utópicas junto com a teoria da modernidade, pois terminaram por esvaziar suas
perspectivas civilizatórias e políticas, transformando o vigor estético “em espetáculo
ritualizado, em gesto representativo e narcisista, em afirmação vazia de poder”, conforme
registra Subirats (1991, p. 11). Houve um esvaziamento de ações escatológicas,
revolucionárias e subversivas e, portanto, de rupturas permanentes com um padrão estético.
Os movimentos se restringiram a classificações estéticas, sem vínculos a correntes de
pensamentos, transformações políticas e sociais. Além disso, o conceito de modernidade era
associado ao imperialismo pelos pioneiros das vanguardas artísticas e ao princípio de
racionalização das novas tecnologias. Walter Benjamin, contrário a isso, ressaltou o
empobrecimento da experiência estética quando se trata da mecânica dos objetos e considera
o fim da identidade individual e da falta do sentimento imaterial presente no homem, levando
à anulação da arte (SUBIRATS, 1991).
Para Belting (2012), o fim das vanguardas relaciona-se ao modo de pensamento na
ciência e também na arte prática, aproximando-se do objeto e transformando-o em problema.
Com as mudanças na arte Pós-Moderna, torna-se necessária a discussão sobre a História das
Mídias e a História da Arte para chegar a novos conceitos sobre a arte do século XX,
considerando que os próprios conceitos de história, de ciência da arte e de estilo são heranças
do século XIX.
52
No Brasil, a crise da pintura de vanguarda culmina no processo de adequação menos
radical das possibilidades. Deseja-se que a arte seja compreendida pelo homem comum, antes
vista apenas na fotografia e na fotomontagem. Nesse cenário de recapitulação de estudos e
quebras de paradigmas se manifesta a transição entre a Modernidade e a Pós-Modernidade.
(CHIARELLI, 2012).
A passagem da Modernidade para a Pós-Modernidade, do ponto de vista de uma
discussão conceitual sobre o mundo das artes e as condições efetivas do capitalismo em nova
fase marcada pelo automatismo, pela preponderância do capital financeiro e novas
redefinições no mundo do trabalho, é discutida adiante.
2.1
As pré-condições (1960-1970): Nova York (Estados Unidos da América),
Londres (Inglaterra), Veneza (Itália), Aachen e Kassel (Alemanha).
No final do século XX, as modificações nos processos de trabalho, hábitos de
consumo, configurações geográficas, geopolíticas e práticas do estado são encontradas na
economia política do capitalismo e o lucro permanece como princípio básico a conduzir suas
vertentes, assim,
[...] o longo período de expansão pós-guerra, que se estendeu de 1945 a 1973, teve
como base um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de
consumo e configurações de poder político-econômico, esse conjunto e
configurações de poder político-econômico pode com razão ser chamado de
fordista-keynesiano. O colapso desse sistema a partir de 1973 iniciou um período de
rápida mudança, de fluidez e de incerteza. Não está claro se os novos sistemas de
produção e de marketing, caracterizados por processos de trabalho e mercados mais
flexíveis, de mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo
garantem ou não o título de um novo regime de acumulação nem se o renascimento
do empreendimento e do neoconservadorismo, associado com a virada cultural para
o pós-modernismo, garante ou não o título de um novo modo de regulamentação.
(HARVEY, 1996, 119)
Nesse cenário composto pela crítica ao Modernismo e ascensão ao Pós-Modernismo.
Os movimentos artísticos compostos por ele são expostos aqui com o objetivo de examinar
em que medida a Pop Arte, Arte Conceitual e Arte Povera promove também uma crítica e
apontam para novas possibilidades de arte no Ocidente.
Por isso, o caráter hedonista, encontrado também nos textos referentes à ‘Geração 80’
do Brasil, está presente aos seus componentes, a maioria ligados a juventude teenagers, em
1970, depois de vários movimentos universitários na década anterior, como a Passeata dos
Cem Mil em 1968, no Brasil contra a Ditadura Militar.
53
A arte assumiu nesse momento, diferente postura mediante ao capitalismo e a cultura
de massa. Benjamin (2013, p. 286) não acreditou na sobrevivência das artes como a pintura
posterior à era da reprodutibilidade técnica, mas, nesse período, a arte e a publicidade
caminham juntas e a primeira se adapta a mundo da segunda: “A arte não pode inventar sem
mais a contingência do mundo, mas apenas reproduzir. A reprodução torna-se o lugar de um
comentário sobre o mundo, como outrora a produção, ou seja, a obra era uma autoexpressão
do artista” (BELTING, 2012, p. 136).
Então, a arte não deixou de conter os aspectos que a consagram, mas, se adequou ao
mundo e as mídias, ao consumismo que naquele momento parecia exacerbado mediante a
popularidade. As pessoas possuíam ídolos a serem seguidos e estes impulsionavam o alto
poder de compra com influências instantâneas.
Verifica-se assim que os processos de hibridização juntamente com a liquidez dos
espaços geográficos, resultam na “ausência de fronteiras e limites bem definidos tornam o pop
universal” (VELASCO, 2010, p. 128).
A Arte Povera foi outra proposta pós-moderna cuja interferência foi muito forte no
Brasil no período final da década de 1960. Foi divulgada principalmente pelas exposições
com a organização de Germano Celant, na Itália a partir de 1967, segundo Andrade (2011, p.
170). A denominação pode ser traduzida como “Arte Pobre” e recebeu esse estereótipo pelas
execuções de suas obras com produtos baratos.
Um dos principais artistas brasileiros a ser influenciado por essa arte italiana foi Hélio
Oiticica com um dos seus trabalhos mais significativos para esta década: Tropicália [ver
figura 2]. Sua arte extrapolou as telas de pintura e compôs um ambiente para desnaturalizar os
dados culturais do Brasil como a arara, a vegetação, a televisão dentre outros. Ele transformou
todos esses símbolos em uma experiência palpável e concreta para os espectadores e o artista.
Por isso, faz parte desse período caracterizado como de “crises” sobre a arte, ideologias,
classe sociais.
O pós-moderno faz parte do momento de crise porque os padrões impostos pelo
período moderno os quais definiam a arte se renovam. Desse modo, a História da Arte passou
por um momento de rompimento com os padrões técnicos, estéticos e suportes da arte.
54
Figura 2 – Tropicália, Hélio Oiticica.
Fonte: Museu Nacional de Arte, Madrid.
O Pós-modernismo tem sua essência definida a partir da própria terminologia:
Como a própria palavra sugere, essa quebra é mais frequentemente relacionada com
noções de extinção ou o declínio do movimento moderno de cem anos de idade (ou
ao seu repúdio ideológico ou estético). Assim, o Expressionismo Abstrato na
pintura, o existencialismo na filosofia, as formas finais de representação no
romance, os filmes dos grandes autores, ou a escola modernista da poesia (como
institucionalizada e canonizado em obras de Wallace Stevens) todos são agora vistos
como o última floração, extraordinário de um impulso de alta modernista que é gasto
e exausto com eles 15[Tradução da autora].
Assim, se os movimentos do Modernismo já se consideravam a frente do pensamento
clássico, com relação às artes plásticas, o Pós-modernismo proporcionou a quebra das suas
ideologias trabalhando com novos conceitos estéticos e ideológicos. E novamente, a
influência chega ao Brasil, como foi evidenciado com a obra de Hélio Oiticica, e emerge
pensamentos como o do teórico Tadeu Chiarelli classificou de Modernismo tardio, pois, nesse
período a identidade brasileira estaria em evidência, ao contrário dos seguidores das correntes
europeias como foi no período Modernista.
2.2
A presença da ‘Geração 80’ no Ocidente e no Brasil: ruptura ou continuidade?
Diante do exposto, o questionamento a ser feito é se a estética modernista teria
fornecido a base de reflexões que culminou na emergência da pós-modernidade e da Arte
15
As the word itself suggests, this break is most often related to notions of the waning or extinction of the
hundred-year-old modern movement (or to its ideological or aesthetic repudiation). Thus abstract expressionism
in painting, existentialism in philosophy, the final forms of representation in the novel, the films of the great
auteurs, or the modernist school of poetry (as institutionalised and canonised in the works of Wallace Stevens)
all are now seen as the final, extraordinary flowering of a high-modernist impulse which is spent and exhausted
with them (JAMESON, 1991).
55
Contemporânea sem passar por uma ruptura e/ou quebra de paradigmas cujo fenômeno se
evidencia em uma linha de continuidade na ‘Geração 80’ brasileira.
O Pós-modernismo, como mencionado, conferiu reações contrárias aos dogmas
estabelecidos pela modernidade. Conforme observado em Jameson (1984) a pós-modernidade
dissolveu algumas fronteiras como a linha divisória entre a cultura erudita e a cultura popular,
como é o caso da tendência Kitsch já abordada aqui. A mudança na estrutura socioeconômica
condiciona a emergência da dita modernização, capitalismo multinacional e a sociedade de
consumo. É marcado pelo crescimento econômico do pós-guerra nos Estados Unidos entre o
final dos anos 1940 e começo de 1950.
Para Jameson (1984) a imitação, denominada pastiche, é uma das práticas mais
importantes desse momento e se aproveitava da paródia para incorporar as minucias dos
estilos originais surgidos no período moderno. Os novos artistas não conseguiram criar novos
estilos, pois, o número de combinações possíveis já havia sido criado. Além disso, a Arte pósmoderna e/ou contemporânea é percebida como a negação da existência do novo e firma o
decreto do fim do passado.
Com a queda da arte pictórica a História da Arte inicia a produção artística diferente
das vanguardas e diferente dos modelos de progresso. A Arte Moderna e a Arte
Contemporânea obtiveram diferenças na disciplina a primeira possuía a modalidade no
passado e a outra, no futuro. Foi deixada de lado a história da arte carregada de um ponto de
discussão baseada em um momento histórico para a possibilidade de o artista escolher o
movimento e/ou técnica a seu favor, equivalente ao seu momento na história, certifica
(BELTING, 2012). Assim, ao artista novas atribuições passaram a caracterizar a sua função
enquanto se libertava dos dogmas do passado.
Assim, o ser artista se modificou e permanece em mutação. Após Marcel Duchamp
fazer da discussão artística o seu trabalho central, concedeu ao artista o poder de designar o
que quisesse como arte, porém, essa autoridade não é fácil de ser defendida. O artista tem o
dever de estabelecer seus próprios padrões de excelência, uma vez que não existem medidas
objetivas de qualidade. Esses padrões passam ainda por um processo de aceitação pelos
responsáveis por ditar a classificação entre arte e não arte. Os artistas são responsáveis, então,
pela conquista do seu sucesso e prestígio, expõe (THORNTON, 2015).
Na década de 1980 essa persistência em atingir seu séquito fiel é exposta quando o
posicionamento político e arbitrário é acionado pela figura do artista. Em relação ao Brasil,
56
esse foi o momento de maior abertura das influências dos países ocidentais. O foco
impulsionador do momento estava nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
Os motivos da eclosão da nova fase: o cansaço das tendências conceituais nos últimos
dez anos; o marasmo presente nas linguagens cifradas, arte considerada, pelo autor,
paravisual; o redescobrimento do prazer pela pintura e pelo ato de proporcionar emoções ao
espectador. Os artistas nesta fase, possibilitaram o rompimento do isolamento cultural por já
carregarem uma bagagem provenientes de viagens e estudos sobre as artes nos anos anteriores
(PEREIRA, 2003). Além disso,
[...] a volta à pintura, portanto, não era apenas um retorno ao artesanato e às
experiências sensíveis, contra o intelectualismo atribuído à minimal e à arte
conceitual, mas, antes, a pintura era o gênero perfeito para se discutir a tradição,
justo por ser, dentre outros, o mais tradicional. Com ela, os artistas dessa nova
geração cutucavam com vara curta todo o “arcabouço elaborado pelo Olimpo”,
numa manobra cuja pertinência não era compreendida (CANONGIA, s.d., p. 36).
No Rio de Janeiro, onde ocorreu o evento que se tornou a marca dessa geração, em
1984, com a curadoria de Marcus de Lontra Costa, Paulo Roberto Leal e Sandra Mager a
exposição, Como vai você, geração 80? foi configurada como a visão expandida das práticas
emergentes no eixo Rio-São Paulo. Constata-se a vertente neoexpressionista em trabalhos
como os de Cristina Canale, Daniel Senise, Fábio Miguez, Jorge Guinle, Rodrigo Andrade
dentre outros. Além do interesse dos jovens artistas pelo Pop devido às preocupações a
respeito da urbanidade e dos meios de comunicação de massa, (CANONGIA, s.d.).
Por outro lado, as produções deram retorno a questões mais complexas se comparado à
volta de meios de expressão, após a ditadura militar. Name (2014) afirma que o curador
Marcus Lontra objetivou a volta dos artistas contemporâneos para fornecer respostas a
perguntas como, por exemplo: “Como vai você, que cresceu à sombra de 20 anos de ditadura
militar?” ou “E aí... Beleza?” Ou ainda “Toc, toc, toc tem alguém aí?”
Os até então jovens artistas participantes não presenciaram de fato os transtornos da
Ditadura Militar como a falta de democracia, censura e todos os fatos que assolavam a crise
política em 1964. Nesse momento iniciavam suas pesquisas artísticas e experimentavam os
tradicionais segmentos da pintura, então, recaiu sobre eles a repercussão, os resquícios desse
momento histórico.
As influências foram oriundas de países como Estados Unidos, Alemanha e Itália
foram imprescindíveis na formação da ‘Geração 80’ no Brasil, pois, com elas além das
referências a produção técnica, a nova maneira de pensar e de desejar modificou o modo de
57
fabricação artístico. O consumo de massa e a publicidade fez alavancar a população
denominada yuppie (pessoas de alto poder aquisitivo, com gastos em artigos de luxo e
atividades caras). Além disso, o sonho do apartamento em Nova York com alto pé-direito e
espaço minimalista agrega a abertura de muitas galerias de arte e do renascimento dos
marchands. Com isso, a arte pictórica atravessa por mudanças inclusive na sua
dimensionalidade cada vez maiores, do tamanho do sonho americanizado para consumidores
cada vez mais jovens (PEREIRA, 2003).
Os movimentos artísticos anteriores serviram como uma antessala para a geração uma
vez que, o Pós-modernismo como um movimento com pouca clareza em sua ideologia
encontra na década de 1980 o ponto de tensão de conflitos entre as teorias pós-modernistas.
Na arte brasileira, o período se evidencia pelo destaque dado a dois grupos: o composto pelos
artistas da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro e o ‘Casa 7’ (referência
ao número 7 da casa/ateliê), em São Paulo. O autor aponta ainda um pouco conhecido para
indicar a descentralização do eixo, o ‘Ateliê Coletivo’, em Recife (MOURA, 2011).
A mostra ocorrida em 14 de julho de 1984, Como vai você, geração 80?, símbolo
desse momento, composta por 123 artistas já demonstra que essa corrente extrapolou as
barreiras entre as cidades brasileiras porque reuniu artistas de diferentes localidades como
alguns destacados: Leonilson (Fortaleza), Daniel Senise (Rio de Janeiro), Luiz Zerbini (São
Paulo), Beatriz Milhazes (Rio de Janeiro), Leda Catunda (São Paulo) e Cristina Canale (Rio
de Janeiro).
No momento em que Tancredo Neves lutava pela presidência do Brasil para assim
suceder o último general da ditadura, João Figueiredo, a exposição contou com visitação
superior a 15 mil pessoas, número significativo e nunca antes contabilizado neste tipo de
ocasião, onde milhares de gaivotas de papel, produzidas por Carlos Mascarenhas, foram
lançadas pelos visitantes na piscina da mansão (RUBIN, 2014). A imagem da abertura da
exposição [ver figura 3] representa o retorno do prazer pela pintura, independente de técnicas
ou suportes criados pelos que não vivenciaram o período do autoritarismo militar, mas,
conseguiram visualizar e sentir as consequências causadas por este governo.
O eixo Rio-São Paulo acompanha os nomes mais conhecidos da geração. Na mostra
do Parque Lage, as características dos seus componentes foram marcadas pela vertente do
neoexpressionismo e interesses pela estética Pop conectadas a urbanização e aos meios de
massa. Enquanto em São Paulo, artistas do Grupo Fluxus e Casa 7 eram influenciados por
58
professores que aderiram a Arte Conceitual ou a Semiótica. Os suportes são tecnológicos e
remetem aos anos de 1970 (CANONGIA, s.d.).
No dossiê sobre a produção desses artistas paulistas Tadeu Chiarelli destaca as
características mais consistentes desse momento nas artes visuais: o resgate a antigas técnicas
como a pintura e a escultura; a movimentação das artes anônimas em grandes centros como o
grafite para os locais institucionalizados da arte, o autor chama de “arte da presença”, como a
body art e a performance; o já mencionado prazer do fazer artístico, em oposição a arte dos
anos anteriores cujo carácter era mais cerebral, com indagações sempre presentes na arte
como “artista versus tradição artística; artista versus sociedade; especificidade de linguagem
versus narração, etc.” (CHIARELLI, 2011, p. 12). Não se diferencia da abordagem no Rio de
Janeiro, mas, são pensamentos com pontos de encontro. Fazem parte das inquietações
presentes na ruptura do pós-modernismo.
Daniela Name, crítica de arte e jornalista, realizou uma análise após 30 anos desta
memorável exposição e revela as pretensões do curador da amostra Carlos Lontra. Parte das
respostas às perguntas como: Como vai você, cresceu à sombra de 20 anos de ditadura
militar? E se evidenciou, de acordo com a autora, o caminho de retorno à imagem, colocada
em questão “pela chamada desmaterialização da arte e pelo conceitualismo nas duas décadas
anteriores, a imagem voltou a ocupar um lugar de destaque na produção do período”. Assim,
o debate sobre o pós-modernismo foi instituído na exposição mediante a ruptura da estética
Pop Art, tendência figurada a partir de diferentes gêneros e mídias, diferenciando-se dos
parâmetros estabelecidos pelos movimentos de vanguardas históricas (NAME, 2014).
A certeza de que um novo momento na arte se instaurava no ano de 1980 ocorreu com
a inauguração da seção Aperto 80 na Bienal de Veneza, por Harald Szeemann [1933-2005] e
Achille Bonito Oliva [1939-] suas influências estiveram presente na exposição Como vai
você, Geração 80? (RJ). Foi um indicativo de que a nova cena artística se instaurava com
aspectos nômades e hedonistas, pois, apresentavam o prazer em pintar, frenéticos trabalhos os
quais transitavam entre diferentes estilos, oposto a esquemas plásticos e teóricos fixos. O
resultado foi o uso indiscriminado de diversos segmentos do passado histórico e do legado da
arte moderna. Até a contemporaneidade, a arte pictórica caminha pela história de modo
híbrido seguindo um mix de interferências. Foram ignoradas as distinções teóricas entre modo
artístico progressista e/ou conservador (CANONGIA, s.d.).
59
Figura 3 - Escola de Artes
Visuais (EAV) do Parque
Lage, Exposição Como vai
você, geração 80?
Fonte: Rubin, 2014
Sobre o hibridismo trata-se da junção sem ideias contraditórias que contribuem para a
formação de aspectos particulares de embates pela interculturabilidade. Tomando como objeto
de estudo a América Latina, Canclini destaca como os processos socioculturais existentes de
maneira isolada podem ser combinados e gerar novas estruturas, objetos e práticas
(CANCLINI, 2015).
O termo mostra-se cabível a esse momento por também complementar o pensamento
do italiano Achille Bonito Oliva, ao cunhar o período de transvanguarda em 1979, justamente
porque a História da Arte passa a se mover pelos estilos estéticos de maneira transversal e
eclética (CANONGIA, s.d.).
Ricardo Basbaum critica a ‘Geração 80’ marcada pelo evento no Parque Laje. Sua
avaliação limita-se a indicá-la como um produto midiático produzido pelos críticos, curadores
e mercado de arte. A opinião reduz a ideologia que cerca as características já ditas até então,
porém, a visibilidade contribuiu para a difusão das obras artísticas brasileira no exterior e de
certa forma o artista se posicionou frente à rememoração dos anos anteriores (BERTOLOSSI,
2014).
Por isso, apesar de os artistas brasileiros desde o início de 1980 introduzirem no país a
discussão sobre a pós-modernidade, alguns dos analistas locais, que desconheciam as
discussões fora do país, rejeitaram as teses transvanguardistas e rotularam negativamente a
60
geração. Nesse momento, as obras de artistas como Tunga [1952-], no Rio de Janeiro, e Artur
Lescher [1962-], em São Paulo, continham vestígios das neovanguarda: Arte em Processo,
Arte Povera e o Minimalismo (CANONGIA, s.d.).
Destaca-se que a Arte Povera italiana
[...] é feita com os meios mais avançados: é a sublimação da pobreza, mas de modo
anedótico, visual, propositadamente pobre, mas na verdade bem rica: é a assimilação
dos restos de uma civilização opressiva e sua transformação em consumo, a
capitalização da ideia de pobreza. Para nós, não parece que a economia de elementos
está diretamente ligada à ideia de estrutura, à formação desde o início, à não-técnica
como disciplina, à liberdade de criação como supra-economia, onde o elemento
rudimentar já libera estruturas abertas (Favaretto 2000, p.183 apud ANDRADE,
2011, p. 171).
Na década de 1960, inclusive, o país ainda não se encontrava totalmente atualizado
com as novas tecnologias emergentes, então, foi um movimento favorável ao trabalho com as
artes visuais sem tantos aparatos tecnológicos e com o retorno a manipulação sígnica proposta
por Marcel Duchamp, à medida que tirava a arte do posto contemplativo para resgatar a
percepção sensorial, afirma (ANDRADE, 2011).
Dentre os remanescentes da geração de 1980 na atualidade se tem o registro de
trabalhos contínuos como a XXIV Bienal de São Paulo, em 1998, no Núcleo Histórico
ambientado no 3ºandar do Pavilhão. No local foi aprofundado o tema da antropofagia e os
movimentos modernos e contemporâneos espalhados pelo país. O artista alagoano Delson
Uchôa exibiu na sala Monocromos trabalhos sobre o eixo da cor (PINTO, 1998) e sua atuação
consolidou o trabalho que realizava ao obter espaço no evento, considerado um dos mais
importantes das artes em todo o mundo, ao lado da Bienal de Veneza.
2.3
Os Ecos da ‘Geração 80’ em Maceió
A trajetória da pintura apontada, até aqui, desde o Modernismo faz parte da História da
Arte e de todo o repertório influente para as mudanças ocorridas na arte brasileira a partir da
década de 1950. A partir do que foi anunciado pela imprensa local, através do levantamento
bibliográfico e pelo próprios participantes denominados ‘Geração 80’, será exposto aqui como
suas tendências, pensamentos e manifestações obtiveram força e geraram ecos na cidade de
Maceió, através do surgimento dos grupos artísticos, explanados mais adiante.
Em 1989, o alagoano Romeu Loureiro [1941-2014] crítico de arte e jornalista,
escreveu para os associados da extinta indústria química Salgema [atual Brasken S/A] o livro
Arte Contemporânea das Alagoas. Foram escolhidos 50 artistas, segundo o autor, através do
61
reconhecimento da comunidade local e dos méritos de cada artista. Dentre eles constam:
Fernando Lopes, Maria Tereza Vieira, Maria Amélia Vieira, Paulo Caldas, Delson Uchôa e
Pierre Chalita, este último, responsável por parte da educação artística no estado devido à
criação da Fundação Pierre Chalita em 1980. Romeu Loureiro salientou que
[...] cumpre-nos registrar o fato de que não existe uma Escola Alagoana – seja, uma
reunião de mestres, pintores e escultores que se distingam, por um espírito
particular, em relação aos artistas de outros estudos do Brasil e que possam ser
considerados como criadores de uma arte marcada, de alguma forma (LOUREIRO,
1989, p. 15).
A opinião é mantida pelo crítico, inclusive durante a formação dos grupos de
renovação plástica dentre eles, destaca o Vivarte como o mais expressivo de todos (devido à
duração de um ano). O grupo, iniciado em 1984, almejava uma arte viva e os eventos
ocorridos nessa época, como uma exposição da artista Maria Amélia, são identificados como:
“[...] um nova maneira de ver e registrar a paisagem regional, grande parte da produção
pictórica alagoana mantém-se inalterada frente aos estímulos de inovação” (CAMPOS, 2000,
p. 105). O Vivarte iniciava suas reuniões com discussões acerca das produções artísticas de
cada membro e em suas atas estão registrados os ideias opostos à arte acadêmica executada
nas escolas de artes presente na cidade.
Célia Campos menciona ainda, a presença de outros grupos a favor de mudanças na
pintura em Alagoas. São eles: Grupo Anonimato (1984), composto por ex-alunos do artista
plástico baiano Jadir Freire, o qual realizou um curso de Arte e Criatividade no estado; e outro
grupo formado para a mostra coletiva intitulada Cruzada Plástica em 1987, sendo alguns dos
membros oriundos do Vivarte.
Foi ainda consagrada na década, a produção da arte abstrata, como pode ser observado
em Loureiro (1982). O crítico fez uma relação entre o trabalho primitivo do artista Vicente
Ferreira Lima e o abstracionismo de Reinaldo Lessa. Para ele, o primeiro trabalha com
composições instigantes para a memória do folclore e da região nordestina de modo geral e o
segundo, propõe o abstracionismo com efeitos de perspectiva e transparência.
São notáveis as divergências entre o pensamento nos textos de Romeu Loureiro em
comparação aos escritos pelos participantes do Vivarte, como pode observado nas fontes
históricas seguintes. Havia discussões a respeito da Arte Alagoana, suas inovações e
continuidade. Sobre o livro escrito por Romeu Loureiro, formulou-se a seguinte crítica:
62
Mello-Loureiro causa a impressão de caminhar apoiado em muletas ou nos
modismos. Esses “ismos” não revelam somente uma intenção taxonômica, revelam
também motivos condutores de qualquer argumento: são iguais a bengala do cego
para sinalizar os possíveis acidentes de percurso. Parecem ainda, a bóia salva-vidas
para o náufrago. Há no livro, desde a apresentação, incursões num embasamento
sociológico ou histórico, como uma capa de verniz que inevitavelmente se gasta
com o tempo. Na melhor das hipóteses, isso modula uma ética do esquecimento,
instalando um “pathos” estilizador da memória. É fácil definir Arte Contemporânea
por arte produzida no presente, embora seja claro que nada se faz à margem do
tempo. Todavia surge, aqui e ali, a tendência a privilegiar o novo e ruim em
detrimento do velho e bom, alternativa com forte cheiro brechtiano. Engordado por
seu grupelho, perpetuando equívocos quanto à historiografia das Artes Plásticas em
Alagoas, Mello-Loureiro é um ideolite (VILLAS BOAS, 1992, p. 19).
As críticas de caráter ideológico aparentam dividir o período sob dois pontos de vista
diferentes: de um lado, o grupo motivado a instaurar mudanças, a obter postura político-social
participativa e que abandona os cânones acadêmicos da pintura, e do outro, um conjunto de
artistas disciplinados na educação artística tradicional e moldado em prol do modelo social e
da rigidez acadêmica. Esta dualidade aparece no documento manuscrito Noitário de uma
Revolta, em Vieira; Maia (1984-1985).
Pierre Chalita [1930-2010] foi educador artístico de parte dos artistas da geração de
1980 alagoana. Segundo Rosa e Silva (2014), o pintor viveu em Recife, Rio de Janeiro,
França e na Espanha aperfeiçoou seu trabalho artístico, mas, foi no Brasil onde viveu pela
maior parte da sua vida. Quando ainda universitário, no curso de arquitetura, pintou um
retrato da sua mãe e através da obra, recebeu uma bolsa de estudos para o Instituto de Cultura
Hispânica em Madri, na Espanha sob a orientação do pintor Valverde. Em 1958, após o
estágio na Espanha foi para Paris e estudou pintura na Escola de Belas Artes, sob orientação
de Chapelain-Midy. Em 1980, estabeleceu a Fundação Pierre Chalita e manteve seu ateliê
onde formou muitos artistas reconhecidos na atualidade. Sua esposa, também pintora e
jornalista Solange Chalita, lhe caracterizou como um Transexpressionista. Seus trabalhos
mais citados são as obras da série Paraíso e Baile (LOUREIRO, 1989).
Sobre as interferências da ‘Geração 80’ presentes no eixo Rio-São Paulo no Nordeste,
os rastros deixados partem das participações na exposição Como vai você, geração 80?
através de artistas como Delson Uchôa, alagoano e José Leonilson, natural de Fortaleza.
Encontram-se, desse modo, extensões fora do eixo. A geração marcou o retorno de novas
expressões artísticas e liberdade para criar e expor suas propostas. O evento ocupou todos os
espaços da escola de Artes Visuais do Parque Laje, no Rio de Janeiro, com trabalhos em
grande escala e sem referências a temáticas convencionais com marcas da arte experimental e
gestual (BERTOLOSSI, 2014).
