Modernização e Exclusão dos “Grupos Perigosos” nos Cordéis de Leandro Gomes de Barros (1889-1920) - Cinthia Roberta Dos Santos

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UNIVERSIDADE FEREDAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTE
CURSO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA BACHARELADO

CINTHIA ROBERTA DOS SANTOS

Modernização e exclusão dos “grupos perigosos” nos cordéis
de Leandro Gomes de Barros (1889-1920)

MACEIÓ
2015

2

UNIVERSIDADE FEREDAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTE
CURSO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA BACHARELADO

CINTHIA ROBERTA DOS SANTOS

Modernização e exclusão dos “grupos perigosos” nos cordéis
de Leandro Gomes de Barros (1889-1920)

Dissertação, apresentada ao Curso
de pós-graduação em História da
Universidade Federal de Alagoas,
como parte dos requisitos para a
obtenção do titulo de mestre em
História.
Orientadora: DRª Raquel de Fátima
Parmegiani

MACEIÓ
2015

3

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas

Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecário Responsável: Valter dos Santos Andrade

S237m

Santos, Cinthia Roberta dos.
“Modernização e exclusão dos “Grupos perigosos” nos cordéis de Leandro
Gomes de Barros (1889-1920) / Cinthia Roberta dos Santos. – 2015.
124 f.

Orientadora: Raquel de Fátima Parmegiani.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Alagoas.
Instituto de Ciências humanas, Comunicação e Artes. Programa de
Pós-Graduação em História. Maceió, 2015.

Bibliografia: f. 116-121.

Anexos: f. 122-124.

1. Brasil – Histórias. 2. Literatura e historia. 3. Modernidade. 4. Raça.
5. Nação. 6. Higienização. I. Título.

CDU: 981

4

Os pobres carregam vícios, os vícios produzem os malfeitores,
os malfeitores são perigosos à sociedade; juntando os
extremos da cadeia, temos a noção de que os pobres por
definição são perigosos. (Chalhoub, 1996, p.56)

5

A Maria Dandara, a negra mais linda do mundo!
Aos meus pais, razão da minha existência.
Ao Miguel, um porto seguro.

AGRADECIMENTOS

6

Qualquer trabalho acadêmico depende de um grande número de
pessoas envolvidas direta e indiretamente. Muitas vezes pensamos que o
individuo isolado realizou determinada atividade. Entretanto, esquecemos que
só existimos como seres humanos por causa da coletividade que estamos
inseridos.
Este trabalho de conclusão do mestrado foi construído coletivamente.
Sem a contribuição de algumas pessoas, ele não existiria. Por isso, é preciso
ressaltar aqueles que, de alguma forma, estão presente nesta monografia.
Mas, como isso é uma tarefa que não cabe em poucas páginas, infelizmente
serei obrigada a fazer de forma genérica, excluindo nomes de pessoas que
também estão por traz da construção desse texto.
Em primeiro lugar agradeço ao professor José Sávio de Almeida pelo
compartilhamento

de

conhecimento

nas

reuniões

aos

sábados.

Aos

professores do curso, dos quais Alberto Caldas, por suas aulas diferenciadas,
mas, que abriram meus olhos para um novo fazer história. Ao professor Gian
Carlos, por ter emprestado livros que foram fundamentais para esse estudo,
agradeço também pela leitura de um dos capítulos que foi muito importante
para a conclusão do mesmo.
A Carol, secretária da Pós de História pelo profissionalismo em
desempenha tão bem sua função. A professora Irinéia pelo aprendizado que
me proporcionou nos diálogos informais, fora da sala de aula. Ao profº Filipe, a
profª Michele, a profª Ana Paula, a profª Célia Nonato, profª Arisete pelo
empenho em implantar o mestrado de História na Ufal, e por serem exemplos
de profissionais. Em especial agradeço a minha orientadora Raquel
Permagiani, pela disponibilidade, presença e suporte necessários à construção
desta dissertação. Ela foi fundamental para todo o processo, porque soube
perceber o meu tempo, meu ritmo, e conseguiu trabalhar com eles. Pude
contar com sua paciência e sensibilidade, ao que sou imensamente grata; sem
todos vocês eu não teria conseguido, muito obrigada.
Agradeço também, aos colegas que fiz no decorrer do curso vou levar
para a vida toda; Felipe pessoa que aprendi a gostar e ter como um grande
amigo; Anderson pelos muitos cafés que tomamos na casa da Quel, regados
de discussões teóricas; A Quel, querida amiga da vida toda, incentivadora e

7

companheira, a quem tenho uma grande admiração. Obrigada amiga! Você foi
fundamental para a conclusão dessa etapa.
A FAPEAL/CAPES pela concessão de bolsa através do apoio financeiro
para a realização desta pesquisa.
A minha família, que sempre foi uma fonte de apoio. Em especial a
minha mãe Cícera Lúcia e ao meu pai Antônio Ambrósio, por serem as
pessoas que me fizeram acreditar que eu era capaz de entrar em uma
universidade. Ao meu irmão Sérgio Roberto e sua esposa, Cinthya
Nascimento, por serem o meu exemplo de força, garra, determinação,
seriedade e responsabilidade. Por serem o meu alicerce e por estarem sempre
ao meu lado, obrigada.
Ao Miguel, companheiro e amigo que compreendeu minha ausência
quando os estudos me chamavam, por ter me doado um computador, quanto o
meu quebrou no final da pesquisa e vendo que eu não tinha condições de
comprar um naquele exato momento me doou o seu. Teu apoio, paciência e
companheirismo foram fundamentais, não só para a construção desse trabalho,
mas também para minha vida.
E, por fim, devo agradecer a todos os amigos, que de uma forma ou
outra contribuirão para a construção desta dessa dissertação.

RESUMO

8

A presente dissertação discutirá a ideia de “grupo perigoso” surgida com a
implantação da modernidade no Brasil, com foco na cidade de Recife no final
do século XIX e inicio do XX. Tendo como objeto apontar como esses grupos
não se encaixaram no projeto de nação. Nossa análise parte: das teorias
raciais e das vidas matérias desses grupos. Para assim, compreendermos de
que forma o cordelista Leandro Gomes de Barros, se apropriar das ideias que
circulavam no seu meio, sobre os “indesejados” para a elaboração de seus
cordéis.
Palavras

chaves:

“Grupos

perigosos”.

Higienização.

ABSTRACT

Modernidade.

Raça.

Nação.

9

This thesis will discuss the idea of "dangerous group" that arose with the
implementation of modernity in Brazil, focusing on the city of Recife in the late
nineteenth century and early twentieth. Having as object point out how these
groups did not fit in the national project. Our analysis of: the racial theories and
the lives of those materials groups. To thus understand how the cordelista
Leandro Gomes de Barros, take ownership of the ideas circulating in their
midst, on the "undesirable" for the development of their twine.

Key words: "dangerous groups". Modernity. Race. Nation. Hygiene.

SUMÁRIO

10

Introdução___________________________________________________10
1.1 História, literatura de cordel e sociedade________________________17
1.1.1 A Relação entre História e Literatura____________________________17
1.1.2 Autor e Autoria_____________________________________________27
1.2 “Cultura Popular”: Um campo de discussão_______________________ 33
2. A modernidade no Brasil e a exclusão dos grupos “perigosos” _____ 40
2.1 - Um breve histórico das ideias raciais no Brasil____________________ 40
2.2 – O problema do negro no Brasil: como integrar esses indivíduos no projeto
de Nação?_____________________________________________________50
2.3 – A Modernidade chega a Recife________________________________ 63
3. A implicação da modernidade nos cordéis de Leandro Gomes de
Barros_______________________________________________________ 74
3.1– O Diabo não é tão feio quanto parece___________________________ 75
3.2 - O mundo as avessas: a presentação das teorias raciais no cordel: A
pêleja de Inacio de cantigueira e Romano____________________________ 95
4. Considerações finais________________________________________ 107
Referência bibliográfica________________________________________110
Apêndices___________________________________________________ 115
I - Poemas que se situam entre 1989-1909__________________________ 115
II - Poemas que se situam entre 1910-1912__________________________115
III - Poemas situados entre 1913-1918______________________________116
IV - Revista e Jornais que datam de 1900 à 1918_____________________ 116
V - Revistas Disponível na Universidade Federal de São Paulo__________ 117

INTRODUÇÃO

11

O boletim de ocorrência da delegacia civil do bairro de San Martins,
localizado na cidade de Recife registrara que em três de setembro de 2010, a
avó de um menor de nove anos, foi chamada pela diretora da escola San
Martins, por causa do comportamento de seu neto, levado pela diretora Marlin
Leandro de Morais, para sua sala. A avó conta que, ao chegar na escola a
aparência do menino era de profunda tristeza: quando cheguei lá ele estava
sentadinho de baixo do birô. Ele me contou quando chegou em casa, tudo que
aconteceu com detalhes, que foi agredido verbalmente pela diretora. Ela teria
usado expressões racistas contra a criança de nove anos, ao humilhá-lo com
palavras que o desqualificava enquanto ser humano devido sua cor da pele,
chamando-o de “macaco” e que se achava o “rei da cocada preta”.
Por decisão da família a criança não frequenta mais às aulas e mudou
de escola. Pois na mesma, o garoto teria sido vítima de racismos pelo menos
mais uma vez, quando - num passeio ao Teatro Santa Isabel promovido pela
instituição de ensino - apenas dois alunos não teriam sido convidados, ele e
outro aluno também negro.
O boletim de ocorrência gerou um termo circunstanciado - do qual é
citado os mínimos detalhes do caso - na gerência de polícia da criança e do
adolescente. No termo a diretora da Escola e outra professora, que também foi
citada na denúncia, se comprometeram a comparecerem à justiça se acaso
fossem chamadas. Na época chegou a ser aberto um inquérito e, segundo o
delegado naquela ocasião, elas poderiam ser punidas com prisão que varia de
um a três anos, pelo crime de injuria racial.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos criticou a secretária do
Estado da educação e a Polícia civil pelo tratamento de pouca importância
dado ao caso, visto que dois meses depois do registro de ocorrência, as
investigações não haviam avançado. Hoje, cinco anos após o ocorrido o
inquérito se encontra arquivado.
Esse caso nos leva a pensar a emergência de uma reflexão sobre as
questões raciais em nossas práticas e relações cotidianas. A agressão verbal e
moral da diretora da escola à criança negra, não se dirige na verdade contra
um indivíduo, mas sim contra todo um grupo humano que para muitos pode ser
definido como “raça negra” (BARROS, 2009. p. 48). Ao chamar o menino de

12

“macaco” ela expressa uma visão estereotipada sobre um grupo, e não apenas
a um indivíduo especifico, embora tenha sido sobre um indivíduo singularizado
que recaiu sua discriminação. Provavelmente, a diretora e a professora se
manifestaram através de ditos e expressões racistas que não demonstra um
ponto de vista isolado, mas que compartilha com outros grupos as mesmas
ideias que inferiorizam o “ser negro” dentro de uma sociedade que beneficia
quem é considerado “branco”.
A família da criança que foi vítima da discriminação procurou amparo na
conscientização de seus direitos sociais e políticos, ao fazer um boletim de
ocorrência para afirmar e fazer valer seus direitos - embora a polícia não se
mostre ágil para atender as chamadas dessa natureza. Confirma, portanto,
duas hipóteses: o quanto o racismo ainda está impregnado em nossa
sociedade, e como o poder público tem se mostrado omisso ou vagaroso no
cumprimento dos direitos conquistados pela população negra.
O preconceito racial é uma realidade efetiva nos dias de hoje e ontem.
Na verdade existem centenas de anos de história a ser considerada. Uma
complexa história por trás do racismo, da discriminação contra os negros e
obviamente da resistência e nas formas de luta dessa população. Cabe ao
historiador fazer ao passado as perguntas que o seu tempo lhe questiona. A
relação do mesmo com o presente é muito estreita. O problema e a hipótese,
as correntes teóricas, o lugar cronológico e espacial são questões pertinentes a
prática da escrita relacionada com a vivência do historiador. (BLOCH, 1997, p.
55) Nesse sentido, toda produção historiográfica deve ser analisada a partir da
perspectiva do tempo que ela foi construída. (MIRANDA, 2007, p. 23).
O nosso tempo exige resposta para o problema da naturalização do
racismo enfrentado por indivíduos negros no seu dia a dia, que se dá de forma
estereotipada tanto no seu âmbito público quanto no privado. O que interfere
de forma real na vida dessas pessoas. A experiência histórica do negro dentro
da sociedade brasileira tem apontado que a abolição em 1888, não significou,
efetivamente a inclusão, dos negros na sociedade brasileira. O racismo é ainda
hoje um recurso frequênte das camadas dominantes como uma forma de
reforçar o lugar inferior do negro na sociedade, de marcar territórios e produzir
limites para sua cidadania: esse lugar social foi e continua sendo um espaço de
conflitos, acomodações e negociações em um processo diacrônico de

13

transformações que se estabelece como continuidades e mudanças (SANTOS,
2014, p. 05).
Dentro dessa perspectiva, a escolha da literatura de cordel como
documento proposto nesse trabalho se deu pelo fato de que vemos nessa
escritura um amplo potencial, para refletirmos sobre as relações culturais,
sociais e étnico-raciais no Brasil do final do século XIX e início do século XX
(1889-1920). Entendida por nós como documento/monumento 1 essa literatura
torna-se um terreno fértil para compreendermos como se legitimam as formas
de exclusão dos grupos2, vistos pelo Estado como “perigosos3”, no processo de
implantação do Estado Nação brasileiro, que ocorreu nas primeiras décadas do
século XX, cujo objetivo maior foi tornar o Brasil uma nação moderna, aos
moldes do projeto europeu do fim do século XIX.
Este período, que dialeticamente está ligado à situação de pós abolição,
foi um dos momentos de maior tensão para o grupo étnico-racial negro no
Brasil, posto que o projeto de modernização atingiu diretamente as formas de
habitação, trabalho e laser. O controle social proposto em lei pelo Estado
passou por todas as esferas da vida cotidiana, numa tentativa de
disciplinarização rígida que permeou tanto às esferas ligadas a tempo e espaço
desses indivíduos, como pela normatização das relações pessoais ou
familiares, vigilância contínua do botequim, da rua, da religião, dos espaços de
lazer etc.
Nosso trabalho parte da análise dos cordéis de Leandro Gomes de
Barros, poeta que viveu no Recife, entre os anos de 1888 a 1918. Migrante
vindo da região das secas, no interior do Estado de Pernambuco, o cordelista
1

(...) O Documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é produto da
sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder. Só a análise
do documento enquanto monumento permite a memória coletiva recuperá-lo e ao historiador
usá-lo cientificamente, isto, é, como pleno conhecimento de causa. LE GOFF, Jacques.
Documento/monumento. In: História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1996, pp. 535-549, p.
545.
2
Consideramos pertencentes aos “grupos perigosos”mestiços, branco podres, retirantes,
vadios, prostitutas,sendo nosso principal alvo os negros recém libertos da escravidão e todos
aqueles que não se encaixavam no projeto de modernização brasileira.
3
É interessante apresentar aqui o surgimento do conceito “classes perigosas” desenvolvido por
Sidney Chalhoub para a compressão de nosso trabalho. O autor realiza sua reflexão a partir do
resgate das experiências dos negros escravizados, libertos e livre nos cortiços carioca, tendo
como objetivo principal entender os cortiços como esconderijos dentro da cidade, rede de
proteção dos escravizados foragidos e desagregadores do sistema escravocrata. Portanto, era
necessário por parte do Estado intervir radicalmente para eliminar tais habitações coletivas e
afastar do centro da capital a “classe perigosa” que nele residia. CHALHOUB, Sidney. Cidade
Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

14

teve como palco das suas atividades os bairros onde a modernização urbana
do início do século, esteve mais atuante nesta cidade. E, portanto, teve sob a
sua ótica dois mundos que se chocavam nesse processo: o Brasil arcaico (da
seca, da miséria, das ruas estreitas, do comércio de rua, dos esgotos a céu
aberto, das mazelas da escravidão, da forte presença política dos coronéis
etc.) e o Brasil moderno (das avenidas largas, das estruturas de metal, dos
portos que ligavam o Brasil a Europa, das Universidades que tardiamente
chegavam às capitais mais importantes do país, do trabalho assalariado etc.).
Os cordéis de Leandro nos colocam frente a tudo isso. Um dos mais
importantes escritores deste gênero de poesia, esse cordelista será aqui nosso
norte

para

pensarmos

como

essa

realidade

foi

vivida

na

sua

contemporaneidade.
Por ser uma das mais importantes características deste gênero
literatura, a sua ligação intensa com a oralidade, optamos por nos concentrar
na produção deste único cordelista, pois, assim, podemos amenizar as
questões da imprecisão cronológica da produção. Além de poder localizar o
“lugar social” que o poeta ocupava, bem como suas intenções ao produzir e
distribuir sua literatura.
Destacamos que esta opção foi importante, pois, pudemos apreender na
obra do autor, aspectos de seu cotidiano, relações e tensões estabelecidas
entre as pessoas com as quais vivia e se relacionava. Além de nos
aproximarmos de sua inserção nos fazeres da cidade e num período definido e
específico. É possível também verificar as formas de organização social
traçadas por esses indivíduos, os cordéis que foram selecionados para essa
pesquisa, são expressivos no sentido de colocar esses grupos, enquanto
sujeitos de suas próprias histórias e não simplesmente, como vítimas
incapazes de reagirem contra o que eram imposto.
Ao nos apropriar de suas obras para o estudo histórico, ficamos atentos
no sentido de perceber a produção literária desse sujeito inserida num contexto
e processo históricos específicos, buscando tomar sua produção como
evidência histórica. Nesse sentido, corroboramos com Sidney Chalhoub, na
sua indicação acerca da utilização da literatura como fonte para o estudo da
História:

15
[...] a proposta é historicizar a obra literária [...] inseri-la no movimento
da sociedade, investigar suas redes de interlocução social,
destrinchar não sua suposta autonomia em relação à sociedade, mas
sim a forma como constrói ou representa a sua relação com a
realidade social - algo que faz mesmo ao negar faze-lo. Em suma, é
preciso desnudar o rei, tomar a literatura sem reverências, sem
reducionismos estéticos, dessacralizá-la, submetê-la ao interrogatório
sistemático que é uma obrigação do nosso ofício. Para historiadores a
literatura é, enfim, testemunho histórico (CHALHOUB, 1998, p. 07).