63
Na trajetória artística alagoana foi observado previamente nas fontes hiatos em relação
ao conceito da arte produzida em Maceió:
Revelam-se [...] os trágicos paradoxos do mostrar-se contemporâneo. Ou seria pósmoderno? Porque todos se valem das imprecisões semânticas. Preocupados em
serem autênticos e originais, esquecem que a originalidade e a autenticidade
escapam à reprodução. E isso é um efeito patente da recusa, ou seja, do imbróglio
(grifo do autor) permanente entre a realidade e o que se toma por ela, o inventado,
convivendo de forma compulsória [...] Cada um por si cria, desvinculado de uma
historicidade e também de uma permanência, como se cada coisa criada fosse uma
efeméride a ser superada na próxima, numa epifania ou num surto (VILLAS BOAS,
2013, p. 15).
A discussão acima, referência já do século XXI, remete ainda aos conflitos passados,
pois Loureiro (1989, p. 15) definiu a Arte Contemporânea como aquela produzida em seu
tempo, enquanto Villas Boas (1992, p. 20) rebateu: “nada se faz à margem do tempo”. Três
anos depois, Loureiro (1987, p. c-3) publicou uma crítica sobre a Mostra Cruzada Plástica
ocorrida no mesmo ano da publicação e assegurou ser “necessidade da arte possuir categorias
e conceitos para firmar-se” e certifica não encontrar tais indícios no catálogo16 da referida
mostra.
Os alagoanos participantes da exposição no Rio de Janeiro Como vai você, geração
80: Analu Cunha, Ana Maria Vieira, Carlos Fiúza, Delson Uchôa e Ju Barros 17trouxeram
para Maceió uma parte dos trabalhos desenvolvidos em dezembro de 1984 e, expostos no
prédio da Associação Comercial do Jaraguá (CAMPOS, 2000). Delson Uchôa afirma, em
entrevista exclusiva para esta pesquisa18, ter havido certa resistência por parte dos artistas do
grupo Vivarte em aceitar a vinda deste módulo da exposição para Maceió. A motivação, disse
Uchôa, foi pelo fato de não admitirem a chegada de algo pronto e firmado nas grandes
cidades.
Para o grupo Vivarte a cidade estava carente de novidades e precisava firmar a sua
identidade artística local, por isso, deram início às reuniões periódicas, cujas atas foram
analisadas mais adiante neste trabalho. Campos (2000, p. 106) ressalta:
Embora não possam ser classificados como nítidos movimentos artísticos, por lhes
faltar um programa teórico e um plano de ação explícito nos manifestos e na
produção artística, é indiscutível, nos primeiros momentos da formação desses
grupos, a existência de uma coerência comportamental e de uma objetividade em
suas intenções.
16
Catálogo da Mostra Alternativa Cruzada Plástica. 1 ª Jornada: A Nova e a Novíssima Pintura Alagoana,
1987.
17
O conhecimento da presença dos demais alagoanos na exposição foi obtido a posteriori, nos momentos finais
da pesquisa.
18
Entrevista completa consta no Apêndice A, p. 111-126.
64
Apesar de não ser considerado pela crítica de arte [o principal crítico no estado foi, o
também jornalista, Romeu de Mello Loureiro] um movimento tal como se tem no
Modernismo, fez parte de um momento de efervescência artística na cidade. Antes de indicar
o perfil e trabalho dos artistas selecionados para o recorte deste trabalho, faz-se necessário
verificar o seu contexto histórico que o precedeu.
A primeira tentativa de transformação na produção artística, desde o advento da
República em 1817 é destacado pelo pesquisador alagoano Dirceu Lindoso não só pela
comemoração do tempo cívico, mas como “[...] uma cultura que vem caminhando com seus
impasses e suas soluções num tempo histórico. Mais do que uma emancipação política. É a
criação de uma vida cultural” (LINDOSO, 2005, p. 99). Nessa perspectiva, aquele era o
momento de o estado se auto reconhecer através dos seus valores culturais entre o popular e o
erudito. A Maceió república se desenvolveu “desordenadamente, sem ritmo, sem método, sem
estilo”, então, em 1820 a cidade tinha um plano de urbanização que não seguiu adiante e
manteve-se sempre defeituosa (DIEGUES JUNIOR, 1981, p. 200).
Na economia, a primeira parte da república tinha o café como o produto principal,
como nos demais estados do mundo, porém, através do federalismo republicano o estado
conseguiu autonomia e o açúcar passou a ser seu sustentáculo (TENÓRIO, 2009).
Em análise do romance Ninho de Cobras, do escritor alagoano Lêdo Ivo, Silva (2002)
destaca a historicidade da cidade de Maceió, todo o seu tradicionalismo e dominação de
grupos hegemônicos, o centro urbano, a representação das suas condutas, experiências e
padrão de vida considerada conduzida de maneira forte e inviolável. Até nos dias atuais, a
formação sociocultural e econômica interfere diretamente na trajetória cultural e no modo de
vivência. No período de 1979 a 1983, o até então deputado Guilherme Palmeira foi escolhido
para governar Alagoas, porém, em 1982 deixou o governo para candidatar-se à presidência do
país, direcionando o cargo para Theobaldo Barbosa. Sobre o período, verifica-se o seguinte
registro:
Alagoas ainda estava vivendo o seu período de crescimento econômico. Os dois
choques do petróleo ocorridos em 1973 e 1979 fizeram com que a economia
brasileira direcionasse sua atenção para o Programa Nacional de Álcool PROALCOOL, o que de certa forma veio beneficiar economicamente a
agroindústria açucareira alagoana. (CABRAL, 2005, p. 96)
65
Enquanto isso, dentre os sinais do movimento cultural:
[...] através de exposições artísticas, festas lítero-musicais, museus, vesperais. Duas
iniciativas infelizmente não lograram ampliar-se: o Instituto Rosalvo Ribeiro,
destinado ao ensino das belas-artes e fundado pelo pintor Lourenço Peixoto [...]
realizou diversas exposições e festas de arte, promoveu uma exposição de arte
moderna e patrocinou a fundação da revista Maracanã (grifos do autor). (DIEGUES
JUNIOR, 1981, p. 209)
Neste mesmo local, em 1928, ocorreu o evento chamado Festa da Arte Nova, já
mencionada aqui. O recorte temporal feito para esta pesquisa é desafiador por ser próximo da
atualidade. As fontes integram parte da História e ainda são citadas nos dias de hoje, porém,
paira desde a década de 1980, a divergência dos que se propõem a trabalhar a crítica da arte
em Maceió (AMORIM, 2014).
Os registros verificados sobre a arte pictórica alagoana indicam embates entre
diferentes grupos de artistas observados nos jornais e nas atas do grupo Vivarte, redigidas
entre os anos de 1984 a 1985 e coletadas em 2014. São nomes expressivos: Alex Barbosa
[1952-], Benedito Ramos [1953-], Dalton Costa [1955-], Beto Leão [1949-], Delson Uchôa
[1956-], Dydha Lira [1951-], Edgar Bastos [1935-2002], Eduardo Xavier [1958-], Fernando
Bismarck [1934-], Fernando Lopes [1956-], Francisco Melo [1941], Hércules Mendes [1938], Gaspar [1954-], Ivson Monteiro [1960-], Judvan Lopes [1974-], Lael Correia [1963-], Lily
Kapetanaskis [1980-], Lula Nogueira [1960-], Manoel Viana [1958-], Maria Amélia [1955-],
Paulo Caldas [1959-], Pierre Chalita [1930-2012], Reinaldo Lessa [1950-], Ricardo Santana
[1961-], Roberto Lopes [1942-], Rogério Gomes [1940-], Solange Lages Chalita [1938-], ST.
Brêda [1938-2011] e Vicente Ferreira Lima [1927-].
Dentre tantos artistas e inúmeras produções foi destacado aqui três nomes com forte
intensidade nos anos de 1980, devido ao grau de participação na cena artística alagoana e
pelas produções plásticas. São eles por ordem alfabética: Delson Uchôa, Maria Amélia e
Paulo Caldas.
Delson Uchôa fez parte da grande exposição realizada no Rio de Janeiro. Segundo
Loureiro (1989) estudou no ateliê Pierre Chalita durante um ano, formou-se em Medicina na
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mas quando voltou da sua viagem pela Europa, sua
identidade artística aflorou. No Jornal O Estado de São Paulo, em 1993, seu trabalho foi
assim descrito: “Inspira-se na riqueza de tramas das cestas de artesanato para criar pintura
gráfica próximo à OpArt, por vezes a vertente construtiva brasileira”, (Jornal O Estado de São
66
Paulo, 1993 In: BRASIL, 1994, p. 62). Seu trabalho é impregnado de arte popular e da
gestualidade presente na natureza.
Figura 4 – Delson Uchôa
Fonte: Imagem cedida pelo artista.
Em entrevista concedida para este trabalho, o artista destacou a sua produção na
exposição no Parque Laje e afirmou que estava muito ligada a sua identidade, porque quando
esteva na Europa percebeu a necessidade de mostrar no exterior a sua origem. Então, exibiu
um híbrido da Arte Popular de modo contemporâneo e essa atitude lhe garantiu a notoriedade
e serviu de elemento na criação da unidade nacional. Uchôa expõe os elementos disponíveis
em Maceió e relata dentre as técnicas da sua produção o cultivo de suas obras, pois enquanto
elas estão em sua posse, ele pode modificá-las e atribuir- lhes novos elementos. Sobre a sua
formação ele informa que criou sozinho a sua “grade curricular” e assume-se como
autodidata. Como já havia concluído a faculdade de Medicina, não quis obter novo grau em
Artes, mas atribui às suas obras o seu aprendizado na medicina e afirma ser uma característica
contemporânea os artistas não mais saírem da boêmia, e sim, dos bancos das universidades.
Nas suas atuais produções, como mostra Vieira (2015), destaca-se a série Bicho de
Seda. As obras possuem o discurso que transita entre a arte, a globalização e a ecologia. Nas
mãos do artista, objetos como sombrinhas descartáveis são tratados como pigmentos. O modo
de execução dos seus trabalhos é muito peculiar e se destaca até hoje entre as obras do século
XXI, como confere-se:
67
Uchôa despontou no cenário artístico como parte da chamada ‘Geração 80’ com um
trabalho cuja visualidade exuberante reflete uma forte identidade com suas vivências
locais, do nordeste brasileiro. Sua pintura, de grandes dimensões, estende-se por
sobre lonas, esteiras, plásticos e outros materiais que absorvem marcas e cores, num
processo de acúmulo de memória empírica. As superfícies dão vazão a uma rara
capacidade de dar corpo pictórico à luz. Uma luz constituída por densas tramas de
cores, compostas por granulações e temperaturas detectadas pelo artista na região
em que mora, criando um aspecto simultaneamente popular e cosmopolita
(DIEGUES; COELHO, 2012, p. 80).
De fato, a sua localidade diz muito sobre o seu trabalho. Ele trabalha com a arte
popular não de forma representativa, mas sim, a partir de cores e texturas. São perspectivas
presentes desde o Pós-modernismo. Em Harvey (1996), essa flexibilidade é apontada na visão
socioeconômica do capitalismo quando as novas tecnologias proporcionam diferentes
sistemas de trabalho e de produção.
De acordo com Morais (s.d., p. 213), o Neoconcretismo deu abertura a essa busca nas
origens do criador e Delson Uchôa contribui para este quadro e contou, em entrevista, sobre
parte das suas inspirações presentes na estética encontrada na cestaria Marajoara, a cultura do
Marajó da era pré-colombiana, próxima ao rio Amazonas.
Já Maria Amélia é uma das principais referências no estudo do grupo Vivarte e toda a
movimentação artística em Maceió ocorrida nos Anos 1980. Na reunião do Projeto Mungunzá
Cultural19 [informação verbal], intitulada A trajetória da coleção Karandash de 1985 até
2015, a artista falou sobre a ideia de criação do grupo e relatou o ponto de partida sendo nas
conversas despretensiosas com seu amigo Ricardo Maia, pesquisador com textos publicados
cujo objeto de estudo é o Vivarte.
No seu retorno para Maceió, enquanto caminhavam pela orla da Ponta Verde, propôs o
início das reuniões. No momento da sua chegada, a intenção era fundar uma agência de
Publicidade, como desejava seu pai, mas, decidiu aproximar-se ainda mais da arte e fundou a
galeria Karandash, nome escolhido também com a ajuda de Ricardo Maia e significa “lápis”,
na língua russa.
Com a galeria de Arte Contemporânea e Arte Popular, Maria Amélia acredita
continuar difundindo as ideias do grupo quando em seu manifesto fala do objetivo de “abrir
portas fechadas” para a arte, como em benefício aos artesãos que trabalham distantes das
movimentações artísticas e comercializam suas obras por valores abaixo do mercado artístico.
19
Informação fornecida por Maria Amélia Vieira e Dalton Costa, no Projeto Mungunzá Cultural realizado no
Museu Théo Brandão, Maceió-Alagoas, no dia 25 de março de 2015 às 19h.
68
Figura 5 – Maria Amélia
Fonte: Imagem cedida pela artista
Sobre sua carreira, Loureiro (1989) aponta o início do seu aprendizado ainda na sua
adolescência orientada por sua tia, a também pintora, Maria Tereza Vieira. Durante muitos
anos, viveu e estudou na cidade do Rio de Janeiro. Seu trabalho abrange desde então, colagem
incluindo materiais como tecidos e palha de coco e perpassa por diversas técnicas. A partir de
1984, ano inicial do Vivarte, suas obras apresentam formas animalescas e símbolos da cultura
popular alagoana. Sobre isso, Costa (In: BRASIL 1994, p. 144) destaca:
[...] esse caráter regional dos trabalhos de Maria Amélia em nenhum momento faz
concessões ao pieguismo ou a demagogia. Ao contrário, a obra de Maria Amélia
internacionaliza-se no momento em que ela discute questões pertinentes ao universo
contemporâneo das artes plásticas, sem abandonar as influências naturais que a
luminosidade e a exuberância das paisagens nordestinas provocam.
Em entrevista exclusiva para esta pesquisa20, a artista lembra da sua passagem com o
uso da cerâmica e afirma ter usado o material por ter passado um período de muitos plágios
nas suas criações. Sobre a ‘Geração 80’ presente no eixo Rio-São Paulo, Maria Amélia diz ter
pertencido a uma escola diferente no Rio de Janeiro, a ministrada pela sua tia, mas, conheceu
os participantes e conviveu com Delson Uchôa, no Rio de Janeiro.
Ainda na mesma entrevista, a artista acredita ter sido muito importante o seu retorno
para Maceió porque é uma cidade cujas novidades sempre chegavam com atraso e seu olhar
20 Entrevista completa consta no apêndice B p. 127-139.
69
foi como uma visão estrangeira na cidade, pois, já havia estudado fora e possuía diferentes
percepções sobre a arte. Em 1984, por exemplo, ainda despontava o Abstracionismo. Por isso,
a seu ver, a ‘Geração 80’ das grandes cidades teve pouca influência imediata na cidade.
Paulo Caldas também participante do Vivarte é definido por Loureiro (1989), como
pintor e desenhista. Seu trabalho começa em 1979, com pinturas em pastel e depois óleo.
Residiu em São Paulo durante dois anos e foi radicado em Maceió, a partir de 1981. Sobre seu
trabalho Lemos (In: BRASIL, 1994, p. 168) reflete: “O universo interior de Paulo Caldas
exterioriza toda a sua riqueza, através de um pontilhado cuja intensidade obedece a
graduações claro-escuro e delicadas texturas”. Tais características levou Loureiro (1989) a
enquadrá-lo como surrealista na linha onírica de Salvador Dalí.
Porém, em entrevista exclusiva para esta pesquisa21, o artista mostra-se muito ligado a
religião e atribui a sua inspiração no ato da pintura ao êxtase divino. As comparações a
Salvador Dalí [1904-1989], ele justifica pelo tempo passado porque em suas telas as cores
como ocre e azul predominavam como nas pinturas do artista espanhol, mas, quando
perguntado sobre suas influências, além de Dalí o artista cita um misto entre a pintura,
literatura e música. São eles nessa ordem: Magritte [1898-1967], Maurits Escher [1898-1972],
Vangelis [1943-], Pink Floyd, Richard Bach [1936-] e Lobsang Rampa [1910-1981]. Todos
esses nomes, de acordo com Paulo Caldas fazem parte da sua formação.
Figura 6 – Paulo Caldas
Fonte: Imagem cedida pelo artista
Sobre o Vivarte, ele defende em entrevista, sua importância para os artistas naquela
época, um período de descobertas e experimentações. Com Ricardo Maia, promoveu jornadas
com exposições coletivas na Cruzada Plástica, com alguns dos membros do grupo Vivarte.
21 Entrevista completa consta no apêndice C, p. 140-153.
70
Segundo Loureiro (1989), o objetivo principal era divulgar os artistas vanguardistas para os
circuitos comerciais de arte das grandes galerias existentes no período.
No catálogo da exposição da 1 ª Jornada: A Nova e a Novíssima Pintura Alagoana,
Ricardo Maia apresenta os artistas, reunidos no espaço Miguel Torres [hall do Teatro
Deodoro], a partir da divisão entre os novos: Edgar Bastos, Dalton Costa, Paulo Caldas, Maria
Amélia Vieira e Lula Nogueira e os novíssimos: Ricardo Maia, Roberto Ataíde, Ricardo
Santana, Valéria Sampaio, Lael, Silvano Almeida, J. Martins e Álvaro Brandão. Como
também gosta de escrever, no seu espaço no catálogo, Paulo Caldas questionou a severa
crítica realizado pelo jornal Tribuna de Alagoas em 31 de janeiro de 1987, porque o jornalista
responsável pela matéria atribuiu aos artistas da exposição o título de pintores iniciantes.
A opinião de Paulo Caldas, que consta no catálogo, permanece na entrevista concedida
à autora. No primeiro, opõe-se ao discurso do jornalista e aponta os destaques da pintura
alagoana presente na exposição, além disso, exemplifica com a sua pintura os novos rumos
socioculturais na cidade de Maceió e no segundo também, ao abordar os problemas
ambientais existentes. Apesar de em entrevista, alegar não ter tido ligações com a ‘Geração
80’, assim como no eixo Rio-São Paulo, seu trabalho em Maceió contou com o surgimento de
galerias e teve como mediadora a artista Maria Amélia Vieira, do grupo Vivarte. Apesar de o
grupo apresentar-se como uma vanguarda-caeté, existia naquele período limitações para
acessar detalhes sobre o que ocorria de novidades no eixo Rio-São Paulo, daí a dificuldade em
identificar no espaço de tempo imposto pela História da Arte, as tendências artísticas na
cidade.
No documentário sobre o pintor abstrato alagoano Roberto Ataíde (MAIS... 2014), a
historiadora e museóloga Carmen Lúcia Dantas [1945-], afirma que como os demais jovens
da época, ele trabalhava em prol de uma arte mais moderna no estado e fez do seu trabalho
uma produção ousada para a época. Possuía domínio técnico com desenho, tinta acrílica, tinta
óleo, carvão e chamava muita atenção pela sua combinação de cores. Na década de 1980,
segundo ela, sua identidade já era muito perceptível mesmo em um momento histórico com
grande limitação, inclusive a da comunicação.
Para Gaglietti; Barbosa (2007, p. 4) os países da América Latina tiveram a
modernização tardia e mal elaborada. Só a partir dos anos de 1990 de fato, se modernizaram
com a junção entre o modernismo simbólico e a modernização socioeconômica. No Brasil, a
abertura econômica e os meios comunicacionais posterior a repressão da Ditadura Militar,
possibilitaram o processo de hibridização. Em Canclini (2015, p. 57) explica-se a mudança
71
existente no mercado artístico: “A expansão do mercado artístico de um pequeno círculo de
amateurs e colecionadores para um público amplo, frequentemente mais interessado no valor
econômico do investimento do que nos valores estéticos, altera as formas de avaliar a arte”.
Esse fato induz a reflexão sobre o crescimento no número de galerias nas grandes capitais
brasileiras e, consequentemente, em Maceió.
E a memória coletiva existente desse mercado é denominada consciência coletiva e
ajuda o historiador a distinguir o presente e o passado com o auxílio das fontes. O ofício é
fundamental na interpretação dessa história que pode ser inclusive, conduzida pelos meios de
comunicação de massa, pois a memória é uma das preocupações daqueles detentores do poder
e é também um dos objetivos entre as lutas de classe (LE GOFF, 1996).
Campos (2000) analisa o início dos anos de 1980 e destaca os limites econômicos
locais, restritos à dependência do primeiro setor e as primeiras informações sobre a abertura
do pólo industrial localizado no município de Marechal Deodoro. Em meio a isso, as galerias
de arte, relembradas por todos os artistas entrevistados, realizavam exposições com certa
frequência, como na Galeria Miguel Torres, para um público restrito e limitado.
Em 2015, Maria Amélia junto com o marido, o também artista Dalton Costa,
completaram os 30 da fundação da galeria de arte contemporânea, a Karandash. Tanto nas
atas do grupo Vivarte como na entrevista, para este trabalho, comenta sobre o público
alagoano e o seu olhar perante a Arte Contemporânea, na década de 1980. Para a artista, na
época era ainda limitado e elitizado, mas, hoje com novos olhares e formas de consumo
afirma não ser mais preciso “ser” para “ter” a arte estaria, enfim, democrática.
Em Diegues; Coelho (2012, p. 9), se assegura a autonomia histórica e estética do
Brasil iniciada na década de 1960 em relação à Arte Contemporânea mundial. À princípio, o
ponto de partida são os debates iniciados pelo grupo Neoconcreto. Ele passa a produzir, então,
não uma continuidade das artes internacionais, e sim a produzir de forma autêntica e absorve
distintas influências culturais.
72
3
UM ESTUDO DAS FONTES: A ‘GERAÇÃO 80’ EM MACEIÓ
O estudo das fontes históricas são primordiais para a compreensão do testemunho do
tempo passado, aqui foram divididas entre fontes primárias e secundárias e expõe o problema
da pesquisa de modo preciso. As referências fornecem os sinais que são classificados como o
antecedente ao argumento, no método do historiador Carlo Ginzburg (LIMA, 2007). Os ecos
provocados pela geração dos anos de 1980 em Maceió foram analisados mediante a seguinte
tríade metodológica: Análise de Conteúdo, História Oral e o Método Indiciário.
A Análise de Conteúdo em Bardin (2011) constitui- se em um conjunto de técnicas
para a análise sistemática de mensagens e propõe a formulação de indicadores, sejam
quantitativos ou qualitativos. Nesse sentido, as análises dão margem a inferência do
conhecimento, a respeito das condições de produção e recepção destas mensagens.
A História Oral foi um método utilizado neste estudo de acordo com Alberti (2004),
como uma pesquisa a favor da narrativa histórica guiada por aqueles que presenciaram o tema
em seu contexto histórico. Além disso, o fato de existir sujeitos vivos para contar suas
versões, impõe a obrigatoriedade do uso do método como mais um fio condutor a guiar os
sinais deixados. Esta técnica inclui também a possibilidade do entrevistado refletir sobre o seu
ponto de vista no tempo passado e no tempo presente. Para conseguir captar estas
informações, a leitura das fontes primárias e secundárias foram essenciais.
Já em Ginzburg (1989) os dados iconográficos estudados inicialmente por Panofsky,
no Instituto Warburg, apresentam índices em imagens como testemunhos figurativos da
história. São pontos relevantes na ciência, mas, o método aplicado sozinho é insuficiente,
conforme registra-se na própria obra Mitos, emblemas e sinais. Sustenta-se, desse modo, o
uso das demais metodologias. A leitura do material pictórico requer a discussão sobre seus
antecedentes, ou melhor, quais fatos serviram de conexão ao fazer artístico.
Foram utilizados como fontes as seguintes materialidades: o manuscrito do grupo
Vivarte; as entrevistas concedidas pelos artistas alagoanos selecionados, o audiovisual Mais
que traços e cores, o jornal O Diário [constam nos escritos de Lincoln Villas Boas
organizados por Ricardo Maia], Jornal de Alagoas, A Revista Novidade, Gazeta de Alagoas e
Jornal A voz dos Jornalistas.
Além disso, foram consideradas as bibliografias disponíveis até o presente momento
sobre as artes plásticas em Maceió.
73
3.1
Estudo das Fontes Primárias (Manuscritos, Entrevistas, Depoimentos Orais)
As fontes primárias são consideradas como documentos capazes de colocar “o
historiador diretamente em contato com o seu problema” (BARROS, 2012, p. 63). Esses
documentos são introdutórios e instigam o pesquisador a indagar-se sobre o objeto, neste
caso, a geração de pintores na década de 1980 em Maceió.
O primeiro documento é o manuscrito datado de 1984-1985 e as inferências sobre ele,
após a análise de conteúdo, será por meio das entrevistas e depoimentos dos sujeitos
componentes, selecionados através das fontes pelo seu grau de participação e trabalhos
desenvolvidos. Esses materiais dialogam com toda a trajetória da pintura estudada até aqui e
que repercute na atualidade.
O manuscrito “Noitário de uma revolta” contém todas as atas das reuniões do grupo
Vivarte, neste trabalho foi utilizada a versão transcrita criada pelo pesquisador e um dos
principais atuantes do grupo, Ricardo Maia. O grupo teve reuniões frequentes, na tentativa de
realizar mudanças na arte alagoana, a maioria dos integrantes era formada por artistas
plásticos, embora não existisse uma regra para as participações. Constam nas atas, seu
manifesto e as discussões. As reuniões aconteciam, na maioria das vezes, na casa de algum
dos membros ou no Museu Théo Brandão com duração indeterminada, algumas vezes até o
amanhecer do dia seguinte. Esta é uma das justificativas para a nomenclatura do documento.
As discussões realizadas por esses artistas e alguns dados quantitativos são os principais
pontos da análise. O objetivo foi observar se o documento possuía subsídios que
confirmassem o grupo Vivarte como precursor da contemporaneidade na Maceió artística e se
as discussões envolvem características semelhantes ou remetem à produção no eixo Rio-São
Paulo. As inferências foram realizadas através dos periódicos, meio de comunicação com
discussão pública entre a crítica de arte e os artistas na década.
A unidade de registro explorada foi a palavra e a aplicação da categorização funciona,
conforme Bardin (2011) a partir da operação de classificação de elementos reagrupados, nesse
caso foram utilizadas as palavras, com os critérios para a categorização previamente
estabelecidos. Nesta análise o documento foi dividido em três categorias:
a) Sujeitos culturais: Maria Amélia e Paulo Caldas;
b) Características do grupo;
c) Motivações e objetivos do grupo: Por que foi criado? Qual era o seu objetivo?
74
O mapeamento foi composto por três etapas: isolar elementos, no caso, a unidade
(palavra) e trabalhar para a organização das mensagens e depois realizar a análise quantitativa
relevante para a pesquisa. Sendo assim, para tirar o melhor proveito da fonte, as categorias
tiveram a seguinte linha de pensamento: primeiro, trabalhar com as palavras que caracterizam
os dois sujeitos culturais destacados nas atas, depois trabalhar com as principais
características do grupo e por fim, com a motivação do grupo e seus propósitos. As unidades22
destacadas, as quais aparecem relacionadas entre si de modo repetitivo, para cada um dos
sujeitos estão relacionadas a seguir:
a) Maria Amélia: liberdade; apelo; falante; essencial; revoltadíssima; crítica estética;
comentários críticos;
Paulo Caldas: ausente; preciso; defensor da sensibilidade na crítica de arte; crítico acerca do
mercado artístico em Alagoas; silencioso; a favor da abertura de portas aos artistas
sergipanos; obras com espaços pictóricos;
b) Características do grupo: questionador; guiaram discussões; problematizaram a realidade
europeia; questionaram a elite intelectual; questionaram a consciência formal; promoveram
atividades; promoveram leituras; revoltados; posturas agressivas; promoveram o debate;
promoveram a crítica; discutiram a estética; discutiram sobre a arte do momento;
c) Motivações e objetivos do grupo Vivarte: atacar; defender; combater o marasmo; libertar;
abrir portas; discutir temas, processos e percepção; buscar novos caminhos; modificar
conceitos; debater a estética; revolta; reconhecer os artistas; desejo de fazer acontecer;
Esta atividade foi realizada com base na intensidade semântica e ausência de
elementos contidos na mensagem da fonte. A descrição e interpretações indicam a relevância
dos atores centrais desse projeto como sujeitos que contribuíram para estimular e fomentar o
debate sobre as artes plásticas em Maceió, nos Anos 1980.
A ruptura com padrões e sistemáticas relativas ao modo de produção cultural que
estruturava as mostras, até então, é alterada de forma significativa. Entre os pintores,
destacava-se no grupo o artista Vicente Ferreira, cuja pintura naif, desligada dos padrões
acadêmicos.
22 Optou-se aqui pela análise de conteúdo em padrão qualitativo, sem contagem das aparições de cada uma das
unidades. Destacamos, contudo que a lógica de conteúdo é fundamental para complementar a análise acerca do
perfil que o próprio grupo ou as demais documentações estruturam a partir da semântica identificada.
75
Tabela 1 – Variáveis de inferência e interpretações.
Variáveis de
Descrição / interpretações
inferência
Atores Culturais
Levantaram discussões acerca de novas perspectivas para a
Paulo Caldas e Maria produção artística e sobre o papel do artista na sociedade alagoana.
Amélia
Maria Amélia atuou no centro das discussões, como mediadora.
Paulo Caldas passa um período ausente, mas, retoma sua
participação com entusiasmo. Criticam a liberdade de expressão
evidenciada no manifesto do grupo Vivarte. Maria Amélia teve
uma postura questionadora aos padrões vigentes da pintura e Paulo
Caldas impulsionava discussões para união do corpo artístico e a
abertura no mercado artístico.
Características
do Intitulam o documento como “Noitário de uma revolta”, pelas
grupo
discussões terem início sem tempo para término. Ficam evidentes
duas correntes dentro do grupo: A primeira a favor da arte
acadêmica, referenciada pelos seguidores originados do ateliê
Pierre Chalita e a segunda pelos que acreditavam na renovação
artística. Estabelecendo-se assim, o embate: Chalitistas versus
Vivartistas.
Motivações e objetivos Desenvolver novos debates sobre uma possível “arte viva” em
do grupo
alagoas e combater o “marasmo pictórico” até então, dito existente.
Conhecer a identidade de cada artista componente do grupo e
instigá-lo a produções a partir de experimentações.
Fonte: Dados da pesquisa
Ao longo da pesquisa identifica-se que o grupo debateu de forma sistemática conceitos
teóricos e práticos sobre Arte Contemporânea, ainda que o foco do Vivarte fosse a geração de
novas práticas e de um público diferenciado que percebesse e identificasse as características
da nova pintura alagoana de modo que pudessem também se inserir no mercado formal de
consumo artístico.
Verifica-se que esse objetivo é atingido, com o reconhecimento por parte da
sociedade, no momento de ruptura dos seus membros e quando ocorre o evento Cruzada
Plástica, do qual participou talentos hoje referenciais como o artista Delson Uchôa. Para
atingir essa meta, o grupo se opõe de forma sequenciada aos seguidores do padrão clássico e
que seguiam a lógica dos ensinamentos da Escola de Pierre Chalita.
A competição por status faz parte da vida humana e no caso específico do campo
artístico maceioense do período analisado, verifica-se um permanente embate entre grupos
que indicava uma alteração de habitus, ou rotinas das atividades de pintura em si, bem como
da sua forma de mostrabilidade.
76
Tabela 2 - Dados Quantitativos
Reuniões23
Reunião 1 - 15.06.1984
Nº de
Participantes
7 (sete)
Reunião 2- 21.06.1984
11 (onze)
Reunião 3- 29.06.1984
9 (nove)
Reunião 4- 06.07.1984
13 (treze)
Reunião 5- 13.07 1984
15 (quinze)
Reunião 6-18.07 1984
15 (quinze)
Reunião 7- 27.07.1984
(?)*
Reunião 8 - 03.08.1984
(?)*
Reunião 9 - 10.08.1984
(?)*
Reunião 10 - 20.08.1984
10 (dez)
Reunião 11 - 24.08.1984
16 (dezesseis)
Reunião 12 - 31.08.1984
15(quinze)
Reunião 13 - 07.09.1984
16 (dezesseis)
Reunião 14 - 14.09.1984
23 (vinte e três)
Reuniões
Nº de
Participantes
- 24
(vinte e
quatro)
- 18 (dezoito)
Reunião 15
21.09.1984
Reunião 16
28.09.1984
Reunião 17 05.10.1984
Reunião 18 12.10.1984
Reunião 19 19.10.1984
Reunião 20 - 26.
10.1984
Reunião
2109.11.1984
Reunião 22 16.11.1984
Reunião 23 23.11.1984
Reunião 24 14.12.1984
Reunião 25 30.12.1984
Reunião 26 04.01.1985
Reunião 27 19.01.1985
14 (quatorze)
16 (dezesseis)
18 (dezoito)
18 (dezoito)
13 (treze)
17 (dezessete)
17 (dezessete)
13 (treze)
16 (dezesseis)
15(quinze)
19 (dezenove)
Fonte: Dados do levantamento das fontes de pesquisa
A análise de conteúdo conforme Bardin (2011), é um conjunto de instrumentos
metodológicos e fornece elementos cifrados, traduzíveis em modelos por meio da
hermenêutica controlada, baseada na inferência.
A inferência se delimita em diferentes polos da análise e é apoiada em mecanismos
clássicos da comunicação: emissor, receptor, mensagem e código. O emissor pode ser um
indivíduo ou um grupo, o receptor pode ser um indivíduo, um grupo ou uma massa de
indivíduos, a mensagem é o ponto de partida, indicador para a análise e o código é utilizado
pelo analista como um indicador para apontar realidades. No documento em questão, os polos
podem ser diferenciados da seguinte forma:
23
*Reuniões ocorridas em dias de exposições. Os dados são imprecisos.
77
a) Emissor: Grupo de pessoas (O Vivarte);
b) Receptor: Artistas alagoanos de diferentes vertentes e a sociedade;
c) Mensagem: A ata das reuniões e o manifesto do grupo Vivarte;
d) Código: Os indicadores através das unidades de registro.
A mensagem do documento é parte da memória cultural alagoana. Apresenta um
grupo aberto de artistas de diferentes vertentes defensores dos seus ideais. Eles se
subdividiam entre os Vivartistas, compostos pelos artistas idealizadores do grupo Vivarte a
fim de dar início a renovação plástica no estado e os Chalitistas que lecionavam na Escola do
artista Pierre Chalita, com total rigor acadêmico. Abaixo segue a lista dos representantes de
cada vertentes, bem como, seu valor quantitativo:
Tabela 3 – Representação dos artistas vivartistas e chalitistas.
Vivartistas
Maria Amélia Vieira
Ricardo Maia
Paulo Caldas
Dalton Costa
Manoel Viana
Edgar Bastos
Vicente Ferreira
J. Gomes
Fernando Bismark
Sérgio Liveira
Nayder Fernando
Célia Campos
Silvano Almeida
Hércules Mendes
Nunes
Imanoel Caldas
Jorge Ney
Almir Guilhermino
Total: 18
Chalitistas
Salles
Irene Duarte
Alba Correia
Eurídice Saraiva
Lucidéia Wanderley
Ana Karla
Juarez Gomes de Barros
Marcos Aurélio
Alexandre Toledo
Roberto Athaíde
Rosivaldo Reis
Carmem Lúcia Omena
Di Menezes
Everson Fonseca
Beto Normande
Cristina Mafra
Bartolomeu Brito
Total: 17
Fonte: Dados da pesquisa
A princípio, um ponto importante a ser observado no documento é o fato do grupo se
posicionar como combatente, mas, não evidencia quais as “armas” utilizadas para esse
confronto. Em alguns momentos de hesitação, o grupo é levado a tentativas direcionadas pelo
pensamento complexo, porém, logo era interrompido por discussões calorosas com pontos de
vista diferentes. Assim, a corrente de pensamento que integraram não está indicada de forma
precisa e persiste a dúvida do grupo, nessas reflexões, poder ou não ser considerado um
movimento artístico na busca pela renovação plástica.
78
O objetivo era provar a existência da Arte Viva livre de dogmas acadêmicos. Porém, o
número de artistas tradicionalistas frequentadores das reuniões era considerável para grande
mudança nas produções, 17 pessoas faziam parte dos denominados Chalitistas e 18
Vivartistas.
A fonte analisada aqui é ainda passível de muitas interpretações uma vez que é
subdividida em outros elementos como, por exemplo, o manifesto do grupo Vivarte. No
entanto, para o recorte aqui proposto limita-se a postura dos artistas destacados na geração 80
alagoana. A fonte não pode ser anexado ao trabalho porque além da sua grande extensão, é
um documento inédito nunca publicado pelos seus autores.
Maria Amélia foi a figura central do grupo e mantém o seu posicionamento até hoje,
inclusive, as críticas à Escola do pintor Pierre Chalita. Em depoimento, a artista critica o seu
método de ensino: “Eu não tive relação nenhuma com ele em relação à arte. Inclusive, eu
repudiava muito o que ele fazia, porque ele queria que os alunos repetissem a obra dele. Ele
mexia na obra do aluno”, afirma. Nas reuniões do Vivarte não há discussões que envolvam os
grupos da geração alagoana aos outros grupos ocorridos nas grandes cidades. Porém, a
mobilidade dos alagoanos os insere em características semelhantes, como o aumento
considerável no número de galerias e a liberdade para as experimentações, tão pertinentes
durante a pós-modernidade.
Paulo Caldas aparece inicialmente ausente em parte das reuniões decorrente da viagem
feita a São Paulo. Em entrevista, garante não ter estudado nas escolas de pintura, até porque
na sua tentativa inicial percebeu não conseguir produzir academicamente. O principal método
de ensino das escolas de arte era a reprodução de imagens e segundo o artista, o seu estilo de
pintura nunca se adequou aos moldes impostos, e relata: “[...] quando eu encarei a minha
limitação, de ser um péssimo retratista, eu abri o mundo todinho para mim. E eu entrei por
esse mundo saindo árvore, saindo coelho, saindo passarinho, saindo gente, saindo um monte
de coisa e de repente, fiz todo um caminho e venho nele até hoje”. Tal caminho, é o mundo
onírico no qual o observador é levado diante de suas obras. Paulo Caldas mantém a atitude
crítica ao mercado de arte e à falta de incentivo político às produções artísticas. Hoje, além
das obras com temas já consagrados, como a fantasia e a crítica social, produz também linhas
mais sutis e mais próximas ao acesso do público com a temática infantil.
Na contramão está Delson Uchôa. Ele teve sua carreira como artista consolidada
depois da participação na exposição coletiva Como vai você, geração 80? e apesar do início
79
dos seus estudos no ateliê do pintor Pierre Chalita, adquire inquietações sobre o seu modo de
produção artístico na sua primeira viagem à Europa. Para Uchôa
[...] a exposição Como vai você, Geração 80? revelou a possibilidade de trabalhar a
partir de um novelo de referências cujos fios até hoje ele segue. Novelo é também o
título de uma pintura expandida, que Delson diz que não se importa se alguém
preferir chamar de escultura, mas que são, literalmente, “sombrinhas-pinturas”
expandidas para a terceira dimensão (BRAGA, 2015, p. 23).
Em entrevista para esta pesquisa, o artista relembra palavras hostis direcionadas aos
componentes da exposição, como inconsequentes. Mas, afirma que com a oportunidade do
evento, eles pretendiam atentar para a percepção da diversidade e assim, iluminaram a
consciência sobre o hibridismo e a mestiçagem. Além disso, acredita ser Maceió uma das
cidades do nordeste que mais recebeu influências da geração justamente pela participação dos
alagoanos fora da cidade.
3.2
Estudo das Fontes Secundárias, por meio de livro, periódico e documentário
As Fontes Secundárias são aquelas provenientes do desdobramento obtido após
consultas às fontes primárias. Dentre essas: Uma visualidade: trajetória e crítica da pintura
alagoana: 1892-1992 (CAMPOS, 2000); o livro A Arte Contemporânea na Pinacoteca
Universitária da Universidade Federal de Alagoas em 2010 (NUNES, 2013) e o documentário
chamado Mais que traços e cores – em memória de Roberto Ataíde, direção de Cláudio
Manoel Duarte, formato digital (2014).
Neste momento, além das fontes secundárias, já existentes, também foram utilizadas
as primárias e depoimentos orais, pois as lacunas existentes nem sempre são supridas com a
bibliografia (ALBERTI, 2004). A seleção das fontes foi feita com base nas relações com os
três artistas em foco e os conceitos dados a produção artística alagoana. Como pode ser
observado, na análise do documento “Noitário de uma revolta” identifica-se que existia uma
inquietação sobre a tradição consumida no estado. Lemos (1983 apud CAMPOS, 2000, p. 94)
comenta esse fato:
[...] a Maceió-artística é um “vasto campo a ser trabalhado” criticamente. Menciona
o fato de o abstracionismo ainda não ter chegado ao Estado, vítima de “80 anos de
atraso” em relação à Europa. Enfatiza que, na região, “só o óleo sobre tela é
reconhecido como arte verdadeira”, sendo dada pouca importância ao desenho como
forma de expressão por si só, e “só eventualmente se encontrando trabalhos à tintaaguada”. Termina, indicando alguns pintores e suas principais características.
80
Segundo o depoimento de Maria Amélia para esta pesquisa, os críticos de arte
conduziam esse comércio na década de 1980 em Maceió, através de ligações com a classe alta
da cidade, pois indicavam as obras “ideais” para serem adquiridas. Esse um dos possíveis
motivos pelo qual a arte abstrata tenha, no início, causando certo estranhamento. Esses
possíveis marchands forneciam maior abertura para a arte com maior possibilidade de
compra.
Maria Amélia participou de uma campanha política para o governo do estado, do
candidato Ronaldo Lessa. Gaia (1986) registrou a cidade repleta de outdoors com as
produções artísticas locais. A artista, em entrevista para o Jornal de Alagoas, considerou a
oportunidade ótima para divulgar a arte local. Posteriormente, o trabalho estendeu-se para os
muros da cidade. A arte seguiu para além das telas. E os diferentes suportes é uma das
características da Arte Contemporânea.
Neste mesmo período, novas galerias inauguraram um novo momento da arte em
Maceió. Paulo Caldas, inclusive, é mencionado como um dos artistas a aderir, na sua pintura,
a novos métodos e signos. Romeu de Mello Loureiro, crítico de renome na cidade, assinava
coluna social no Jornal de Alagoas e criticou a mudança e o empobrecimento da produção
artística, ainda que reconhecesse as novas linguagens da arte presentes nos ateliês
(LOUREIRO, 1988a).
Ricardo Maia ao comentar o trabalho do pintor Roberto Ataíde posiciona o grupo
Vivarte como o precursor da liberdade total da arte na direção do modernismo estético,
atualização do campo histórico e cultural das artes plásticas em Alagoas, denominado por ele
de Vivartismo-Caeté. Para ele o grupo ajudou Roberto a se desprender dos dogmas do pintor
Pierre Chalita, pois era um dos seus alunos (MAIS...2014). Maria Amélia, em entrevista para
esta pesquisa, também evidencia a aversão quanto ao método e diz saber que não era
permitido “errar” na Escola de Chalita, o oposto do seu aprendizado no Rio de Janeiro.
Neste mesmo período, Romeu de Mello Loureiro era um dos principais críticos de arte
em Maceió com colunas relacionadas às artes plásticas e à vida social nos jornais da cidade,
tanto no Jornal de Alagoas (do Grupo Diários Associados) quanto na Revista Novidade,
publicação da Secretaria de Cultura. Em texto posterior à primeira e à segunda jornada do
coletivo Cruzada Plástica em março e em setembro de 1987, respectivamente, o autor
classifica as duas semanas como de muitos acontecimento artísticos em Maceió (LOUREIRO,
1987a). Para Maria Amélia era algo louvável e um mérito dos grupos que movimentaram a
81
cidade nesse período, Romeu Loureiro considera oportuno oferecer significações aos termos
Vanguarda e Arte Contemporânea:
A primeira definição que nos cumpre estabelecer é a de “vanguarda” – uma
expressão muito em voga, aqui, na terra das Alagoas. Aportuguesamento do francês
“avant-garde”, o vocábulo significa literalmente, frente, testa, dianteira – e, por
extensão, o grupo de indivíduos que exerce papel de precursor, ou pioneiro em
determinado movimento cultural, artístico, científico, etc. [...] Em teoria da arte,
porém, o termo só se aplica – corretamente – em relação ao experimentalismo – ou
seja, àquela obra que represente uma ruptura com ao estabelecido e a expressão de
novas (no sentido de ignoradas) possibilidades formais.
[...] Arte Contemporânea é toda aquela criada (ou produzida) nesta segunda metade
do século XX, qualquer que seja o seu “estilo”, o elemento caracterizador é, pois,
estritamente cronológico [...] (LOUREIRO, 1987a, p. c3)
Segundo registra Ávila (1978, p. 75), vanguarda refere-se a tudo o que é novo, tudo o
que é criativo, tudo que se relaciona a pesquisa e que acrescenta à experiência humana:
A palavra vanguarda é, como se sabe, de origem francesa e o léxico daquela língua
assim define: vanguarda é, por extensão, tudo aquilo que precede, anuncia, prepara.
A posição de vanguarda é, portanto, abrangente a toda atividade humana, pois onde
está o homem aí encontramos o seu ímpeto, a sua ânsia de invenção, de modificação
da realidade, o impulso vital de enriquecer e aperfeiçoar seus instrumentos de
inteligência e de ação.
Fica evidenciado o embate público entre os grupos artísticos de ruptura com a
tradição, em Maceió, e a crítica de arte, sobretudo a realizada por Mello Loureiro. Fiúza
(1988)24 aponta a exposição sob a curadoria das marchands Tânia e Leila Pedrosa como a
instalação da modernidade em Alagoas. Segundo o autor, a terceira mostra alternativa da
Cruzada Plástica é uma nova paisagem na terra dos Caetés, organizada por Ricardo Maia e
Paulo Caldas.
Neste registro, informa-se que o Grupo pesquisava a história das artes plásticas em
Alagoas e a mostra “seria uma réstia de luz no ateliê alagoano, é a história do desejo da arte
Moderna em Alagoas”, diz Ricardo Maia. Os integrantes eram: Rogério Gomes, Carlos Fiúza,
Maria Amélia, Delson Uchôa, Francisco Oiticica Filho, Edson Bastos, Dalton, Reinaldo
Lessa, Fernando Neyder, Haylton Rocha, Alice Fernandes, Gláucia Lemos, Ivson Monteiro,
Gerônimo Bonfim, Marta Araújo e Ricardo Maia.
Na primeira Cruzada Plástica, Loureiro (1988b) desconsidera a Vanguarda-Caeté por
falta do referencial teórico, mas a segunda mostra consegue agradar ao crítico. Ele se refere à
cidade como província e considera aquela movimentação artística como positiva no ramo das
24
Destaque-se que o artista formula a crítica positiva à mostra de arte sendo integrante da mesma.
82
artes. Romeu Loureiro destacou ainda o artista abstrato Reinaldo Lessa no ano de 1987, pela
sua participação nas exposições, pelas vendas de sua produção artística e por ter tido seu
trabalho aceito, assim como o de Maria Amélia Vieira, pelo seu destaque no Salão de Arte
Contemporânea de Pernambuco no qual um dos jurados foi Ferreira Gullar. A mesma
referência à cidade é usada em Cláudio Manoel (1993) ao informar sobre a exposição de Arte
Contemporânea intitulada 9 dos 90. Dentre os artistas insere-se Delson Uchôa, já com o título
de primeiro lugar no workshop Brasil-Alemanha, e Maria Amélia. O autor ressalta a projeção
nacional e internacional dos artistas como contribuição para o rompimento das fronteiras
impostas pelo provincianismo cultural.
Na Terceira Cruzada Plástica, exposta na extinta Galeria Art e Design, Loureiro
(1988c) destaca ter naquele momento, a evidência de que os organizadores não integravam
um movimento novo, como afirmavam anteriormente, mas realizavam apenas uma associação
informal de artistas com críticas sobre os regulamentos de outras exposições, pois
referendavam apenas os que se adequavam a padrões clássicos de pintura. Nesta terceira
versão da mostra havia trabalhos de: Maria Amélia Vieira, Dalton Costa, Delson Uchôa,
Reinaldo Lessa e Rogério Gomes, todos elogiados pelo crítico Romeu Loureiro.
Toda essa postura do crítico ocorre devido aos critérios estabelecidos pelos conceitos
da História da Arte, mostrados no início desta pesquisa. Sobre o período, Loureiro (1989)
considera a maioria dos artistas como autodidatas e a Arte Contemporânea das Alagoas
constituída por etapas sócio-culturais e não só uma categoria da Arte Moderna. Os artistas
plásticos em plena atividade, para este crítico, são inclusive, anti-modernos. Neste sentido,
Loureiro não identifica um marco para o início da Arte Contemporânea em Alagoas, como
existiu a “Festa da Arte Nova” para o Modernismo. O contemporâneo é então, para o autor,
toda a arte criada ou produzida por alagoanos, nesta segunda metade do século XX, qualquer
que seja seu estilo ou “ismo”.
Os discursos sobre conceitos persistem até o presente século, uma vez que Nunes
(2013), logo na introdução do seu livro, no qual realiza análise semiótica das exposições
ocorridas na Pinacoteca Universitária da Ufal em 2010, revela sua dificuldade em nomear o
seu trabalho. Opta por intitulá-lo A Arte Contemporânea na Pinacoteca Universitária da
Universidade Federal de Alagoas em 2010 e atribui à Arte Contemporânea as produções da
atualidade, Pós-futurismo, Cubismo, Surrealismo e os demais movimentos modernistas. Para
evitar definições sobre a arte alagoana, Nunes nomeia de forma generalista todas as produções
como contemporâneas.
83
A década de 1980 está situada historicamente, como já abordado, no Pós-modernismo.
Porém, como foi possível observar ao longo das discussões nos periódicos encontrados, as
produções artísticas da época eram nomeadas como contemporâneas. Ao informar sobre o
período republicano no século XX em Maceió, Tenório (2009) afirma a existência de um
surto progressista e a ansiedade pelos sinais do chamado progresso na capital.
Enquanto as grandes cidades brasileira já haviam passado pela modernização, como
fazia crer, por exemplo, o período da Belle Époque no Brasil, em Maceió essa modernização
dava seus primeiros passos. Decorre dessa realidade, o registro oral de memória dos sujeitos
escolhidos para esta pesquisa, ou mesmo de parte da crítica, remeter insistentemente ao atraso
cultural na cidade. Em Diegues Júnior (1981, p. 206 apud TENÓRIO, 2009, p. 24) é feito o
seguinte relato:
À democracia política que a República trouxe, alia-se a democracia social; a
aproximação; a aproximação entre as classes, um como que nivelamento. É a época
em que começa o hábito das cadeiras nas calçadas, símbolo mais íntimo da família
com a rua: os homens vestidos de pijama, espichados em cadeiras preguiçosas, as
senhoras de chinelo sem meias, recostadas em cômodas cadeiras de balanço, as
crianças sentadas na beira da calçada ou brincando de calçadinha de ouro de ouro, de
cabra-cega. A rua vai mudando a fisionomia, perdendo aquele ar de coisa feia com
que ainda era tratada nos dias do período imperial.
Para Maceió, como é possível notar neste registro, a República representou não só as
mudanças político-econômicas, mas também, na vida social. Porém, apesar de Tenório (2009)
mencionar o sucesso da fotografia como arte, vale salientar que o uso dela a princípio foi para
garantir a memória de momentos familiares e propagandas de comércio. Ou seja, a arte
alagoana não percorreu os moldes pós-modernistas no mesmo espaço temporal se comparado
a Europa, como por exemplo, o happening tão popular nos Estados Unidos da América. A
arte americana é definida por Pignatari (1973, p. 233-234 apud NUNES, 2013, p. 68) como:
[...] deriva do fato de ser uma manifestação “antiarte”, reatando a posição crítica de
Dadá (a partir de 1915). No entanto e justamente por isso. Trata-se de uma
manifestação “artística”, naquilo que tem de artesanal, de não-reprodutibilidade e de
público restrito [...] é um acontecimento semântico-experimental, isto é, de
experimentações de novos significados bem como de distinção de significados já
codificados. É uma típica manifestação de contexto.
Mas, acredita-se que os alagoanos fazem parte do processo de hibridização da
América Latina. Segundo Canclini (2015, p. 30), a América Latina sofre um processo de
descentralização democrática, crescem a acumulação do poder e a centralização transnacional
da cultura. Dessa forma, a modernidade recebe novos estudos não só como correntes opostas,
mas, como manifestações de conflitos não resolvidos.
84
O mapeamento do manuscrito fornece as contradições do Modernismo tardio em
Maceió, mas difundido como Arte Contemporânea. Para agregar à história cultural deste
estudo foram observadas as imagens das pinturas. Uma influência importante para seguir os
sinais, na década de 1980, foi chamada pelo americano William Mitchell como “virada
pictórica”, quando imagens como a pintura, passam a ter categorização histórica. Nesse
momento foi observado o crescimento de publicação dos periódicos ilustrados e a arte passou
a ser evidência da História (BURKE, 2004).
O trabalho com base na História das Imagens é imprescindível, e é a próxima etapa na
metodologia desta pesquisa. Atribuiu-se às pinturas a palavra imagem devido ao caráter de
fonte histórica mais utilizada em meados do século XVIII (MENESES, 2012). A partir dos
sinais por elas fornecidos e da perspectiva comparativa, foi trabalhado o paradigma indiciário,
da teoria dos sinais formulada pelo historiador Carlo Ginzburg. Atribui-se então, à narrativa
construída até aqui, a necessidade de compreender o presente e o passado para interpretar
esses sinais deixados pela pintura. Ainda que as pinturas não sejam uma verdade absoluta,
como salienta Burke (2004) quando analisa os pintores de paisagens ingleses do século 18,
pode-se afirmar que as pinturas constituem um campo vasto de interpretações, componentes
relevantes para a narrativa.
3.2.1 Um Estudo Comparativo
O estudo comparativo é constituído aqui entre três momentos, o primeiro corresponde
à modernista, o segundo pelo intervalo que recobre os anos 1950 a 1970, o terceiro pela fase
corresponde aos anos 1980 e 2000 onde a ‘Geração 80’ ganha expressão como fenômeno
artístico.
Pretende-se aqui trabalhar com o estudo sobre o rastro e os indicadores por ele
produzido, com os conceitos em Carlo Ginzburg:
O historiador, nessa perspectiva, seria capaz de selecionar os principais elementos
decisivos para a compreensão do passado. Por exemplo, mudanças sociais, fatores
de transformações coletivas, situações responsáveis por impacto são prioridades para
compor um discurso histórico representativo. Uma premissa na teoria de sinais de
Carlo Ginzburg consiste em considerar a relação produtiva entre elementos
dispersos em direção a um movimento de unificação (GINZBURG, 2012, p. 119).
As relações são feitas com os artistas alagoanos e os que fizeram parte da Geração de
1980, não levando em consideração apenas as participações da exposições no Parque Laje,
mas sim, algumas das escolhas em (CANONGIA, s.d.) a julgar pela produção artística ser do
85
mesmo espaço temporal e modo da época uma vez que, o estigma foi fornecido pela
imprensa.
É possível observar desde o princípio, o caráter feérico nas imagens. Cada pintor
parecem se constituir das suas filosofias, não apenas as teorias, mas, as constituintes da sua
vida. Manguel (2001) posiciona a imagem como a matéria constituinte do ser. A imagem
forma o mundo através de signos, sinais e/ou alegorias. A imagem constitui o discurso do
artista.
Delson Uchôa, segundo Braga (2015), apresentou no Parque Laje em 1984, a obra A
festa no céu executado no teto do edifício. A comparação feita pelo autor é com a Capela
Sistina, situada no Vaticano, porém, de modo tropical. O estudo referente à História da Arte,
conforme entrevista para este trabalho, realizado em paralelo com a faculdade de Medicina,
lhe garantiu técnicas peculiares na pintura. A passagem pelo ateliê do pintor Pierre Chalita e
todo o seu caminho pela pintura lhe posiciona no espaço híbrido da contemporaneidade.
Encontram-se em suas obras referências dos períodos vinculados aos movimentos
modernistas e pós-modernistas.
Figura 7 – Buquê, Delson Uchôa, 2013.
Fonte: Catálogo SIM Galeria e Simões de Assis Galeria de
Arte (2013, p. 19).
Um dos itens que se destacam atualmente em sua obra é o uso da sombrinha,
geralmente encontrada em lojas de produtos importados com valores baixos, por R$1,99.
Estas possuem o tempo de vida útil muito baixo, além disso, são frutos do trabalho escravo e
86
geram poluentes para todo o planeta: quando o seu descarte é realizado de modo incorreto,
passa mais de um século para se degradar.
Figura 8 – Senhorita com seus bichinhos de estimação,
Beatriz Milhazes, 1993.
Fonte: Canongia (s.d., p. 88)
A abordagem de Erwin Panofsky é utilizada por Ginzburg (1989) na leitura de
imagens. O método distingue-se em iconologia e iconografia a primeira, aborda a
interpretação da síntese e da análise que advém da segunda com a análise dos signos, motivos
e alegorias, possui o papel descritivo capaz de classificar e comparar dados, conforme
(PANOFSKY, 1976).