Acreditamos que a literatura produzida na cidade do Recife no início do
século XX deve ser pensada e tomada como problema histórico. Uma
produção que se destaca não somente por sua finalidade de diversão e
entretenimento puro e simples, mas também por seus objetivos, manifestações,
posturas e posicionamentos que marcavam lugares sociais de relações,
embates e tensões pelas quais passaram os grupos tidos por “perigosos”.
Dividimos o texto em três capítulos. No primeiro intitulado: História,
Literatura e Sociedade, pretendemos traçar uma análise entre a História e a
literatura de cordel, com intuito de compreender esse gênero literário como u m
importante meio de expressão e comunicação entre os grupos tidos por
“perigos”. O mesmo será composto por três sub-capítulos: A Relação entre
História e Literatura, Autor e Autoria e por último “Cultura popular” um Campo
de discussão.
O primeiro: A Relação entre História e Literatura, nele vamos discutir a
relação entre história e literatura, no tocante de temos a literatura, como uma
forma de expressão artística da sociedade, possuidora de historicidade e como
fonte documental para a produção do conhecimento histórico. Apontamos
ainda algumas questões voltadas para a construção de uma metodologia de
abordagem desse tipo específico de documento na pesquisa histórica. No
Autor e Autoria, discutimos quem é o autor poeta Leandro Gomes de Barros,
cria seus cordéis por meio de uma realidade, tanto objetiva quanto subjetiva, de
um tempo e lugar, que resultam do entrecruzamento de aspectos individuais e
coletivos. O poeta não cria nada a partir do nada. Não se faz literatura sem
contato com a sociedade, a cultura e a história. De acordo com Cândido (2011,
p. 24), a criatividade, a imaginação e a originalidade, partem das condições
reais do tempo e do lugar. As quais, ressaltamos, podem ser concretas ou não,
da existência social e de suas experiências. Leandro insere-se na realidade
sociocultural do tempo em que vive, do qual faz parte, com ela dialogando ao

16

produzir sua representação, por meio de sua vivência, de seus interesses e
projetos. Mas, não é simples refletor dos acontecimentos sociais; ele os
transforma e combina, cria e devolve o produzido à sociedade.
Em “Cultura popular” um Campo de discussão, nossa intenção não é
entender a cultura por meio da dicotomia Popular/erudita, mas pela forma de
usos que cada grupo faz de um mesmo material que lhe é imposto. Nesse
sentido, vemos a literatura de cordel matreira, Lugar onde se revelaria os
conflitos dialéticos, os aspectos mais profundos da realidade cotidiana, que
Batkhin chama de “carnavalização da literatura”. Onde se perpassa a esfera
artística do espetáculo teatral, situando-se nas fronteiras entre a arte e a vida.
No segundo capítulo: A modernidade no Brasil e a exclusão dos grupos
“perigosos”, Discutímos o contexto histórico que esses grupos tidos como
“perigosos” estavam inseridos. No sentido de localizar o lugar social que os
mesmo ocupavam na sociedade brasileira entre final do século XIX e início do
XX. Esse será dividido em três partes: Um breve histórico das ideias raciais no
Brasil, O problema dos “grupos perigosos” no Brasill: como integrar esses
indivíduos no projeto de Nação?A Modernidade chega a cidade do Recife.
O primeiro sub-capítulo: Um breve histórico das ideias raciais no Brasil,
vamos destacar as ideias raciais do período a respeitos dos negros e dos
“grupos perigosos”, que são fundamentais para o conceito de Estado Moderno.
Nele a identidade de uma nação passa pelas questões étnico-raciais, em que
surge a ideia de raça que privilegiava a definição de grupos segundo seus
fenótipos. Tal por sua vez, eliminava a possibilidade de pensar o negro com um
cidadão detentor de direitos e deveres. Nesse sentido, surge a ideia positiva do
mestiço, como fórmula do país um dia se tornar branco, consequentemente
“moderno” e “civilizado”.
Em O problema dos “grupos perigosos” no Brasil: como integrar esses
indivíduos no projeto de Nação?Questionamo-nos sobre a forma de “ingressar”
esses grupos no processo de modernização do país. Já que dentro dos
conceitos democráticos a situação do negro mudou radicalmente com abolição.
O negro deixa de ser mão de obra escrava para se tornar livre, trabalhador
livre. No entanto, sua relação com o passado escravocrata fez dele um
indivíduo indesejado e o principal alvo entre aqueles que compõem os “grupos
perigosos”. Os cordéis, os jornais e o código de leis do período nos deram

17

base para verificar seu cotidiano e perceber que sua situação não mudar muito
com advento da República. Permaneceram excluídos do projeto de trazer o
progresso para o Brasil, por meio de políticas públicas. Seu principal objetivo
era apagar esses sujeitos indesejados da nação brasileira.
A Modernidade chega à cidade do Recife. ? Nele vamos ver que as
transformações vindas com o sistema republicano, não foram características
apenas da cidade do Rio de Janeiro, mas de todas as grandes cidades
brasileiras a exemplo Recife. Ela se consolidou como principal capital
nordestina. Entretanto, Leandro, em seus cordéis, nos mostra que a cidade que
se modernizava para uns, tornava-se danosa e excludente para outros. Esses
outros são os “grupos perigosos”, do qual o poeta fazia parte.
O terceiro e ultimo capítulo, A implicação da modernidade nos cordéis de
Leandro Gomes de Barros, foi dividido em duas partes: O Diabo não é tão feio
quanto parece e O mundo às avessas: apresentação das teorias raciais no
cordel: A pêleja de Inacio de cantigueira e Romano. A primeira trata-se das
práticas culturais vindas dos “grupos perigosos” como é o caso da religião de
matriz africana presente na cidade de Recife na segunda, vamos abordar as
questões raciais presentes durante o processo de modernização do Brasil do
final do século XIX e início do século XX.
Os

três

capítulos

vão

nos

servir

como

instrumento

para

compreendermos a naturalização do racismo nos dias de hoje - vista no
começo da introdução. Por meio dele, enxergamos as elações de forças
presentes na sociedade, através da maneira como Leandro se relaciona com
elas e nelas se insere. Em que possibilita acessar um imaginário social, acerca
da existência desses grupos “indesejados” na sociedade.

1.1 História, literatura de cordel e sociedade

18

Procurar conhecer uma nação por meio e sua produção editorial é
mais ou
menos, o mesmo que julgar uma pessoa por sua caligrafia. Ambas
constituem partes muito pequenas da atividade total de um país ou de
uma pessoa, mas as duas podem ser muito reveladoras, pois nós
somos como nos expressamos. [...]
(HALLEWELL, 2012. O livro no Brasil p. 31)

1.1.1

A Relação entre História e Literatura

O uso da Literatura de cordel nos leva a refletir sobre a relação entre
História, Literatura e Sociedade, no que tange à análise das representações
das redes de ações e relações que constituem a vida cotidiana. A começar
pelas questões referentes às práticas de leitura e escrita e o universo cultural
que envolve tais processos.
A aproximação do historiador com os documentos do gênero literário,
segundo Roger Chartier, podem ser vistas por duas formas: a primeira ressalta
a condição de uma observação plenamente histórica dos textos. Para tal
perspectiva, é necessário entender que a relação contemporânea que temos
com essas obras não são invariantes e universais (CHARTIER, 1999. p. 05). O
que implica em identificar histórica e morfologicamente as diferentes
modalidades da inscrição, da transmissão e dos efeitos produzidos nos
discursos sobre a construção de seu sentido, que é a negociação entre
invenção literária e práticas de um mundo social. Como também, de
reconhecer a pluralidade das operações contidas tanto na produção, quanto na
publicação de qualquer texto. Em outras palavras, não se pode falar em
circulação do escrito sem tentar avaliar quem possuía esses textos, quem os
lia, qual era a conjuntura do impresso. Um mesmo texto em forma manuscrita
ou em forma impressa poderá ter diferentes circulações ou leitores, além de
diferentes interpretações.
A segunda é considerar que nesta relação, alguns textos literários são
representações agudas e originais da estrutura política, econômica, social e

19

cultural que conduzem tanto à produção como à transmissão do escrito. Tal
questão obriga os historiadores a pensarem as categorias fundamentais que
diferenciam a riqueza estética e comunicativa das “instituições literárias”. O que
pode ser perceptível, por meio da identificação do texto, como um escrito
fixado, estabilizado, manipulável graças à sua permanência. E, pela ideia de
que a obra é produzida para um leitor, na qual não existi, por parte do autor,
neutralidade quanto a intenção de como ele quer que o leiam.
Nicolau Sevcenko lembra que o estudo da literatura aplicado em uma
pesquisa historiográfica, preenche-se de significados muito peculiares. Mais do
que o testemunho de uma sociedade, esse tipo de documento traz em si um
anseio de ruptura, mas do que de permanência. Seu compromisso é maior com
a fantasia do que com a realidade, com aquilo que deveria ser a ordem das
coisas, do que com o que é de fato. Esse é o ponto importante a ser levado em
conta pelo pesquisador no que tange ao uso da literatura como documento.
Quando esses textos são empregados pelos historiadores perdem a sua
natureza literária para serem reconduzidos ao estatuto de “fonte”, válido por
permitir ao historiador mobilizar novos recursos e formas de abordagens, que
permitam explicar problemas referente a sociedade em um dado período e
lugar. Daí o cuidado necessário do historiador com o contexto de produção,
circulação e consumo deste material cultural, que está para além da
interpretação hermenêutica da obra.
Não se trata de pensar os textos literários como documentos realistas de
um contexto histórico, mas que atende suas especificidades enquanto texto
situado relativamente a outros textos (CHARTIER, 2002, p.63), onde as regras
literárias têm a produzir mais de que uma mera descrição. Todo texto, seja ele
científico ou não, segue regras do campo que é destinado. São formados a
partir de conceitos e ideologias de seus produtores, estabelecendo códigos da
escrita própria do gênero que emite o texto. É essa a categoria de análise que
o historiador tem que ter, para não cair em leituras positivas de qualquer tipo de
documentação:
[...] O real assume assim um novo sentido: aquilo que é real,
efetivamente, não é (ou não é apenas) a realidade visada pelo texto,
mas a própria maneira ele a cria, na historicidade da sua produção e
na intencionalidade de sua escrita. (CHARTIER, 2002, p. 63)

20

O “efeito do real” consiste em esconder sobre a ficção do “realismo” uma
forma, necessariamente interna a linguagem, um sentido que demonstra a
disponibilidade de uma dada comunidade fazer uso dos fatos acontecidos na
produção de lenda e ou ficções (CERTEAU, 1982, p. 35). Portanto, o relato do
“que aconteceu” dentro de um texto literário, não pode ser pensado como o
desaparecimento de sua referência ao real. Ela não é mais dada pelos objetos
narrados ou constituídos, mas na criação de modelos - que limita, resiste e
extingue outros - proporcionando as práticas que tornaram possível essa
atividade de produção social.
Nesse sentido, sua relação com o real é formada por meio dos modelos
discursivos e delimitação intelectual de cada situação de escrita. É certo, que a
literatura se apodera do passado, como também das relações sociais e
culturais de uma determinada sociedade (CHARTIER, 2009, p. 24). A ficção
não nos dá, obviamente, uma completude ou verdade absoluta do que foi
determinado momento histórico, porém, é importante perceber que um texto
literário é constituído por discursos em interlocução com o que poderia ser o
“real”:
(...) O teatro nos séculos XVI e XVII, e o romance no século XIX, se
apoderam do passado, deslocando para registro da ficção literária
fatos e personagens históricos e colocaram no cenário ou na página
situações que foram reais ou que são apresentadas com tais. (...)
(CHARTIER, 2009. p. 35)

São narrativas e palavras envolvidas com representações de elementos
reais, que por terem existido em um determinado momento histórico, produzem
sentido. Cabe ao historiador historicizar este passado, de que também se
apropria o romancista que escreve uma fábula, ou a memória que reconstrói
desse passado para seus próprios desejos ou necessidades do presente.
(FARGE, 2009).
A literatura impressiona também pela posição ambígua que exerce ao
desenvolvimento da trama e dos discursos construídos ao longo do texto
(FARGE, 2009). Isso abre caminho para perseguirmos os vestígios deixados
pelas regras discursivas, quanto aos jogos de poder que se estabelecem por
detrás da linearidade narrativa, das falas incorporadas pelos agentes sociais
que interagem dentro da trama, por meio das representações dadas aos

21

personagens. Que permite articular as diversas relações que os indivíduos ou
grupos mantêm com o mundo social, do qual a realidade é percebida,
construída e representada.
Daí a abertura que a literatura de cordel pode nos dar para que
investiguemos a identidade social de um determinado grupo social - no nosso
caso, é dos “grupos perigosos”. Conceito retirado de historiador Sidney
Chalhoub, onde a adesão a noção de “classes perigosas” surgi na história do
Brasil a partir da desagregação da sociedade tradicional, bem como na
desarticulação do trabalho escravo e no processo de republicanização do país.
Portanto, o uso desse conceito pode ser compreendido no ponto do surgimento
de preocupações subsequentes à situação de “recém libertos” que se
encontravam os negros no pós-abolição, por parte das autoridades públicas,
sobretudo, por suas presenças e circulações nos espaço público das grandes
cidades brasileira. Os “grupos perigosos” como problemas emergentes
“indesejados” a serem expulsos, presos, mecanizados ou eliminados. Nesse
contexto, as reformas provocadas pelo processo de modernidade sofreram
inversão de ordem profilática por meio do projeto higienista e das teorias
biológico-raciais.
As representações sociais dentro de um texto literário não são simples
imagens enganosas do mundo social. Elas têm potência própria, convencem
seus leitores ou espectadores que o real corresponde ao que é dito ou
mostrado nas narrativas. São percepções do social, discursos que produzem
práticas e buscam legitimar ou justificar, aos próprios indivíduos, as suas
escolhas e condutas. Nessa perspectiva, a literatura joga com aquilo que o
outro supostamente crê ou induz a crer (CERTEAU, 1994, p. 45).
[...] poder-se-ai dizer que a distinção entre ciências “exatas” e
ciências “humanas” não mais consiste numa diferença de
formalização ou de rigor da verificação, mas numa separação das
disciplinas de acordo com o lugar que oferecem, umas aospossíveis e
outras ao limite. Em todo caso, sem nenhuma dúvida, existe, ligada
ao trabalho do etnólogo ou do Historiador uma fascinação pelo limite
ou, o que é quase a mesma coisa, pelo outro. (CERTEAU, 1982, p.
37)

Há um limite entre História e Literatura que o historiador necessita
encontrar. E é aqui que chegamos à pergunta fundamental para a
compreensão do nosso trabalho feita por Antônio Candido, na obra Literatura e

22

Sociedade: em que medida a literatura é expressão de uma determinada
sociedade? (CANDIDO, 2011) e, ainda, em que medida ela é social, isto é,
interessada nos problemas sociais? Há nos cordéis uma interpretação dialética
e integrada das comunidades que os produziam, que pode ser pensada por
meio do contexto econômico, social, cultural e étnico-racial dos folhetos que
serão aqui analisados?
Segundo Candido, o externo – que seria o social - importa na construção
de qualquer texto, não como causa, nem como significado, mas como elemento
que desempenha certo papel na constituição da estrutura, tornando-se,
portanto, interno. Dando origem a dois campos de abordagens: sociologia e
literatura. Nesse caso, interessa verificar a relação entre a obra, os
condicionamentos sociais negligenciando a dimensão estética. A função social
da obra é considerada em si, independe da vontade ou da consciência dos
autores e consumidores da literatura, mas sim, da natureza e do próprio gênero
literário (CANDIDO, 2011). No caso do cordel – é necessário partir das
observações concretas dos fatos, das relações cotidianas dos indivíduos
negros no após abolição – ou seja, passar às análises estruturais e
comparativas, para chegar à função social dos folhetos em Recife nas duas
primeiras décadas do século XX, sem sacrificar seus aspectos estéticos e nem
sociológicos.
Portanto, o que nos interessa, de fato, é a combinação da analise
estrutural com a da função social dos cordéis, pois esse tipo de literatura ligase diretamente à vida coletiva da comunidade que a produziu, sendo parte de
sua memória, posto que suas histórias circularam na oralidade antes do texto
escrito.
As características do próprio gênero nos permite afirmar que o
cordelista nunca deixa de exprimir aspectos que interessa a todos da
comunidade em que está inserido. Suas rimas e métricas pressupõem um
ouvinte mais que um leitor – o que o constitui como um texto dialógico4. É
escrito para ser lido em voz alta e não por meio de ler o cordel silenciosamente.

4

O cordel é lido por despertar interesse pelo assunto, que é levando a uma tomada de posição
do leitor. Discordando ou concordando, dando uma resposta ao autor do texto. Ver: ROTTAVA,
Lúcia. A perspectiva dialógica na construção de sentidos em literatura e na escrita. Linguagem
& Ensino, Vol. 2, No. 2, 1999. pp.145-160.

23

Há uma clara relação com a tradição oral e com a memória5, visto que sua
leitura inscreve-se, ou exige, uma performance6 e teatralidade, seja na forma
de cantoria ou nas disputas. Segunda Márcia Azevedo de Abreu, essas
cantorias partiam de articulação de sequência de tópicos, aliados a forte
delimitação formal – quanto à estrofe, ao metro, à rima, e ao ritmo – o que
proporcionava padrões de constante repetição, bases fixas de apoio com as
quais a memória poderia dialogar.
A partir do início do século XX, o universo poético das cantorias passou
a ser publicado em forma de folhetos, surgindo um intercâmbio entre as
apresentações orais e os textos impressos: histórias publicadas em folhetos
eram decoradas pelos cantadores e passaram a ser apresentadas nas sessões
de cantorias. E é esse trânsito entre escrita e oralidade presente nesse tipo de
literatura que pode nos explicar o surgimento de uma literatura de cordel escrita
e impressa, em meio a uma grande maioria analfabeta no período.
É preciso dizer que essa transposição gráfica não implicou, no entanto,
na transformação completa dessa sociedade ao universo da escrita – esta
possui convenções e recursos próprios que, em grande medida, são distintos
daqueles característicos da oralidade. Os cordelistas mantiveram no seu
método de elaboração dos versos e estruturas linguísticas, mecanismos que
mantiveram a necessidade da leitura em voz alta, em espaços de oralidades. 7

5

A memória não é um refúgio, mas uma fonte que nos fornece uma séria de razões para lutar,
na qual a memória deixa aqui um caráter de reconstrução do passado e passar a ser memoria
geradora de um futuro, entendida como memória social, memória coletiva e histórica. Ver:
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de Velhos. São Paulo: Campainha das Letras.
2004. Pp55.
6
Performance, segundo Paul Zunthor, seria uma realização poética plena: um ato teatral, em
que se integram todos os elementos visuais, auditivos e táteis que constituem a presença de
um corpo e as circunstâncias nas quais ele existe. (…) contrariamente ao que se passa na
leitura, ato diferido, quando um poeta declama seu próprio texto, estamos diante dele numa
situação de diálogo, uma imediata se estabelece entre sua palavra, a percepção que temos
dele e os efeitos psíquicos que ele gera em nós. ZUNTHOR, Paul. Escritura e nomadismo.
Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005, p. 69-70.
7
Segundo João Bonfim a arte verbal do cordel não seria adequadamente representada como
“literatura”, simplesmente, nem como “literatura oral”, impropriamente. Isso porque os versos e
as narrativas que aparecem impressos são reproduzidos oralmente (lidos em voz alta,
recitados e ouvidos). Recorrem, portanto, às duas tradições: por um lado, lançam mão,
criticamente, de fórmulas ou formulares e temas largamente utilizados na oralidade; por outro
lado, ao serem grafados, impressos e distribuídos, tem seu alcance ampliados no tempo e no
espaço, uma das marcas do discurso escrito Ver: BONFIM, João Bosco Bezerra. O gênero do
Cordel sob a perspectiva crítica do discurso. [Tese de doutorado]. Brasília: Universidade
Federal de Brasília, 1999.