O trabalho do Delson Uchôa em paralelo com a obra de Beatriz Milhazes, artista
referenciada em Canongia (s.d.), encontra referências na pintura e compreende-se os estigmas
os quais ficaram reconhecidos como ‘Geração 80’ como o hedonismo, o prazer pela pintura,
sem regras ou suportes definidos.
Assim como o alagoano, Milhazes afirma que retira suas cores da natureza e da arte
popular presente ao seu redor. Milhazes reforça em Thorton (2015, p. 365) que considera toda
a arte abstrata, pois às vezes suas pinturas referem-se a coisas figurativas. Revela ainda o seu
interesse pela arte óptica e por isso, desconsidera a opinião de Marcel Duchamp sobre a
superioridade da Arte Conceitual sobre a denominada por ele como “arte de retina”.
87
As obras [ver figuras 7 e 8] são produções recentes, mas, o conceito da arte abstrata e
os jogos de cor e luz fazem parte das suas identidades na pintura. Os dois artistas trabalham
com grandes extensões de suas obras, característica do pós-modernismo. A artista registra:
Não quero uma beleza fácil, ela diz analisando suas obras. Quero conflito. Quero
intensidade, diálogos fortes, movimentos desafiadores dos olhos. A obra de
Milhazes é rebeldemente barroca e rigorosamente estruturada. O olho fica pulando
pela pintura como uma bola de fliperama mantida em contínuo movimento por um
jogador tarimbado. Os colecionadores acham difícil pendurar minhas obras em suas
casas (THORNTON, 2015, p. 365).
Ao posicionar sua obra em um ambiente todo o resto tende a desaparecer, revela
Milhazes, devido ao poder da pintura em captar toda a atenção para ela. As produções dos
dois artistas conseguem atrair a atenção do observador pelas suas cores, densidade e
movimento. Delson Uchôa utiliza-se de cola sobre Eucatex, lona, objetos de plástico e, no
caso da Figura 7, as sombrinhas. A obra foi intituladas buquê, pelo arranjo de flores
estampado no material. A obra possui ritmo e da Arte Popular, tão mencionada pelo artista,
tem a cor vermelho encarnado presente, principalmente, nos folguedos locais. Outro ponto,
sobre o uso das sombrinhas é a notória influência da Arte Povera referência para o grupo da
geração de 1980 em São Paulo, chamado Casa 7.
Já na ilustração 8, Beatriz Milhazes utiliza a acrílica sobre tela e possui motivos
femininos com cores, texturas e movimento. Em Thorton (2015, p. 367) diz usar “uma técnica
de colagem em que ela desenha sobre o plástico transparente, aplica a tinta acrílica ao
desenho, cola a tinta seca na tela e então descasca o plástico” e muitas das peças de plástico já
a acompanham por doze anos. Junto aos elementos da natureza, a obra possui na composição
traços que formam brincos femininos.
Burke (2004) aborda a ideia de Panofsky sobre a imagem como a parte de toda uma
cultura e não pode ser reconhecida sem o conhecimento prévio. Fornece o exemplo de um
australiano porque ele poderia não compreender o tema da Última Ceia. E afirma: “Para
interpretar a mensagem, é necessário familiarizar-se com os códigos culturais” (BURKE,
2004, p. 46). No caso do Brasil, Canclini (2015, p. 70) aborda a sua desigualdade
socioeconômica e isso faz alguns historiadores da arte apontarem nas suas produções
pequenos “transplantes” e/ou “enxertos” do Modernismo europeu. “Os países latinoamericanos são atualmente resultado da sedimentação, justaposição e entrecruzamento de
tradições indígenas (sobretudo nas áreas mesoamericana e andina), do hispanismo colonial
católico e das ações políticas educativas e comunicacionais modernas” (CANCLINI, 2015, p.
88
73) Este foi o resultado na busca da identidade latino-americana, daí o efeito tardio da
chamada modernização.
Por isso, nas produções artísticas a partir da década de 1980 Basbaum (s.d.) afirma ser
o artista um novo nômade, por considerar todas as antigas linguagens reversíveis em oposição
à teoria evolucionista do darwinismo linguístico. Justamente, pelo retorno à pintura e de suas
possibilidades independente das novas técnicas e materiais.
Inspiração essa também encontrada no trabalho da alagoana Maria Amélia. Em
entrevista para esta pesquisa, a artista deixou claro a sua passagem por diferentes técnicas
artísticas, e também, destaca nomes que lhe serve de inspiração para o seu trabalho: O
cearense Leonilson, explorado mais adiante e mais recentemente observado pela artista, e o
sergipano Bispo do Rosário.
Nas produções da artista e galerista nota-se enraizada a Arte Popular, denominação
polêmica e de extensos significados (ver figura 9). A princípio, para melhor compreendê-la,
aponta-se a definição de Cultura Popular por Roger Chartier como uma categoria erudita por
ser estudada e debatida com sujeitos alheios ao ambiente denominado popular (MARTINS,
2011).
Figura 9 – Sem título, Maria Amélia, 1989
Fonte: Loureiro (1989, p. 81)
Os elementos da Arte Popular estão inseridos nas produções no ambiente oposto ao
universo dos letrados e é para Maria Amélia, conforme entrevista concedida, um dos estudos
do artista contemporâneo, pois, ele entra em contato com artistas primitivos e a arte sem
89
manipulação. Diz ainda ter materiais como cerâmica e bordado nas suas produções por causa
da sua ligação com o popular. A artista iniciou a arte com o Cartoon e se desbrava por outros
caminhos, a fim de conhecer artesãos em lugares por vezes isolados.
Assim, assumiu e incorporou em sua atividade conceitos como arte, artefato e folclore,
presentes no seu convívio e na sua história profissional. Sobre as obras populares, Canclini
(1984, p. 33) informa:
As obras populares, realizadas por artistas, apresentam uma seriedade expressiva e
uma dureza formal que não encontramos, pelo menos, com tanta persistência e
ênfase, em nenhuma das maiores correntes artesanais latino-americanas: nem na
cerâmica de Pomaire, Cuzco ou Michoacán, nem na literatura de cordel brasileira e
nem nas próprias caveiras de José Gadalupe Posada, admirável exemplo de como
libertar do esquematismo trágico, mediante um tratamento plástico livre e
imaginativo, até dos temas macabros.
A arte pós-moderna não se mostra, mais uma vez, como ruptura nem como
substituição do Modernismo, mas, como a problematização dos vínculos e visões abordadas
pelo período. As voltas que as artes plásticas dão em torno do Primitivismo retomam o desejo
pela criação inédita, deixada de lado pela repercussão das reproduções em massa.
Na obra da artista [ver figura 9], são identificados signos que remetem ao folclore
alagoano pela figura com formas indefinidas, mas, que está em volta das cores do Guerreiro,
folguedo da região, como o azul, amarelo, verde e vermelho. Se olhada a produção de maneira
panorâmica, percebe-se na obra de Maria Amélia e nas demais produções da Arte na década
de 1980 o caráter intimista uma das maiores marcas nas obras do artista Leonilson.
Figura 10 – Leo não
consegue mudar o mundo,
Leonilson, 1989
Fonte: Canongia (s.d., p.
159)
90
José Leonilson, artista cearense, protagonizou o curioso episódio no dia da exposição
no Parque Laje, em julho de 1984. O pintor Carlo Vergara [1941-], após a chegada de
Leonilson, recusou-se a permanecer no local. O motivo foi o fato de o artista ser soropositivo
(BERTOLOSSI, 2014). Este contexto sobre a vida do artista diz muito sobre suas produções.
Basbaum (s.d., p. 225) define:
A sensibilidade do pintor dos anos 1980 aproxima-se, então, da ampliação de campo
que a prática experimental dos anos 1960 provocou no domínio da arte, situando-se
distante da sensibilidade do típico pintor construtor de formas da vanguarda
moderna, estando mais afinada com uma sensibilidade expandida, plurissensorial.
Por isso, dentre as fases do pintor, optou-se por destacar este momento estudado. No
início da década, sua pintura remetia ao universo lúdico, infantil e ilustração, com referência
do Neo Expressionismo Alemão e por vezes à estética Pop. Porém, no final do período, o
artista trabalhou em meio a Transvanguarda italiana, com a poética, campos semânticos e as
questões pessoais (CASSUNDÉ, 2010).
Encontra-se, assim, [ver figura 10], seu protagonismo na sua própria obra. Repleto de
profundidade e lirismo, Leonilson pinta um coração humano e afirma que ao estar vivendo
uma fase melancólica não consegue mudar o mundo com a sua dor. Ele executou pouca
pintura, devido a problemas alérgicos. Em razão disso, verifica-se maior quantidade de
desenho bordado nas suas produções. Como mostrado anteriormente, ele é uma das atuais
referências da artista Maria Amélia em seus futuros trabalhos ainda não divulgados.
Em Ginzburg, a problemática dos indícios leva a possibilidades heurísticas e, para ele,
certos dados não se repetem. Os dados morfológicos devem ser um ponto de partida para as
avaliações, agregados aos conhecimentos do campo de estudo (PITTA, 2007). A pintura
costuma ser vista como algo definido pelo seu contexto; a informação na atualidade chega
antes da obra e por isso, sabendo sobre o artista e sobre a cultura da qual se apropia, a obra é
observada por meio de coordenadas. Assim, o autor afirma só se enxergar aquilo já visto antes
pelo observador (MANGUEL, 2001).
Nessa perspectiva, se justifica a ligação entre as pinturas produzidas pelo alagoano
Paulo Caldas em relação às produções do movimento surrealista, porém, o artista agrega às
suas produções muito mais questões espirituais do que influências externas, pois “por
diferentes que sejam, as imagens do espaço na arte não se excluem mutuamente, completamse como tantas visões diferentes, de experiências de vida também diferentes. Na arte, são
muitos os espaços válidos e possíveis” (OSTROWER 1983, p. 66). É este aspecto
91
complementar que o artista incorpora às suas pinturas. Em entrevista, ele afirmou que
algumas vezes elas não nascem sozinhas, mas sim, acompanham os seus escritos [inéditos até
o presente momento]. Em extenso texto publicado na Revista novidade, Maia (1988) observa
a figura da mulher nas obras de Paulo Caldas na da série “Signos marginais”. Segundo ele, a
mulher é retratada como mulheres-torres conquistando seu espaço. Essa mulher se
individualiza e se completa. Da mesma série, [ver figura 11], embora não se tenha nela a
figura da mulher, mas, se observada no contexto exposto sobre as características do artista, é
possível mergulhar no seu universo para desvendar a iconografia da obra.
Figura 11 – Composição Surreal
(Série Signos marginais), Paulo
Caldas, 1986.
Fonte: Loureiro (1989, p. 91)
A princípio, como mencionado, encontra-se a torre, possível de interpretada como uma
vela ou farol fornecendo a direção da luz, predominante em toda a série. Os instrumentos de
força, como a espada e o machado, remetem aos signos marginais capazes de impor sua força
sobre a figura feminina. Em toda a obra de Caldas, cada vez que se observa, encontram-se
novos signos do seu universo onírico repletos de detalhes e primor. A obra traz dualidades
que imprimem complexidade no momento de descrever toda a sua simbologia em apenas uma
das obras da série, mas é possível lembrar da relação entre memória e sonho atrelado ao
Surrealismo.
O pintor, em entrevista para esta pesquisa, diz que suas obras integram parte do que
consegue enxergar quando fecha os olhos e que sua vontade era poder colocar tudo o que
92
enxerga nesse momento na pintura. Porém, Ostrower (1987, p. 28) ressalta sobre o ato da
criação:
Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma
substituição imaginativa da realidade; criar representa uma intensificação do viver,
um vivenciar-se no fazer, e em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma
realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e
perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos.
Somos, nós, a realidade nova. Daí, o sentimento de um crescimento interior, em que
nós ampliamos em nossa abertura para a vida.
Assim, a obra é a realidade criada na mente do artista. Em entrevista, Caldas fala sobre
a sua infância e conta sobre as histórias lúdicas que sempre lhe rodeava, como as histórias de
Trancoso, ou seja, as lendas folclóricas contadas pela sua avó. Panofsky, (1976) considera a
possibilidade do próprio artista não considerar as descobertas e interpretações dos símbolos
encontrados por poder ser uma diferente direção do que ele decidiu enfatizar. No entanto,
verifica-se, no caso deste artista, que toda a série constitui uma narrativa sociocultural.
A narrativa considerada neste estudo foi a perspectiva da geração de 1980. Na obra da
artista Adriana Varejão cujos estudos em artes foram iniciados de 1981 a 1985 [ver figura 12],
constata-se um diálogo da sua produção plástica com elementos de origem Barroca e outros
ícones. Verifica-se também uma constância quanto à indicação de referências do patrimônio,
das tradições em conjunto com a estética contemporânea das suas produções plásticas.
Conforme Cerqueira (2009), o interesse de Varejão pelo Barroco teve início da década
de 1980 quando visitou a Igreja Nossa Senhora de Antônio Dias, em Ouro Preto, Minas
Gerais. Desde então, suas obras percorrem a história cultural e artística do Brasil colonial
através de referências iconográficas.
Vieira (2015) destaca a ressignificação de uma perspectiva histórica do passado na
obra de arte. Foi observado também o poder de catarse na obra, partilhada entre a arte e a
vida. Sua obra provoca discussões, estranhamento e conduz a diferentes interpretações devido
à forte manifestação de signos, assim como as demais obras mencionadas até o momento
nesta pesquisa. A artista apropria-se das construções de significados da arte periodizada pela
História da Arte como Arte da Idade Moderna do século XVIII para a Arte Contemporânea.
A imagem em azulejaria, para o observador ciente da posição cultural do artista e obra,
identifica-se com o repertório referente à religiosidade, pois, o azul cobalto, a dimensão dos
azulejos, bem como os seus desenhos remetem imediatamente ao estilo Barroco encontrado
nas igrejas mineiras, fonte de inspiração de Varejão. A tela é cortada e preenchida com
93
espuma de poliuretano, simulando vísceras de um corpo em desintegração. Essa
tridimensionalidade é uma característica presente também, nas produções atuais do artista da
‘Geração 80’, o paulista Nuno Ramos. Além disso, entre eles era comum o uso de materiais
mais simples pela interferência da Arte Povera.
Figura 12 – Azulejaria em carne viva,
Adriana Varejão, 1999
Fonte: Canongia (s.d., p. 71)
Em Cerqueira (2009), afirma-se que esses enxertos em forma de raspagens nas telas
formam a representação daquilo que no século XVIII, no Brasil, era associado ao paganismo,
ou seja, são ecos de rituais antropofágicos e costumes culturais entre índios e negros. A artista
insere um corpo na obra através desse processo. E ainda certifica:
Essa operação complexa, intricada, composta por elementos de meios e linguagens,
distintos e relacionados, remete ao conceito de mestiçagem (grifo do autor) utilizado
por Cattani, para referenciar a coexistência tensa produzida pelos cruzamentos entre
linguagens, técnicas, suportes, materiais e meios de expressão na arte
contemporânea. Essa tensão, à qual se refere a autora, dá-se ao jogar com elementos
formais do passado e de diferentes culturas, provocando a criação de novos sentidos
dentro de um espaço único e complexo de representação (CERQUEIRA, 2009, p.
54).
A mestiçagem é uma temática constante no campo artístico brasileiro desde o
Modernismo, como mostrado. Por isso, o crítico Cocchiarale (s.d.) destaca a pintura dos anos
de 1980 como uma ressureição livre das formalidades do Modernismo Clássico. A pintura
naquele momento não se posiciona como um movimento, mas sim, como o somatório de uma
diversidade de resultados.
94
Diegues; Coelho (2012) quando analisa as obras que remetem a pinturas já do século
XXI, verifica trabalhos com diferentes técnicas, entendidas como desdobramentos da pintura.
Nesse sentido, o processo criativo prevê o uso de todos os instrumentos disponíveis no tempo
presente como a fotografia, computação gráfica, a imagem em movimento, dentre outros.
O papel da arte mudou a identidade do artista contemporâneo e hoje, torna-se difícil
encontrar discípulos de determinados artistas. Jeff Koons em entrevista para Thornton (2015)
defende ser o artista uma pessoa de ideias liberada do trabalho cultural, o que remete ao
capital intelectual teorizado por Bourdieu. Desse modo, é constante a presença de ajudantes
em seus ateliês para executar suas ideias em obras, na maioria das vezes, em grandes
extensões. A ideia do artista solitário passa a ser uma visão romântica do artista na atualidade
e esse caminho foi trilhado desde o Pós-modernismo suscitando o hibridismo nas artes
visuais, no qual cada artista pode percorrer diferentes caminhos nas produções artísticas.
95
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A geração de 1980 representa um desafio para o estudo nas artes plásticas porque
emerge perante as dificuldades de conceituação no Pós-modernismo. Foram apresentadas aqui
as ideias de Fredric Jameson que defende o período como o momento de abertura para os
artistas, antes oprimidos pelo Modernismo e suas delimitações, obtendo o poder de traçar sua
trajetória artística, pelas diversas técnicas e suportes. Para o teórico, a Arte Contemporânea é
similar ao Pós-Modernismo. Seria uma quebra na estrutura da fase pós globalização e
culminou na geração objeto deste estudo.
Em referências bibliográficas atuais foi encontrado o conceito de Arte Contemporânea
a partir do ponto de vista dos artistas de vários lugares do mundo, através de entrevistas e
finaliza a obra sem que a lacuna seja de fato preenchida, pois cabe ao leitor indicar essa
perspectiva. O papel do artista, nesta lógica, não é definir suas obras ou teorizar sobre a
História da Arte, mas sim uma responsabilidade do historiador da arte.
Diante disso, não se afirma a ruptura, mas sim, um novo arranjo, (recon)figurações.
Essa linha de pensamento se inicia com o conceito de bricolagem em Lévi Strauss e,
posteriormente, o de hibridização em Néstor Canclini, trabalhada com a ênfase pelo autor na
América Latina. Nesse momento a modernidade atinge o seu limite máximo e a busca por
elementos desconhecidos para estar à frente dos outros movimentos passa a necessitar de
evolução para seguir a diante.
A arte se vincula à indústria e à imagem passa a valer mais (valor tangível) do que o
próprio objeto em si. Por isso, a importância de ter sido mencionado aqui o conceito do Kitsch
incorporado à cultura de massa, pois embora tenha sido considerado sinônimo de algo sem
estilo e de baixa qualidade, o fenômeno acentua o valor das imagens e o acesso ampliado a
pessoas de diferentes classes sociais.
O status da imagem remete ao conceito de apropriação do historiador Roger Chartier
porque o indivíduo se apropria da classe social, práticas e estilo de vida que o objeto remete.
Quanto às ideias do sociólogo Pierre Bourdieu, é relevante identificar que as práticas sociais
devem ser entendidas como concorrentes e suas diversidades, como o empregos dos seus bens
culturais integram as raízes dispostas no habitus de cada grupo, ou seja, sua estrutura social.
Desse modo, verifica-se que o acesso às produções, mesmo no âmbito local, tornaramse mais comerciais. Por isso, os estudo afirmam ter sido a grande exposição no Parque Lage
em 1984, Como vai você, Geração 80, uma maneira de detectar a existência de valores
96
capazes de comparar a qualidade das obras das décadas anteriores com as apresentadas. A
escola foi considerada um espaço de Arte Experimental e os artistas colocaram em questão as
escolas como a Transvanguarda italiana, com o conceito da arte transversal que teorizava
sobre o retorno das cores da pintura e a liberdade dos artistas para transitar pelos estilos e
épocas anteriores as definições e funcionalidade da arte, diferente da Arte Povera produzida
com materiais pouco convencionais e com a temática voltada para a natureza e seus
derivados, contestando o acúmulo de riquezas materiais.
A presença de artistas como o alagoano Delson Uchôa e o cearense Leonilson na
exposição mencionada, ocorrida no Rio de Janeiro, forneceu a garantia para suscitar a
presença dos ecos da ‘Geração 80’ em Maceió. E então, os sinais encontrados em fontes
escritas, orais e visuais (as pinturas) guiaram esta pesquisa assim como o fio narrativo
mencionado por Carlo Ginzburg o qual na mitologia Teseu recebe de Ariadne para guiá-lo
pelo labirinto.
Entre o fio narrativo e os rastros do passado, foram identificados os sinais na cidade de
Maceió a partir dos sujeitos pertencentes à geração de 1980 e criadores de um momento de
efervescência cultural. Os meios de comunicação serviram como pontes entre os discursos
sobre a revalorização da pintura, assim como foi dito sobre a exposição no Parque Laje.
É possível afirmar que enquanto do ponto de vista nacional a escola do Parque Laje e
os demais artistas em São Paulo despontavam, em Maceió encontram-se sinais de eventos que
narram a sua história. A geração na cidade é marcada pela independência dos artistas. A
informação ainda era escassa nesse período e por isso, conforme cita sobre um Modernismo
tardio por Tadeu Chiarelli, o Pós-Modernismo foi definido como Arte Contemporânea.
Essa foi a denominação fornecida pela imprensa local aos sujeitos dispostos a produzir
uma arte moderna, no sentido de nova, como os membros do grupo Vivarte. Ao realizarem
encontros para a discussão sobre a arte local, o grupo movimentou a cidade e ainda contribuiu
para a criação de outro grupo, de menor duração, mas, que resultou em outras produções e
exposições. A Cruzada Plástica teve como objetivo inserir esses artistas no mercado da arte
local. Assim, mesmo não compondo um movimento artístico específico pode ser apontada a
sua relevância para a Arte Contemporânea em Alagoas.
Delson Uchôa, Maria Amélia e Paulo Caldas foram objetos de uma seleção, e de um
estudo sucinto, em razão da sua arte produzida no período estudado, e que continua a se fazer
presente. Suas produções plásticas trazem contribuições, na medida em que confirmam, com
97
base na análise, os aspectos de um universo feérico, intimista, particular e de uma narrativa
visual contida o contexto nacional de época, como nos registros da Arte Alagoana.
Até chegar a uma produção considerada contemporânea, cada um deles seguiu seu
caminho independente. Delson Uchôa apesar de não ter feito parte do grupo Vivarte teve
participação em exposições com o grupo Cruzada Plástica, constituído pelos seus
remanescentes. Apesar de seu estudo ter sido na escola do Parque Lage, a sua identidade, a
narrativa na construção pictórica equivale à cultura alagoana como uma unidade. Maria
Amélia expõe em na sua trajetória experimentações e referências de maneira evidente da
Cultura Popular, enquanto Paulo Caldas traz o feérico em suas obras surrealistas além de, em
alguns momentos, remeter a signos constituídos de críticas socioculturais. Todos esses ecos
da década de 1980 se mesclam entre os três.
Por fim, afirma-se sempre existir na Arte Contemporânea o ponto de inflexão, o qual
foi tratado aqui, presente em algum momento da carreira de um artista diante dos seus
conceitos e práticas da arte. Segundo os autores estudados, o que ocorre são desdobramentos
na pintura sem os modos de criação rígidos da Arte Moderna, mas, formados por experiências
e vivências.
Os artistas alagoanos, entrevistados neste estudo, possuem trabalhos distintos e
mostram que os ecos da geração de 1980 fez da arte, criações ilimitadas desde então, suas
produções independentes agiram como uma diferente caixa de ressonância em meio aos
acontecimentos nacionais. Logo, esse processo no Pós-modernismo gerou uma arte livre de
padrões de suportes ou estilos, mas, repleta de referências plásticas e valores históricos. As
Artes Visuais são livres e vivas para construir novos conceitos e fornecer sempre sinais do seu
tempo.
98
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APÊNDICE A: Entrevista com Delson Uchôa
Entrevistado: Delson Uchôa
Entrevistadora: Ana Beatriz B. de Melo
Data: 27.08. 2015
Local: Atelier do Delson Uchoa - Bairro de Ipioca, Maceió-Al
Horário: 15h
1. Ana Beatriz - Em 1984, seu trabalho integrou a Exposição “Como vai você, Geração
80?”, ocorrida no Parque Laje, no Rio de Janeiro, conforme Campos (2000, p. 102). Ela foi
considerada pelo curador Marcus Lontra uma mostra pós-anos de chumbo. Os artistas dessa
geração receberam diferentes rótulos como despolitizados, reacionários, narcísicos e
hedonistas, de acordo com o texto de Leonardo Bertolossi (localizado no endereço eletrônico:
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2014/321/quem-foi-voce-geracao-80), pelo fato das
produções técnicas conterem vestígios dessa conjuntura sociopolítica. Como você observa sua
produção naquele momento? Acredita que aquele contexto histórico, vivido pelo país, tenha
contribuído para novos caminhos e olhares nas artes plásticas brasileiras?
Delson Uchôa - A reunião dos 123 artistas no Parque Laje foi um movimento ímpar e é ainda
hoje, porque o Brasil tem reflexos do que foi aquele momento. Era a jovem pintura brasileira
como protagonista, apesar de outras mídias, mas, a pintura foi o mais forte naquele momento.
E naquele instante, o Brasil ele deu um passo à frente do ponto de vista internacional, com a
arte mundial. Mesmo porque o movimento semelhante ao que estava acontecendo no Brasil
estava também em vigor na Alemanha, principalmente em Colônia, em Barcelona e nos
Estados Unidos. Os Estados Unidos era a volta da figura heróica, os neofauves, em Barcelona,
a neobárbarie. Existia esse movimento no Brasil, na ‘Geração 80’.
A minha produção naquele momento... Eu era muito jovem e estava interessado em levar o
Nordeste do Brasil para o Brasil. Eu tinha uma metáfora. Uma situação que eu colocava
naquele momento era: o Muro de Berlim passa na Bahia. É muito engraçado que muito
depois, eu não me lembro exatamente em qual Bienal, um artista baiano chamado Marepe
[1970-] deslocou um muro real que fazia parte de afetos, de memória que era o muro de uma
casa comercial onde o pai dele trabalhou, ou trabalhava, era dono, eu não sei exatamente, e
112
então, quando eu vejo esse muro dentro da Bienal, eu disse: Poxa, caiu o muro! Era muito
desarticulado naquela época o que se produzia no Brasil. Hoje por causa do advento da
internet, você sabe tudo o que está acontecendo no Brasil e fora dele, mas, nos anos 80 não
funcionava assim. Raros os livros (só você encomendando), raras informações chegavam em
Maceió a respeito das artes, da literatura, enfim, de tudo.
Era necessário naquela época, na minha época, que o artista, fizesse tal qual a odisseia de
Ulisses. Ele tinha que viajar, sair se perder e depois voltar. Mesmo porque, segundo Homero
o ciclo do herói completa quando você volta ao seu ponto de origem com os conhecimentos
adquiridos. Eu acho que funcionava muito dessa forma naquela época. De uma necessidade de
você ir buscar o conhecimento lá fora por causa das dificuldades de informação, isso era
grave. Diferente de hoje.
E o que eu mostrei na ‘Geração 80’ estava muito ligado à identidade. Uma identidade que
denunciasse o lugar onde eu morava, aliás, o que mostrei lá era um prato cheio, era um
híbrido de uma arte popular vestida de contemporaneidade para a época, por fazer parte da
arte jovem brasileira e ter ido em busca, ter me posicionado enquanto nordestino, enquanto
brasileiro, latino-americano que obtive notoriedade por causa da identidade, a identidade
luminosa da minha região, a estridência cultural da minha região. Tudo isso serviu de
elementos, como tijolos para eu construir uma identidade nacional. Sempre tive uma
preocupação muito forte com isso. E já estava despreocupado com o que tinha disponível aqui
em Maceió, que na verdade era a percepção da pintura européia.
A escola francesa que veio para o Brasil com a corte, mas, que possivelmente nas cidades
menores, nas províncias brasileiras, era a vigente, não é. Você chegava, no máximo, nos seus
estudos aqui, ao Impressionismo. Dificilmente você chegava nas questões da modernidade,
mostradas na Semana de 22. Os próprios artistas brasileiros modernos... era com muito
esforço que você tinha conhecimento deles. E eu pensava em contribuir. A minha pretensão
era muito grande. Eu pensava em contribuir do ponto de vista de criar um elo para com o
ponto de vista internacional (da corrente internacional) da pintura que era, no momento, só o
que eu pensava. E através disso, precisava chegar ao Rio e São Paulo que era um centro
desenvolvido.
Era de lá que emanavam os conhecimentos, então, quando apareceu o espaço do convite para
a ‘Geração 80*’, eu disse: Agora eu preciso contribuir para isso! E de repente, aquele sonho
113
do passado parecia estar se tornando realidade. Porque hoje eu tenho espaço. Tanto do ponto
de vista nacional quanto internacional.
*O entrevistado nomeia como ‘Geração 80’ os participantes da exposição “Como vai você,
Geração 80?”, ocorrida no Rio de Janeiro em 1984.
(A. B.) - Naquela época foi só você de Maceió chamado para participar da exposição?
(D. U.) - Não. Tivemos também Carlos Fiúza, Analu Cunha (mas ela morava lá), e Ju Barros.
E todos esses alagoanos voltaram num pequeno módulo, logo após a exposição no Parque
Laje. Cidades que tinham mais de uma pessoa como participante da ‘Geração 80’ tiveram um
bloco pra descentralizar e fazer com que esses artistas voltassem com a exposição pra sua
cidade de origem. Houve essa exposição em Maceió, e inclusive, ela foi boicotada por alguns
artistas de Maceió que participavam de um grupo artístico, enfim, estavam promovendo
algumas reuniões na época e acharam um absurdo vir algo pronto, entre aspas, para Maceió.
(A. B.) - Acredita que aquele contexto histórico, vivido pelo país, tenha contribuído para
novos caminhos e olhares nas artes plásticas brasileira?
(D. U.) - Naturalmente. É necessário sempre, em todos os tempos, que você tenha uma
herança, a tradição e o experimental. Enquanto herança e tradição é de onde você veio e o que
você traz enquanto conhecimento, o experimental faz com que a História avance. Não só hoje
em dia, porque exatamente agora, na virada do século, a pintura mais ou menos em meados
dos anos 90, abriu espaço (na verdade ela teve uma queda), por causa das novas mídias. A
fotografia entrou com muita força, o vídeo-arte, as performances e muitas mídias na virada do
século fez com que a pintura tivesse uma depressão. Hoje é notório ela voltando com muita
força. Eu comentei isso, pra falar que não só as Artes Plásticas, mas também, na música
contemporânea brasileira, por exemplo, nos anos 80 o rock passou a ser MPB. Então, hoje
você faz leitura do que foi tocado nos anos 80 pra música que está surgindo, pra os novos
compositores. Então, tal qual a música, a literatura e as artes plásticas estão bebendo e vendo
que aquela geração que parecia inconsequente, apenas porque era uma geração que ela vinha
muito alegre. A proposta era ser feliz porque estávamos saindo, mas, ainda sentíamos a força
da repressão, da ditadura no Brasil. Nós éramos muitos responsáveis, mas, tínhamos o desejo
de mudar o país assim como, todo o jovem, em toda a época. E pelo fato de termos a
oportunidade do começo, com a abertura fez parecer que tínhamos um sofrimento muito
enraizado e que éramos inconsequentes. Mas, está aí o resultado inverso. Tínhamos um
114
pensamento lógico, uma abertura, a percepção da diversidade, de que misturar dava certo! Era
a consciência de que éramos mestiços, híbridos. A gente misturou as religiões, as raças e
todas essas questões. Eu acho que foi um momento muito feliz e que veio à tona essa
valorização da diversidade, hoje tão propagada e ainda em meio de difusão, mas, a Geração
80 tentou e eu acho que abriu muitos caminhos.
(A. B.) - Me fala um pouco do seu início.
(D. U.) - Romantismo no início. A busca proustiana, devaneio. Vontade de pintar porque seria
um dos prazeres. Comecei a pintar em casa. Aliás, o começo é assim: você pinta enquanto
criança, não é? A criança nasce e vive durante toda a infância fazendo arte, por isso a gente
escuta as mães dizerem: esse menino está fazendo uma arte! Tira dali que ele vai fazer uma
arte! E o que é fazer uma arte? Reinar! Reinando, é você governando, dominando. Então,
você é criança, depois a sociedade abafa os artistas e os verdadeiros afloram depois. Não
aguentam. A criança nasce é artista. Ela perde e, se ela não agüenta, ela volta. Eu comecei a
pintar enquanto fazia Medicina. Então, comecei ao deleite de pintar aos finais de semana Fui
bater no ateliê do Pierre Chalita que pintava todos os sábados e domingos. Observe bem, uma
escola convencional ela funciona de segunda a sexta, se você fizer um curso ele funciona de
segunda a sexta, o curso de belas artes funcionava aos sábados e aos domingos! Incluía um
lugar lindo, incluía até tomar chá essas coisas todas.
[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]
Então, eu cheguei lá frequentei e comecei a pegar os ensinamentos que o Pierre tinha para me
passar, a boa intenção dele de me ensinar. Então, eu tive a possibilidade de ir pra França e eu
queria continuar meus estudos. Descobri junto com Pierre as escolas desde os pré-rafaelitas, a
escola de Leonardo Da Vinci, escola disso e escola daquilo. Em Maceió já existiam várias
escolas. Eu comecei a perceber lendo Mário de Andrade, ele parece que tem uma obra que diz
que escola é vaidade de um, pela mediocrização de muitos, entre aspas e fazer escola é então,
copiar.
Então, eu frequentei a escola Pierre Chalita durante um ano, seguido e assíduo. Foi lá onde eu
conheci minha futura mulher mãe dos filhos e não deixa de ter sido ensinamento, mas, mais
na frente achava que não dava mais. Eu já tinha feito o curso de Medicina e não fazia sentido
entrar num curso de Belas Artes. Porque você tinha que respeitar as grades. E na verdade, eu
fiz uma faculdade de arte escolhendo a “minha grade”. Esse autor me interessa, esse artista
115
me interessa. Walter Benjamin citou uma vez que: uma geração tem a obrigação de matar a
outra, entre aspas. E é muito cruel isso. Toda a ‘Geração 80’ e tudo aqui em Maceió foi um
pouco pós-Matisse. Aquele cara trabalhou a cor como ninguém! Depois que ele ficou doente,
ele comprava a cor e recortava a cor. E isso é que vai avançando a História da Arte.
2. (A. B.) - Naquele período ocorreram mudanças nas produções artísticas do eixo Rio-São
Paulo, com repercussões no Nordeste. Quais as suas impressões sobre esse momento em
Maceió?
(D. U.) - Olha, realmente. Foi surpreendente a divulgação da exposição no Parque Lage, na
imprensa escrita, na televisão, a divulgação foi muito grande. Maceió teve o privilégio, mas,
eu não sei se foi levado ao cabo, de receber no estado a descentralização do projeto da
exposição em um bloco menor. Então, houve uma rejeição aos artistas locais, nesse momento.
Sentiram-se agredidos por achar que vinha um bloco pronto do Sudeste e eles aqui estavam
trabalhando. E como toda a ação provoca uma reação, e eu acho houve o entusiasmo
alagoano, ou melhor, maceioense porque não sei até que ponto, naquela época, as
ramificações desse momento chegavam ao interior de Alagoas. Hoje eu tenho notícias que
tem chegado à Arapiraca projetos que vem do SESC, talvez. Acho que Nuno Ramos esteve
por lá, Beatriz Milhazes...
Você vê hoje como de repente, está muito mais bem articulado para propagar a Arte
Brasileira. Maceió teve o privilégio de discutir isso e se encontra à frente do outras cidades
como por exemplo, Pernambuco [Recife] que não teve a interferência da ‘Geração.80’. Em
Aracaju é garantido que não houve representantes na ‘Geração 80’. Então, desse modo você
percebe como foi importante. E eu acho que é. Também houve em Maceió, nos anos 80, uma
proliferação de galerias. Depois elas acabaram e só Maria Amélia continuou, mas, por
sobrevivência. Eu acho que ela condensou em cima da Arte Popular e do trabalho dela
enquanto artista e do Dalton também. Mas, por exemplo, teve um momento que Maceió teve
4 (quatro) galerias funcionando. Nos anos 80/90: O Espaço 20, o Lula Nogueira teve uma
galeria, Juarez Gomes de Barros depois passou pra trabalhar no Teatro Deodoro, que
recentemente fez uma grande reforma no Teatro Deodoro, teve galeria. Existia um movimento
e hoje está de volta. Tem uma galeria hoje a Gamma Galeria que de repente ela vem me
surpreendendo. Ela tem pautado regularmente e em busca de critério que é uma coisa
extremamente contemporânea. Maceió sempre teve um movimento ligado às artes plásticas e
116
certamente os artistas, por exemplo, os que estão atualmente trabalhando com afinco eles
receberam influência dos anos 80 como o Suel, o Pedro Lucena, a fotografia...
(A.B. ) - Então, você acredita que todos tiveram contato com a geração 80?
(D. U.) - Todos tiveram contato. Mesmo porque depois a Pinacoteca ainda fez uma exposição
de arte alagoana onde se via artistas que tiveram participação na ‘Geração 80’ e com a
curadoria de Marcus Lontra. Quer dizer, o próprio curador da ‘Geração 80’ esteve em Maceió
fazendo alguns projetos e talvez também agora no século XXI. Jadir Freire fez exposição aqui
em Maceió. Rogério Gomes o trouxe. E teve influência sobre os artistas locais. Então, a
‘Geração 80’ pode sim ter tido mais influência até mais aqui do que em outras áreas do Brasil.
3. (A. B.) - Célia Campos no livro intitulado Uma Visualidade (2000) aborda o fato de grande
parte do público apreciador e presente nas exposições em Maceió ser composta por uma
classe intelectualizada. Como você avalia isso no passado (na década de 1980) e nos dias de
hoje? Isto tem alguma implicação direta na produção dos artistas locais?
(D. U.) - Claro que existe uma implicação direta nos artistas locais, mas, eu penso de uma
outra forma. Eu acho que ainda hoje a situação não é diferente. Mesmo porque eu penso que
existe uma estratificação, existe arte para as diversas camadas sociais. E do ponto de vista
econômico e intelectual, convivendo ao mesmo tempo. Você sai da arte popular para uma arte
acadêmica. Eu acho que essa estratificação existe. Existe arte para todas as classes. E ela é
consumida por todas as classes. Nunca você vai deixar de ter uma feirinha de artesanato
vendendo pintura como no próprio Rio de Janeiro, onde você pode encontrar na praça da Paz
quadros para serem vendidos, artistas de rua e mesmo nas galerias existe essa especialização.
Galerias que são especializadas em um tipo de produção. Tanto pela produção estética, quanto
do ponto de vista econômico. Existe a galeria onde os artistas têm preços elevados. Existe
também, uma fatia de mercado pra arte decoração. Evidente que não existe uma linha que lhe
limite, por exemplo, na arte decoração você vai encontrar desde bons artistas, artistas
consagrados a pessoas que são colecionadores e possuem uma boa Pinacoteca. Além de
pessoas que usam simplesmente para decoração. Eu acredito que existe mercado para toda a
arte. Seria muito elitista você pensar que não existe uma média cultural.
Nós ainda estamos tentando vencer o analfabetismo, imagina?! Então como que você pode
nivelar conhecimentos e considerar que a arte consumida pela esfera econômica seja muito
117
melhor que uma arte popular. Isso, pra mim, não existe. Existe uma qualidade em todos esses
níveis de produção artística. Mas, é difícil você generalizar isso. Em Maceió são poucos os
colecionadores de Arte Contemporânea. São raríssimos, raríssimos! Eu poderia citar um que
praticamente vive escondido, mas, ele é um colecionador de Arte Contemporânea, é médico.
Um profissional liberal chamado Luciano Padilha. Eu acho que é a coleção de Arte
Contemporânea com mais itens. E verdadeiramente contemporânea. As outras coleções elas
estão mais misturadas. E lógico, na classe social mais elevada por vaidade ou até por não
compreensão mesmo, mais pra um status, compram-se quadros assim, caros. Eu sei que existe
Picassos em Maceió, desenhos ou coisas assim. Mas, eu acho isso muito tolo. Os Picassos
disponíveis não são de grande qualidade e os que chegam aqui menor ainda. Uma pessoa que
tem um Picasso em casa e pagou por isso num preço elevado era mais interessante que ao
invés de ter um Picasso, um pequeno Portinari, ou coisas assim, tivessem quatro ou cinco
artistas contemporâneos de qualidade. Mas, a vaidade faz com que compre só um monstro
sagrado.
4. (A. B.) - Atualmente, seu trabalho é muito divulgado inclusive por meio das redes sociais.
Em sua opinião, o que aquela “geração 80” de artistas tem feito para garantir maior
proximidade com o público, curadores e espaços de exposição? Acredita que essa seja uma
característica própria do pós-modernismo?
(D. U.) – Tem se atualizado das mídias próprias da geração. E também tem o seguinte, o
artista já está em tempo de leitura porque é natural que você vá ler a geração que lhe antecede
o momento atual. Então, tanto na questão das redes sociais, quanto aparecer nos livros é uma
forma de atualizar-se.
[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]
(D. U.) – Adriana Varejão também faz uso do Instagram, por exemplo.
7. (A. B.) - Como então você enxerga, simultaneamente, a condição do artista e do mercado
de arte em Maceió na década de 1980? E hoje?
(D. U.) – Não mudou muito ou não mudou nada. Eu acho que sou uma dos raros artistas que
vivo do suor do meu pão [risos]. Ou seja, do meu ofício. Mas, isso é muito raro. Meu ateliê é
autossustentável. Tenho muitos funcionários e eu vivo bem hoje. Mas, precisa se desenvolver
um olhar em Alagoas. Era um trabalho que a Célia Campos queria fazer muito. O
desenvolvimento desse olhar pra, depois do desenvolvimento, aparecer o mercado de arte.
118
Mas acho promissor. Uma galeria está se sustentando, me parece. Tenho notícias que ela tem
tido uma resposta, talvez por tanto tempo em silêncio, o comércio, o mercado de arte talvez
tivesse carente mesmo e as notícias que eu tenho é que essa galeria já é autossuficiente. Ela
tem pautado e tem tido resposta econômica dentro do panorama de Maceió. Mas, não tive
muito interesse em busca do mercado. Para mim, mercado seria uma consequência, mas, não
posso dizer isso com conselho pra os outros artistas. Eu mergulhei, mas, fui suicida.
Pelo seguinte: eu chantageei a minha família [risos] para patrocinar o meu empenho. Por
conta do seguinte: na minha época, no meu conceito, aconteciam inúmeros abortos de artistas
de qualidade, de pessoas com talento, porque durante o período passado alguns Países até, o
Estado também ajudava, patrocinando os seus artistas. Mas, também, isso é muito duvidoso,
porque o artista estaria ligado ao órgão de Estado pra ajudar. Quais justificativas elas teriam
pra dizer que essa arte deveria ser patrocinada e aquela não? Eu acho que depois quando
chega um movimento mais neoliberal, os artistas começam a não cobrar muito do Estado,
mas, em contrapartida existia as licitações para projetos. Mas, isso é ligado à Lei Rounet, acho
que Ministério de Cultura e não uma coisa que tá ligado diretamente ao gosto do Estado. Isso
foi muito duvidoso no passado. Era decidido por quem? Pelas primeiras damas, pelas
mulheres de senadores? O que teria elas pra poder fazer as pontes e ligar arte à política? Eu
nunca misturei a minha arte, aliás, toda a arte é política. Mas, eu estou falando como
patrocínio ligação a partidos, enfim, política ligada dessa forma. Diretamente. Minha questão
é mais afastada mesmo.
8. (A. B.) - Quais as suas influências presentes na pintura a partir de Maceió, ou de fora daqui,
quanto aos estilos e propostas?
(D. U.) - A primeira questão era o seguinte, eu achava que a arte era a escola francesa que
chegou até aqui, depois eu descubro que eu precisava sair para poder enxergar o mundo,
porque o mundo não chegava até aqui. As revistas eram muito raras, os jornais não chegavam.
Então, hoje eu estou falando que é fácil. A cibernética facilitou muito a vida, em todos os
sentidos. Mas, por exemplo, eu fui pra França, morei um ano lá realizando pesquisas. Fui lá
só para observar a pintura. Então, chego lá e descubro que o que eu tinha feito até então não
tinha nada do meu País. Eu era um colonizado. O que eu estava produzindo até chegar lá era
uma escola francesa. Uma figuração. Então, quando chego lá que penso: Cadê você? Cadê sua
identidade? Cadê o Brasil, nessa história? Por que você não vem do Brasil para mostrar o
119
Brasil para a França? Não fazia o menor sentido. Então, quando eu volto tenho uma tomada
de consciência. Eu volto na busca do que era genuinamente brasileiro.
É a arte que nos antecede, em 1500. Seria nossa arte indígena. Então, nessa abordagem
teríamos cestario, a pintura corporal e a cerâmica. Na minha curiosidade, tanto a pintura
corporal como a cerâmica me levou as questões do Construtivismo. A cerâmica marajoara
trabalha com uma geometria, com uma construção da pintura corporal também. Então, fiz
logo uma ligação e comecei a perceber que o que estava me interessando era o movimento
construtivo brasileiro ao mesmo tempo eu conseguia fazer, tinha uma visão do
Neoplasticismo dentro do Neoplasticismo, o Concretismo. Eu comecei a produzir os híbridos.
Os híbridos de primeira linhagem. Eu mandei produzi umas esteiras em tamanhos adequados
e comecei quando eu pintei a base, pintei a tela de branco eu vi que a trama pra produzir o
cestario, ela tinha um desenho em braile e esse desenho ele me remetia ao Neoplasticismo, as
manifestações da Optical Art. Simplesmente eu chegava seguindo as tramas e pintava os
losangos e as tramas. Tinham um quê de Vasarely [1906-1997], do Soto [1923-2005], na
Venezuela, então, comecei a misturar olhando para as construções do Volpi [1896-1988], do
Tony Garcia enquanto arte latino-americano. Então, eu comecei a dirigir o meu olhar para o
que seria a América, ou seja, o que seria assim, o continente. Com 500 anos, já tinha história e
com história contemporânea para mim. Então, era a América desconhecida, o Ocidente
desconhecido.
Tudo isso eu fui condensando em busca de encontrar um desdobramento linear, a arte latinoamericana passando pela arte brasileira. Então, eu comecei depois do Neoconcretismo. Eu já
tinha conhecimento da Lígia Clark [1920-1988], do Hélio Oiticica [1937-1980] que são as
pessoas que me antecedem, então, eu andei procurando linearmente na arte brasileira para
poder construir a minha obra. Então, pode imaginar que mais para o início, e ainda hoje eu
falo em início porque ainda hoje, o que eu produzo está ligado a um desdobramento do que eu
pensei ontem. Então, eu começo a perceber as manifestações artísticas do meu entorno: nos
parques de diversão, nas lameiras de caminhão, nas manifestações populares, nos folguedos e
tudo mais. Então, com essa informação local, eu ficava assim, atônito. Eu vi em um parque de
diversão uma geometria que eu encontrava na Bauhaus! Como pode isso?! Então, você pode
imaginar que o que eu faço hoje e o que eu fiz naquele momento pra encontrar uma fresta na
história da arte nacional e mais na frente internacional a junção de duas culturas muito
distintas. O Neoplasticismo, e a outra, a Arte Popular. Imagina que numa colisão os
fragmentos, os caquinhos dessa colisão é de onde começa a surgir a minha obra. Então, ela
120
surge como uma obra híbrida, como uma coisa percebida do meu entorno com o que estava se
produzindo de ponta. Então, as referências, enfim, seriam o Mondrian, seria o Jasper Johns,
seria o Vasarely. Tudo isso. E o resto estava no lugar onde eu vivia. Uma pintura anônima,
popular, de rua, mas, para decoração de parque de diversão. Como chegou ali? Não sei. Mas,
é possível, são terminais da modernidade. Eram as questões modernas presentes ali. Então,
quando eu falei do Mondrian, do Vasarely, do Torres García, do Marcel Duchamp, do Jasper
Johns, do Andy Warhol, entrando no Brasil, o Raymundo Colares, o Volpi, Ione Saldanha
pessoas que eu tinha mais contato, então, eu estava sempre em busca dessa vocação
construtiva até chegar ao Concretismo, o Concretismo paulista e o Neoconcretismo, que se
desdobra no Rio de Janeiro. Então, eu começo a ser influenciado pela própria vida. Seria o
meu comportamento de vida, todo o conhecimento adquirido que vem desde os clássicos,
passando pela ciência, passando pelo meu curso de Medicina.
Para você produzir uma pintura você precisa de uma área para materializar esse pigmento essa
área é o quê? Uma tela. O que é uma tela? É uma pele. A pele é o maior órgão do ser humano.
A gente é todo revestido dela. Tem um trabalho meu apresentando o corpo médico ao corpo
da pintura. Ao ponto de, com as cores, eu poder encontrar parâmetros na Medicina para
estimular a minha pintura. Para conseguir trazer, uma temperatura, uma cor rubra. Sempre
tive essa ligação que vai buscar no meu entorno, no caso, a arte popular era mais forte do
entorno nordestino, afinal de contas não somos grande produtor de arte contemporânea.
Aparece um artista contemporâneo pingado um aqui outro lá e agora vem com mais força.
Mas, imagina que, por exemplo, sobre os vermelhos: para iluminar um vermelho, eu conheço
o encarnado. O encarnado é um vermelho vagabundo, é um vermelho nordestino, é um
vermelho de carne, é um vermelho vivo, é muito diferente da valorização dos vermelhos na
Europa. Para mim, na Europa os vermelhos imediatamente são tão densos tão escuros que eles
chegam púrpura com uma facilidade muito grande. E era o mais valorizado no período
durante a renascença. Então, eu imaginava enquanto vermelho que eu teria o vermelho venoso
e o vermelho arterial, era um momento de apresentar o corpo médico ao corpo da pintura. O
vermelho venoso e o vermelho arterial eu escolhia entre um ou o outro e a partir disso, tenho
várias séries lançadas ao mesmo tempo - Olha ali naquela mesa ali em baixo - [e aponta para
uma de suas obras ainda em fase de conclusão], aquilo ali é uma pele do piso da casa
descolado é essa casa aqui lado, parte do ateliê que eu conservo há muitos anos. Descobri que
ela é feita de lajota de barro. O barro quando envelhece vai saindo, descamando um pó. E eu
vi que isso poderia ser utilizado. São telas cultivadas. Tem um crítico que vem escrevendo
121
sobre mim e ele diz: Olha pra entender a sua pintura eu preciso de um glossário. O que é uma
tela cultivada? Quando eu digo: Eu tenho uma série de telas cultivadas.
(A. B.) - Explique-me.
(D. U.) – Então, são resinas acrílicas, sabe, desidratadas num assoalho de barro. Eu vou
trabalhando com camadas e camadas e pintando no chão. Em um momento ela chega a ter
uma espessura de acrílico desidratado e vira plástico. E eu retiro ele com um linolium.
Quando eu retiro o que sai dali são peles de tinta. Couros de tinta quando são densos e
grossos. Ou quando não, quando mais delicados eu retiro membranas e dessa forma, o
processo pictórico desses trabalhos são cirúrgicos. São implantes, transplantes, enxertos,
sutura. E eu saio construindo as telas que são cultivadas no chão do ateliê. Essas questões são
descobertas depois das referências que eu fiz aos monstros sagrados, as pessoas que eu
admirava. Aos clássicos da pintura, principalmente do século XX, mais recente. Então, o
trabalho experimental e a vida vêm me ensinando. A incidência luminosa vem de onde eu
moro. Eu moro num sítio luminoso do planeta, isso não passa imune dentro dos meus
trabalhos. Eu vivo numa cidade rica em manifestações populares, os folclores e é no início
dos anos 80, que eu pensava na guerra, no contraste, na briga entre as cores. Tal qual acontece
na cavalhada, no pastoril, o vermelho brigando com o azul. A aproximação das cores. Mais na
frente, eu não penso mais a cor enquanto pigmento, porque enquanto pigmento químico ela é
matéria. Mas, eu penso do ponto de vista físico, luminoso em desmaterializar esse pigmento e
pensar na luz. Os quadros já não acontecem mais de uma forma, em cima do suporte, no lugar
de onde está. E principalmente tratando da Optical Art.
Os trabalhos acontecem em um campo imaterial de luz entre o visto e a visão. A ciência entra
pra contribuir com a minha pintura. E depois de estudar a luz natural, a duração da luz diurna
de até classificar e adjetivar a luz, para eu ter mais intimidade com o fazer artístico, com a
minha cor, com a minha luz, com a minha pintura. Alguns trabalhos eram orientados na alegre
luz da manhã, Ou, na austera luz do meio-dia. Ou, na saudosa luz da tarde. E haja adjetivação!
A luz calorosa que saiam dos trabalhos das telas cultivadas que são peles da casa que fazem
referência à casa-corpo da Lygia Clark, aos Penetráveis, do Hélio Oiticica, da luz calorosa da
tela, da pintura que lhe abriga que tem um conforto uterino, um conforto do subcutâneo. A
liberdade de pintar, a contribuição da poesia de Jorge de Lima, a liberdade de você saber que
pode fazer tudo. Tirar a pintura do chão da casa, tirar pintura em cima de plástico, pintura em
cima dos mais variados suportes. E pensar que o James Joyce, principalmente em Finnegans
122
Wake, que antes era Ulisses mostrou-me um cara que pode misturar. E os estudiosos que
misturam 60 e poucos idiomas com Sânscrito, misturam todas as palavras, um neologismo
absurdo e porque eu não poderia ter essa liberdade para poder trabalhar com a minha arte?
Hoje eu não tenho um discurso ligado à pintura. O meu discurso é ligado à imagem que a
pintura me fornece.
E a última conquista: as sombrinhas que eu compro como se fossem pigmentos. Eu procuro
lugares extremamente isolados, naturais. Eu comecei esses trabalhos pelo Sertão, onde você
tem as paisagens os descampados luminosos, e estou trabalhando com a grande pintura. É
uma expansão da pintura. Eu separo uma pintura, uma paisagem naturalista tal qual os
naturalista do século XVII ficavam apaixonados. Levo um pigmento e depois descubro que
ele é extremamente perverso. As sombrinhas chinesas que é meu pigmento contemporâneo
são elementos extremamente perversos. Ela é fruto do trabalho escravo na China. Ela vem
como artigos vagabundos de R$1,99 e com a produção delas a China polui o planeta inteiro.
A função dessa sombrinha que seria proteger do sol e da chuva e por tempo determinado,
porque ela tem uma vida média de 2 (duas) semanas, me direciona para uma questão
ambiental.
Depois eu descubro que as imagens que são gravadas nas sombrinhas, boa parte das vezes eu
conservo elas, às vezes as inflamo e coloco minha cor, minha luz em cima delas. Pinto por
cima, mas, conservo a imagem, ela é condimenta. Atravessa o mundo. Ela conversa com a
Globalização. No meu momento contemporâneo, a pintura fala de coisas sérias. A minha
primeira pintura nos anos 80 queria falar de coisas sérias e dizer: Olha, a gente tem uma
cultura no Nordeste que tá morrendo e vocês não querem enxergar! Então, creio que naquele
momento, não éramos alienados. Porque eu descubro que meus amigos desse período,
conversando com eles hoje em dia, todos eles possuíam uma intenção muito forte, um
objetivo e uma discussão de arte. Como era um momento que pareceu uma explosão de
alegria, pareceu inconsequente e pouco inteligente. Mas não era. Então, tocando no meu
assunto dos anos 80, continuo. Eu sou a mesma pessoa hoje e estou tratando de outros
assuntos dentro da pintura. Então, a pintura leva todos os meus conhecimentos, na literatura e
mistura tudo. E passa informação. Na verdade, o apelo que a pintura provoca, e eu sou
encantado por isso, é o apelo visual. Essa sedução da cor, a sedução da pintura. Então, ela
atrai o seu olho. Quando o seu olho bate em cima de um trabalho desses que você tá vendo
aqui [e aponta para uma obra em andamento mais próxima de nós, na mesa ao lado]
imediatamente o que vem do quadro para você já são ondas. É um magnetismo para estimular
123
o seu intelecto e você imediatamente começa uma conversa. Eu hoje tenho certeza que a
pintura fala pra olhos de quem sabe ouvir. Tem olho que ouve. Então, são essas as minhas
discussões e isso é que é a Arte Contemporânea, ela tem uma utilidade.
9. (A. B.) - Como você observa a passagem da Pintura Moderna, tomando como referência
Argan (1992, p. 185), quando aborda as produções artísticas no período de 1874 a 1950 e
posteriormente a Pintura Contemporânea, a partir de 1960, também denominada de período
Pós-Moderno, em Maceió e no resto do mundo?
(D. U.) – Todos eles são a mesma coisa, só que completamente diferente [risos]. Porque tudo
é contemporâneo na época em que está vivendo. Essa manifestação da espécie humana,
enquanto arte, ela vem desde o selvagem. Desde as pinturas rupestres. Que é contemporânea
na época deles. Digamos que um espírito artista, ele tem esse desejo de trazer e anunciar
alguma coisa. Mas isso que ele anuncia, pra mim, 50% pode ser intuição, pode ser o divino
trabalhando e 50% o presente registrado. Até o material que eu uso é um material que não
existia no passado. Você tá vendo esse verde ascendendo agora? É porque eu quero que o
quadro fique vivo. Só por causa da NASA, com desenvolvimentos na ciência de monofluorescências, eu, de repente, trabalho com pigmentos fluorescentes e iridescentes. Quando o
sol nasce uns tão mais acesos outros tão mais apagados. Eu não preciso mais de vermé, eu não
preciso mais da troca da luz, porque ela existe. O quadro está vivo o dia inteiro. A luz da hora
que chega até a hora que desaparece até a luz artificial noturna, vai trabalhando no quadro.