24

E é nessa relação com a escrita, que o leitor tem acesso ao texto pelo
ouvido e não pela visão. Este se engaja numa performance que o coloca em
relação direta, seja de modo consciente ou não, com o executante ou o
intérprete que lhe comunica o texto. O que estabelece uma reciprocidade de
relações entre o intérprete, o texto e o ouvinte/consumidor, provocando um
jogo comum a todos8. Seus versos, conforme se configuram na forma escrita,
impressos nos folhetos, pressupõe uma leitura pública em praças ou feiras, ou
seja, uma reunião de pessoas que possam compartilhar essas experiências em
comum.
Estas narrativas são, portanto, criadas dentro de um sistema de
coerência com ações que conferem valores próprios a comunidade. São
apresentados em versos metrificados e rimados, o que para determinadas
comunidades de leitores, contribui de forma efetiva para criar um efeito de
“verdade. Há, portanto, na produção desses textos uma forma pré-estabelecida
a ser respeitada para que se enquadre na estrutura oficial do gênero literário do
cordel, permitindo distinguir o que é ou não um folheto.
(…) os requisitos mínimos exigidos para que uma composição possa
ser integrada à literatura de folhetos são os de que ela seja escrita
em sextilhas, septilhas um texto em prosa como integrante da
literatura de folhetos, mesmo que ele venha a ser impresso com as
características tipográficas de um folheto (...).) (ABREU, 1993. 226)

Ou seja, os folhetos são constituídos por estrofes de versus de
diferentes formas, cujos modelos mais produtivos são as sextilhas (estrofes de
seis versos), com os versos septissílabos (sete), que metodologicamente
constitui o gênero literário de cordel. Apesar do rigor formal inerente à
composição, não há qualquer restrição temática: o poeta escreve sobre o que
lhe interessa, abrangendo tanto fatos jornalísticos, históricos, quanto criações
8

(…) enquanto na poesia oral, quem a diz ou o cantor emprega o “seu”, a função espetacular
da performance confere a esse pronome pessoal uma ambiguidade que o dilui na consciência
do ouvinte: “eu, a função espetacular da performance confere a esse pronome pessoal uma
ambiguidade que o dilui na consciência do ouvinte: eu é ele, que canta ou recita, mas sou eu,
somos nós; produz-se uma impessoalização da palavra que permite àquele que a escuta
captar muito facilmente por conta própria aquilo que o outro canta na primeira pessoa. O poder
identificador (se assim posso nomeá-lo) da performance é infinitamente maior que o da escrita.
Tal é, sem margem de dúvida, a razão que levou os moralistas do passado a condenar o teatro
(ao qual, sabemos, a poesia é estreitamente aparentada): o teatro dizia, subleva as paixões e
leva a ações irracionais, nefastas, portanto. A performance comporta um efeito profundo na
economia efetiva, envolvido nessa luta travada pela voz com o universo do em torno.
ZUNTHOR, p. 93

25

ficcionais. O critério de exclusão liga-se a forma e não à temática. Isto difere,
por exemplo, do cordel europeu9, que é mais um gênero editorial do que
propriamente literário, posto que as razões para a produção, distribuição e
consumo desses impressos, estiveram muito mais vinculada ao preço das
edições do que ao conteúdo (BONFIM, 1999, p. 24).
E é aí que esse gênero literário nos permite abocanhar os conflitos e as
resistências e organização social de determinados grupos tidos por “perigosos”.
Será por meio das narrativas dos cordéis de Leandro Gomes de Barros,
referetes a um dado momento histórico. São eles: Pelêja de Manuel Riachão
com o diabo; Pelêja de Romano e Inácio da catingueira; O diabo confessando
uma nova-seita, O imposto e a honra, A festa do mercado em Recife; O
casamento hoje em dia; Segundo debate de Riachão com o diabo fingindo ser
um homem chamado Munganga; O Retirante, entre outros que datam de 1889
a 1918.
Entendemos que é nos indícios deixados por esse gênero literário que a
história, a memória e a tradição se juntam, dando possibilidades ao historiador
de perceber as construções culturais e sociais que se configuram no entorno
do texto e seus leitores. Assim, podemos refletir como se dão as relações entre
os discursos com status de verdade - como aqueles sobre a inferioridade dos
indivíduos negros ao qual se atribui valor científico -, e as práticas culturais,
estratégias de sobrevivências, as táticas e as formas de consumo criativo
desses discursos pelas diversas comunidades que os consomem.
Esse material cultural deve ser pensado nos seus usos sociais, na
relação que mantém com seu público e as formas como eles usam esses
9

Segundo Chartier esta fórmula editorial, inventada pelos Oudot em Troyes, no século XVII –
que faz circular pelo reino livros de baixo preço, impressos em grande número e divulgados
através da venda ambulante – conheceu seu na época de Luis XIV. Nesse período, aumenta o
número, o repertório dos textos editados deste modo a livros, assim como sua difusão e
consumo. Para este autor isso não foi um fenômeno que aconteceu apenas na França, mas em
toda a Europa. A prática dos Oudot, como a dos Garnier, seus rivais, consiste em selecionar de
entre os textos já editados aqueles que lhes parecem convir ao vasto público visado, isto é,
aqueles que lhes parecem compatíveis com as expectativas ou capacidades da clientela a
atingir. Daí a diversidade extrema do repertório de Troyes, que vai buscar elementos a todos os
gêneros, a todos os períodos, a todos as literaturas. Daí, igualmente, a distância entre a escrita
do texto e a sua forma editorial: de modo nenhum pensado na perspectiva de uma edição
barata e de uma circulação popular, cada um dos textos de que se apodera a coleção de livros
de cordel visa um leitor implícito que não coincide necessariamente, longe disso, com o
comprador em que pensam os impressores de Troyes. Resulta claro que o repertório dos
pequenos livros de Troyes não é em si mesmo popular, pois é composto por textos de origem
diversa e que cada um visa uma eficácia, uma leitura, um público. Ver: CHARTIER, Roger. A
história cultural. Entre práticas e representações. Algés: Difel, 2002, pp. 165 a 167.

26

objetos que circulam na sociedade, como são recebidos, compreendidos,
manipulados e compartilhados de diversas maneiras por grupos sociais
diferentes (CHATIER, 1995. p. 184), para então, pensamos nos espaços para
que as “injunções constrangedoras” fossem apropriadas de forma “rebelde” e
“matreira” pelos grupos sociais entre os quais os negros inseridos, e visto pelo
poder público como “perigosos”.

1.1.2 - Autor e autoria
A seleção de um único sujeito histórico – Leandro Gomes de Barros para o estudo da história sociocultural de uma sociedade e de um período
específico do quais pretendemos nos aproximar, nos levou a refletir sobre as
questões relacionadas ao autor e a autoria discutidas por Michael Foucault
numa conferência intitulada O que é o autor? Nela obra ele propõe um conceito
de autor como “agente do discurso”. A “função do autor” seria garantir a
coerência do discurso, e isso pode referir-se a vários indivíduos que competem
e cooperam entre si, ou a uma pluralidade de vozes remetida a um só criador.
Em resumo, o discurso é entendido por Foucault como:
[...] a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que
manifesta (ou oculta) o desejo; é também, aquilo que é o objeto do
desejo; é visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o
discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas
de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual
nós queremos apoderar (FOUCAULT, 1971, p.10)

Para ele, portanto, é por meio do discurso que o autor enquadra, como
se fosse uma moldura, determinados elementos que incluem ou excluem
conceitos e valores de uma dada sociedade. O mesmo é uma forma de poder
que tornar algo verdadeiro ou falso. A função do autor é dar existência e
circulação a certas ideias que funcionam dentro de uma comunidade. O
discurso passa de uma teia de significantes em si mesmo, que não possui foco
no significado para ser significante no imaginário dos receptores. Reproduz
“de” e “para” esse imaginário consolidando a função de perpetuar as leis,
regras, normas, valores implícitos “no verdadeiro” socialmente aceito.

27

Nesse sentido, Foucault afirma que, por exemplo, textos pertencentes
aos discursos científicos - o filósofo faz contraponto com época e não com
modelo de texto - teriam maior apropriação da função do autor do que na Idade
Média ou na sociedade Moderna. O mesmo não acontece com os textos
literários.
[...] na ordem do discurso cientifico, a atribuição a um autor era, na
Idade Média, indispensável, pois era um indicador de verdade. Uma
proposição era considerada como recebendo de seu valor cientifico.
Desde o século XVII, esta função não cessou de se enfraquecer, no
discurso cientifico: o autor só funciona para dar um nome ao um
teorema, um efeito, uma síndrome. Em contrapartida na ordem do
discurso literário, e a partir da mesma época a função do autor não
cessou de se reforçar: todos os dramas ou comédias que se
deixavam circular na Idade Média no anonimato ao menos relativo,
eis que, agora se lhes pergunta (e exigem que responda) de onde
vêm, quem os escreveu; pede-se que o autor preste contas da
unidade do texto posto sobre o seu nome [...] (FOUCAULT, 1971, p.
27)

Por esse ponto de vista, os textos literários saíram do anonimato a partir
do século XVII, e se fossem apresentados sem o nome do autor haveria um
grande esforço para localizá-lo. Já os textos científicos eram aceitáveis e
demonstráveis por procedimento a um todo sistemático que lhes garantiam, e
não mais por referência a um indivíduo que o produziu. (CHARTIER, 2012, p.
90)
Essa visão de Foucault, segundo Chartier, provoca um quiasmo, posto
que não há fundamento histórico na sua afirmação ,uma vez que ele não deu
importância a diferença que devemos fazer ao estudar cada período histórico
entre autores antigos, canônicos e contemporâneos. O filosofo retirou do
sujeito (autor) seu papel criativo ao dar a função autor, apenas a assinatura da
obra, o que consistiria na marca deixada por ele pelas imposições sociais que
condicionam a escrita e que envolve uma demissão ética e antropológica.
Deve-se dizer que para este autor, o nascimento do leitor no mundo moderno,
implicou na “morte do autor”.
A crítica que Chartier faz a Foucault baseia-se apenas numa certa falta
de historicidade do filósofo em suas análises. Entretanto, concorda com ele ao
afirmar que o autor exerce uma função discursiva que varia conforme os tipos
de discursos e os contextos históricos. Que dá existência e circularidade a
certos discursos que faz sentido em uma dada sociedade, pois todos os textos

28

foram escritos por alguém, mas nem todos têm necessariamente um autor,
como os cordéis, por exemplo, que tem base na oralidade e na memória de
uma dada comunidade.
Concordamos com Chartier quando ele propõe uma historicidade do
autor, constituindo-o na sua descontinuidade, a qual é determinada pelos
diferentes lugares sociais10 que os autores ocupam ou ocuparam, nos
diferentes períodos históricos e pelas diferentes maneiras com que os textos se
relacionam com os autores.
Ou seja, é a relação entre texto e autoria que nos possibilita verificar o
“lugar social” que Leandro Gomes de Barros estava inserido, pois essas
informações nos darão vestígios sobre as transformações sofridas pelos
“grupos perigosos” dos quais Barros estava incluído. O que faz dele um
mediador entre diferentes mundos (VELHO & KUSCHNIR, 2001. p. 35), cujos
estilos de vidas e experiências vão se cruzando em formas de trocas
socioculturais. Ele carrega não apenas memórias próprias, como também, tem
formas particulares de se apropriar e interpretar outros níveis e dimensões
culturais da sociedade que está inserido.
Os indivíduos constituem suas identidades através da memória,
retrospectivamente, e de projetos, prospectivamente. Tudo isso
envolve deliberações e escolhas a partir de um quadro sociocultural e
de um campo de possibilidades cujos limites nem sempre são claros
[...] Os mediadores, estabelecendo comunicação entre grupos e
categorias sociais distintas, são, muitas vezes, agentes de
transformação, acentuando a importância do seu estudo. [..] (VELHO
& KUSCHNIR. p. 27)

É dentro da concepção de Leandro como “mediador cultural”, que
estaremos atentos para a inserção social e política do criador/produtor das
narrativas. Levaremos em conta, o campo das representações em que atua o
sujeito do discurso, para assim, procurarmos entender o meio social que Barros
estava inserido.
Leandro Gomes de Barros nasceu na fazenda Melancia, município de
Pombal (o velho arraial de Piranhas no Estado da Paraíba), em 19 de

10

Chartier baseia-se em Certeau (que se utiliza para situar a produção historiográfica no meio
político, econômico e culturais), adaptando o conceito para os escritores literários. Ver:
CHARTIER, Roger. Cultura Escrita, Literatura e História: Art Med. São Paulo, 2001. p. 90-1;
CERTEAU, Michel. A Escrita da História: Forense universitária. São Paulo, 1982. p.57

29

novembro de 1865. Antônio Klévisson Viana, na terceira edição da Série heróis
e mitos brasileiros (2005), afirma que Gomes faleceu no dia 4 de março de
1918, deixando sua produção literária – cerca de 1000 cordéis - para seu
genro, o escritor Pedro Batista, que publicou suas histórias em Guarabira,
Paraíba, até por volta de 1920 (IRANI, 2002. p. 70), período em que a viúva do
poeta vendeu parte dos direitos autorais ao cordelista João Martins de Atayde,
o qual passou a publicar as obras com seu nome, negando a autoria de
Leandro.
Órfão de pai antes dos dez anos, Leandro foi morar com o padre Vicente
Xavier de Farias, que se tornou tutor da família. O padre teria lhe iniciado no
universo da escrita, pois era professor de latim e humanidades (OLIVEIRA,
2012. p. 245). Na Paraíba, local de forte efervescência poética, conviveu com
sujeitos de expressiva importância para a poesia oral e escrita no Brasil, dentre
os quais, Nicandro Nunes da Costa, Bernardo Nogueira, Inácio da Catingueira
e Romano Mãe d‟água, todos eram poetas consagrados no seu meio, faziam
parte do ambiente do qual nosso poeta nasceu. Aos 15 anos, juntamente com
sua família, mudou-se para Pernambuco, como mais um dos milhares de
nordestinos que buscavam alternativas para contornar os problemas decorridos
das sucessivas variações climáticas que assolavam o interior do Nordeste e,
também para fugir da crise que passava a produção de cana-de-açúcar
naquele período.
Leandro morou em Vitória de Santo Antão, interior de Pernambuco, até
seu casamento. Começou a publicar seus folhetos em 1906. Nessa época
morava em Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha à capital. Em 1908,
passou a morar em Afogados, um subúrbio do Recife (OLIVEIRA, 2012. pp.
190 e 198). Supõe-se que começou a escrever seus cordéis no ano de 1889,
aos 24 anos, data que se casou - como podemos observar em um dos seus
cordéis, A Mulher roubada, publicado em 1907. Sobre o tempo de suas
atividades literárias o cordelista avisa seus leitores:

Leitores peço-lhes desculpa
Se a obra não for de agrado
Sou um poeta sem força
O tempo me tem estragado,

30

Escrevo há 18 anos
Tenho razão de estar cansado (BARROS, 1907. p. 01)

Leandro tinha um espírito crítico e não deixava escapar uma única
oportunidade de “ler com olhos da verdade a realidade”. Possibilitando fluir o
espírito criativo, utilizava-se frequentemente da paródia, da sátira, da alegoria e
da carnavalização para tratar temas de interesse de toda comunidade como:
modernidade falta de assistencialismo do governo, repressão aos “grupos
perigosos”, questões que eram facilmente assimiladas e compreendidas por
seus leitores. Câmara Cascudo na obra Vaqueiros e Cantadores, registra que
Barros

escreveu

para

sertanejos,

matutos,

cantadores,

cangaceiros,

almocreves, comboieiros, feirantes e vaqueiros (CASCUDO, 1984, p. 318).
Segundo Viana, Leandro foi um percussor da impressão, da publicação
e dos cordéis, o que lhe permitiu divulgar nas feiras de diversas regiões do
nordeste seus poemas. E aí está outra atividade inovadora do cordelista, para
além da publicação: a venda dos livretos por agentes - pessoas que faziam
parte do meio social de Barros e que eram encarregados de vender seus
folhetos em férias pelo agreste e sertão.
Apesar de ser um dos maiores autores de seu tempo, constituindo um
enorme patrimônio poético, seu ofício não garantia a certeza de riqueza. Aliás,
em nenhum dos documentos pesquisados, há quaisquer referências a
enriquecimento com a venda de folhetos. Ao contrário, o que apresentam, de
modo geral, é uma constante batalha pela sobrevivência como podemos
observar nos versus do cordel O Cometa, publicado em, 1910:

Chego em casa muito triste,
Achei a mulher trombuda,
Perguntei: filha o que tem?
Pespondeu-me, carrancuda:
Ora a 18 de Maio,
O mundo velho se muda.