Isso a ciência prova porque o olho não vê o mesmo vermelho que outro. Já é provado. Para
mim, todos esses movimentos fazem parte do mesmo processo até os dias de hoje. Ela é
contemporânea aquele momento porque está acrescentando e o ser humano vive de
acréscimos. É por isso que nós tentamos nos expandir e as sondas que têm sido colocadas no
universo é uma expansão disso. A gente está em expansão. E nas questões da modernidade,
como ela chegou aqui, eu acho que tudo foi muito lento por causa das distâncias. Hoje as
distâncias são menores e a velocidade é a mesma. Naquela época existia uma coisa muito em
voga chamada avant-garde. E o que era vanguarda? O que estava na frente, mas, por que
existiam movimentos de vanguarda? Porque tinha um atraso. Só existia vanguarda com
atraso. Lugares que estavam atrasados precisavam de uma vanguarda para acelerar. Mas, hoje
não existe mais esse atraso. Só é atrasado quem quer. A responsabilidade de hoje é uma
questão de consciência. E é a consciência de que o homo sapiens voltou. Os humanos de hoje
124
não são os mesmos de ontem. Na contribuição, no desenvolvimento e no pensamento sobre
arte. E esse pensamento agora faz parte das ligações, do cérebro universal.
10. (A.B.) - Como se efetiva o seu processo de criação na prática? Quais as principais
mutações nesse processo desde 1980 até os dias atuais? (Poderia indicar alteração de cores,
formas, materiais...)
(D. U.) - A gente teria que começar agora e terminar de madrugada! [risos]
Eu vivo em busca de conhecimento. Eu vivo em busca de uma identidade, do ponto de vista
humanista. Entre a herança que eu tenho e todos possuem, eu coloco isso do ponto subjetivo,
mas, quando eu falei das luzes e adjetivei, achei pouco, só a luz natural e passei dois anos
seguidos no Santo Daime, tomando ayahuasca, em busca de uma luz interior. A luz do que
eles chamam migração. Se eu entrar nos detalhes do que foi minha experiência nesse
sentido... Mas, posso dizer que encontrei. Foi lá onde eu encontrei muito as cores cítricas. Eu
tenho trabalhos que parecem vagalumes diurnos, por quê? Porque não existe no espectro
solar, na luz natural, na luz diurna, as cores cítricas. Já são luzes produzidas do ponto de vista
químico. E é a ciência que me fornece esse equipamento. Eu não abro mão de nada do que
posso conhecer e trazer.
[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]
11. (A. B.) - Nas obras Arte Contemporânea de Alagoas (LOUREIRO, 1989, p. 36), e a Arte
Alagoas (BRASIL, 1994, p. 62), editada pelo Ministério da Cultura, identificam vários estilos,
a saber: Surrealismo, NeoFauvismo, Neofuturismo, passando finalmente pela OpArt, sob as
influências de Mondrian, Kandinsky, Volpi, Malevitch e dos Contemporâneos. Afinal, qual a
sua opinião particular sobre essas influências? O que a Arte produzida por Delson Uchoa
comunica ao público?
(D. U.) - Bem, o que eu acho dessas influências é que o artista deve colocar o máximo de
conhecimentos dentro dele e produzir como arte. Se no nosso país estamos querendo que os
analfabetos passem a ser letrados, então, o que esperar de quem já era letrado? Que você suba
a um nível e chegue a uma excelência. E a Arte Contemporânea, o fundamento dela mais forte
é ter um conceito. É ensinar alguma coisa. O artista contemporâneo não está mais na boêmia.
Ele sai das universidades, ele sai dos cursos. Exatamente como profissionais para o mundo de
hoje. Saem de capacitações. Então, todos os movimentos artísticos, tudo o que eu passo para
os artistas que eu posso ter influenciado, é para que eles percebam a quantidade de influências
125
que eu recebi dos outros. E que eles percebam o seguinte: eu coloquei conceito, eu coloquei
informação, eu coloquei ensinamentos culturais dentro da minha pintura. Então, se chegam
até eles é obrigação deles colocarem mais informação ainda. E a pintura é questão que eu
mais valorizo, apesar de ter trabalhos que ficam entre, por exemplo, você vai encontrar uma
coisa que vai dizer: “Poxa, é escultura”, mas, para mim, eu chamo de pintura-objeto.
Nessa minha última exposição, eu fiz com que a pintura migre pelos variados suportes como
antes enquanto pintura plana, bidimensional, eu já a fazia em suportes variados como um
plástico, uma lona, eu tenho em lã, em couro de animal e vai adiante.
Na última eu quis deixar bem claro, por exemplo, a pintura plana. A pintura-objeto. Os
suportes esféricos são pintados toda a área dele. É uma pintura expandida. Ela saiu do ateliê e
foi pra natureza e seguiu para a geografia. Ela é capturada do ponto de vista digital por uma
máquina fotográfica e depois copiado em resina de metacrilato. A resina de metacrilato é uma
fotografia de modo inteira, quase uma foto-objeto. Ela não é uma película em cima do vidro
ela é feita dentro do acrílico. Então, tenho essas intervenções, instalações, os pigmentos na
natureza, retirados da forma digital. E o que foi que eu fiz com a pintura natural? Eu levei
pigmento, no caso as sombrinhas, e alterei os pixels dessa imagem. Ela era uma paisagem
natural e passou a ser uma paisagem transgênica. Uma paisagem que foi decodificada ao meu
sentido. E para mim, essas exposições recentes onde eu mostro a pintura migrando, eu mostro
uma expansão da pintura fora do ateliê. E o que as pessoas chamam de foto, para mim, é
pintura digital porque o processo não teve pincel. O Mundo digital me forneceu a imagem e o
criado final. É uma pintura e não é uma fotografia. Como os esféricos não são esculturas são
pinturas tridimensionais.
12. (A. B.) - Como você define a sua contribuição, no contexto particular das artes plásticas
em Alagoas e no Brasil?
(D. U.) – Então, hoje eu tenho cinco pintores-ajudantes. É um grupo todo aqui de Ipioca.
Aliás, todo de uma família. Arte não vive sem política. Tem uma questão Marxista aqui
dentro. Todos, boa parte deles, não tinham profissão especializada, vinham de outras áreas.
Hoje está aqui o André, por exemplo, é o gerente, ele é o diretor e diz pra mim: eu gosto do
que faço, entre aspas. Todos aqui têm carteira assinada. É um grupo local, todo o ser humano
hoje tem que ter um comprometimento social. E quem não tem está caindo! Está sendo preso.
Os corruptos estão sendo atacados ao menos. E a arte possui uma função muito grande, pois
ensina ao ser humano que ele é sofisticado, que é um espírito muito complexo. O criado está
126
diretamente ligado à complexidade do criador. Quando eu vejo a nobreza de algumas peças de
arte popular, no espírito, ela tem a mesma nobreza da Mona Lisa. Mas [seu valor é porque]
tem as informações de quem a criou. No caso de um indivíduo extremamente complexo, com
conhecimentos acadêmicos superiores, a arte dele é complexa. Tanto quanto a mente dele. A
arte dele é nobilíssima, mas, tal qual do ponto de vista espiritual da pessoa mais simples.
Porque as duas são honestas. Existe o comprometimento social, comprometimento de que a
arte é ensinamento. Os artistas são faróis em todos os sentidos. Na música, na pintura, na
literatura em qualquer uma das áreas. São faróis pra orientar a massa, a população. É assim
que eu penso e é daí que eu tiro a construção dos elementos que uso para o meu trabalho
contemporâneo.
[FINAL DO DEPOIMENTO]
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Apêndice B: Entrevista com Maria Amélia
Entrevistado: Maria Amélia
Entrevistadora: Ana Beatriz
Data: 15.09.2015
Local: Galeria Karandash
Horário: 9h
1. Ana Beatriz - Você é uma das referências na cena das artes plásticas, na década de 1980
em Maceió. O seu trabalho passou por uma transição ao longo do tempo entre o estilo
figurativo e o abstracionista, posteriormente, seu trabalho recebeu interferências da estética da
cultura popular. Como você observa essas transformações, ao longo da sua carreira?
Maria Amélia - Então, eu primeiro comecei com colagem. Era um trabalho mais figurativo.
Depois, no início de 1980, eu já era abstrata, totalmente abstrata. Eu trabalhava com muita
textura, eu usava materiais naturais como casca de coqueiro, aquelas fibras, gesso, areia, terra.
Então, eu usava vários materiais da própria natureza e usava no meu trabalho junto com a
colagem. Depois eu larguei a colagem e comecei a trabalhar com pintura acrílica sobre tela e
papel. Às vezes, até junto com a técnica da colagem, mas usando muita cor. Foi quando o meu
trabalho começou a ficar mais gráfico. Depois eu passei do abstrato para o figurativo. E esse
figurativo era uma coisa mais contemporânea, ligado ao Cartoon. Era uma pintura gráfica,
mas de desenho. Aos poucos, eu fui introduzindo umas técnicas mais artesanais, pelo simples
fato de ser além de artista, colecionadora de Arte Popular. Eu me encantava com a minha
coleção e com as práticas desses artistas e eu não me contentava em só ter a obra de arte. Eu
visitava os lugares, lugares muito afastados em busca desses artistas e fui criando um elo
muito forte com as práticas populares. Até mesmo porque o artista contemporâneo é muito
ligado a isso. Ele é muito ligado a essa arte pura, verdadeira. Aquela arte que nunca foi
manipulada por outras pessoas e até mesmo artistas primitivos que nunca tiveram acesso as
coisas que eu tive como visitações a museu, banco de universidade, leituras, conhecimento de
História da Arte. Então, eu tive um contato forte com esses materiais. Algumas técnicas de
bordado, a cerâmica, e outras coisas ligadas a isso. Eu acho que tudo foi sendo transformado.
2. (A. B.) - Como você avalia o período em que permaneceu fora de Alagoas, no Rio de
Janeiro? De que modo essa experiência contribuiu para o desenvolvimento da sua arte?
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(M. A.) - Eu comecei no Rio de Janeiro aos dez anos de idade. Fui morar lá e a minha
formação foi toda de atelier de arte. Eu passei por vários e inclusive, no atelier da minha tia
Maria Tereza. Era um atelier incrível! Ele era muito conhecido no Rio de Janeiro, porque era
uma arte educadora maravilhosa. Ela trabalhava com crianças e jovens sobre vários assuntos.
Não era só pintura. Então, eu fui aluna dela de pintura, fui aluna de desenho de outros
professores, de expressão corporal de outros, cerâmica de outros. Então, a minha formação foi
muito de atelier. Depois eu fiz escola de Arte do Brasil, do Augusto Rodrigues que também
era no Rio de Janeiro. Essa Escola de Arte do Brasil era uma coisa mais especializada, era
uma escola aberta pela manhã, tarde e noite, sem parar e a depois eu poderia dar aulas pelo
MEC, na rede pública de ensino como artista e ser arte educadora. E nessas aulas eu também
desenvolvi muito. A arte está muito ligada à vida da gente. No processo de trabalho sem
preconceito dos materiais, então, tudo isso foi muito bom pra mim. E eu vinha de um lugar
como Maceió. Sou filha de pai e mãe alagoanos e toda a minha infância foi em uma fazenda
de cana-de-açúcar. Eu conheci muito esses dois lados. O lado urbano e o lado rural. Sempre
me interessei muito pelas coisas populares, porque quando eu era pequena, a minha mãe e
meu pai brincavam com os meninos da fazenda, com os moradores e a gente era amigo deles
e brincava com os mesmos brinquedos, bonecos de pano.
Então, eu sempre tive um pezinho no popular e no Rio de Janeiro eu aprendi a arte das
metrópoles. Uma arte mais elaborada, mais contemporânea, mais ligada à cidade. Então, nesse
aspecto contribuiu muito minha ida para o Rio, minha formação lá contribuiu muito com a
minha volta. Quando eu voltei, vi que Maceió estava totalmente estagnada. Na minha
primeira exposição em Maceió, eu morava no Rio. Foi em uma galeria chamada Alternativa,
do Juarez Gomes de Barros e funcionava em uma daquelas ruas do Jaraguá, por ali, no trilho.
E foi uma exposição que eu fiz de colagem (era meio figurativo), mas, já tinha ganhado
prêmio no Rio de Janeiro e tudo. Se eu não me engano, em 77-75, e eu voltei para Maceió, em
definitivo, em 79 para estudar. A gente tinha casa aqui e no Rio de Janeiro e intercalávamos a
moradia. Então, eu fiz Direito na UFAL, e faltava muito na faculdade, mas, eu consegui
cursar até o oitavo período. Depois, eu larguei Direito completamente, porque eu queria ser
artista e meu pai me botava na cabeça que eu não podia ser artista. Ele dizia que artista não
ganhava dinheiro, que artista ia sofrer muito etc., pelo simples fato de a minha tia que morava
no Rio ter sofrido muito. Muitas vezes ela não tinha grana e o meu pai a bancava, comprando
as obras dela. E eu sempre tive problemas sérios em relação a isso porque eu nunca quis que
meu pai comprasse minhas obras. Minha mãe comprava escondido do meu pai, para me
129
estimular, enquanto ele me desestimulava. Então, eu larguei Direito falei pra ele que eu não
iria terminar o curso e fui para o Rio. E meu pai falou: Você não vai fazer Arte! Eu não vou
pagar sua faculdade de Arte. Como eu já havia feito Escola de Arte do Brasil, continuei
sendo artista e fiz Publicidade. Porque eu pensei, vou fazer Comunicação Social porque é uma
coisa que tem um pezinho na arte. Então, quando eu voltei para Maceió em 75, foi com o
objetivo de abrir uma agência de Publicidade. Essa era a ideia.
(A. B.) - Que seria aqui.
(M. A.) - Que seria aqui. Então, a intenção era continuar sendo artista. Meu pai continuou
frequentando as minhas exposições, mas, sabendo que eu seria uma publicitária. Eu abri esse
espaço achando que seria uma agência. No primeiro dia, quando eu vi que a casa estava
pronta, eu olhei para a minha mãe e falei: Eu não quero uma agência, quero uma galeria de
arte! Na verdade, eu nem queria uma galeria de arte, eu queria pintar e fazer meu trabalho.
Mas, a galeria de arte era o que estava próximo de mim. Foi nesse momento que criamos a
Karandash, em 1985. Antes de criar a Karandash eu já estava morando em Maceió,
definitivamente. Encontrei com Ricardo Maia na praia e conversamos muito. Eram horas e
horas na praia...
E pensamos no grupo Vivarte, em criar um grupo aberto, a todas as pessoas, de todas as
profissões, não só de artistas, e que seria toda a sexta-feira. A gente faria uma reunião
totalmente aberta e que pudesse levar convidados e tudo. E o plano era ficar com esse grupo
até o quanto fosse possível pra poder desenvolver um trabalho. A ideia era de que cada sextafeira fosse na casa de um artista diferente, onde o artista apresentava a sua produção e todo o
grupo analisava o seu trabalho. O artista oferecia um lanche, um jantar e então, aquela sextafeira era daquele artista. E foi uma coisa muito legal o Vivarte, que até hoje é criticado. Muita
gente acha que o Ricardo colocou isso como uma mania, que ele vive pensando no grupo
Vivarte a vida inteira, que o Vivarte já passou, mas, eu entendo perfeitamente o lado do
Ricardo. O Ricardo é um pensador. Eu sou uma artista. Então, muitas vezes ele me culpa.
Toda vez que eu ganho um prêmio ou eu vou pra uma palestra ele pergunta: Porque você não
falou no Vivarte? E fica indignado. Minha vinda para Maceió eu acredito que foi importante
porque eu estava vindo de fora. Primeiro, porque eu fazia uma coisa diferente dos outros, da
maioria. Aqui a arte que era concebida, que era comprada e era aceita. Eram aquelas mulheres
de chapéu, do Gaspar [1954-] etc.
(A. B.) - Você teve esse ensino de Artes Plásticas das Escolas francesas, da Arte Clássica?
130
(M. A.) - Não. Eu não tive esse ensino. Não esse como Lourenço Peixoto, Pierre Chalita. Era
muito engraçado, porque o Chalita tinha a escola dele, era uma escola Expressionista e os
alunos faziam o que ele fazia. Ele pegava o pincel e fazia o trabalho dos alunos. Então,
quando eu cheguei aqui o Chalita era muito amigo da minha mãe, era inclusive
contemporâneo da minha mãe. Eu tinha uma relação muito boa com ele, de amizade. Ele
passava aqui na Karandash e entrava, ficava conversando com a gente. Mas, eu não tive
relação nenhuma com ele em relação à arte. Inclusive, eu repudiava muito o que ele fazia,
porque ele queria que os alunos repetissem a obra dele. Ele mexia na obra do aluno. Só que
ele foi importante, claro. Para uma gama de pessoas que estão produzindo até hoje. Foi muito
importante, mas, o que ele fazia eu negava o tempo todo. Ele colocava as coisas dentro do
carro dele, não sei se era de alguém, e levava para Recife ou então, para a Paraíba em uma
galeria que existia lá. E falava que o material era o que tinha de melhor em Alagoas. Então,
ninguém passava por aqui. E eu me lembro que os arquitetos daqui que estavam começando,
como Mariano Texeira um arquiteto muito importante e que me deu muita força, tentou me
ajudar porque amava o meu trabalho. Ele pegava meu trabalho e colocava na casa do cliente.
Os clientes devolviam os meus trabalhos, e diziam: Até meu filho faz isso, eu não vou ficar
com esse trabalho! Mário Aloísio também no começo e outros arquitetos que gostavam muito
do meu trabalho e queriam inserir o meu trabalho no mercado não conseguiram.
Eu me lembro que eu estava grávida da minha filha em 88, já havia 3 anos que eu estava aqui
morando em Maceió com a galeria, trabalhando com muito afinco e com o trabalho artístico
também, já com o meu marido que é meu sócio aqui. Inclusive, ele já me conheceu em uma
exposição. Ele foi me visitar em uma exposição muito interessante que eu fiz, mais ou menos
em 84-85 que se chamava Cabanada e quem foi o curador foi o Max Luterman, um arquiteto
professor da Universidade Federa de Alagoas, foi na Associação Comercial. Eu fiz uma
exposição e foi muito legal, muito bonita. E muita gente frequentou. O Dalton me visitou e eu
não o conhecia. Quando nos conhecemos, ele participou do Vivarte e a gente namorou.
Quando estávamos noivos, em um ano só, de tudo, ele foi meu sócio aqui. Depois a gente se
casou em 88, eu estava grávida da minha filha quando apareceu uma pessoa aqui que eu
considero meu anjo da guarda, que se chamava Janete Costa [1932-2008], uma arquiteta
muito conhecida pernambucana, mas, fazia muitas casas aqui em Maceió, para a alta
sociedade e no Brasil inteiro. Então, ela tinha uma casa no Rio de Janeiro e uma casa em
Recife. E ela descobriu o meu trabalho. Ela viu meu trabalho e ficou enlouquecida. Comprou
todo o meu trabalho. E isso ocorreu na véspera de uma exposição minha. E ela comprou toda
131
minha exposição completa. Ela só não comprou toda porque eu falei: Deixa duas obras de
fora, Janete que eu quero experimentar o público. E eu posso colocar o seu nome nos
quadros? E ela disse: Deve colocar! E eu coloquei. Cara, as pessoas brigavam pelo meu
trabalho! Então, é muito engraçado essa coisa do olhar estrangeiro, aquele olhar que vem e
determina as coisas aqui em Maceió. Então, de alguma forma, eu com esse olhar, porque eu
vinha de fora também, eu acho que tive uma posição importante dentro desse cenário, por
causa disso. Eu era visualmente falando, uma jovem, com o cabelo enrolado, totalmente
descompromissada com modismo, com as regras da sociedade. Eu tinha uma família
extremamente tradicional. Eu era uma burguesa de dinheiro, mas, proletária de ideias. [risos]
E totalmente independente. No meu pensamento e na minha arte.
3. (A. B.) - Você teve algum contato com a exposição Como vai você, Geração 80? e/ou
algum dos artistas participantes?
(M. A.) - Eu tive vários contatos porque na época, eu morava no Rio, inclusive o Delson foi
morar lá na década de 80, o Carlinhos Fiúza, inclusive, todos moraram no meu apartamento e
eram meus amigos. Delson é meu amigo de adolescência. Enquanto eu estudava na escola da
Maria Tereza, ele e Carlinhos Fiúza estudavam lá no Parque Laje. E, como eles já estudavam
lá, através do Marcos Lontra, eles participaram da exposição. Eu trabalhava com Maria
Tereza. Maria Tereza também teve uma importância muito grande na década de 60-70 no Rio
de Janeiro, no Brasil todo também. Na época eu e Jadir Freire éramos todos envolvidos com a
Maria Tereza. Jadir participou até dessa ‘Geração 80’. Na época eu não tive interesse em
participar, meu interesse era mais individual na época. Depois conheci o Marcos Lontra.
Conheci a Leda Catunda, e inclusive, participei de um projeto com ela da Coca-Cola. Bem
interessante.
4. (A. B.) - Célia Campos no livro intitulado Uma Visualidade (2000, p. 103) aborda o fato de
grande parte do público apreciador e presente nas exposições em Maceió ser composta por
uma classe intelectualizada. Como você avalia isso no passado (na década de 1980) e nos dias
de hoje? Isto tem alguma implicação direta na produção dos artistas locais?
(M. A.) - Eu acho que nos dias de hoje a coisa está mais democrática, mas faz pouco tempo,
começa, vamos dizer, a partir do ano 2000. Eu percebia muito isso quando eu abri a galeria
porque era de Arte Contemporânea, não tinha ainda Arte Popular. E então, juntou meu
trabalho e o do Dalton e a gente fez Arte Contemporânea. Eu trouxe um artista, que na época
estava no auge chamado Siron Franco [1947-], brasileiro. Eu trouxe pra Maceió sem grana!
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Eu estava sem grana, eu e o Dalton, para trazer esse cara. E ele veio com uma exposição
linda. Eu não pude trazer em acrílico, porque eram obras caríssimas, então, eu trouxe em
aquarela, mas eram quadros originais. Eu tive a maior dificuldade para vender essas obras. E
teve até um boicote terrível com a Karandash.
Ocorria o seguinte, o colunista social ligava para a alta sociedade e dizia: separei um quadro
para você! A madame não sabia nem o que estava comprando! Para eles era como se tivesse
ajudando o artista e para mim, era uma combinação isso. Era caridade. E eu não admitia isso.
Então, era uma coisa absurda para a minha cabeça. Isso eu não concebia. E Maceió é assim,
até hoje. Aqui na Karandash eu estou acostumada a ir à casa do cliente com uma obra e
quando eu percebo a casa entulhada de coisa, levo a obra com a metade do tamanho
solicitado, e digo para o cliente o motivo da troca. Eu não sou uma comerciante de arte. E tem
gente que me diz, Maria Amélia, você é uma idiota, eu vendia na boa! Mas, eu não tenho
coragem de fazer isso. Então, é preciso ter honestidade e você conhecer o trabalho. Eu acho
que quando você é artista você não pode admitir uma coisa dessas. Eu não admito que alguém
compre o meu trabalho sem gostar. E os artistas permitiam isso. Porque precisavam ou porque
gostavam. Tem alguns que nem precisavam, porque eram ricos. Mas, gostavam de ser
bajulados e gostavam de bajular, por mais dinheiro e para ter uma posição na sociedade. Hoje
em dia, muito pelo contrário. Eu acho que a coisa está mais democrática. A arte está mais
democrática mesmo que você não possa comprar, você vivencia a arte, você está sentindo a
arte. Hoje a coisa está mais para o ser do que para ter. E é muito bacana isso, quando você vê
que as coisas mais interativas. Quando um quadro vale cem mil reais é bacana para
colecionador, mas se esse artista que faz um trabalho por mil ele pude ser visto, num teatro,
por pessoas que não dão nada, pessoas que estão na rua e que podem entrar em um museu,
podem ver uma obra, vivenciar a obra, brincar com a obra... Isso para mim é arte. Então, eu
acho que mudou muito essa questão do público. Mesmo porque, o público tradicional
comprava arte porque gostava, porque tinha conhecimento da arte. Mas, mudou muito essa
questão do dinheiro. Muita gente antes, que comprava, tinha uma fortuna. Mas, hoje é
diferente. O tempo mudou. E as pessoas adquiriam pela mão de outras pessoas. Na maioria
das vezes hoje, no mercado de arte, não se compra o quadro porque ele é maravilhoso. Ele é
comprado porque disseram que é bom, porque vai sobrar dinheiro, porque é importante ou
não ou totalmente decorativo. E antigamente, aqui em Maceió, a arte era mais acadêmica.
Dentre esses artistas mais velhos, tinha um que eu admirava muito chamado Fernando Lopes
[1936-2011], com um trabalho bem figurativo. Ele não saía daquilo, mas teve uma
133
importância muito grande na década de 60, no Rio de Janeiro na galeria Bonino. Me lembro
que ele tinha umas séries lindas, como a póvoa-mundo. Ele morava em São Miguel, depois
morou aqui em Maceió. Ele não cresceu muito, porque ficou muito medroso, mas era
inclusive, padrinho da minha filha. Pessoa que eu amei muito. Mas, ele morreu. E eu fiquei
triste porque ele poderia ter sido grande, muito mais, poderia ter subido um degrau ainda
maior, mas, o que ele deixou é uma coisa que vai ficar comigo [emoção].
5. (A. B.) - Levando em consideração sua participação no Grupo Vivarte em 1984, quando
levanta a bandeira, em seu manifesto, para que a arte “abra portas” acredita que essa abertura
de fato ocorreu no passado e permanece na atualidade?
(M. A.) - Eu acho que permanece para algumas pessoas. A arte abre portas. E eu acho que
faço o meu papel. Eu como artista desenvolvo meu trabalho autoral e meu marido também. Eu
acho que abro portas quando pego aquele artista que ninguém conhece, trabalha lá no
cantinho dele, bem distante e vende o trabalho dele por Cinco Reais, Dez Reais, Três Reais e
eu consigo ver o artista grande. Para que o mundo conheça. Eu estava falando para o Dalton
que isso às vezes me prejudica como artista, porque eu deixo de fazer meu trabalho, de
defender o meu trabalho para ajudar o do outro. Mas, para mim, tanto faz. Eu estou
desenvolvendo meu trabalho é o que basta. Agora, se eu tivesse pensando mais em mim, por
exemplo, o Delson ele está produzindo o dele, no cantinho dele, e eu acho bacanérrimo esse
trabalho que ele está fazendo. Só que todo mundo pensa de uma forma diferente, a vida leva a
gente para coisas diferentes. Ele não é colecionador. Eu me interesso e muito também, em
tirar esses artistas que estão lá isolados, que ninguém conhece, que não sabe nem falar e nem
escrever para colocar num patamar muito maior. Por exemplo, tem o Véio [Cícero Alves dos
Santos, 1947-] que é um artista sergipano e que eu já conheci quando ele já era conhecido,
mas eu comprava obras baratas dele. [Posso dizer que] foi através de mim, através da
Karandash, que ele hoje está sendo considerado um artista contemporâneo da melhor
qualidade. Ele está na Europa. Uma obra dele está custando Cinquenta Mil Reais. Eu não
posso mais comprar nada dele! Só uma obra no atelier dele está 50 mil. Ele tabelou tudo. E
ele agora está na Fundação Platier e fez uma exposição individual na Bienal de Veneza, o
que é muito difícil! Todo mundo só vai coletivamente e ele foi para uma individual de três
andares. Eu coloquei ele em São Paulo em uma galeria importantíssima, fiz uma exposição
dele com todas as obras nossas. E então, essa galeria importante ligou, fez um contrato com
ele e eu não ganhei nada com isso. Só a minha coleção que fica mais valiosa.
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6. (A. B.) - O Grupo Vivarte surgiu em um período de transição para o país. Os anos 1980
passaram a ser conhecidos como pós “anos de chumbo”, além do aparecimento de novas
produções nas artes plásticas, no eixo Rio-São Paulo. Naquela ocasião, a imprensa, e
posteriormente a história da arte, passou a denominar aqueles artistas de “Geração 80”. Em
sua opinião, qual a relação entre a cena local de Maceió, naquele momento, e os eventos
ocorridos, simultaneamente, no eixo Rio-São Paulo? Era preocupação daqueles artistas se
perguntarem pelo papel social do artista naquele contexto específico? Houve desdobramentos
nos dias de hoje, em relação a essa conduta?
(M. A.) - Então, eu acho que realmente o que estava acontecendo no eixo Rio-São Paulo
surtiu efeito um tempo depois, porque aqui em Maceió tudo acontece com no mínimo 15 anos
de atraso. E todo mundo sabia disso. Então, o que aconteceu: o grupo Vivarte era um grupo
atuante e teve duração de um ano, mas, o que eu acho interessante nele é o propósito de juntar
para pensar. Alguma coisa estava errada com a gente, alguma coisa estava errada com
Maceió, com Alagoas. Então, o que é que estávamos permitindo? Era uma questão para
refletir porque o grupo era aberto. E da mesma forma que tinha pessoas extremamente
contemporâneas, tinha pessoas retrógradas. Completamente, inseridas no mercado que sempre
foi atrasado. Tinha o pernambucano Fernando Bismarck [1934-2012], por exemplo, que era
um artista primitivo e que não faltou um dia nas reuniões do grupo Vivarte. Eu gostava muito
dele como pessoa, inclusive, mas ele achava que a arte era só Brasil, e ele não admitia fazer
exposição para pobre. Quer dizer, porque o pobre não pode comprar a obra, não era
interessante.
O mais legal do grupo Vivarte era a irreverência. Era como se a gente tivesse fazendo um
laboratório. E não éramos um grupo sério. O grupo sério que eu falo é aquele fechado, aquele
impõe não vai entrar isso, isso e isso! Era um grupo totalmente aberto e que pretendia fazer o
artista pensar sobre a obra dele. E esses artistas melhoraram muito a partir dos
questionamentos do grupo, diferente do que foi o atelier do Pierre Chalita que ficava aos
gritos com os alunos. Celso Brandão, o fotógrafo, tentou pintar. Mas, as aulas eram da
seguinte maneira, chegava lá colocava o manequim vivo e era uma coisa assim, totalmente
acadêmica. Se ele colocasse lá um cavalo e eu, por exemplo, não acertasse o desenho, ele já
iria lá e consertava o seu desenho e dizia: faça isso aqui! Com o Celso foi assim. Ele disse:
faça o mar revolto! E, pegou o pincel e fez. Totalmente diferente de como eu aprendi. Eu
aprendi construindo. E construindo eu me instruía. Eu aprendi com o erro. Caia um pingo lá,
eu não anulava o papel, eu simplesmente daquele pingo construía outra coisa. Então, a minha
135
postura comparada a dele (Chalita), era totalmente diferente. Porque ele era acadêmico e é por
isso que nas atas do grupo Vivarte aparece muito Chalitismo e Vivartismo, aparece o tempo
todo. E eu como uma figura Central. Como se fosse antagônica ao Chalita. As pessoas
pensam que nós éramos inimigos. Mas, ele era meu amigo. Como pessoa ele era uma pessoa
totalmente engraçada, irreverente. Ele era um artista. Agora ele como educador, não foi bom.
Eu acho que não foi. Eu não colocaria minha filha pra estudar com ele, jamais. Ele fez uma
gama de artistas, todos iguais. A identidade, que é o mais importante no artista, às vezes o
artista não tem essa identidade. Por exemplo, teve uma época que muita gente imitou meu
trabalho. Por isso, que teve uma época que eu rompi. Comecei a fazer arte com o barro. Fiz
uma exposição que não tinha pintura, não sei se você lembra, Do barro foi feito.
(A. B.) - Tenho uma foto sua desse exposição!
(M. A.) – Então, trabalhei também com cerâmica, porque eu estava com horror ao meu
trabalho. Ele foi tão imitado aqui em Maceió que eu fiquei com horror a ele. Porque eu
chegava em um consultório médico e estava lá uma obra falsificada minha! A minha filha
com seis anos de idade foi na casa de uma amiguinha dela e chegou em casa chorando uma
vez, disse: Mainha, cheguei na casa da minha amiga ela estava pintando a imitação do seu
trabalho! eu disse: como assim? Não entendi. Mas, foi o seguinte, a casa do pai dela, eu
conhecia, que era um médico clínico de olhos que a gente conhece muito, e eu fui bater lá! E
eu disse: Como é que você que tem tanto dinheiro e ainda compra um trabalho falsificado? O
colégio dela que era o INEI, na época, pediu para ela fazer um desenho. Então, ela estava
desenhando com um quadro falsificado. Já era uma falsificação minha. Então, minha filha
chegou em casa daquele jeito. Quando eu cheguei na minha médica, estava outro quadro
falsificado meu. Eu disse a ela: Doutora eu não acredito! E ela disse: Esse aqui é mais
barato! Eu disse a ela: Se você me falasse eu teria te dado de presente! Absurdo você
comprar uma obra dessa falsificada minha! Então, eu comecei a ficar com ódio! Da mesma
forma, eu não sei se você nota que hoje tá acontecendo muito de alguns artistas novos
imitando o trabalho do Delson. Muitos. Inclusive a Evinha, ex- mulher dele. Que sempre teve
um trabalho lindo! Mas, agora está muito parecido com os trabalhos dele.
(A. B.) - Irei observar na exposição dela. Terá uma agora na Pinacoteca da UFAL, não é?
Mas, a exposição da Pinacoteca já deu um toque nela e mesmo assim, você vê que tem uma
influência. Olha antes o trabalho dela e agora! Mesma obra, mesma técnica, tudo, tudo. O
irmão dele tá pintando também igual! E assim vai. Ele não liga, agora isso eu acho que é
136
horrível para o artista. Então, essa coisa do atraso ainda existe. E agora existe uma galeria
aqui em Maceió a Galeria Gamma e que eu fui convidada para a abertura de uma exposição,
você sou dos pratos quebrados?
(A. B.) - Soube!
(M. A.) - Fui eu! E foi uma coisa que ninguém entendeu até hoje! A sociedade não consegue
entender. Eles como galeristas contemporâneos não entenderam também. E o que eu fiz foi
um ato contemporâneo. A obra pediu para ser quebrada e eu quebrei! Então, quando eu
quebrei todo mundo levou um susto. As pessoas estavam todas de costas para a obra, para
todas as obras, ninguém estava interessado na exposição. Era aquela coisa da década de 80, a
sociedade alagoana continua sendo isso, só vai bebericar, conversar besteira e ficar de costas
para a obra. Então, o que eu fiz, eu quebrei os egos. A exposição falava em ego e tinha assim
na obra: quatro maneiras de se quebrar o ego e um banquinho com martelo e sete pratos cada
um de porcelana, preso com um negócio, como se fosse de ouro, então, eu peguei um dos
martelos e quebrei o prato. Isso pra eles, foi como se não houvesse nada! Se não fosse eu,
talvez tivessem chamado a polícia, mas, como era eu sou conhecida, todo mundo ficou mudo.
E somente eu achando aquilo normal, para você vê como eu estava fora do lugar! [risos] E eu
achando naturalíssimo e todo mundo me evitando... eu comecei a perceber! Eles chegaram a
pensar que eu estava com inveja e chegaram a dizer entre eles que eu tinha surtado, pode uma
coisa dessas?! Eu paguei a obra. Eles esconderam isso. Eu mandei um cheque para eles, mas,
eu nem ia pagar. Iria colocar na justiça e sei que ganharia a questão! Mas, eu fiz um texto,
coloquei na internet e quando eu paguei a obra, que mandei pelo motorista, eu falei para o
Dalton: Eu testou mandando, mas, eu não estou pagando pela obra não! Isso é um
investimento que eu estou fazendo na minha biografia. E eu simplesmente cortei o curador da
minha agenda, cortei o Rogério e todo mundo da minha agenda. E não vou nunca mais lá.
Porque eu pensei assim: como é que pode uma artista que se diz contemporânea, e eu já
achava que de contemporânea não tinha nada e depois dessa eu tenho certeza, abre uma
galeria de Arte Contemporânea e não aproveita um ato desse, um ato contemporâneo, para
melhorar o público da galeria? Mas, não eles esconderam até dos artistas. Esconderam os
cacos tudo e fingiram que nada aconteceu. E não me procuraram. Eu liguei para o Rogério e
ele falou que a obra era a mais cara e eles estavam arrasados. Então, eu fui na internet
procurei os designers que tinham criado e entrei em contato. Me apresentei, contei pra eles e
eles nem sabiam de nada. Esconderam deles. Foi aquela coisa velada. De sociedade velada.
137
(A. B.) - Então, você acha que a Geração 80 não respingou aqui por causa desse atraso?
(M. A.) - É, respingou pouco, porque dentro do Grupo Vivarte, tinham pessoas e artistas que
faziam o trabalho muito parecido. Mas, muitos artistas que tinham o trabalho acadêmico
melhoraram muito. Conheceram o abstracionismo, por exemplo.
7. (A. B.) - Ainda sobre o Grupo Vivarte, como você considera a “herança histórica” deixada
por este Grupo? Acredita em uma troca de experiências presentes nas reuniões do grupo que
tenha gerado uma mudança no fazer artístico que repercute nos dias atuais?
(M. A.) - Eu acho que sim. Eu acho que todos os artistas que participaram do grupo Vivarte
melhoraram seu trabalho, ficou bem mais contemporâneo. Eram muito interessantes as
reuniões sobre o que o artista estava fazendo. Não era uma análise profunda porque não dava
para ser, mas, era uma discussão que não chegava a ser rasa. Mas, se houvesse um trabalho
maior com relação a essa coisa do estudo da arte, não seria tão interessante. O documento que
ele deixou que é o diário do grupo Vivarte ele é muito interessante. E ali está mostrando a
alma daquelas pessoas, a vida daquelas pessoas. Ali está mostrando também, o histórico do
que estava acontecendo naquele momento aqui em Maceió, como se comportava a sociedade
e os próprios artistas. E também aconteceram coisas como, por exemplo, o arquiteto que
frequentou um dia só, o Pedro Cabral. Hoje é uma richa. As pessoas que iam lá e
frequentavam as reuniões eram às vezes poetas. Outra coisa importante no grupo Vivarte foi
essa interação muito rica com o Jorge Cooper, maior poeta alagoano. Essa união foi muito
importante. Naquela época as pessoas tinham coragem de ir num jornal brigar um com o
outro. Um fazia uma crítica para o artista, o outro defendia. A arte mexeu com a cidade, isso
que eu achei interessante e fez com que a cidade acordasse. O grupo Vivarte acordou a cidade
de Maceió. É aquela história, a cidade tá dormindo, como aconteceu comigo aquela história
dos pratos.
8. (A. B.) - Em sua opinião, o que os artistas alagoanos têm feito para obter uma maior
proximidade com o público?
(M. A.) - Então, eu acho que tem feito coisas interessantes. Teve um projeto realizado no
Teatro Deodoro, que poderia ter sido bem mais interessante, mas, talvez pela verba não foi, o
batizado de Amostra Grátis. Foi uma coisa interessante pegar a obra do artista e fotografar
para o público vê. Foi um trabalho interessante. Já houve mudanças significativas.
138
9. (A. B.) - Quanto ao mercado de arte em Maceió, você já forneceu depoimentos, em
diferentes ocasiões, sob o seu ponto de vista como dona de galeria, afirmando que a maioria
dos consumidores de arte alagoana não está em Maceió. Esta tendência ainda se mantem?
Como então você vê esse “ser artista” em Maceió? Qual a sua perspectiva, a curto, médio e
longo prazo sobre o mercado de artes, em Maceió?
(M. A.) - O mercado aqui de arte tende a piorar cada vez mais. Aqui na Karandash a nossa
clientela é 99% de fora. Olha que loucura?! Agora está tendo agora Casa Cor de Alagoas e já
tem vários arquitetos pegando nossas obras emprestadas. Mas, não vai ter vendas. E é muito
louco isso!
10. (A. B.) - Qual a maior referência na pintura que lhe agrada e lhe inspira dentro e fora da
cidade de Maceió? No que tange aos estilos e propostas?
(M. A.) – Bom, quem me inspira... Eu gosto de uma pessoa que já morreu, mas, que eu tenho
alguma coisa dessa pessoa, algumas coisas que eu guardo e que eu estou resgatando agora que
é o Leonílson. O trabalho, a questão do bordado, essa coisa gráfica... está voltando forte no
meu trabalho. Então, seria o Leonílson e o Bispo do Rosário.
11. (A. B.) - Como você observa a passagem da Pintura Moderna, tomando como referência
Argan (1992, p. 185), quando aborda as produções artísticas no período de 1874 a 1950 e
posteriormente a Pintura Contemporânea, a partir de 1960, também denominada de período
Pós-Moderno, em Maceió e no resto do mundo?
(M. A.) – Eu acho tudo isso uma evolução da arte. Eu acho que essas escolas, por exemplo,
aqui em Alagoas, o Impressionismo e o Expressionismo francês foi aprofundado com o
Chalita. Fernando Lopes trabalhou o Cubismo. Foram artistas isolados. Existe aqui em
Maceió muitas reproduções desses movimentos.
12. (A. B.) - Como se efetiva o seu processo de criação na prática? Quais as principais
mutações nesse processo desde 1980 até os dias atuais? (Poderia indicar alteração de cores,
formas, materiais...)
(M. A.) – Em algumas séries eu trabalho a partir da matéria-prima como papeis coloridos nas
pinturas, vários suportes, que eu pintava e colava. E eu sempre estava preocupada muito mais
com a matéria-prima. Hoje eu estu desenvolvendo o trabalho muito mais da minha própria
139
vida. Minha vida sendo vivenciada através do meu trabalho. Se eu tenho um sentimento hoje
eu posso colocar esse sentimento, a partir do que eu sinto. É autobiográfico quase.
13. (A. B.) - Como define o objetivo do seu trabalho? Existe alguma mensagem e/ou apelo na
produção da artista e galerista Maria Amélia Vieira?
(M. A.) – Eu quero que com o tempo o meu trabalho fale de mim mesma. Da minha passagem
por essa vida. Por isso, um trabalho autobiográfico. Eu escrevo e eu quero colocar essa escrita
mais na minha obra. Essa escrita fala de imagens e eu quero trazer essas imagens das escritas
para o meu trabalho artístico, não necessariamente vão ser poemas ou livros, mas sim, esses
pensamentos que eu escrevo, escrevo e escrevo...
14. (A. B.) - O que você considera que ainda falta, em favor das artes plásticas em Alagoas? E
quais as mudanças benéficas que observa de 1980 até hoje?
(M. A.) – Eu acho que falta aqui uma escola contemporânea de artes visuais. Uma escola que
possam vir professores de fora, trazendo residências artísticas promovendo intercâmbios de
curadores importantes e que ofereçam um aprendizado para fazer e pensar a Arte
Contemporânea. Não é só fazer porque o que acontece muito com o artista é que ele pesca
muito do que tá acontecendo lá fora e existe uma limitação forte. Você tem que incorporar
assuntos, você tem que incorporar o que existe e o e que é essa arte. Arte contemporânea é o
que a gente tá vivendo hoje. Muitas vezes você pega um artista popular que faz Arte
Contemporânea e ninguém percebe isso. Então, eu acho que tem que ensinar o pessoal a
sentir, a ser e a fazer Arte Contemporânea. Eu acho que o que está faltando é isso, um
estímulo maior nesse sentido. Você vê muito a mesmesmice. Você vê artista começando com
18, 19 anos fazendo uma coisa retrógrada que não é nem da idade dele. E a arte nasce todos os
dias, ela é viva.
[FINAL DO DEPOIMENTO]
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Apêndice C: Entrevista com Paulo Caldas
Entrevistado: Paulo Caldas
Entrevistadora: Ana Beatriz B. de Melo
Data: 05. 09. 2015
Local: Casa/ Atelier do artista
Horário: 9h
1. Ana Beatriz - O livro Arte Contemporânea das Alagoas, (LOUREIRO,1989), aponta que
você viveu dois anos em São Paulo e desde 1981 reside em Maceió. Acredita que esse período
fora de Alagoas alterou as suas formas de percepção, em relação ao seu fazer artístico?
Justifique.
Paulo Caldas - Houve uma alteração, mas, não foi nem tanto pela cidade. Foi uma alteração
que aconteceu interna, comigo mesmo. E foi fundamental para o resto da minha vida. Mas, eu
acho que se eu estivesse aqui ou estivesse em São Paulo aconteceria. Eu acho que não teve
nada a ver com a cidade. Eu fui participar de um atelier de desenho e nesse atelier se deu essa
transformação. Eu posso contar como foi?
(A. B.) - Pode sim, fique a vontade.
(P. C.) - Foi um seguinte, eu saí daqui e foi uma viagem meio casual. Eu fui acompanhando
minha mãe e de lá, eu resolvi ficar em São Paulo, na casa de um primo meu que era escultor,
o Antônio Deodato e eu passei a morar lá. Bom, então, fiquei ajudando ele no atelier que ele
tinha e resolvi fazer um curso de publicidade e, depois, um curso de fotografia. Que de fato
não devia ter feito porque não era minha praia nem a fotografia profissional, nem a
publicidade. E para não ficar sem fazer nada, eu fui procurar um atelier para aprender a
desenhar, aprender técnicas, aprender um monte de coisa. E eu ia passando pela avenida nove
de julho e vi lá um atelier. Entrei pedi para conversar com a alguém, fiz amizade com o dono
que era também professor do atelier e perguntei se eu podia me matricular para ficar tendo
aula com ele. Ele disse que sim. E eu fiz a matrícula, paguei a primeira mensalidade e tinha
outros professores e outros alunos, tinha um cara que era pintor de pirogravura, o outro era
professor de pintura de tela e esse era professor de desenho. Eram uns quatro ou cinco
professores e eu fiquei amigo de todo mundo. Só que tinha um problema. Eu nunca fui muito
141
bom retratista. Eu para fazer um retrato apanho muito, dá a peste e o negócio não fica nem
bom! Então, uma das aulas era fazer retrato da Maitê Proença, Vera Fischer. Colocavam a
foto lá e a gente ficava lá desenhando. Os caras, os meus colegas, alunos voavam né. Cada
retratista! E eu começava a fazer o olho da Vera Fisher e quando eu ia para o outro olho,
aparecia um passarinho, do ouvido saia uma árvore, da cabeça saia um planeta. Então, fiquei
vendo aquilo e pensando: Porra, que é isso, velho?! Tá todo mundo voando e eu e aqui
inventando coisa! Então, eu cheguei para o professor e disse assim: Olha bicho, não adianta
não que eu não vou conseguir fazer nada! Mas, como eu não tenho lugar para trabalhar, eu
vou ficar lhe pagando essa mensalidade e vou ficar desenhando aqui sozinho no meu canto,
pode ser? E ele disse: Pode! E eu fiquei pagando a mensalidade e todo dia eu ia para lá,
ficava trabalhando em cima disso. Isso para mim foi muito importante porque eu vi que
quando eu encarei a minha limitação, de ser um péssimo retratista, eu abri o mundo todinho
para mim. E eu entrei por esse mundo saindo árvore, saindo coelho, saindo passarinho, saindo
gente, saindo um monte de coisa e de repente, fiz todo um caminho e venho nele até hoje.
Então, foi uma transformação que foi muito importante. Nessa mesma época, eu vim para
Maceió com alguns quadros e fiz uma exposição com um material que eu produzi já em
Brasília. Fiz uma exposição no Teatro Deodoro com o nome de um projeto que tinha lá
chamado Arte Nossa, em 1979,1980. Eu fiz essa exposição lá e foi uma exposição muito
marcante para mim. Muita gente que me conhece hoje lembra daquela exposição que eu fiz.
Foram duas exposições muito marcantes, essa e uma que eu fiz na Caixa Econômica que ficou
na memória de muita gente. Muita gente lembra de mim e diz: Bicho, estava lá naquela
exposição, que exposição da porra! E em uma dessas idas e vindas para lá e pra cá, eu ia para
o Rio, e conversando com meu amigo Manoel Viana, cartunista que mora em Batalha,
desenhista de mão cheia, gente boa, soube que eu iria para o Rio de Janeiro e ele disse:
Paulinho, vá na casa do Juarez Machado! E o Juarez Machado era um cara na época
famosíssimo tinha umas vinhetas no Fantástico e ele fazia umas coisas assim surreais. Muito
bonito. E estava no topo das coisas e eu disse: E esse cara vai me receber nada, homi! E ele
disse: Vá lá que ele é um cara gente boa! E eu fui, lá na Barra da Tijuca. O cara me recebeu
muito bem. Abriu a casa dele, me mostrou seu trabalho, conversou muito comigo e uma coisa
que ele me disse e foi muito marcante, ele disse: Olhe, você tem um trabalho muito bom, você
tem um nome artístico forte, então, eu vou lhe dar um conselho, não venha pra o Rio e nem vá
para São Paulo. Volte para sua terra. Fique vindo aqui de vez em quando para fazer uma
reciclagem, ver o que é que o pessoal tá fazendo, mas, faça o seu nome lá na sua terra. Depois
142
que você fizer isso então, vai ganhar o mundo! E eu fiz exatamente o que o cara falou. Então,
naquela época eu tinha 20 anos e hoje eu vejo aos poucos, as pessoas me procurando para
fazer isso que você está fazendo, as pessoas me convidando para exposições relevantes, de
peso. Então, eu vejo que o meu nome está começando a ser feito agora. Foi uma caminhada
da porra, sabe que eu fiz? E eu estou vendo que agora eu começo a colher alguns frutos. E daí
por diante eu não sei como é que vai ser. O mundo que me leve. Essas duas coisas foram
marcantes na minha carreira.
2. (A. B.) - Seu nome consta nas atas de reuniões do Grupo Vivarte, em Maceió, na década de
1980. Naquele mesmo período ocorreram mudanças na percepção de muitos artistas jovens,
no eixo Rio-São Paulo, com especial destaque para a Exposição “Como vai você, Geração
80?”, em 1985, no Parque Lage localizado na cidade do Rio de Janeiro, a qual contou com a
participação de artistas do nordeste como Leonilson e Delson Uchôa e a formação do grupo
Casa 7 que de acordo com Chiarelli (2011, p. 365), realizou seis exposições entre 1982 e
1985. Isto já no final do período de existência do Grupo Vivarte. Você teve contato com a(s)
mostra(s) e/ou com os artistas e suas produções? Quais as suas impressões sobre esse
momento em Maceió?
(P. C.) - Eu não tive contato não. Nem com o Delson, nem com o Leonílson, nem com esse
pessoal que estava lá fora. A minha história estava sendo rolada aqui dentro com o Vivarte. E
quando a gente foi participar da história do grupo Vivarte, muita gente já tinha o seu trabalho
definido. Eu, por exemplo, já tinha minha linha de trabalho, o Dalton, a Maria Amélia, o
Manoel Viana, o Edgar Bastos, o Salles. Esse pessoal, já chegou com seu estilo definido.
Então, tiveram poucos que o Vivarte chegou assim a influenciar. Uma que foi muito marcante
foi a Valéria Sampaio. Ela chegou em uma reunião, em uma semana com um trabalho bem
acadêmico, não que eu esteja desmerecendo o trabalho acadêmico, não é isso, mas, era dentro
daqueles padrões mais exigentes. E quando foi na outra semana ela já chegou com um
trabalho completamente diferente. Com um Hiper-realismo, só que de uma forma mais
liberta. A gente fazia o trabalho e levava para o grupo conversava e discutia. Ela trouxe um
cubo de gelo, desenhado assim bem detalhado, como se fosse um uísque. Aquele líquido
amarelo e o gelo boiando. E foi uma transformação muito radical. E ela seguiu adiante. Não
sei o que ela está fazendo agora, porque eu nunca mais tive contato com ela, mas, foi uma
coisa que para mim, foi muito marcante. E os demais, todos participantes do Vivarte estão aí
hoje com o nome formado, com o trabalho respeitado aqui dentro da terra da gente. E eu vou
aproveitar isso que eu estou dizendo, para dizer o seguinte: Alagoas tem um nível de artes
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plásticas assim top de linha. Eu estou dizendo isso não é porque eu seja alagoano não. É
porque eu viajo, eu vejo exposições, eu vejo como é que o pessoal está trabalhando lá fora.
Com a internet melhor ainda. E você vê, Portugal, França aquelas cidades grandes, cidades
pequenas aqui no interior do Brasil e você vê aquelas exposições e, sinceramente, Alagoas
colocam todas no bolso. Quando eu vou em uma exposição daqui eu vejo todo mundo fera.
Olhe, teatro em Alagoas é bom, a música de Alagoas é muito boa, você vê um show do
Macléim, um show do Junior Almeida, m cara que anda sumido porque se dedicou muito ao
jornalismo, o Ricardo Mota ele é um cantor muito bom! Gosto muito desse povo. Eu tenho
um respeito muito grande pela Arte Alagoana. É uma pena que a gente viva num estado tão
mesquinho. Isso eu posso bater no meu peito e dizer que é. É um estado que nada repercute,
nada é respeitado, principalmente, em termo de arte. Mas, o que estava acontecendo no eixo
Rio-São Paulo não teve diálogo com a gente não. Pelo menos não que eu saiba. Teve algumas
intriguinhas, mas, nada que fosse muito relevante.
3. (A. B.) - Junto com Ricardo Maia você promoveu a Cruzada Plástica (1987) com a
proposta de divulgar os artistas alagoanos e inseri-los ao circuito comercial. O que resultou
daquela Cruzada, no passado, e as suas repercussões hoje? Como você enxerga o “ser artista”
em Maceió na década de 1980? E hoje?
(P. C.) - Eu vejo a gente assim numa luta muito grande. Em uma batalha muito grande e eu
não vejo um retorno com relação ao órgão público, por exemplo. Eu fiz agora mesmo uma
exposição com uma forma e um conteúdo muito grande: Lagoa, o que faz com tudo isto foi
uma visão que eu tive. Eu sentado lá na beira da lagoa, no Pontal e vi um lastro de cama
passar boiando pela lagoa. Então, eu pensei assim comigo, como se a lagoa estivesse me
perguntado: O que eu faço com tudo isso? Então, eu fiz um poema, aliás, é como uma crônica,
um texto bem grande dizendo todo o tipo de lixo que você encontra naquela lagoa. Eu me
juntei com o Jorge Vieira que é um fotógrafo, ele tinha uma série de fotografia da lagoa
degradada, maltratada. E ele tinha uma série de peixes, então, a gente juntou as duas coisas e
fizemos uma exposição para chamar atenção até do Brasil todo. Só que aqui não repercute.
Foi no Palácio Floriano Peixoto. A gente não via assim, chegar um órgão para dizer: Bicho,
vamos ver isso aqui, vamos trabalhar com isso! Mandamos convite para todo mundo. E
ninguém chega junto. Eu tenho uma série chamada Vela de Filé e nessa série eu retratei as
manifestações culturais de alagoas: o guerreiro, a casa do pescador, o bumba-meu-boi, as
rendeiras do Pontal. Tudo isso sendo desenhado como se fosse filé, só que em preto e branco.
Eu fiz essa série, divulguei no jornal, na televisão. E eu não vejo um órgão público, uma
144
empresa privada que diga assim: Vamos pegar isso aqui, vamos fazer um trabalho em cima.
Parece que esse povo não vê jornal, não assiste televisão, que esse povo não faz nada. Então,
isso é uma coisa que eu fico muito sentido: com a desvalorização de todos nós que somos
artistas. Esse ano eu recebi três convites para expor em Açores, aquela ilha em Portugal, na
Colômbia e na Argentina. Eu recebi três convites. E tinha algumas despesas lá que eu não
tinha como arcar. Então, eu acho que o estado invés dele gastar dinheiro com propaganda
mentirosa, ele deveria pegar esse dinheiro e investir nisso. Porque você leva o nome de
Alagoas lá para fora, um nome positivo. Um nome que não é banditismo, maconha, não é
gente morrendo pelas grotas, crianças, adolescentes tudo morrendo. Eu acho assim, que era
muito melhor levar essa coisa lá pra fora, mostrar quem é Alagoas. Eu sinto uma
desvalorização tremenda. A gente precisa ter um recurso só para isso.
4. (A. B.) - Hoje, como vê a situação do mercado de arte em Maceió? O que mudou em
relação aos Anos 1980?
(P. C.) - Eu posso dizer a você um seguinte, eu tô meio irritado com isso. Porque eu acho o
seguinte, Maceió deu não sei quantos passos pra trás. Quando eu comecei, de 79 em diante,
Maceió tinha funcionando 9 (nove) galerias de arte. Tinha a da FUNTED que foi do mesmo
projeto que eu fiz do Arte Nossa, era uma galeria no hall do Teatro Deodoro. Aquilo ali ficava
aberto, iluminado. Sempre tinha exposição. O Dalton Costa fez uma exposição ali linda! Foi
ali que eu conheci o Dalton. Eu cheguei e vi aquele trabalho e disse: Que trabalho bonito!
Quem é esse cara? E me disseram: Esse rapaz é goiano e tá por aqui! Então, eu disse: E ele
tá por onde aqui em Maceió? e disseram: Ele mora aqui na praça do Pirulito. Eu fui lá e me
apresentei para ele. Ficamos amigos até hoje. Eu sou amissíssimo do Dalton e da Maria
Amélia. Por causa de uma exposição que ele fez aqui. O trabalho do Dalton é muito bom. Era
não, é! Mas, o trabalho dele na época era um trabalho fantástico. Tanto que eu fui atrás.