Perguntei: tem jantar promto?
Venho com fome e cançado,

31

Desde hontem, respondeu-me,
Que o fogão está apagado,
Devido a esse cometa’
Não querem vender fiado.
[...] (BARROS, 1910. p. 01)

A narrativa faz referência a aparição do cometa Halley, que passou pela
Terra em 18 de maio de 1910, data fielmente registrada no folheto. No texto, o
poeta argumenta que havia voltado de uma viagem, certamente para vender
seus folhetos, ao chegar a casa viu a situação lastimável que sua esposa
estava passando.
Portanto, podemos dizer que a função do autor não se restringe apenas
a dar voz aos discursos que circulam em seu meio, sendo apenas o resultante,
ou até mesmo um simples foco refletor. Sua poesia era produzida maciçamente
no Recife e divulgada em todas as capitais nordestinas, onde operava uma
espécie de politização às “avessas” do homem do sertão, que não tinha contato
com as notícias veiculadas pelos jornais que percorriam o país.

1.2 “Cultura Popular”: Um campo de discussão

A discussão sobre cultura popular é fundamental para a compreensão
da função social do cordel em relação aos grupos marginalizados. Pois, esse
tipo de literatura tem sido considerado pelos teóricos literários como “popular”,
o que implicaria em uma literatura produzida e consumida pelo povo. O que
nos leva a alguns questionamentos: Quais são os grupos sociais que fazem
parte do que é visto como “popular”? Os indivíduos negros e suas
manifestações culturais seriam populares? Se o termo deriva da palavra povo,
quem seria esse povo?
Recentemente, o uso do termo cultura, foi ampliado e incorporando a
cultura vista como “popular”, a qual passou a ser empregado para caracterizar
práticas vindas de grupos que não eram burgueses como, por exemplo:
literatura de cordel, canções folclóricas e medicina popular, entre outras
práticas (DOMINGOS, 2011, p.19). Sendo delimitada, produzida de forma que

32

nomeava e caracterizava produções e condutas que não pertencia ao meio
“letrado”. Essa percepção tem trazido algumas contradições no meio
acadêmico, sobre o conceito de “cultura popular”. Chartier reduz essas
contradições em dois modelos de interpretação que se tem sobre cultura
popular:
Assumindo o risco de simplificar ao extremo, é possível reduzir as
inúmeras definições da cultura popular a dois grandes modelos de
descrição e interpretação. O primeiro, no intuito de abolir toda forma
de etnocentrismo cultural, concebe a cultura popular como um
sistema simbólico coerente e autônomo, que funciona segundo uma
lógica absolutamente alheia e irredutível à da cultura letrada. O
segundo, preocupado em lembrar a existência das relações de
dominação que organiza o mundo social, percebe a cultura popular
em suas dependências e carências em relação à cultura dos
dominantes. [...] (CARTIER, 1995. p. 179)

Para Chartier existem perigos metodológicos nas duas formas de
interpretações. No primeiro modelo da “cultura popular” autos suficiente,
centrada em si mesmo, corre-se o risco de ver as diferenças de práticas sociais
como inferiores às dos grupos dominantes. No segundo modelo, a análise
torna-se passível de ser vista como negativa. Ao exaltar a “cultura popular”
como dependente da “erudita”, dá-lhe uma margem a hierarquias existentes do
mundo social, na qual o “popular” ocupa o segundo plano, a partir da
perspectiva dominante.
Autores como Michel de Certeau, Dominique Julia e Jacques Revel,
despertaram para o problema de se reconhecer uma cultura como sendo algo
exclusivamente popular. Para estes historiadores franceses, muito do que hoje
chamamos de cultura popular resultou de uma fabricação deliberada das elites:
concordava-se em exaltar a inocência e a importância da cultura popular
quanto mais se mobilizava para acelerar sua morte, numa atitude de só atribuir
valor às manifestações culturais vistas como “populares” quando estas não
representavam mais perigo, ou seja, estavam mortas, daí o título do artigo de
Michel de Certeau “A beleza do morto”..
A “cultura popular”, nessa perspectiva, significaria um “fantasma” que
teria que ser exorcizado, tornado folclore, lembrado em uma data específica.
Não é de estranhar que este objeto assumisse a imagem de uma origem
perdida:

33
É exatamente isso que o historiador – é, afinal, nosso lugar – pode
apontar às analises literários da cultura. Por função, ele desaloja
estes últimos de uma pretensa condição de puros espectadores ao
lhes manifestar a presença, por toda parte, de mecanismo sociais de
seleção, de crítica, de repressão, mostrando, mostrando-lhes que é
sempre violência que funda um saber. (...) A história das antigas
divisões nos ensina que nenhuma delas é indiferente, que toda
organização supõe uma repressão. Simplesmente não é certeza que
essa repressão deva sempre se fazer segundo uma distribuição
social hierárquica das culturas. O que ela pode ser é a experiência
política viva de nos ensina-la, se a soubermos ler. (...) (CERTEAU,
JULIA & REVEL, 1995. p. 81)

A definição de duas culturas – erudita e popular – não passa de uma
fabricação que atribui valores positivos a determinados grupos populacionais e
a outros não. Daí poder-se-ia perceber os conflitos sociais anulados dentro
dessa perspectiva, do qual é fabricada a cultura popular, e por sua vez, a
identidade de um determinado grupo social.
Compartilhamos da ideia de Roger Chartier que, mais do que se
preocupar com a definição de “cultura popular”, é necessário pensar nas
formas de uso social que cada comunidade cultural faz do mesmo material.
Não há uma cultura destinada a um grupo específico, mas sim formas de
apropriações diferenciadas de um mesmo produto.
Nesse sentido, nossa intenção não é entender a cultura por meio da
dicotomia Popular/erudita, mas pela forma de apropriação que grupos e
indivíduos fazem de um mesmo material. Para Roger Chartier, quando
pensamos no conceito da “cultura popular” torna-se:
(...) inútil querer identificar a cultura popular a partir da distribuição
supostamente especifica de certos objetos ou modelos culturais. O
que importa, de fato, tanto quanto sua repartição, sempre mais
complexa do que parece, é sua apropriação pelos grupos ou
indivíduos. Não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia de
distribuição que supõe implicitamente que às hierarquias das classes
ou grupos corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos
hábitos culturais. Em toda sociedade, as formas de apropriação dos
textos, dos códigos, dos modelos compartilhados são tão ou mais
geradoras de distinção que as práticas próprias de cada grupo social.
(CHARTIER, 1995. p. 184)

Assim, o “popular” não pode ser visto como um conjunto de elementos
que bastaria ser identificado e descrito, mas, sim, pensado por meio das
modalidades diferenciadas pelas quais cada grupo social se apropria delas,

34

fazem usos das matérias, o que está diretamente ligado ao conceito de
apropriação11. É com base nele que os setores sociais operam a “produção de
sentidos”. Ou seja:
Atribuir a categoria de “popular” a modos de ler, e não a classes de
textos, é, ao mesmo tempo, essencial e arriscado. Após o estudo
exemplar de Carlo Ginzburg, tem sido muito a tentação de
caracterizar a leitura popular a partir da de Menocchio – ou seja,
como uma leitura descontinua que desmembra os textos,
descontextualizada as palavras e frases limita-se a literalidade do
sentido. Este tipo de diagnóstico encontrou confirmação na análise
das estruturas – ao mesmo tempo textuais e materiais – dos
impressos destinados ao grande público, cujo a organização em
sequenciais breves e desconjuntadas, encerradas em si mesmas,
repetitivas, parece adequar-se a uma leitura picotada, sem memória,
sustentadas por fragmentos do texto. (CHARTIER, 1995. p. 188)

Para ele essa divisão de culturas conduz a uma problemática, que tem
implicações metodológicas na produção historiográfica: a oposição entre
criação e consumo, entre produção e recepção. Seu argumento é de que a
separação radical entre produção e consumo leva a pensar que as ideias ou as
formas têm sentido próprio, totalmente independente de sua apropriação para
um grupo de sujeitos (CHARTIER, 2002, p. 58).
Agir como se os textos tivessem significados em si mesmos, fora das
leituras que lhes conferem sentidos, é elevar tais textos ao estatuto de
categorias absolutas e universais, em última instância, a-históricas. Podemos
pensar, por exemplo, o caso da antropóloga americana Laura Bohannan que,
ao visitar uma tribo africana, os Tiv, povo agrícola que vive no Norte da África,
narra para eles a peça de Shakespeare, Hamlet. O desacordo entre a
antropóloga e seus ouvintes foi total:
[...] a começar pelo fato de que eles apoiaram enfaticamente o
comportamento de Gertrude, que, segundo eles, agiu de modo muito
adequado casando-se rapidamente depois de ter ficado viúva. Se não
fosse assim, perguntou uma jovem esposa que ouvia a história,
“Quem vai arar seus campos enquanto você não tiver marido
Por outro lado o comportamento de Hamlet bastante reprovável.
Segundo a interpretação dos anciãos, ele não viu o fantasma do pai e
11

De acordo com Chartier (1990, p. 27), o termo “apropriação” é visto como “a maneira de usar
os produtos culturais” e de “re-escritura”, que ocorre na diferença e nas transformações
sofridas pelos textos quando adaptados às necessidades expectativas do leitor. A apropriação
tem por objetivo uma história social das interpretações remetidas para as suas determinações
fundamentais (que são sociais, institucional, cultural) e inscritas nas práticas específicas que as
produzem.

35
sim “um agouro”. Ele deveria saber que os feiticeiros, às vezes,
enviam falsos agouros, por isso ele foi um tolo por não ter procurado
um especialista na decifração de presságios, o qual, certamente,
seria capaz de lhe contar como seu pai morrera, se fora [...] De posse
dessa informação, não caberia a ele tomar uma atitude, competindo
aos anciãos de se grupo resolver o caso – [...] A famosa morte de
Ofélia pareceu muito difícil de compreender, pois segundo explicaram
os anciãos “a água em si não faz mal a ninguém. É algo para beber e
se banhar, nada mais”. Nesse sentindo sua morte somente poderia
ser explicada pela feitiçaria: só os feiticeiros podem fazer alguém se
afogar.Cláudio, além de ter feito a coisa certa casando-se com a
esposa do seu irmão – entre os Tiv, “o irmão mais moço também se
casa com a viúva do mais velho, tornando se o pai de seus filhos” -,
fora astucioso ao preparar o veneno final. Entretanto, aos olhos dos
Tiv, seu objetivo não poderia ser matar Hamlet. Ao contrário, o
veneno preparado por Cláudio era destinado ao vencedor da luta,
fosse quem fosse, para que não sobresse vestígio de suas
maquinações. (ABREU, 2011, pp.137 e 138)

Os desacordos entre o olhar da antropóloga, resultado da visão
ocidental sobre Hamlet, e os olhares dos Tiv, podem nos fazer pensar nas
diferenças formas de organizações sociais e percepção de mundo que ambos
possuim. Dessa forma, restabelecer a historicidade do produto exige que o
“consumo” cultural desse material seja concebido, também, como uma
produção, que, não fabrica outro objeto, mas constitui representações que não
são idênticas às que o autor ou artista, embutiu na sua obra. Daí então, anular
o corte entre produzir e consumir, é antes de mais nada afirmar que a obra só
adquire sentido através da diversidade de interpretações que constroem as
suas significações. (CHARTIER, 2002, p.59). Ou como nos diz Bourdieu: um
livro muda pelo fato de que não muda quando o mundo muda (BOURDIEU,
1992, p. 157).
São essas significações que devem levar o historiador a repensar a
relação entre um público designado como “popular” e as ideias vindas de
grupos intelectualizados. No caso do nosso estudo, a relação entre os textos
de cordel e a produção científica relacionada às questões da modernização no
final do século XIX e início do século XX – 1888/1920. Estas levaram a
estabelecer combates com as práticas culturais, como também com o saberes
dos grupos que não correspondiam ao ideal de progresso idealizado pelo
projeto de nação daselites. Daí foram construídos estigmas de “vagabundo”,
“desordeiros” e “perigosos” ao mesmos com intuito de produzir padrões

36

disciplinadores para deixá-los à margem da sociedade ou subalternizá-los
como moeda barata.
Portanto, podemos afirmar que a "cultura popular" situa-se nos espaços
de enfrentamentos das relações que ligam dois pontos: o primeiro, os
mecanismos da dominação simbólica, cujo objetivo é tornar aceitáveis, pelos
próprios dominados, as representações e as formas de consumo que, as
qualificam, ou antes, desqualificam sua cultura como inferior e ilegítima. No
segundo, as lógicas específicas em funcionamento nos usos e nas maneiras de
apropriação do que é imposto.
Essas tensões nos levam a concluir que as formas em que se
apresentam a “cultura popular”, desde as práticas do quotidiano até as formas
de consumo cultural, podem ser pensadas como táticas produtoras de sentido,
(CHARTEIR, 2002, p. 83) embora de um sentido possivelmente estranho
àquele visado pelos produtores: a uma produção racionalizada, expansionista e
centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra produção, chamada
consumo (CERTEAU, 2004, p. 78). Ela é matreira e dispersa, mas se insinua
em todo o lugar silencioso e quase invisível, pois não se manifesta através de
produtos próprios e, sim, através de modos de usar os produtos impostos pela
ordem econômica dominante.
É dentro do que é visto como “popular” que percebemos a análise
Bakhtin12 sobre o carnaval13 no renascimento europeu. Lugar onde se revelaria

12

Bakhtin desenvolve seus estudos sobre a linguagem dentro de uma perspectiva marxista, dá
outro direcionamento à relação linguagem-mundo-pensamento. Ainda que desenvolva seus
estudos considerando os fatores sociais na formação da consciência ideológica e da língua,
tais como a divisão das classes sociais, a variedade de profissões, de gênero, ele não
centraliza suas análises na determinação do modo de produção capitalista, mas na dialética
cultural e social. Para o autor, a língua é a realidade material específica da criação ideológica.
Seu postulado de que todo signo é ideológico e de que, na sua função comunicativa, o signo
não só reflete, mas também refrata a realidade, aponta para uma concepção de língua como
um campo de forças, tal qual o existente na desigualdade social. A língua, portanto, não é um
instrumento apto apreender, ou não, como realmente são as coisas, ela é um fragmento
material da realidade (BAKHTIN, 1999, p.3). E é nesse universo que a consciência se forma: a
consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e,
consequentemente, somente no processo de interação social. Ou seja, os signos refletem e
refratam a realidade, cada contexto enunciativo não só absorve da língua as intenções
“alheias” e as perspectivas sócio ideológicas pelas quais as palavras foram marcadas, mas
ambém integram estas à ação de forças pertencentes ao novo contexto.Ver:BAKTHIN, Mikhail

Mikhailovich. Cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1999.
13

O carnaval criou uma linguagem de formas concreto-sensoriais simbólicas, entre as ações de
massas e gestos carnavalescos que exprime de forma diversificada uma cosmovisão

37

os conflitos dialéticos, os aspectos mais profundos da realidade cotidiana. Era
no carnaval que se perpassava a esfera artística do espetáculo teatral,
situando-se nas fronteiras entre a arte e a vida. Era nesse período do ano que
haveria uma inversão de valores atribuídos ao realismo grotesco, o qual
poderia ser definido como a manifestação dos contraditórios, o mundo às
avessas- o que estava no alto (céu, espírito, rosto, cabeça) se juntaria com o
que estava em baixo (terra, corpo, órgão genitais) (BAKHTIN,1999. pp. 7 e 8).
Ao mesmo tempo envolvidos na produção da vida, se unem aos demais ao
travestir-se de fantasias e máscaras todos os corpos individuais formam um
único corpo. Essas manifestações transformavam e abalavam as certezas do
mundo trivial, da mesma forma como o riso e a ironia. Tais elementos
dialogavam para desconstruir a organização social e suas ideologias, como
também, seria um convite à crítica, a uma ruptura de referências simbólicas ao
reler o mundo dando-lhe significado contrário.
Daí podemos, arriscar dizer que o momento do carnaval e do realismo
grotesco que o acompanha, ser um momento possível de investigação sobre
as formas de consumo criativo, dos modos de apropriação14 cultural defendida
por Roger Chartier. Esse conceito nos é útil quando pensamos nas diferentes
formas de racismos presentes nos hábitos, nas falas, nos gestos etc, da
população negra, assim como das suas formas de resistências, ou seja, como
as ideias raciais foram interpretadas por distintos grupos de indivíduos.
Divergimos da concepção que estabelece a dicotomia erudita x popular.
Um exemplo é Carlos Drummond de Andrade na crônica publicada no Jornal
do Brasil, em nove de setembro de 1976, onde Drummond exalta Leandro
Gomes de Barros, por meio de um conjunto de elementos caracterizados como
parte de uma legitima “cultura popular nordestina”. Ao mesmo tempo, questiona

carnavalesca, que penetra todas as esferas da vida. Sendo transposta para a linguagem
cognata, em termos simples, para a linguagem da literatura. Dessa forma, é a transposição do
carnaval para a linguagem da literatura que chamamos carnavalização da literatura (BAKHTIN,
1999. p.122).
14
A apropriação visa a elaboração de uma história social das interpretações, remetidas para
suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais e culturais) e inscritas nas
práticas específicas que as produzem. Ou seja, as práticas de utilização dos materiais
culturais, das diferentes formas de interpretação dos produtos culturais por distintos grupos ou
indivíduos. Assim, a apropriação tal como a entendemos, tem por objetivo uma história social
das interpretações remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais,
institucional, cultural) e inscritas nas práticas específicas que as produzem. Ver: CHARTIER,
Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Algés: Difel, 2002.pp. 26 e 27.

38

o título de príncipe dos poetas ter ido para Olavo Bilac e não para Leandro, na
eleição promovida pela revista Fon-fon, em 1913. O autor aponta para o
equívoco da banca que o elegeu, asseverando que o título caberia ao poeta
popular do Nordeste:
Em 1913, certamente mal informados 39 escritores, num total de 173,
elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas
brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser
concebido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome
desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela
revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do País,
onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor
de “Ouvir Estrelas”. (...) E aqui desfaço a perplexidade que algum
leitor não familiarizado com o assunto está sentindo ao ver
defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro de Barros. Um é
poeta erudito, produto da cultura urbana e burguesia média; o outro,
planta sertaneja Vicejando à margem do cangaço, da seca e da
pobreza. Aquele tenha livros admirados nas rodas sociais, e os
salões o recebiam com flores. Este, espalhava seus versus em
folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas,
vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pé no chão. A
poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma
zona limitada de bem-estar social, bebia inspiração europeia e
mesmo quando se debruçava sobres temas brasileiros, só era
capitada pela elite que comandava o sistema de poder político
econômico e mundano. A de Leandro pobre de ritmos,isenta de
louvores musicais, sem apoio livresco, era o que o poeta, e
necessitados de ver convertida e sublimada em conto a (...). Não foi
príncipe de poetas de asfaltos, mas no julgamento do povo, rei da
poesia do sertão e do Brasil em estado puro (JORNAL DO BRASIL,
1976).