Então, aí tinha a galeria da FUNTED, em frente ao palácio do governo tinha uma galeriazinha
pequenininha chamada Galeria Miguel Torres, no pé da igreja. Quer dizer, é uma cidade que
anda para trás. Então, tinha a Galeria da Caixa Econômica, que era li mesmo na praça dos
Martírios. A Caixa Econômica tinha outra lá na Pajuçara e funcionava com uma galeria lá,
tinha a Galeria do Sebrae, galeria do PRODUBAN, essa era ali na praia da Pajuçara e eu
vendi tanto quadro ali. Como eu morava perto, a dona que tomava conta da galeria, não
lembro o nome dela. Dona Porongaba, eu acho. Ela ia lá na minha casa com gente para
comprar quadro. Então, hoje em dia, você procura uma galeria aqui em Maceió não tem. Tem
a galeria da reitoria, da UFAL. Que é lá em cima o povo quase não vai, só vai no dia do
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Vernissage, no outro dia eu não sei se tem movimento ali. Porque toda vez que eu passo ali e
olho não tem ninguém. Tem a galeria do CESMAC, que é outro lugar que é fechado, eu fiz a
Fina Intervenção e como eu gosto de estar na exposição, eu gosto de estar lá para receber as
pessoas que chegam, nas duas tardes eu fui para lá. Eu fiquei as duas tardes lá, sentado, num
apareceu uma pessoa. Nem o vigilante! Quer dizer, não existe isso de você dizer vou fazer
aquela galeria e não vou criar um público para aquela galeria ali. Agora no Museu Floriano
Peixoto, eu fiquei indo todas as tardes. Eu atendi assim, durante esse mês todo eu acho que
umas três ou quatro escolas pequenas, que foram, eu conversei com o pessoal. Eu acho isso
uma coisa muito ruim. Eu sinto muita falta de um lugar que o artista alagoano possa ser
representado, por exemplo, você chega na cidade e pergunta: Onde é que tem arte alagoana?
Não tem em lugar nenhum. Se você for em Aracaju, acha. Se for em Recife, você encontra. Se
for em Olinda, encontra. Um lugar onde as pessoas expõem, onde as pessoas trabalham. Aqui
não tem. Eu já pensei, já propus, alguma coisa ali na Pajuçara. A Pajuçara é passagem pra
todo mundo: turista, nativo porque a Pajuçara tem espaço para Basquete, Voleibol, futebol,
tem campo, espaço para futebol de salão, skate, tapioqueira, caldo de cana, acarajézeiro tudo
tem seu lugar, menos as artes plásticas, menos a arte. E isso é grave. Porque a gente precisa de
um lugar para mostrar o trabalho da gente. Para mexer com esse comércio. E vou dizer mais,
durante esse tempo que eu estava lá no MUPA, que eu ficava lá todas as tardes e alguns dias
eu fui pela manhã, eu vi turista chegar lá, interessado em saber da cultura alagoana, da história
da arte alagoana, da história que estava lá naquele palácio. As pessoas chegavam interessadas
e chega lá e não tem. Se tivesse, seria um impulso assim muito grande para o mercado.
E eu credito esse problema ao próprio artista. Eu não vou colocar a culpa em governo não. Eu
culpo o artista. Porque eu nunca vi uma raça de artista tão acomodada como essa daqui de
Maceió. Eu vou lhe dizer um negócio, acontece uma coisa e ninguém se manifesta ninguém
diz nada. Tem um ou outro que abre a boca, mete o bedelho, Ricardo Maia é um. Enche o
saco de todo mundo. Mas, é um cara que fala, que questiona. E quando eu boto um
questionamento mesmo, sério. Todo mundo fica calado. Ninguém se pronuncia, ninguém se
posiciona. Com todo o carinho e respeito que eu tenho pelo meu amigo Pedro Cabral ele
lançou uma campanha para fazer um leilão e arrecadar fundos para umas despesas do cinema
lá da Pajuçara, aquele cine arte. Eu achei fantástica a ideia dele. Toda a campanha que tem eu
meto a cara vou e vou, estou dentro. Só que dessa vez, eu não fui. Porque eu fiz uma sugestão.
Eu disse: Gente, eu acho legal que faça essa tipo de campanha. Eu gostaria de participar
agora, eu só vou entrar nisso, se cada valor do leilão atingido for para o artista 20%. Eu
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acho justo. Porque a instituição cinema lá tá precisando, mas, a instituição artista também
está. Eu estou ferrado e não tenho dinheiro! Trabalho feito um camelo, mas, quando vem o
pessoal é tudo de graça, de graça! E de graça um cacete! Eu não tô aqui para fazer graça.
Então, eu disse isso. Eu cansei de fazer graça. Porque tudo aqui é de graça. Artista aqui não
precisa de nada. Ou é rico, ou gosta de bajular. Então, eu fui e propus. Só teve uma pessoa
que se colocou do meu lado. Foi a Lu Azul. O resto ficou tudo calado. Ninguém disse nada.
Parabéns pra o meu amigo Pedro Cabral e para todo mundo que participou, mas, eu não
entrei. Outra coisa, que eu venho falando sempre. Quando me convidam para exposições,
dependendo da proposta da exposição eu vou, ou não. Se tiver uma proposta, como no caso,
da Fina Intervenção que foi uma ideia excelente do Pablo de Luca, ele pegou as fotografias
dele, 250 fotos e mandou para 16 artistas, para cada um escolher duas fotos. A gente escolhia
as fotos, ele mandava ampliar, no tamanho de uma tela e a gente pintava em cima da obra
dele.
Por isso, chamou-se Fina Intervenção. Seria uma burrice da minha parte, eu ficar de fora de
um projeto inusitado desse que eu nunca tinha visto. Mas aí, eu disse a ele: faça um seguinte,
bicho. Proponha ao CESMAC, um cachê para a gente. Porque se a gente vai, faz o trabalho e
não ganha nada, é muito frustrante. Você vai e num sei com quantos dias você vai buscar lá
seu quadro de volta. Aí é o que eu digo, o encanador, o eletricista, o vigilante, o curador, o
patrocinador, todos ganham dinheiro, o dono do espaço ganha sua notoriedade, e o artista
plástico não ganha porra nenhuma. Tem o trabalho de se locomover para lá, depois ainda vai
buscar. E volta para casa. Pronto. Então, eu sugeri e fizeram o que eu considero uma
palhaçada. O CESMAC ofereceu R$ 60,00 Reais de cachê. E para você ter a obrigação de
comprar aquilo de material e devolver a nota fiscal para eles. Mas, eu já estava dentro do
projeto, continuei. E depois ele veio dizer que queriam escolher 3 dos trabalhos que estavam
lá expostos para oferecer de doação para o CESMAC. Eu disse: Escolha qualquer um menos
os meus. Que eu não vou fazer graça para Cesmac não. São nessas coisas que eu sou chato e
os outros ficam todos calados. Ninguém se posiciona nessa cidade! Eu sinto essa falta de
pegada da classe da gente.
5. (A. B.) - Quais as contribuições recebidas, fora e dentro de Alagoas, que interferem, direta
e indiretamente, no seu trabalho? E ainda, como você se vê em relação às propostas e aos
estilos no campo das artes plásticas?
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(P. C.) - As coisas que eu vejo de fora eu devo muito ao Facebook. E eu digo a você, se não
fosse o Facebook eu talvez tivesse deixado de trabalhar. Porque eu já estava tão
desestimulado, tão cansado de bater na ponta da faca cega. Mas, a minha filha e a minha exmulher ficaram me incentivando a entrar na internet. Então, eu acho que eu o que eu recebo
de lá de fora é nesse sentido. Das pessoas curtirem o trabalho, comentarem. Isso não deixa de
ser um estímulo e uma coisa que aconteceu de muito positivo é que eu fiz muitas amizades. E
são amizades que eu tenho certeza que são verdadeiras. Então, para mim, isso foi uma coisa
muito gratificante.
(A. B.) - E nas interferências no caso, de outros artistas? Com relação ao seu trabalho técnico?
(P. C.) - Bom, eu digo para você assim, esse meu trabalho não sofre muito esse tipo de
influência não. Porque antes de qualquer coisa, ele é um trabalho que vem muito de dentro de
mim. Então, eu posso ver arte em todo mundo. Está em um monte de coisa! E nada me
influencia muito porque ele brota daqui de dentro. Eu me sento e o meu trabalho começa a
aparecer. Eu posso esta aqui, numa beira de praia, no alto da montanha, em qualquer canto. O
meu trabalho vai ser aquele mesmo. Ele é um trabalho bastante espiritual. Então, ele se
manifesta em qualquer lugar. Quando as pessoas perguntam assim: Quem influenciou o seu
trabalho? Em termo de plasticidade, da imagem... Eu costumo dizer o seguinte: As pessoas
acham que eu tenho alguma coisa de Salvador Dalí, alguma coisa de Magritte, mas, eu acho
que quem me influenciou muito mais foi o Maurits Escher, um holandês, que eu não digo
nem que seja uma influência, mas, uma afinidade. Porque quando eu vi o trabalho dele eu
senti que aquilo ali tinha a ver comigo. Eu vi num livro há muito tempo. Eu estava andando
no Rio de Janeiro, naquele shopping da Barra, estava com um casal de amigos. E a gente foi
numa livraria e ele disse: Bicho, vou te mostrar um trabalho que é a tua cara! Quando ele
abriu o livro na minha frente eu fiquei fascinado. Foi como se eu tivesse encontrado um
irmão. E houve essa afinidade. E o que influenciou meu trabalho foi muito mais as coisas que
eu li e ouvi do que as coisas que eu vi. Eu via Picasso, Manet, Van Gogh, artistas do Brasil
como Otávio Araújo, um surrealista fantástico. Eu via muita coisa desse tempo todo, mas,
minha influência era mais com as coisas que eu lia, com as coisas que eu escutava. Você
conhece o Vangelis? Aquele que fez a trilha do Carruagem de fogo? Se não conhece, conheça.
Para você vê que coisa fantástica o trabalho daquele cara! Eu ouvia muito Vangelis, INXS,
Pink Floyd. Esses grupos fizeram a minha cabeça. Influenciaram o meu trabalho diretamente.
Eu li o Fernão Capelo Gaivota do Richard Bach... Esse livro, pra mim, é como se fosse um
rumo, como se fosse uma bíblia assim na minha frente e o Khalil Gibran, escritor libanês, do
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livro O Profeta, Lobsang Rampa... Esses autores e esses músicos fizeram a minha cabeça.
Então, o trabalho que eu faço tem tudo a ver com esse povo. A minha influência veio disso aí.
E eu tenho um orgulho muito grande por essa influência que eu tive. Todo mundo tem um pai
e uma mãe, né? Esses são os meus!
6. (A. B.) - Como você observa a passagem da Pintura Moderna tomando como referência
Argan (1992, p. 185) cujas produções artísticas referem-se ao período de 1874 a 1950 e PósModerna de 1960 a 1970 para a Pintura Contemporânea, na segunda metade do século XX,
em Maceió e em todo o mundo?
(P. C.) - Ah, eu não sei dizer isso não! Não me pergunte isso não, que eu não sei não! Sei não!
Pergunte outra coisa!
(A. B.) - Você não teve uma escola acadêmica na sua trajetória de produção?
(P. C.) - Deus me livre! Não!
(A. B.) - Quando você foi pra São Paulo já pintava? Ou foi a partir de lá?
(P. C.) - Eu já fazia. O que me faltou na época, foi ter uma família que gostasse de arte.
Minha família não gostava de ler, gostava de comer comida pesada, jogar baralho, gostava de
praia, de farra. Mas, quanto à arte ninguém dava bola para isso. A minha mãe era quem me
levava de vez em quando para ver um filme. Eu fui crescendo assim, mas, eu sempre gostei de
desenhar. Lembro que uma vez meu pai me deixou de castigo. Eu peguei uma cartolina e
reproduzi o Pateta. E eu nem sabia que sabia fazer aquilo. E depois, eu gostava de ficar
desenhando escudo de futebol. De times, como Flamengo, Palmeiras, Corinthias, São Paulo.
E quando eu era pequeno, eu observava a árvore de natal que a minha avó fazia todo ano. E
todos os dias eu ficava sentado lá no sofá e olhando qual era a bola e a flor que combinava
mais. Que tinha uma florzinha assim que dentro tinha uma luz. Era flor amarela com a luz
azul, flor vermelha com a luz verde, e eu todo dia fazia um campeonato para ver qual era a
mais bonita. E quem ganhasse era minha noiva: repare que maluquice! Teve outra situação
que a minha avó contava história, história de trancoso. Sentávamos todos na mesa, ou no
jardim e começava a contar aquelas histórias da Dona Onça com o pai do macaco, pai do leão,
pai do gavião... Daqueles tapetes mágicos, varinha de condão... E eu acreditava que aquilo era
verdade. Eu achava que era possível. O meu pai era muito severo e eu tinha negócio de
tabuada, topada, dor de dente, dor de ouvido nota vermelha no boletim era um monte que eu
era ruim de escola. E era uma bronca atrás da outra. E tudo o que eu queria na vida, era que
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Deus me desse uma varinha de condão. Porque eu resolveria todos os meus problemas! Eu
acreditava que isso era possível. Toda a noite quando eu ia dormir eu pedia a Deus, através do
meu anjo da guarda, que ele me mandasse uma varinha de condão. E tirava meu anjo da
guarda, que a minha avó dizia que ele andava atrás da gente, colocava na cama e dizia a ele
traga uma varinha de condão para mim. Quando amanhecia eu acordava, levantava o
travesseiro olhava e não tinha varinha nenhuma. E eu todo o dia eu pedia. Todo o dia eu pedia
essa varinha de condão e ela nunca chegou. Eu cresci, levei topada, nota vermelha, levei
esporro, bronca, um monte de dor de dente, de ouvido, de tudo. Até que quando eu estava
com 24-25 anos a minha filha já tinha nascido, a minha mais velha, e eu ajeitava minha
mulher, jantava ela ia dormir e eu ajeitava a menina para ela ir dormir também e eu ia
trabalhar, passava a noite todinha trabalhando. Quando foi uma noite que eu estava pintando,
trabalhava com tela no cavalete e quando eu olhei, na tinta estava o brilho da luminária. Eu
olhei para a minha mão, minha mão começou a tremer. Olhei para o lado vi aquele monte de
pincel. Aquele monte de lápis. Eu comecei a chorar e disse assim: Meu Deus do céu, você
atendeu o meu pedido! Eu pedi uma varinha você me deu esse monte! Eu queria resolver meu
problema, você me deu a arte! E a arte resolve o problema de muita gente! Eu passei mais de
uma hora parado olhando para aquele presente que Deus me deu. Então, eu tenho essa história
e eu escrevi esse texto e coloquei o nome dele de O oitavo anão. Porque eu era o oitavo anão,
eu acreditava na história dos sete anões e era como se eu tivesse indo para a mina buscar os
diamantes. Então, Deus atendeu ao meu pedido. Toda vez que eu vou para uma escola, fazer
uma palestra a primeira história que eu conto é essa. Conto isso e fica todo mundo
emocionado na sala. Não fica ninguém quieto. Eu digo para criança, para o adolescente,
professor, seja lá quem for: Gente, nunca deixe de acreditar no seu sonho! Ele pode até
demorar, sabe. Mas, ele chega. Porque Deus sabe a hora certa de mandar as coisas. Eu sou
muito crente nisso [emoção].
7. (A. B.) - Como se efetiva o seu processo de criação? Quais as principais mutações nesse
processo desde 1980 até os dias atuais? (Poderia indicar alteração de cores, formas,
materiais...)
(P. C.) - Eu sento em um canto e meu trabalho começa a brotar! É assim que ela acontece. Eu
vejo uma maturidade na minha forma de fazer. Eu vejo uma maturidade interessante porque
ao lado dela vem um aprender. Eu estou fazendo um negócio, que eu faço com as mãos nas
costas. De repente emperra e eu aprendo ou coisa que eu nem me interessava em aprender. Às
vezes eu sento aqui, começo um desenho que eu nem sei o que é, e nem sei porque eu estou
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fazendo aquilo ali. Com três, quatro dias depois, uma semana, eu vejo porque foi que eu fiz
aquilo. Então, é uma ligação que eu não sei como é que se dá isso. Eu sei que me sento,
começo a trabalhar e as coisas vão acontecendo. Aconteceu uma coisa interessante numa das
passagens da minha vida: minha filha quando nasceu, nasceu muito cabeluda. Depois o cabelo
dela caiu e depois começou a nascer de novo. Quando ela tinha uns seis meses, o cabelo
começou a crescer de novo. E ficou um tufinho aqui, outro acolá. E uma vez, quando eu fui
saindo de casa, fui olhar ela no berço, passeia a mão na cabeça dela e disse: Sua cabeça tá
parecendo um ninho de coruja! Depois disse: Não, de coruja não, de colibri! Sua cabeça é
um ninhozinho de colibri! Brinquei e fui-me embora! Eu ia fazer uma exposição lá em São
Miguel dos Campos. Fui para lá, levei os quadros, montei lá tudo. Sentei lá na mesa e na hora
que eu saí de casa, peguei um pacote de papel menor, sentei em uma mesa e comecei a
desenhar. Rabiscando... Assim adoidado. Quando eu olhei para o desenho estava com um
colibri! Depois veio uma voz, aquela voz assim possante e grossa, no meu ouvido e disse:
Marina e a flora de lá. Aí eu parei assim e disse: De lá de onde? Disse: De onde ela veio.
Trouxe pra você, flor, folhas e sementes, continue desenhando. Meus olhos se encheram
d’água [emoção].
Que força que tem esse poder da arte! Conclui o desenho, conclui tudo. Parecia uma pintura
mediúnica. Peguei um terceiro e comecei a desenhar. Fiz uma série de uns 45 desenhos. Não
tudo na mesma hora. Mas, com o tempo. Tudo com aquele mesmo tema. Eu vou até esgotar.
Eu fiz aquele monte de trabalho, baseado naquela coisa da Marina. O meu processo é esse.
Basta eu sentar, fechar o olho e o mundo se abre na minha frente. Eu acho tão interessante
isso. Quando eu fecho o olho eu começo a ver mais do que quando eu estava vendo aqui. A
minha frustração é não conseguir transmitir tudo aquilo que eu vejo na tela.
(A.B.) - E como você sabe o suporte que você quer colocar a sua arte? Porque você já teve
trabalhos no grafismo, tem as telas, em uma folha A4. Quando é nas telas você já inicia o
trabalho imediatamente ou primeiro faz algum tipo de rascunho para iniciar a execução?
(P. C.) - Isso aí é um seguinte... Quando eu me casei, a gente foi morar num apartamento e
como eu sempre fui dono de casa, minha mulher trabalhava os dois horários e eu ficava em
casa cuidando da minha filha e agora aconteceu de novo, Marina mora comigo. Como a gente
foi morar nesse apartamento, e eu não estava saindo de casa, então, eu comprei um pacote de
papel, esses papéis assim de impressora, papel couchê, papel casca de ovo, papel vergê, papel
linho. Comprei um pacote desses e disse: Eu vou reduzir essa minha produção de quadros
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grandes, pra ficar fazendo isso aqui. Toda a madrugada eu ficava desenhando, ou de manhã,
ou de dia. Quando eu tinha tempo. Então, eu fiz uma série de desenhos. Muito desenho. Tem
um monte aí. Tudo isso para reduzir. Trabalhando com grafite e com nanquim. O suporte
nesse caso foi o papel. Nessa fase da minha vida, me dediquei todo ao papel. Fiz um trabalho
muito interessante com peixes, com flor de lótus, misturei pássaro, flor de lótus e peixe. E
ficou uma mistura bem interessante. Esporadicamente eu faço uma tela. Porque tela cansa
muito.
(A.B.) - Mas, antes de ir pra tela, você executa o desenho no papel?
(P. C.) - Hoje em dia, meu trabalho é muito racional, sabe? Tudo o que eu for colocar aqui,
estudo antes. Peso a composição, coloco ali. Às vezes, eu não gosto. Mas, é muito raro eu não
gostar. Eu já sei exatamente o que eu quero fazer. Eu começo e depois vem a parte do delírio.
Que eu vou inventando. À medida que vou compondo o trabalho, vai aparecendo uma ideia.
Por exemplo, se eu tiver fazendo o mar, daqui a pouco pode aparecer um passarinho, mas,
isso não estava no script! Eu estava fazendo um dia desses um trabalho que tinha uma cadeira,
e eu achei que a cadeira estava com o assento muito vazio. E pensei num Bonsai. Coloquei lá
um Bonsai e ficou arretado! Mas, aí, não estava no script e o que eu que faço eu pego um
papel, desenho o Bonsai chego na tela e coloco ele, meço pra lá e pra cá. Eu corto ele todinho
com o estilete, faço o risco e depois do risco é que eu começo a pintar. Eu penso meu trabalho
todo. Na tela eu tenho que ser mais racional... O papel me deixa mais livre, por isso que eu
gosto mais. E tem outra coisa também do meu processo de criação, está vendo aquele trabalho
ali? O do meio? - E aponta para um tríptico - tá vendo uma janela ali dentro? Com a luazinha
perto dele? Aquilo ali foi um erro que eu cometi! Eu fiz um quadrado, escureci e o cabo do
pincel pegou ali e fez uma bolinha. Então eu: “Eita, uma lua!”. Aí, fui lá e defini a lua.
Quando eu fiz a lua, eu pensei em fazer uma janela. Quando eu fiz a janela aí veio uma frase
na minha cabeça: Luas tocam a minha janela me chamando para brincar. E eu trabalhando.
Então, eu peguei um papel e comecei a escrever: Luas tocam a minha janela me chamando
para brincar/ Há malabares em constante evolução/luas brincam com a minha mão. Fiz os
versos todos. E comecei a fazer a música. E ao mesmo tempo que eu pintava, eu escrevia e
tocava. Tudo na mesma hora, aquela coisa assim simultânea. E isso acontece muito comigo de
estar aqui fazendo uma coisa e de repente vem uma frase. E eu escrevo um poema, uma
crônica, volto para o que eu estava fazendo. E aí, eu passo o dia todo fazendo várias coisas.
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8. (A. B.) - Nas obras Arte Contemporânea de Alagoas (LOUREIRO, 1989) e Arte Alagoas
(BRASIL, 1994) seu trabalho é identificado com interferências do artista Salvador Dalí e todo
o movimento Surrealista. O que o seu trabalho pretende evocar e provocar? Há alguma
proposta e/ou apelo na produção plástica de Paulo Caldas?
(P. C.) - Olhe, eu me lembro dessa época desse trabalho do Romeu que foi uma época que eu
pintei com muito azul e muito ocre, cores que aparecem muito em Salvador Dalí. E eu
colocava assim, em uma maça, algum elemento assim, o ovo, torre, e desse ovo saia um raio
de luz. Então, dava toda aquela atmosfera surreal. Tem um amigo, acho que você conhece, o
Elinaldo Barros, ele me chamava de Paulinho Daqui. Porque ele dizia que o Salvador era Dalí
e eu era Daqui! Por causa dessa história. Com relação, à provocação, o que eu penso com o
meu trabalho, é a iluminação do ser humano. Quando eu faço qualquer coisa, quando eu me
sento para fazer um trabalho, para escrever qualquer coisa que seja, a primeira coisa que vem
à cabeça é: Deus e o universo. Eu digo: Meu Deus, eu estou aqui para seu trabalho, à sua
disposição, quero que você faça de mim o instrumento para que eu possa levar alguma coisa
para alguém. Não sei se é provocação, eu não sei o que é. Eu sei que eu quero levar alguma
coisa de mais elevado, de mais iluminado, então, é impressionante como essa resposta me
vem. E de uma forma tão palpável, tão visível. Quando eu vou, falar com alguém sobre o meu
trabalho, a primeira coisa que a pessoa faz é sair de onde está. Ela sobe um palmo, no
mínimo. Porque já começa a falar de estrela, de céu, de noite, de Deus. Então, a pessoa não
permanece onde ela está, com os pés no chão. Eu acho que essa é a resposta que Deus dá pra
mim. Quando eu converso com uma pessoa, muitas vezes uma pessoa leiga, chega começa a
dizer coisa para mim que eu fico impressionado. Uma vez aconteceu uma passagem muito
interessante. Eu estava montando uma exposição na Caixa Econômica, em 1986 eu acho.
Foram duas coisas marcantes que aconteceram comigo nessa noite, eu passei a madrugada
montando a exposição, com a mãe da minha filha que era minha namorada nessa época.
Quando a gente saiu, em frente tinha uma hospedaria, uma república, os caras estavam todos
na janela olhando o meu movimento lá dentro, olhando os meus quadros. Quando a gente
saiu, os caras bateram palma pra mim. Até fiquei emocionado! Para mim, foi um
reconhecimento. E a outra coisa foi a seguinte: quando eu estava montando, chegou uma
senhora que estava fazendo a limpeza, pegou a vassoura, botou assim no queixo e ficou
olhando para o quadro. E disse: ô, menino... (nessa época ninguém me chamava de senhor
não, que eu era novo!) E falou dos trabalhos todinhos. Com aquela fala de leiga que a gente
pensa que não sabe, mas, saca tudo. Eu disse: Está certa. Que coisa interessante a senhora está
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me falando! E foi embora. Quando foi no outro dia, no vernissage, todo mundo lá, né? O
presidente da Caixa chegou para mim, colocou a mão no meu ombro e disse: Vamos olhar sua
exposição! Foi de quadro em quadro falando coisa e quando foi nesse mesmo quadro, parou
comigo e começou a descrever o que estava vendo. Com o palavreado lá em cima, mas, disse
a mesma coisa que a mulher falou. E eu vi o quanto Deus me atende. Ele me dá respostas com
relação a isso. Eu só quero iluminar o que eu puder fazer. Que aquilo ali seja um faixo pra
alguém. E é. Acontece tanta história na minha vida.
9. (A. B.) - O que você reivindica e defende em benefício das artes plásticas em Alagoas?
(P. C.) - De ter um espaço, que seja olhada com mais respeito. Sabe o que aconteceu? Nessa
exposição que eu fiz agora da lagoa, eu estava lá de tarde e quando eu vi chegou aquele monte
de gente. Tudo empalitozado, era uma comitiva que tinha a frente o governador Renan e o
ministro do esporte, que eu não sei nem o nome dele. Eu estava sentado desenhando. Eu
fiquei na minha e alguém disse: Paulo, o governador chegou! E eu continuei no meu canto. E
alguém disse que ele perguntou quem fez isso, quem foi o artista. E a moça que cuida lá da
galeria disse o artista está ali! Aí, ele veio, me levantei. E ele disse: Pode me falar aqui sobre
o seu trabalho? Sua proposta? Eu pensei: Que bom, tudo o que eu queria era dizer na sua
cara o que é isso! Eu disse: Olhe governador, ministro que bom que vocês estão aqui. Eu
agradeço a visita de vocês. O que eu estou falando é disso aqui é que meu amigo fez umas
fotos com a lagoa degradada, agredida, maltratada, suja, então, ele faz um panorama de
como é que tá a lagoa. Por causa da educação que o povo não tem. E eu venho com os
peixes, todos lindos maravilhosos, num ambiente limpo, saudável, decente. Que era assim que
a lagoa deveria ser. Eu sou um contraponto que não contesta. Sou um contraponto que apóia.
E eu olhava bem no olho deles dois para dizer a eles que eles eram os responsáveis por isso.
Essa falta de educação tem que começar de cima. E sabe o que é que ele fez com a cara mais
lisa? Disse: Que coisa boa! Como quem diz assim: E eu tenho nada com isso! E eu disse:
Parabéns, que legal! Mas, eu dei a minha cutucada. Eu estava ali para isso, como eu falei com
todas as pessoas que eu tive contato. A proposta era essa. Se aquilo ali vai render... E eu
joguei o meu título de eleitor fora. Porque eu não concordo com esse tipo de eleição. Esse
processo eleitoral que a gente tem aqui no Brasil é uma farsa mentirosa!
[FINAL DO DEPOIMENTO]
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ANEXOS
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Sobre a autora
Ana Beatriz Bezerra de Melo é aluna do Mestrado em História da UFAL na linha de
pesquisa Cultura, Representações e Historiografia sendo orientada pela Professora Dra. Maria
de Lourdes Lima. É formada em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas
pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) onde trabalhou como colaboradora na pesquisa
(PIBIC) "Análise dos modelos de comunicação pública da ciência na Universidade Federal de
Alagoas para a circulação social da informação científica”, sob orientação da profª Drª Sandra
Nunes. Desenvolveu pesquisa com ênfase na Comunicação Interna, com o Trabalho de
Conclusão de Curso em que elaborou o projeto de um veículo de comunicação: a revista
Plural. É também formada no Curso Superior de Tecnologia em Design de Interiores pelo
Instituto Federal de Alagoas (IFAL) onde defendeu TCC “A Arte Contemporânea em Alagoas
nos Espaços de Interiores” sob orientação da profª MSC Patrícia Soares Lins. Possui o curso
técnico de História da Arte pelo Centro de Artes de Maceió (CENART).
Lattes: < http://lattes.cnpq.br/9447467016957269 >.
Para eventual contato
E-mail: anabeatriz.melo89@gmail.com