Na referida crônica de 1976, Drummond atribui ao poeta nordestino o
papel

de

“representante

da

realidade pura

vivida

pelos brasileiros”,

principalmente os de baixa extração social. Entretanto, Drummond ao colocar a
poesia de barros na perspectiva um estado “puro” limita-a, pois necessitaria ser
lapidada, estabelecendo uma dicotomia em que a primeira seria superior a
segunda. Portanto, nota-se que os intelectuais chamam de “cultura popular” é
uma fabricação limitada e folclorizada, estabelecida por certos grupos
intelectuais e sendo exaltadas apenas em momento estratégicos como se
refere Certeau na Beleza do morto
A paradigmática poesia de Leandro vai além do conceito “popular”,
atravessou todo o século XX, alcançando diversas regiões do país. A vasta
produção de folhetos atribuída ao poeta abrange os mais variados temas,
conforme versejou Antônio Klévisson Viana na biografia rimada de Leandro
Gomes de Barros: O Pioneiro da Literatura de Cordel:

39

Pois além de pioneiro,
Leandro foi um gigante
À poesia popular
Deu legado relevante
Escreveu drama e tragédia
Fez gracejo e fez comédia
Com sua lira atuante.
A sua obra sabemos
Ser centenas de poemas
Escreveu vários estilos
Seguindo vários esquemas
No romance e no folheto
Sua pena era amuleto
Dominando vários temas. (VIANA, 2005, p. 02)
A representação contida no cordel ultrapassa do gênero “literatura
popular”. As questões que a poesia de Barros aborda: religião, seca, fome,
exclusões sociais em um país que estava em curso à modernização e a ideia
de progresso a qualquer custo - referenciadas por Olavo Bilac, filho da Bella
époque - sai da fronteira tida simplesmente como “popular”. As representações
contidas nelas não são superestruturas, mas algo que se dá de forma dialética
com a cultura material.
Levando em conta estas considerações, podemos vislumbrar que os
cordéis possuíam forte relação com seu público, uma vez que seus conteúdos
dispõem de opiniões, vivências e experiências bastante semelhantes às de
seus consumidores, como podemos confirmar no folheto: Suspiro de um
sertanejo, Nele Leandro debruça seu olhar sobre a cidade e seu lugar
sociocultural dentro dela:

Minha alma triste,
Em deslumbrante desejo
Há tempos que não a vejo!
São suspiros arrancados

40

Do peito de um sertanejo

Morro, não me esqueço
De tudo que encerra
Esta santa terra,
Meu sagrado berço,
Solo abençoado
Hoje desterrado
Me vejo proscrito,
Arrancando um grito
De um peito cansado
(GOMES, 1910. p. 05)
No mundo “arcaico”, não “civilizado”, não “urbanizado” que está o nosso
autor, ele sente-se “desterrado” e “proscrito” em uma cidade estranha. Se vê
abandonado. A cidade não lhe parece melhor que o campo, de onde saiu à
procura das promessas trazidas pela urbanização.
Levando em conta que a maioria dos cordéis de Leandro são críticas ao
Estado e a falta de assistencialismo do governo aos grupos menos favorecido
economicamente, é possível que Leandro fosse um homem politizado, que
estava ciente dos problemas sociais existente no seu meio.
Assim, o cordel nos possibilita uma investigação histórica preocupada
em não esquecer ou ocultar os conflitos dialéticos, ao registrar e expressar
aspectos complexos e conflituosos do campo social no qual se insere, nos
permitindo entender as relações de práticas sociais do seu período. Visto que,
se constituiu a partir de um mundo social, cultural, político e étnico racial. Uma
testemunha que se realiza pelo filtro de um olhar, de percepções e leituras da
realidade, em especial da situação dos negros, como “grupos perigosos” no
pós abolição

2. A modernidade no Brasil e a exclusão dos grupos
“perigosos”

A modernidade traça, portanto, os caminhos dos seus

41
labirintos a partir de pontos diversos, difíceis de ser
distinguidos, como uma paisagem na neblina. Mas a
modernidade não traça seus destinos acima da vontade
dos homens. Como um processo independente.
Existem os que determinam a extensão desses caminhos.
Existem os que conhecem a arquitetura que
definiu-os desenhos que tomam conta, como paisagens das
paredes dos labirintos. A modernidade sendo
apresentada como um destino único, praticamente, violenta a
capacidade de reinventar trilhas e territórios tão
presentes na história.
(REZENDE, 1997, p. 89).

2.1 – Um breve histórico das ideias raciais no Brasil

O início das atividades literárias de Leandro Gomes de Barros, em 1889,
nos remete ao início da República, denominado “República das oligarquias”15,
que vai até 1930. Essa nova política tornava o Brasil uma República federativa
e presidencialista como o modelo norte-americano. José Murilo de Carvalho, ao
analisar surgimento do sistema Republicano no Brasil chega à seguinte
conclusão:
O que menos sobrevive hoje são os valores e atitudes republicanos.
Na raiz do sistema imperial, herdada pela Primeira República: a
incapacidade de, depois de garantir a sobrevivência do Estado
Nacional, promover a expansão da cidadania política. A elite política
se manteve limitada e fechada, e o povo só foi entrar de fato no
sistema político depois do Estado Novo. (CARVALHO, 2002. p. 58,
2002)

15

Norberto Bobbio, após várias considerações sobre a origem do conceito de oligarquia entre
os escritores políticos da Antiguidade e a renovação de seu uso na ciência política
contemporânea, conclui que, em certo sentido, todo Estado é uma oligarquia na medida em
que é dirigido por uma minoria. Por si só invalida a possibilidade de tal conceito vir a especificar
qualquer forma histórica de Estado. Bobbio faz referência à utilização do termo: por um grupo
de poder restrito, homogêneo, estável, com organização interna e fortes vínculos entre seus
membros, pouco confiante na lealdade de quem a ele pertence e cauteloso na admissão de
novos membros; é um grupo que governa de modo autoritário, robustecendo o executivo,
controlando o judiciário, marginalizando ou excluindo o Parlamento, desencorajando ou
eliminando a oposição.Ver: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília, 1986.

42

É certo, que a República no Brasil criou uma cidadania precária e
limitada dentro das práticas do coronelismo 16, da “política do café com leite” e
do “voto de cabresto”. Tais formas de governo concentravam o poder nas mãos
de uma pequena elite mantida por suas riquezas, suas importâncias sociais,
seus laços familiares e forças militares. Em outras palavras, um paradoxo ao
conceito de República que, por sua vez, devia nos remeter à participação
política de todos os cidadãos, a divisões de poderes, a uma percepção de
justiça, que vai ao encontro dos interesses coletivos. Segundo a historiadora
Maria Efigênia Lage de Resende:
[...] ambígua e contraditória, a expressão revela que o advento da
República, cujo pressuposto teórico é o de governo destinado a servir
a coisa pública ou ao interesse coletivo, teve significado
extremamente limitado no processo histórico de construção da
democracia e de expansão da cidadania no Brasil. (RESENDE,2003,
p. 91)

Ou seja, o sistema republicano brasileiro fundou-se sobre a promessa de
igualdade entre os povos. Entretanto, os primeiros problemas a serem
enfrentados nas duas primeiras décadas da República, estiveram relacionados
à integração social e política da população negra – vista como principal
responsável pela desordem - que não correspondia ao modelo de cidadãos
enfatizado pelas teorias raciais daquele período. Além disso, a constituição do
quadro político brasileiro era composta por uma elite formada por coronéis exsenhores de escravos nepotista e extremante excludente em termos sociais,
políticos e econômicos.
Os pensadores do final do século XIX e início do século XX, dotados das
linguagens ideológicas do positivismo de Comte, do darwinismo social e do
evolucionismo de Spencer vindos da Europa17, baseavam-se em dois critérios
16

Maria Isaura Pereira de Queiroz entende o coronelismo como uma forma específica de poder
político brasileiro da República Velha assumida pelo mandonismo local na sua adaptação ao
regime político de extensa base representativa. A autora percebe o fenômeno como uma
estrutura de clientela política originada nos grupos de parentela. QUEIROZ, Maria Isaura
Pereira de. O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira. São Paulo: Alfa-omega, 1976. p.
45.
17 A ideia de que a Europa constitui um espaço radicalmente diferente e superior ao resto do
mundo aparece a partir do século XVI. O Ocidente, uma pequena parte da Europa ocidental,
impôs a partir de então ao mundo a sua interpretação do espaço e do tempo, dos valores e das
instituições necessárias para gerir esse espaço e esse tempo. Estas interpretações, e os
valores e estruturas que os aplicavam, transformaram-se gradualmente na versão superior
destes, emergindo a Europa como o apogeu do progresso, devido às suas condições

43

contraditórios para resolver a questão da integração destes grupos étnicoraciais ao “povo brasileiro”. O primeiro critério a ser observado, é que adotaram
o modelo determinista e suas reflexões sobre raças. Em outros termos, raças
superiores levariam a uma nação “moderna” e “civilizada”.
As teorias foram se propagando ao longo do processo histórico do final
do século XIX e começo do XX, dentro do pensamento científico europeu 18. Tal
ideologia racista ganhou espaço no cenário mundial, utilizando-se das ideias
para reafirmar a raça ariana como superior a todas as outras. Partia-se do
pressuposto que os povos arianos criariam grandes nações que alcançariam
alto patamar, por seu poderio militar e intelectual oriundos das culturas
racionais e civilizadas. Em contrapartida, as nações mais fracas seriam aquelas
criadas por raças impuras ou mestiças, que não tivessem a totalidade de
indivíduos de origem única. O que significava uma base de sustentação teórica
para as práticas conservadoras, onde eram colocados em destaques os
vínculos que uniam esse tipo de modelo ao imperialismo europeu. Tendo a
noção de “seleção natural” como justificativa para explicação do domínio
ocidental sobre as outras nações por ser o “mais forte e adaptado”.
Entretanto, verificaram que no Brasil miscigenado, marcado por
diversidades regionais, tendo a escravidão como herança e um estado
reduzido ao servilismo político seria inviável para construção de uma nação
(SALIBA, 1998, p. 45). Era necessário construir um ideal de brasileiro19 que

supostamente excepcionais. O racismo crescia para dar expansão imperial, e revelava-se, por
isso, quase inseparável do excepcionalíssimo europeu: os invasores europeus venciam porque
pertenciam a uma „raça superior‟.17Ver: MENESES, Maria Paula. Mundos locais, mundos
globais? Desafios para outras leituras da diversidade do Sul. Porto: Campo das Letras, 2008.
pp. 5 e 6.
18
Segundo Hannah Arendt, foi na França que surgiram as sementes do pensamento racial, com
objetivo de se definir as classes sociais. Ela dá exemplos do conde Boulainvileis, que escreveu
no começo do século XVIII, várias obras como intuito de separar a plebe da nobreza, criando
uma justificativa para existência de ambas. Como se a história da França fosse feita por duas
nações diferentes, uma composta por Gauleses e outra pelos germânicos, que teria ganho o
direito do poder pela conquista de governar um povo “inferior” os Galo-romanos. Ver: ARENDT,
Hannah. Origem do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
19
O alemão Heinrich Handelmann propõe um projeto de tornar o Brasil uma potência próxima
ao modelo de civilização europeia. Formado em direito e professor de História, pública em
Berlim de 1860 a obra “Históriado Brasil”, mas que só foi traduzida para o português em 1918,
pelo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Nela o autor faz um balaço da
imigração adotado pelo império brasileiro, na qual apresenta uma teoria racista de origem
positivista cuja premissa consistia em que o progresso do Brasil dependia não somente de seu
desenvolvimento econômico ou de implantação de instituições modernas, mas também, do
aprimoramento racial do seu povo, ou seja, era necessária uma nação branca para que o país
fosse desenvolvido de fato.Handelmann considerava o índio e o negro como pertencentes às

44

atendesse à ideia de Estado Nação moderno. Essa ideia fica clara na
expressão usada por Alberto Torres em um de seus discursos sobre a
formação da sociedade do Brasil: Este estado não é uma nacionalidade, este
país não é uma sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não são
cidadãos (TORRES, 1908, p. 297). Não existia um povo que representasse a
identidade nacional. Era preciso construir um ideal de cidadão e estabelecer
sua identidade20.
Mas quem seria a população que faria parte dessa nação imaginada 21
dentro de uma estrutura provinciana, antiquada e oligárquica, que pretendia ser
“moderna”, “civilizada” e “liberal”? A ideia de tornar o Brasil uma nação dentro
dos conceitos de Estado Nacional22 Moderno, tinha como base os discursos e
as ideologias nacionalistas23, cujo objetivo era a criação de um imaginário onde
raças inferiores, seriam preguiçosos, portadores do mau caráter e incapazes de atender às
necessidades de desenvolvimento do país. Ele via na imigração europeia para o Brasil, em
específico no alemão, a saída para o desenvolvimento do país. Ver: HANDELMANN,
Heinrich. História do Brasil. Tradução Lúcia Furquim Lahmeyer. Introdução Odilon Nogueira de
Matos. 4a. ed. - Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo,
1982. Sobre a discussão da implantação do projeto de modernidade em São Paulo ver
também: DOMINGOS, Petrônio. Uma história não contada: negro racismo e branqueamento
em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: SENAC. 2004.
20
Capistrano de Abreu foi o pioneiro na procura das identidades do povo brasileiro. Ele foi um
dos iniciadores da corrente do pensamento histórico brasileiro que “redescobrirá o Brasil”,
valorizando o seu povo, as suas lutas, os seus costumes, a miscigenação, o clima tropical e a
natureza brasileira. O futuro do Brasil torna-se tarefa do povo brasileiro e, para melhor
vislumbrá-lo, Capistrano recupera o passado deste povo em suas lutas e vitórias. Capistrano
inova conceito de “cultura”, substituindo o de “raça”. E neste aspecto ele é precursor de
Gilberto Freyre e de Sergio Buarque de Holanda. Entrento, o negro para ele era um elemento
exótico, Capistrano se interessa mais pelas relações entre brancos e índios e pelo seu mestiço,
o mameluco sertanejo, do que pelo negro. Ver: REIS, José Carlos. In: Capistrano de Abreu
(1907). O surgimento de um povo: O povo brasileiro. Revista de História: FFLCH-USP. 1998.
pp. 63-82.
21
Para Anderson a nação se configura como uma nação imagináriaporque seus membros
nunca conhecerão todos os demais; na mente de cada indivíduo reside uma imagem da
comunidade da qual participam. Ou seja, ainda que os limites de uma nação não existam
empiricamente, seus indivíduos são capazes de criar e imaginar tais fronteiras, criando e
imaginando seus membros. Ver: ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões
sobre a origem e a difusão do nacionalismo. [1ª repreensão] São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
22
Para Benedict Anderson, o nacionalismo é um fenômeno composto por ordenamentos
culturais, e um conjunto de relações que podem sofre alterações históricas. A nação, é ao
mesmo tempo herdeira de um passado e de uma realidade nova. Assim, a nação é antes de
tudo uma comunidade política imaginada como entidade territorial limitada e soberana. A nação
é imaginada como uma comunidade, sem considerara desigualdade e exploração existente. O
discurso nacionalista é sempre concebido como um companheirismo profundo e horizontal que
se expressa na forma de fraternidade entre os povos. (ANDERSON, 2008. p. 70)
23
Segundo Hobsbawm a palavra nacionalismo é utilizada para designar todos os movimentos
que considera a causa nacional como primordial. Dentro dessa concepção, a História passa a
ser matéria prima para a fabricação das ideologias nacionalistas, pois ela serve para criar uma
história mistificada, que é essencial na formação de uma nacionalidade, posto, que essa ideia
perpassa pela identificação de uma raça superior que constrói uma nação moderna e civilizada.

45

o Estado tornava-se representante de um povo24. Nesse contexto a noção de
povo estava estreitamente relacionada com a ideia de raça25.
Para formar um Estado-Nação de fato, - evoluído e que atingiu o
progresso – seria necessária uma raça superior. Assim, por meio das teorias
evolucionistas, em meados do século XIX, buscou-se formas de legitima o
racismo,

estabelecendo

uma

raça

superior

e

outra

inferior.

Lilia

Moritz Schwarcz, na sua obra Espetáculo das Raças discute todo o ideário da
época construído em torno da racialização.
O discurso racial surgia, dessa maneira, como variante do debate
sobre a cidadania, já que no interior desses novos modelos discorriase mais sobre as determinações dos grupos biológicos do que sobre
o arbítrio do indivíduo entendido como “um resultado retificação dos
atributos específicos da raça. (SCHWARCZ, 1993, p. 46)

Procurava-se encontrar o “elo perdido” entre as diferentes sociedades
humanas ao logo da história. Embasados na concepção dos povos “primitivos e
bárbaros” evoluiriam naturalmente para um estágio mais "complexo" das
sociedades ocidentais, da qual, a raça ariana era o ápice da humanidade.
Segundo Renato Ortiz (2006), as teorias evolucionistas foram o ponto chave
para justificar a supremacia branca.

Do ponto de vista político, tem-se que o evolucionismo vai possibilitar
à elite européia uma tomada de consciência de seu poderio que se
consolida com a expansão mundial do capitalismo. Sem querer
reduzi-lo a uma dimensão exclusiva, pode-se dizer que evolucionismo
em parte legitima ideologicamente a posição hegemônica do mundo
ocidental. A "superioridade" da civilização européia torna-se assim
Em outras palavras é a raça que forma uma nação. HOBSBWM, Eric. Nação e Nacionalismo
desde 1780. São Paulo: Paz e Terra, 1998. pp. 27-61.
24
Aqui faz necessário a definição da palavra, pois seu conceito é amplo que envolve uma série
de variantes. O dicionário da língua portuguesa de Luiz Maria da Silva Pinto de 1892 define o
termo como: moradores de uma cidade etc, nação. Fig. O que tem os costumes, credulidade
do povo..Ver: PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria da
Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Na Typographia de Silva, 1892. p.?
25
O conceito de raça hoje vem sendo fortemente questionado em termos de validade cientifica,
em vista das conquistas da biogenética no âmbito da investigação do genoma humano e das
descobertas da paleoarqueoligia acerca dos ancestrais únicos de todos dos homens modernos,
como também dos desenvolvimentos das reflexões da antropologia. Contudo, o conceito
subsiste em função da sua poderosa força sociológica, pois cumpriu ou tem cumprido em
certos momentos da História – pós-colonialista e pós-escravista – o papel de agregar, em torno
das ideias de coesão e de luta, grupos sociais que são ou um dia foram oprimidos socialmente,
submetidos a desigualdades econômicas, educacionais e políticas, impedidos de se afirmarem
como diferenças com plena liberdade de determinação. Ver: BARROS, José D‟Assunção. A
Construção Social da Cor: Diferença e desigualdade na formação da sociedade brasileira.
Petrópolis: VOZES, 2009. pp. 110 – 201.

46
decorrente das leis naturais que orientariam a história dos povos.
(ORTIZ, 2006. p. 30)

Nesse sentindo, a miscigenação significava a “degeneração” racial com
o cruzamento de “espécies diversas de raças”. Assim, surgem termos bastante
utilizados no período, para designar o cruzamento entre o preto com o branco:
pardo e mulato. Segundo Gian Carlos de Melo Silva:
O homem pardo teria uma associação ao mulato, filho ou filha
originada a partir do intercurso sexual entre um “branco e uma negra
ou entre negro e branca”. A origem do nome mulato advinha de um
animal chamado Mu ou Mula, gerado pelo cruzamento de dois
animais de espécie diferentes [...] (SILVA, 2014. p. 195)

A definição dada por Gian Carlos vai ao encontro da definição do
Dicionário da língua portuguesa de Luiz Maria da Silva Pinto publicado 1892,
do qual o termo é definido por: nascido de preto com branco, ou de branco com
o preto. Pardo (PINTO, 1892. p?). Nota-se que Leandro Gomes de Barros não
faz referência ao termo. Utiliza apenas, a palavra negro para designar os
personagens da cor preta.
O negro, era um negro alto,
O corpo um tanto envergado;
Um chifre no meio da testa.
O nariz todo furado,
Um olho amarello,
O outro bem encarnado. (BARROS, 1910, p. 02)
Em nenhum de seus cordéis há menção do termo pardo ou mulato.
Entre aproximadamente mil folhetos escrito por Barros, apenas um deles faz
menção a mestiçagem. Em A pelêja de Romano e Inacio da Catigueira, trata de
uma disputa musical entre um escravo e um suposto branco. Isso nos permite
pensar que nos grupos tidos como “populares” haviam formas diferenciadas de
se apropriar das teorias raciais, como se não tivessem a preocupação em
classificar negros, pardos ou mulatos. O que havia de fato era uma difícil tarefa
de rotular quem era “negro puro”, e, quem era “branco puro”. A forma mais

47

simples para distinguir a cor da pele do indivíduo era classificá-la como branca
ou negra.
Essa, talvez fosse uma problemática muito mais acadêmica do que para
o povo em geral, já que para os mesmos a noção de “povo” se identificaria à
problemática étnica. Isto é, ao problema de se construir uma identidade que
representasse uma unidade nacional. A ideia de raça privilegiava, a definição
de grupos segundo seus fenótipos, e isto, por sua vez, eliminava a
possibilidade de pensar o negro com um cidadão detentor de direitos e deveres
reafirmando estereótipos. O que se via era a tentativa de alienar e inferiorizar
os negros em todos os planos. Nesse processo, fez-se um paralelismo forçado
entre o cultural e o biológico. Pelas diferenças biológicas entre povos negros e
brancos, tentou-se explicar as culturas e concluir-se por uma diminuição
intelectual e moral dos primeiros. Segundo Lilia Mortz Schwarcz, o país de
objeto passa a ser sujeito das explicações, ao mesmo tempo em que se faziam
das diferenças sócias variações raciais (SCHWARCZ, 1993. p. 28). Essas
ideias vieram como fórmulas para explicar o atraso brasileiro em relação às
potências da Europa. Assim como também, justificar a inferioridade social dada
aos negros na após-abolição.
As soluções encontradas para resolver esse problema foram reformular
significativamente as teorias positivas, com o branqueamento da população
negra, que Schwarcz chama de “miscigenação positiva”:
[...] aqui ocorreu uma releitura particular: ao mesmo tempo que se
observou a ideia de que as raças significavam realidades essências,
negou-se a noção de que a mestiçagem levava sempre a
degeneração. Fazendo-se um casamento entre modelos
evolucionistas (que acreditavam que a humanidade passava por
etapas diferentes de desenvolvimento) e darwinismo social (que
negava qualquer futuro na miscigenação racial) – arranjo esse que,
em outros contextos, acabaria em separação litigiosa -, no Brasil as
teorias ajudam a explicar a desigualdade, mas também apostaram
em uma miscigenação positiva, contando que o resultado fosse cada
vez mais branco. (SCHWRCZ & NOVAIS , 2010, p. 190)

A teoria trazia a ideia de que o negro se tornaria “branco” a partir da
terceira geração por cruzamentos de raças. De acordo com a autora, o
presidente do I Congresso Brasileiro de Eugenia que ocorreu em 1929, previa
um país cada vez mais branco. Em 2012, segundo ele, teríamos uma
população composta de 80% de brancos, 20% de mestiços e nenhum negro

48

nem índio. Não se tratava de seguir o modelo darwinista social ao pé da letra,
lamentando o cruzamento das raças, mas sim, alcançar uma boa evolução com
a vinda dos europeus ao país26.
Foram nestas ideias que a elite intelectual brasileira formada por
Romero Silvio, João Batista Lacerda, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha
entre outros, encontraram respostas para o estágio de desenvolvimento do
Brasil no contexto internacional, que consistia no entendimento de que éramos
uma sociedade que estaria eternamente fadada ao atraso graças à presença
de “raças inferiores”.
Esta questão pode ser percebida de modo muito claro na obra de Silvo
Romero. O autor considerava o meio e a raça como "fatores internos" que
definiriam a realidade brasileira, transportando esses elementos às formas
culturais. Para ele as influências estrangeiras permitiriam uma "imitação" da
cultura européia. Meio e raça traduziriam, o nacional e o popular (ROMERO,
1914)27.
Nessa mesma perspectiva podemos citar ainda Raimundo Nina
Rodrigues, médico baiano renomado, estudioso do negro e da criminalidade.
Adepto das ideias do antropólogo criminal italiano Cesare Lombroso 28, ele lutou
pela implantação da Medicina Legal nos currículos das Faculdades de
Medicina e defendeu a criação de dois códigos penais brasileiros: um para os
brancos e outro para os negros, pois pressupunha que as diferenças raciais
levavam também a diferenças comportamentais e morais, a tal ponto que não
se poderiam fazer as mesmas exigências para ambas as raças. Para ele, como

26

O embranqueamento também pode ser entendido como: preconceito de cor e na origem
escrava, em direção ao domínio de classe e cultura das elites brasileiras predominantemente
brancas. Deriva de fato da não aceitação social do negro no mundo dos brancos, em que era
mais fácil para “mulatos” ou “morenos”, pessoas de pela mais clara, do que para os negros.
GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. Preconceito Racial: Modos, Temas e tempo: Cortez. São
Paulo, 2008. p. 80
27
Ver: ROMERO, Silvo. Ethnographiabrazileira: estudos críticos sobre Couto de Magalhães,
Barbosa Rodrigues, Theophilo Braga e Ladisláo Netto. 1851 – 1914.
28
Lombroso compreende o crime como um ativismo, ou seja, um comportamento típico de
formas humanas inferiores, que poderia aparecer em indivíduos de grupos sociais, nos quais
tais formas de comportamento já tenha sido ultrapassada, se manifestando em estágios
anteriores da civilização. O criminoso nato era para um subtipo humano, degenerado, atávico,
marcado por uma série de estigmas recebidos hereditariamente que permiti sua identificação.
Lombroso descreveu os estigmas do criminoso nato como anatômicos, fisiológicos e
psicológicos. Dentre os estigmas anatômicos, estavam a ausência de pelos, braços
relativamente longos, orelhas em formas de asas, orelhas grandes, maior expressara do
crânio, maxilar proeminente, dentes caninos proeminentes e pele escura.

49

para outros cientistas de sua época, a igualdade de direitos e deveres era uma
ilusão.
Em Africanos no Brasil, publicado em 1932, Nina Rodrigues analisa a
influência do negro na constituição do povo brasileiro, tendo em vista contribuir
para a grande questão política daquele momento: a natureza desse povo e
suas possibilidades de evolução. O autor defende a tese de que boa parte dos
negros que chegaram ao país tinha razoável nível evolutivo. Sua discussão da
questão da inferioridade do negro girava em torno da capacidade ou não de
civilizar-se. O ideal de civilização para ele vinha do modelo europeu, e a
questão era saber se o negro seria capaz de civilizar-se como este.
Embora para Nina Rodrigues (1932) a ciência ainda não tivesse
elementos para responder tal questão, é categórico ao fazer concepções
negativas ao desenvolvimento do negro:
A alegação de que por largo prazo viveu a raça branca, a mais culta
das secções do gênero humano, em condições não menos precárias
de atraso e barbaria; o facto de que muitos povos negros já andam
bem próximos do que foram os brancos no limiar do período histórico;
mais ainda a crença de que os povos negros mais cultos repetem na
África a phase da organização política medieval das modernas
nações européias (BerangerFeraud), não justificam as esperanças de
que os negros possam herdar a civilização Européia e, menos ainda,
possam atingir a maioridade social no convívio dos povos
cultos.(RODRIGUES, 1914. p. 90)

Este autor cita ainda a existência de níveis de desenvolvimento
diferenciados entre os povos negros na África, como indícios da possibilidade
de que esta raça fosse capaz de civilizar-se. No entanto, esse processo seria
“lento”, e possivelmente, o grau de civilização alcançado pelos negros, nunca
se compararia ao dos brancos: A geral desaparição do índio em toda a
América, a lenta e gradual sujeição dos povos negros á administração
intelligente e exploradora dos povos brancos, tem sido a resposta pratica a
essas divagações sentimentais (RODRIGUES, 1914. p. 91). Tanto a
escravização do negro, quanto à diminuição dos povos indígenas, eram
entendidas como sinais de inferioridade dessas duas raças em relação à
branca européia.
Outro intelectual da época que deve ser citado é Emanuel José Bomfim,
que vai à contra mão do pensamento da época. Na sua principal obra: A

50

América Latina: Males de Origens, livro escrito em tom de defesa da América
Latina e seu povo, Bomfim refutou o pensamento dominante da época, que
consistia no atraso da América Latina era devido à miscigenação, por conta
disso o continente estava fadada ao fracasso. Para ele: a miscigenação não foi
negativa, os negros e índios por serem povos simples não possuíam nem
virtude e nem defeito que pudesse deixar de herança para outro povo
(BOMFIM, 1905. p. 80). Ao invés de influenciarem algo, eles é que foram
influenciados pelos espanhóis e portugueses que vieram colonizar a América
do Sul. Nesta afirmação está implícita a ideia de que os negros eram incapazes
de produzir cultura e que, por sua vez, apenas introjetavam o que lhe era
imposto.
A questão “raça e nação” intensificam-se a partir da década de vinte do
século XX, quando o processo de modernização e urbanização tomou força no
país. Viu-se como necessário construir uma identidade nacional que atendesse
a todo o “povo” brasileiro29. Dentro dessa perspectiva, buscou-se então: a
identidade nacional através de símbolos em que interesses privados
assumissem sentidos públicos (NOVAIS & SCHWARCZ, 2010, p. 193). A
nação precisava se identificar como povo, através de um passado comum, uma
tradição, uma história que constituíssem elementos essenciais para a formação
de um povo idealizado30. Surge nesse contexto a ideia da constituição de uma
nação composta por três raças. Nesse sentido, pode-se dizer que a política de
29

Nesse caminho surge à obra de Gilberto Freyre, Casa Grande Senzala, com uma nova
versão sobre a miscigenação - junto com Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda.
Essas obras dão início ao estudo da história cultural no Brasil. Freyre apresenta a ideologia da
mestiçagem sobre outra vertente. Esta deixava de ter um caráter biológico, para recair sobre a
questão da diversidade cultural. Tal visão daria à identidade brasileira uma forma positiva de
“cordialidade”. Passando a ideia que no Brasil existe uma “democracia racial”, de boa
convivência e paz social entre a sua população, na qual, não existiria discriminação. Esta
interpretação procurava resolver os conflitos e as gritantes desigualdades da população
brasileira em função da construção do mito de uma identidade nacional homogênea,
consensual e que desconsiderava a complexa questão ética racial do Brasil.Ver: FREYRE,
Gilberto. Casa grande e senzala. Rio de janeiro: José Olympio, 1979.
30
Divergindo da interpretação de Freire, já entre as décadas cinquenta e sessenta, Florestan
Fernandes, em sua obra, A Integração do Negro na Sociedade de Classe, desmonta a teoria
de Freyre, demonstrando-a como um “mito”. Fernandes observa que ao invés de democracia, o
que temos no Brasil, é um alto indício de discriminação, e, em lugar de harmonia, temos o
preconceito. Para este autor o preconceito se revela aqui na forma do particular, do íntimo, do
privado, sendo publicamente silenciado. As conclusões desse sociólogo são claras e objetivas:
não existe democracia racial no Brasil, essa ideia não passa de uma ideologia que procura
ocultar a face racista e da dominação de classes que é praticada pelas elites burguesas
brasileiras. FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na Sociedade de Classe. 3ª Ed.
São Paulo: Àtica, 1978. pp. 90 109.

51

branqueamento foi atenuada e deu lugar a ideologia da miscigenação dando a
sociedade brasileira e a possibilidade de tornar-se uma nação civilizada.

2.2 - O problema do negro no Brasil: como integrar esses indivíduos no
projeto de Nação?

Se antes da abolição, o negro era propriedade privada, pertencente ao
seu dono, a partir de 1888, esses indivíduos passaram a ser problema do
Estado e caberia ao poder público resolver onde se encaixariam esses grupos
indesejados dentro de uma nação moderna e civilizada. A historiografia
brasileira dá mostras claras de que a população negra não foi integrada ao
projeto de modernização do país, sendo obrigada a forjar novas alternativas de
vida e sobrevivência. A hipótese levantada pela teoria de branqueamento, por
meio da “miscigenação positiva" foi à negação de todo e qualquer elemento da
cultura afro-brasileira que pudesse sujar a imagem de um país que se
pretendia branco e moderno. Portanto, cabe a nós perguntar: haveria lugar e
espaço para esses indivíduos recém libertos da escravidão?
Em tese, a situação do negro dentro dos conceitos democráticos mudou
radicalmente com o advento da abolição, a qual marca o início de uma nova
ordem. Nela o negro deixou de ser mão de obra escrava para se tornar
“trabalhador livre”. No entanto, sua relação com o passado escravocrata fez
dele um indivíduo indesejado31 e o principal representante dos “grupos
perigosos”. A raça era a linguagem por meio da qual se apresentava a
realidade social e econômica brasileira, como também, refletia o impasse da
construção da nação que ainda não havia se consolidado.
É dentro da concepção de Estado-moderno que surgir a noção de
higiene, saúde, alargamento de ruas, industrialização, transformação dos
espaços públicos. Haverá uma separação dos costumes entre o que era
“civilizado”, e que não era.

31

O negro como perigoso é algo antigo na sociedade brasileira, basta observar o código penal
de 1830, que coloca pena de morte para o mesmo, ou ainda o medo que a elite branca que no
Brasil ocorresse uma revolta como houve no Haiti.

52

Embasado nas ideias de modernidade passa a existir um movimento
chamado higienista, que se instala em todas as grandes cidades do Brasil. O
objetivo primordial do movimento era redefinir os papeis da cidade, dos pobres
e dos negros dentro de um regime capitalista que se consolidava com a
República (OLIVEIRA, 2010, p. 40). Aos que não se enquadrassem dentro
desse novo regime, seria preciso a utilização de dispositivos disciplinadores e
moralizantes.
É interessante aqui voltar ao conceito de “classes perigosas”,
desenvolvido por Sidney Chalhoub32 na obra Cidade Febril: cortiços e
epidemias na corte imperial. O autor realiza sua reflexão a partir do resgate das
experiências dos negros escravizados, libertos e livre nos cortiços carioca,
tendo como objetivo principal entender os cortiços como esconderijos dentro da
cidade, rede de proteção dos escravizados foragidos e desagregadores do
sistema escravocrata. Portanto, era necessário por parte do Estado intervir
radicalmente para eliminar tais habitações coletivas e afastar do centro da
capital a “classe perigosa” que nele residia (CHALHOUB, 1996, p. 08).
Para o historiador o conceito de “classe perigosa” foi um dos eixos do
debate parlamentar ocorrido na câmara dos deputados no império do Brasil no
mesmo período que seguiria a lei de abolição da escravidão de 1888. O Estado
preocupado com as causas da abolição para a organização do trabalho e das
políticas de controle social teria que promover leis contra a ociosidade.
Como consequência da libertação de uma imensa massa de escravo,
atirado no meio da sociedade civilizada, escravos sem estimulo para
o bem, sem educação, sem sentimentos nobres que só pode adquirir
uma população livre (CHALHOUB, 1996, p. 24)

É dentro dessa percepção de Chalhoub que encontramos o elo entre o
combate às “classes perigosas” e o movimento higienista, que tinha como
intuito tornar o ambiente urbano salubre para um determinado grupo da
população, que seria a elite branca do país. Entretanto, é necessário tomar
cuidado para não qualificar e perpetuar a mítica de que elite é sinônimo de
32

As reflexões do autor sobre as “classes perigosas” analisam o período do Brasil império, na
cidade do Rio de Janeiro, que passa necessariamente por este debate, por isso, a importância
de ser citado nesse trabalho. Ver: CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na
corte imperial. São Paulo: Cia de letras, 1996.

53

branco, e não deixar de lado a elite (mestiça) que tinha se “ilustrado”,
adquirindo hábitos modernos e que não era branca, mas vivia como se fosse.
É certo, que nas duas primeiras décadas do século XX, a população
negra encontrava-se em situação de extrema pobreza, estavam alojados nos
antigos casarões, localizados nos centros das grandes cidades ao redor dos
portos. Viviam em estado de miséria, sem condições higiênicas e sociais. Isso
quer dizer: que eles eram os principais alvos do movimento higienista. Um
exemplo, desse tipo de habitação que pode ser dada é o do cortiço “Cabeça de
Porco” – que espirou o escritor Aluízio Azevedo a escrever o romance O
Cortiço - localizado na cidade do Rio de Janeiro, aniquilado em 26 de janeiro
de 1893. A destruição do cortiço mais famoso da época não foi um ato
insolado, e sim evento no processo sistemático de perseguição a esse tipo de
moradia. (CHALHOUB, 1996, p. 25)
Trata-se de um episódio emblemático, não apenas pela violência com
que foi levado à destruição, mas, especialmente, pela repercussão calorosa
que mereceu da imprensa da época. Seus habitantes eram identificados como
“grupos perigosos”, insalubres, sujos que semeavam doenças, principalmente,
da febre-amarela, sífilis, e varíola. Seu extermínio era necessário ao projeto de
higienização comandado pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. No lugar
destes cortiços surgiram ruas e avenidas amplas e modernas.
Isso tudo intensificou uma política de marginalização da população
negra, mestiça e pobre, que eram expulsas para os morros e periferias, que
foram se formando as favelas - presentes ainda hoje na composição urbana de
muitas das cidades brasileiras – vistas pela sociedade como núcleos de
desordem, insalubridade e promiscuidades. Segundo Chalhoub, esse foi o
argumento utilizado para que os higienistas alegassem que a promiscuidade
presente nos cortiços era um perigo para a ordem pública, a moralidade e a
segurança. Tais habitações coletivas eram tidas como, “terreno fértil para a
propagação dos vícios” expressão usada para os terreiros de candomblé.
Somado a isso, o governo de Deodoro da Fonseca e, principalmente, o
do Floriano Peixoto teve caráter repressor. Leis constitucionais foram adotadas
como formas de manter esses indivíduos à margem da sociedade. Tomamos
como referência o código penal de 1890, pois o mesmo foi reformulado logo

54

após a abolição, sendo amostra clara que o Estado tentou de todas as formas
manter o negro e suas práticas culturais fora do processo de modernização.
Art. 399. Deixar de exercitar profissão, officio, ou qualquer mister em
que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistencia e domicilio
certo em que habite; prover a subsistencia por meio de
occupaçãoprohibida por lei, ou manifestamente offensiva da moral e
dos bons costumes:
Penade prisão cellular por quinze a trinta dias
§ 1º Pela mesma sentença que condemnar o infractor como vadio, ou
vagabundo, será elle obrigado a assignar termo de tomar occupação
dentro de 15 dias, contados do cumprimento da pena.
§ 2º Os maiores de 14 annos serão recolhidos a estabelecimentos
disciplinares industriaes, onde poderão ser conservados até á idade
de 21 annos.
Art. 400. Si o termo for quebrado, o que importará reincidencia, o
infractor será recolhido, por um a tresannos, a coloniaspenaes que se
fundarem em ilhas maritimas, ou nas fronteiras do territorio nacional,
podendo para esse fim ser aproveitados os presidios militares
existentes (CÒDIGO PENAL, 1890)

A ordem era a seguinte: toda e qualquer pessoa que correspondesse ao
estereótipo de vagabundo abordado no centro da cidade que não pudesse
comprovar emprego e residência fixa fosse detida. (SEVCENKO, 1998, p. 26).
Estima-se que grande parte da população da cidade vivia de empregos
instáveis e não tinha como comprovar renda. Supomos que o decreto atingia
praticamente toda população que fosse negra e pobre das cidades brasileiras.
Os decretos afetavam até mesmo o espaço intimo das habitações. Um
exemplo disso ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em 1890, onde um novo
Código de Postura exigia que seus moradores azulejassem as paredes do
banheiro e da cozinha, assim como arejassem os quartos com aparelho de
ventilação, melhorias que em muitas casas brasileiras até hoje não existem.
Proibiam hotéis, hospedarias e estalagens de receber pessoas “suspeitas”
como: ébrios, vagabundos, capoeiras, desordeiros em geral. Todas as
hospedagens teriam de ser registradas com nome, emprego e características
físicas das pessoas, informações que seriam entregues no dia seguinte à
polícia. O não comprimento das exigências estava sujeito às penalidades
previstas por lei de multas ou até 30 dias de prisão (CARVALHO, 2006, p. 89).

55
[...] conforme a tradição herdada da escravidão, a repressão não se
limitava a detenção, mas, dependendo da ameaça, podia ir do
espancamento sistemático ao exilio na selva, ao fuzilamento sumário,
à degolada em massa. Em suma, nem lares, nem âmbitos sagrados,
nem corpos e nem vidas, do ponto de vista dos agentes da ordem,
tinham garantias quando se tratava de grupos populares
(SECVENKO, 1998. p. 30).

Essa invasão por parte do Estado ancorada nos discursos de higienizar
a cidade, não atingia apenas os espaços públicos, mas também os privados de
suas habitações. Da mesma forma, ocorreu em todas as grandes cidades
brasileiras. Por exemplo, em Recife, como nos mostra Leandro no cordel. O
Governo e a lagarta contra o fumo, publicado em 1917, há um diálogo entre
uma lagarta e um fiscal sobre o assunto.
Bota o pobre uma bodéga
Alem de vender fiado,
Quando vê bate-lhe à porta
Um dragão engravatado,
Com o bucho muito grande
E o bigode raspado.

Emboca de casa a dentro
Vai logo cascaviar.
Não pede ao dono da casa
A licença para entrar,
E igualmente o cachorro
Entra sem ninguém mandar.

O fiscal disse e você
Acha que faz pouco damno?
Disse a lagarta: eu conhesso,
Que sou insentotyranno
Porém só venho uma vez
Você vem muitas no anno.

E de tratal-o bem

56

Com boa dormida e ceia
Se não lhe mostrar carinho
E fizer-lhe cara feia
O dono vai para cadeia (BARROS, 1917. p. 02)
O poeta faz uma analogia entre uma “lagarta” como fiscal da
higienização, onde nos mostrar que ambos invadem e cascavia às residências
causando-lhe estragos, entretanto, o do fiscal é maior, pois as lagartas só
parecem uma vez ao ano, já o fiscal aparecia constantemente e o dono casa
não tinha nem o direito de reclamar, pois poderia ir preso. Essa pequena
história nos permite perceber a sensação de impotência que esses grupos
“perigosos” tinham diante do Estado e de suas políticas disciplinadoras. Não
havia por parte das autoridades problema algum em invadir e destruir casebre,
mocambos, cortiços e barracos onde habitavam essas pessoas.
Fica claro que o projeto modernizador idealizado pelos republicanos
deixou de lado as complexas realidades sociais existentes no Brasil, herdadas
pelo sistema escravista. Preocupados em seguir os modelos europeus de
urbanismo, científicos e civilidade, agiam como se a instalação de um novo
regime, implicasse no cancelamento de toda herança do passado histórico do
país. O que se via, era uma “caça aos maus hábitos”, aos grupos sociais
“populares” e aos rituais de cultura que invocassem costumes de um tempo
que se julgava superado.
Tudo indica que o governo procurou o modo mais eficaz de “apagar”
homens e mulheres classificados como de "baixa qualidade racial", como
também as questões morais associadas aos grupos chamados de “perigosos”.
Assim, como era preciso fazer a higiene das cidades para que houvesse
desenvolvimento, também segundo seus idealizadores, era preciso promover a
"limpeza das raças". Ou seja, seria por meio das retiradas dos grupos vistos
como “indesejados” dos centros urbanos que se daria essa limpeza. Tais
grupos eram formados por: prostitutas, malandros, ciganos, ambulantes,
trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, engraxates, carroceiros,
floristas, ratoeiros, capoeiras, recebedores de bonde entre outros. Essas
populações foram perseguidas, presas e em muitos casos deportadas para
outros Estados e Municípios. (CARVALHO, 2006, p.56).

57

Não há duvidas que essas pessoas em sua maioria eram formadas por
negros. Suas realidades no após abolição levaram-nos a viver nas áreas mais
atingidas por essa reforma. A falta de trabalho os levou a trabalhar no porto ou
em serviços temporários como vendedores ambulantes. Eram vistos como
vagabundos, ociosos, desorganizadores das ordens sociais e moral que
tiveram suas trajetórias de vida cotidiana nos espaços sociais e culturais
impedidas.
Diante desta realidade, novas experiências de convívio social e
estratégias de sobrevivências foram tecidas pelos grupos afro-descendentes.
Formas de sociabilização que muitas vezes os colocaram novamente em
conflito com a ordem social e política. Como podemos notar nas palavras de
Wilson Roberto Mattos:
[...] alcançar a liberdade, construir e se empenhar por manter um
cotidiano de experiências que desse significado social, cultural e
humano a uma vida, no geral, marcada por discriminações, exclusões
e dominação, parece terem sido os principais objetivos almejados
pelas populações negras a partir de uma primeira interpretação das
práticas transgressivas nas quais elas se vêm envolvidas. (MATTOS,
2000. p. 161)

O cotidiano desses “grupos perigosos” transformou-se em uma
constante luta pela conquista de um lugar dentro de uma sociedade
hierarquizada. O que se via era à intensificação da vigilância sobre os mesmos.
Perseguição que também chegou à cidade de Recife, sendo percebido por
Leandro Gomes de Barros em seu cordel, Pai nosso do imposto.
O Estado nos opprime,
O município faz Guerra
Queixa-se o povo em geral
Que vivem com o tétéo
E o governo vivi aqui
Como no Ceo (...)

O governo nunca deu
Ouvidos ao nossos clamores
Acceita queixas dos nossos

58

Devedores

Por qualquer coisa nos multam,
Só para nos perseguir
Nas unhas desses tyrannos
Não nos deixes cahir(BARROS, 19?? pp. 14 & 15)

O documento nos dá informações sobre como essas normas repressivas
por parte do governo chegavam a Recife. Ao fazer uso da estrutura textual que
é a oração, o poeta chama ao Pai para salvá-lo de uma situação de impotência
e miséria, na qual o Estado se nega a ajudar e ainda faz guerra. Guerra essa
que pode provavelmente se referir ao processo violento de urbanização levado
acabo pelo governo.
A República não dependia apenas do desenvolvimento econômico ou da
implantação de instituições modernas, mas também do aprimoramento racial
do seu povo e a eliminação dos “grupos perigosos”, “indesejados” do qual,
Leandro Gomes de Barros se sentia pertencente. É possível que o poeta
sentia-se vivendo dentro de uma verdadeira guerra, tendo suas tradições e
costumes impedidos em pró da ordem social.
Esses grupos causavam na elite republicana a preocupação com a
possível “desordem social” que pudessem causar nas cidades. Temiam a
população recém liberta da escravidão, por conta disso, o poder administrativo
demarcava limites para sua “liberdade”. O que provocou segundo a historiadora
Lacy Maia, o recrutamento de boa parte dessa população para a polícia em
algumas cidades brasileiras. Como uma das formas que o Estado encontrou
para conter os negros que faziam tumultos nas ruas. Um exemplo dessa
afirmação dada pela historiadora pode ser notado na fala do delegado na
cidade de Recife:
Benedito, ex-escravo, foi recrutado pelo Delegado, em 15 de janeiro
de 1889, e apresentado ao Chefe de Polícia, que, por sua vez o
encaminhou ao comandante das armas. Nas razões elencadas pelo
delegado para justificar o recrutamento estava o seu comportamento
desregrado. Foi acusado de ser um completo vagabundo, e de viver à
mercê do tempo, ora roubando, ora vivendo embriagado, ora
provocando desordens. Para o delegado, Benedito tornara-se, dessa

59
forma, "o flagelo dos passivos e ordeiros cidadãos." "é a ele
necessário um trabalho que [o] corrija e que mais tarde o torne digno
de outro nome”. (A.P.PE, SEÇÃO COLONIAL E PROVINCIAL,
CAIXA, 6227)

Podemos perceber na fala do delegado, que Benedito, negro exescravizado, não era visto como um cidadão, mas por alguém destituído de
direitos por se entregar as bebedeiras, realizando furtos e assustando a
população de “bem”. Portanto, era necessário impor a esse indivíduo
considerado “vagabundo” e “desordeiro”, um trabalho que o torna-se digno e o
corrigisse. Entretanto, não se trata de afirma que por determinado período da
história do Brasil, logo após a abolição, a segurança pública ficou sobre o
poder dos negros. O fato é que uma boa parte dessa população, em muitas
cidades brasileiras foi recrutada pelas polícias estaduais para serem
disciplinadas e saírem da “vagabundagem”. No entanto, suas ocupações nos
espaços públicos ainda eram limitadas. A elite branca, constituída por
ideologias racistas produziam fantasias de pânico e caos social contra essa
população.
Laura Freitas Oliveira, em sua dissertação, Questão Social e
Criminalização da Pobreza: aportes para a compreensão do novo senso
comum penal do Brasil, afirma que os confrontos entre a “cidade branca”
(planejada e idealizada) e a “cidade negra” (instituída, real) e, o medo como
poderoso condutor da subjetividade branca, estabelece dois processos: a
postura dos negros associados a estratégia de sobrevivência, o fato da cidade
branca visar a desconstrução da outra (OLIVEIRA, 2010, p. 48). Ou seja, a
difusão do medo, do caos e da desordem teve como objetivo naturalizar o
tratamento disciplinador dado ao negro pela força policial. O medo era a porta
de entrada para as políticas genocidas de controle social.
O medo de uma organização política, social e religiosa desses grupos
serviu de base para que as autoridades não hesitassem em invadir os espaços
sagrados dos terreiros de cerimônias e tradições africanas. Prender, espancar
fiéis, destruir objetos e instrumentos religiosos eram práticas constantes no
período. Manifestações que eram vistas como atentado à saúde pública e
formas de ignorância, que não condiziam com o conceito de Estado Moderno.
Por isso, foram proibidos os rituais religiosos, os batuques, as cantorias e

60

danças, associadas com às tradições negras – consideradas feitiçaria e
imoralidade. Na verdade, eram colocados à margem tudo e todos os que
impediam a linha reta de progresso.
Havia, sem dúvida, em meio às ações repressivas da policia a tentativa
de implantar novos padrões sociais. Novamente voltamos ao código penal de
1890, o qual mostra no artigo 157, as práticas religiosas negras enquanto
crime.

Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de
talismans e cartomancias para despertar sentimentos de odio ou
amor, inculcar cura de moléstias curaveis ou incuraveis, emfim, para
fascinar e subjugar a credulidade publica:
Penas de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a
500$000. (CÓDIGO PENAL, 1890)

O “espiritismo e magia” tratados no código fazem referência às práticas
religiosas de origem africana, que eram vistas como reverencia ao diabo ou
ainda como prática que servia para enganar o povo. Sendo assim, crime contra
saúde pública, exercício ilegal da medicina e curandeirismo. A tais crimes
poderiam ser punidos com multas ou prisão dos indivíduos. A repressão aos
curandeiros, aos feiticeiros, aos candoblezeiros e aos catimbozeiros a partir
desse decreto passou a ser respaldadas por aparatos policiais e judiciais33, que
possibilitou a abertura de vários processos de acusações sobre esses grupos.

33

Em 1912, ocorreu a destruição de todas as casas de culto afro-brasileiro existentes na capital
de Alagoas. As referências historiográficas sobre o fato estão nos artigos publicados na sessão
Bruxaria, de Oséas Rosas, no extintoJornal de Alagoas. Terreiros foram invadidos e objetos
sagrados foram retirados e queimados em praça pública; pais e mães de santo foram
espancados publicamente.O movimento foi insuflado pela Liga dos Republicanos
Combatentes associação civil vinculada ao partido opositor Republicano Democrata, uma
entidade que cometia atos ilegais como invasão a casas oficiais, tiroteios, intimidações. O
acontecimento culminou com a invasão e destruição dos principais terreiros de Xangô da
capital do Estado. Uma das consequências deste evento foi a modificação, por parte dos
adeptos, das práticas de culto aos Orixás, criando o chamado Xangô rezado baixo. Este ato,
conduzido pela Liga dos Republicanos Combatentes se dá no auge de uma briga política entre
a oposição e o Governador Euclides Vieira Malta. Às vésperas da eleição, que tinha como
candidatos Clodoaldo da Fonseca para governador e Fernandes Lima para vice, disputando
com o oligarca que é acusado por seus opositores de utilizar feitiçarias dos Xangôs para se
manter no poder. Na campanha da oposição são atribuídos ao então governador adjetivos
como Soba da Mata Grande, Leba, papa do xangô alagoano. Sendo através dessa suposta
ligação às práticas religiosas de origem africana, desmoralizado perante a sociedade alagoana.
Sobre o caso ver: NASCIMENTO, M. L - As representações de tia Marcelina: uma

luta entre classificações. In: Bruno César Cavalcanti, Clara Suassuna

61

Nos cordéis de Leandro de Barros, também nos dá mostra de como
essa prática religiosa era vista pela sociedade da época. Chamada de
Catimbó-jurema, Nova-ceita ou religião do “Frei bode”.

No meu enterro também não quero frade
E cuidado não vá lá uma nova ceita
A ordem de frei bode é conhecida
Onde vai a desgraça fica feita (BARROS, 1906. p. 15)

Tais práticas religiosas colocadas de forma pejorativa dentro do cordel,
eram associadas ao demônio, e consideras ameaça a ordem religiosa cristã.
É notória a forma como o governo utilizava-se da imprensa, por meio
desmoralizador da religião, tida como atrasada. Como nos mostra a matéria do
jornal do Recife, que usa termos com cargas negativas e ofensivas ao narrar
um episódio o corrido.
A esposa de um operário, soffrendo de um parto difficil, foi assistida
por um curandeiro espirita, que, apesar de não remediar a
parturiente, não consetio que chamassem medicos, porque os
espíritos poderiam ficar offendidos.
A pobre veio a falecer, tendo dada a luz a filhos mortos, devido à
pressão no fechamento do caixão como cadáver.
Está verificando que muitas são victimastaes curandeiros. (JORNAL
DE RECIFE, 1910)

Fica claro nessa notícia, que a culpa pela morte da senhora foi do
curandeiro, que não permitiu que chamassem um médico para fazer o parto.
Essas matérias tendenciosas eram diariamente publicadas nos jornais da
época de forma jocosa e pejorativa. Tais atitudes discriminatórias contra essas
práticas religiosas tiveram grande impacto nos terreiros da época, pois eram

Fernandes, Rachel Rocha de Almeida Barros. (Org.). KuléKulé - Religiões AfroBrasileiras. 1ª ed. Maceió: EDUFAL, 2008, v. 4º, p. 55-68, ver
também: RAFAEL, Ulisses N. Xangô Rezado Baixo: Um Estudo da
Perseguição aos Terreiros de Alagoas em 1912. [Tese de Doutorado] Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro. 2004.

62

por meio deles que muitos indivíduos recebiam assistência espiritual ou
médica. Receitas e poções a base de ervas eram muitas vezes utilizadas como
forma alternativa de medicamento, uma vez que, os remédios eram produtos
caros e grande parte da população que seguia essas práticas não tinha
condições de adquiri-los
Dentre as praticas culturais destes grupos marginalizados, a religião não
era a única que era vítima do projeto de Estado Moderno, outras atividades
também sofreram forte repressão. Um exemplo é a criminalização da capoeira
que foi enquadrada como crime entre os anos de 1890 até 1930. É certo, que a
repressão republicana aos pobres e negros manifestava-se nas perseguições
aos capoeiras, como também, a qualquer ajuntamento de negros, onde as
forças policiais foram aumentadas com o intuito de prender os bandos
formados por esses grupos. - Suas formas de lutar com os pés, conferiam
vantagem contra qualquer adversário que não estivesse armado. Segundo o
historiador José Murilo de Carvalho essas contravenções eram responsáveis
por 60% das prisões nas casas de detenções em todo o país (CARVALHO,
2002, p. 76).
Essa forma de se expressar por meio da luta despertava no governo
uma sensação de perigo. A capoeira era mais que um simples jogo, na verdade
trata-se de uma forma desenvolvida pelos escravos para se defender cultural e
fisicamente das atrocidades cometidas por seus donos, posto, que essa forma
de dança misturada com artes marciais era vista como uma maneira de levar
as pessoas ao ócio, a vadiagem. Como podemos ver no nos artigos do Código
penal de 1890.

Art. 402. Fazer nas ruas e praças publica exercicios de agilidade e
destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar
em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal:
Pena – de prisão cellular por dous a seis mezes.
Paragraphounico. E‟ considerado circunstância aggravante pertencer
o capoeira a alguma banda ou malta.
Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
Art. 403. No caso de reincidencia, será applicadaao capoeira, no
gráomaximo, a pena do art. 400.

63
Paragraphounico. Si for estrangeiro, será deportado depois de
cumprida a pena.
Art. 404. Si nesses exercicios de capoeiragem perpetrar homicidio,
praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular,
perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança pública, ou for
encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas
comminadas para taes crimes. (CÓDIGO PENAL, 1890).

O Código Penal nos mostra, que além da capoeira ser criminalizada no
art. 402, havia no parágrafo único do mesmo artigo, que a pena seria agravada
se o indivíduo pertencesse a alguma Banda ou Malta34. Grupos de capoeiras
organizados, que se enfrentavam, mas que em situações de risco ajudavam-se
mutuamente. O significado social dessa prática cultural de raízes negras
considerada como um dos entraves ao "progresso nacional", em virtude de sua
cultura “incivilizada” desperta no imaginário coletivo os capoeiras como
assassinos cruéis, que provocavam a sensação de insegurança entre os
"pacíficos cidadãos", possíveis vítimas dos capoeiras.
Não devemos nos esquecer que a preocupação central dos pensadores
da nação brasileira estava em procurar-se aferir os limites que a raça negra,
em virtude de sua inferioridade biológica e conseqüente incapacidade de
adaptação à “civilização”, impunha ao desenvolvimento do país. A construção
de um Brasil "moderno" e "civilizado" implicava, principalmente, a eliminação
do "peso" secular da herança dos “grupos perigosos”.
Tudo isso nos mostra que na história do Brasil, a questão racial e a
questão nacional sempre estiveram interligadas. A modernidade tinha como
objetivo romper com o passado visto como arcaico e retrógado. Pensar sobre
os problemas e soluções para o Brasil, significava refletir sobre a questão
racial, sobretudo no contexto das teorias eugenistas e evolucionista, vistas
como fundamentais para a construção de uma nação.
A falta de amparo do novo governo, as medidas voltadas ao saneamento
e organização das cidades afetaram a vida desses indivíduos. A liberdade para
esse grupo étnico funcionou como vínculo de sociabilidade para reorganização
dos libertos nas diferentes situações sociais que foram levadas a ter. Por isso,
34

A Malta, segundo Josivaldo Pires de Oliveira e Luiz Augusto Pinheiro Leal, seria
denominação de grupos de capoeiras que se organizavam em limites geográficos constituindo
assim territórios políticos e sociais (OLIVEIRA; LEAL, 2009, p.31)

64

a adoção de estratégias e sobrevivências, das quais, suas relações com o
meio, os laços societários e suas religiosidades tiveram de ser constantemente
reelaboradas.

2.3 - A Modernidade chega a Recife

As transformações advindas com o sistema republicano, não foram
característica apenas da antiga capital do país – Rio de Janeiro – mas, de
todas as grandes cidades brasileiras. No Recife não foi diferente, associando
modernização com a renovação urbana, foi o período em que a economia
açucareira pernambucana passou por transformações importantes em
decorrência da substituição dos engenhos pelas usinas. Esse fato contribuiu
para consolidação do capital industrial em detrimento do então capital agrário.
A cidade era a mais importante capital nordestina, centro das “novas
elites urbanas”. Exercia domínio econômica e político sobre todas as outras
cidades da região. Concentrava em seu território a maior parte do comércio,
das indústrias, serviços e instituições públicas. No artigo de Mario Linhares,
Portico, publicado em 1913, na revista Heliopolis de Artes e Letras de Recife,
podemos notar a importância da cidade no cenário nacional:
O Recife que foi [...] o celebro do Norte, Pra falar na expressão
corriqueira da gíria e, si atendemos a opinião de Sylvio, teve a
primazia no paiz como emporio da intellectualidade patria, em que,
primeiro, se localizaram todas as grandes correntes scientificas e
philosofhicas, irradiando-se depois, com intenso fulgor, por todo
continente como o centro do systema planetário, [...]. (HELIOPOLIS,
1913, S.N.)

Recife era vista pelos seus intelectuais como a metrópole do norte, aliás,
não apenas do norte, como também do Brasil, e até mesmo do mundo.
Linhares a coloca, como o centro do systema planetário, onde estaria
localizada, em sua opinião, a grande da intelectualidade mundial com suas
correntes cientificas e filosóficas. Essa concepção não era apenas da elite
letrada. Percebemos um movimento muito parecido entre os grupos populares

65

entre os quais circulava Leandro Gomes de Barros, como podemos ver em seu
cordel, A cidade de Recife, publicado em 1908.

Vou tratar sobre Recife,
Essa grande varonil,
O qual representa um quadro
De madreperola e anil,
A capital mais garbosa
Entre todas a do Brasil.
[...] (BARROS, 1908. p. 01)

Tanto no artigo da Heliopolisde Artes e Letras de Recife, escrito por um
representante da elite letrada, como nos versus do cordel, escrito por um
homem do povo, é interessante perceber, uma mesma visão em relação a
grandezas de Recife. Tal visão pode ser pensada por conta do monopólio
político e econômico que a capital detinha sobre as outras cidades do
Nordeste. Isto fazia com que tanto a elite, quanto retirantes da seca do sertão
fossem procurar na cidade alternativa para sobreviver.
Desde meados do século XIX, estima-se que houve um aumento
significativo de sua população desta cidade. Segundo Raimundo Arrais, em
1872 a cidade atingiu a soma de 100 mil habitantes e, em 1910 arrancou para
200 mil, ou seja, praticamente dobrando em pouco mais de trinta anos.
[...] a cidade tornou-se desaguadouro do movimento populacional que
o processo de instalação das usinas havia desencadeado. Massas
humanas liberadas pelas mudanças que a usina introduziu no campo
– concentrando propriedades, arruinando produtores de subsistência
e liberando braços – se dirigiam ao centro mais atrativo da região. O
Recife não apenas exercia dominação sobre uma região que recobria
outros estados, como concentrava, em relação a seu território, a
maior parte do comércio, das indústrias, serviços e instituições.
(ARRAIAS, 1998. p. 42)

Para o autor, o impulso demográfico não resultou apenas do
crescimento natural da população, mas também das ondas migratórias
advindas das decadentes zonas açucareiras, às quais se somavam as vagas

66

periódicas de retirantes que buscavam salvação em face de catástrofes
naturais, como as secas que assolavam a região35. É interessante pensar
quem eras esses retirantes ocuparam parte das regiões que passavam pela
modernização, pois foi ao mesmo tempo, justificativa para o envio de verbas
federais; mão de obra nas reformas urbanas; elemento “perigoso” à
salubridade (física, social e moral) e à ordem pública, e até mesmo, tema ao
debate sobre a identidade brasileira e o povo que representaria a nação.
Foi sob o pretexto do higienismo, no combate à cidade insalubre,
amparadas nas práticas autoritárias da polícia que se desenvolveriam as
diversas ações que tiveram a reforma urbana como eixo central do projeto de
modernização: as obras de melhoramentos do porto, a construção das
estradas de ferro, instalação de novas indústrias, navegação a vapor,
canalização de água e esgoto, serviços de bonde de tração animal, telégrafo
manual. Para todos estes itens da pauta das elites pernambucanas, os
retirantes, tematizados como um dos efeitos das secas, foram essenciais para
a elaboração dos discursos oficiais em prol do Nordeste, em busca dos
recursos federais que viabilizassem os interesses econômicos oligárquicos, e
35

As principais secas que atingiram o Nordeste do Brasil no final do XIX e primeiros anos do
século XX foram: 1877- 1879; 1888-1889; 1898; 1900; 1903-1904. Embora tenham causado
sérios problemas a população, não há duvidas para a historiografia que as falas que se
construiu sobre a seca estão para além desta questão. No discurso institucional e em parte da
literatura regional, o Nordeste surge como a “terra das secas”, merecedora de atenção especial
do poder público. Conforme os estudos de Durval Muniz Albuquerque Júnior na obra A
inverção do Nordeste e outras arte, a institucionalização das secas no final do século XIX, com
o “auxílio aos flagelados” na seca de 1877-1879 e das primeiras “obras contra a seca”, torna-se
um poderoso instrumento regionalista para unificação do discurso de grupos políticos
dominantes do “Norte”, na conquista de espaços no Estado republicano, comandado pelas
oligarquias do Sudeste. A seca, divulgada nacionalmente como um grave problema, torna-se
um argumento político quase irrefutável para conseguir recursos, obras e outras benesses que
seriam monopolizadas pelas elites dominantes locais. Na literatura, na dramaturgia, na música
e nas artes plásticas do início do século XX, o tema da seca também apareceu como um
fenômeno relacionado aos desastres sociais e morais, uma fatalidade que desorganizava o
modo de vida das famílias e da sociedade, sendo responsabilizada pelos conflitos sociais na
região (o cangaço e o messianismo), naturalizando as questões sociais. Os Sertões, de
Euclides da Cunha por exemplo, retrata a área de domínio do semi-árido como uma realidade
hostil ao sertanejo. O Quinze, de Raquel de Queiroz, também retrata a seca como explicação
da desorganização da vida. Porém, nesse mesmo período surgem outros olhares críticos sobre
as causas estruturais e as conseqüências da miséria que assola a região semi-árida. Em sua
obra Geografia da Fome, Josué de Castro denuncia que a seca foi feita vilã do drama
nordestino, acobertando as formas dominantes da exploração econômica que criaram e
reproduziram a concentração das riquezas e do poder político, gerando miséria e dependência
de milhares de sertanejos. A concentração fundiária e a exploração da mão-de-obra dos
sertanejos têm destaque na explicação da manutenção da miséria na região semi-árida. Ver:
ALBUQUERQUE, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FNJ, Ed.
Massangana; São Paulo: Cortez, 1999. / CASTRO, Josué. Geografia da fome: o dilema
brasileiro – pão ou aço. ed. 14. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

67

para a sua estruturação política dentro da conjuntura da Primeira República
(ALBUQUERQUE, 1999. p. 105)
Para que houvesse modernização de fato era necessário tirar do centro
da cidade esses indivíduos “indesejados”. Foi preciso a eliminação das
habitações populares por meio das desapropriações, demolições, edificações
feitas a força para acelerar a conclusão das obras que foram postos em prática
os discursos médicos. A realocação dos moradores obedecia à política de
zoneamento social. No plano de Reforma da cidade do Recife estava contido
um grande número de desapropriações, tanto nos trechos onde seriam
rasgadas novas avenidas, quanto naqueles onde seriam alargadas ruas
antigas e onde seria aberta a avenida do cais (LUBAMBO, 1991. p. 105).
As desapropriações e demolições eram feitas rapidamente, pois a
própria lei permitia uma redução no cálculo das indenizações a serem pagas
aos expropriatórios, como também, excluía do ressarcimento de prédios
considerados “ruinosos”. Nessa categoria, poderiam ser enquadradas inúmeras
habitações, ocupados por oficinas, mocambos, pequenos estabelecimentos
comerciais e casas de cômodos. Era comum que a demolição desses prédios
ocorresse sob a justificativa de “insalubridade”, atestada pela Comissão de
médica (SILVA, 2007, p. 108). Tal justificativa foi usada para que diversas
construções fossem demolidas sem que houvesse nenhum tipo de indenização
para seus moradores, mesmo estando fora dos limites físicos aprovados para
as desapropriações36.
No Recife ainda há outra questão importante, principalmente, se
tratando de questões raciais: a fundação da Universidade, essa de importância
fundamental nos estudos sobre raças no Brasil deste período, pois deu origem
à Escola de Recife 37 fundada nos ideais positivistas e do darwinismo social,

36

Toda população que habitava nesses lugares foram empurrados para os arredores da cidade,
passando a ocupar os morros que se configuraram em bairros periféricos, como exemplo: Casa
Amarela e Beberibe ambos surgidos nesse período.
37
Escola de Recife (1860-1927) foi na Faculdade de Direito do Recife (hoje Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Pernambuco) fundada nas teorias evolucionistas,
darwinistas e positivistas nasceu e floresceu como movimento intelectual poético, crítico,
filosófico, sociológico, folclórico e jurídico, cujo líderinicial era o sergipano Tobias Barreto.
Outras figuras importantes do movimento foram Sílvio Romero, Artur Orlando, Clóvis Beviláqua,
Capistrano de Abreu, Graça Aranha, entre outros. A recepção das teorias cientificas
deterministas significava uma entrada de um discurso secular e temporal que, no contexto
brasileiro no caso da faculdade de Recife, a introdução simultânea dos modelos evolucionistas

68

relacionando determinismo biológico com a realidade social traduzidas nas
ideias higienistas.
Recife foi, talvez, o local que seguiu de forma mais radical as teorias
deterministas da época. A ciência era vista como princípio que se estendia para
a explicação do social. É certo que, os intelectuais de Recife iniciaram em todo
o país modelos e posturas até então desconhecidas. Fato esse, que contribui
para os próprios recifenses se verem como “A Paris do Nordeste” (Mota, 2002,
p. 201). Seus sentimentos eram de “superioridade” em termos culturais e
econômicos em relação aos outros Estados nordestinos.
A nova realidade vista pelos intelectuais pernambucanos estabeleciam
do ponto de vista cultural, social e político, novas formas de manifestações. De
modo geral, pode-se dizer que os padrões de progresso, civilização e higiene
presentes na modernidade européia e amplamente aceitos nas grandes
cidades brasileiras, estava muito presente na cidade de Recife.

A modernidade [do período] impunha desde a necessidade de se ter
um porto modernamente aparelhado e ampliado nas suas dimensões,
de se dispor de uma ampla rede de esgotos sanitários e fornecimento
de água encanada, de se poder trafegar por ruas largas, calçadas e
iluminadas, até o desejo de se mostrar elegante, ou frequentar os
cinemas [...] (TEIXEIRA, 1994, p. 12).

O aumento da população, a formação de cortiços, pensões residenciais,
mendicância, abandono dos menores nas ruas, recrudescimento das condições
sanitárias, os altos números da mortalidade (ARRAIS, 1998, p. 98), que fazia
parte composição da Recife ia à contramão destas ideias e, portanto a reforma
urbana e social fazia-se imensamente urgente
Tal situação atingia de forma muito mais efetiva a população negra. De
diferentes maneiras os grupos reformadores republicanos atribuíram aos
negros a criminalidade; falta de instrução; a imoralidade traduzida na miséria,
na embriaguez, e na prostituição. Ou seja, o que se via era uma tentativa de
manter uma segregação social que evidentemente, se refletia nas questões
raciais. É o que podemos verificar no jornal A Província:

e social-darwinistas resultou em uma tentativa bastante imediata de adaptar o direito as teorias,
explicando-as à realidade nacional.

69

Hontem, as 7 e meia horas da noite, pouco mais ou menos, o
subdelegado capitão Agnello, da Boa Vista, encontrando um crioulo
muito bêbado na rua da Imperatriz, ordenou a duas praças que o
levassem para a detenção (sic) e retirou-se.
Na ausência desta autoridade os dois soldados praticaram revoltante
barbaridade com o crioulo, que não podia caminhar devido ao seu
estado de embriaguez e teve de ser arrastado, em vez de ser
conduzido em padiola convenientemente amparado.
Os policiaes seguraram-lhe os dois pés e puxaram-n‟o sobre o
calçamento, quebrando a cabeça do infeliz e ferindo-lhe as costas
nas pedras.
Ao chegar na ponte o pobre homem, bastante ensangüentado, não
suportou mais os horrores do transporte, e gritou que já estava quase
á morte.
O facto attrahiu a attenção de muitas pessoas, que se aglomeraram
manifestando a sua reprovação áquella selvageria, mas os soldados,
aos quais já se haviam reunido outros, affirmaram que a policia não
seria desautorada e que o ébrio havia de seguir assim mesmo.
E assim mesmo foi conduzido até a detenção (sic), onde deve ter
chegado em condições lastimaveis. (A PROVÍNCIA, MAIO.

1902)

O uso pelo jornal do termo crioulo nos coloca de logo o teor
preconceituoso que a noticia expressa. O termo é uma expressão que era
usada para designar: preto escravo que nasce em caza de seu senhor. Animal
ou ave que nasce em poder de seu dono (PINTO, 1832, p. 88). Segundo o
Historiador Gian Carlos, é o único termo que carrega uma ligação direta com a
escravidão: ser considerado crioulo na sociedade marcava o individuo por ser
associado a um cativeiro, como propriedade de alguém (SILVA, 2014. p. 195).
Tal termo era constantemente usado pela emprensa da época. Na manchete
em questão o crioulo da qual se referia a reportagem é preso pelo fato de estar
bêbado. Em nenhum momento da narrativa, o jornal cita que o mesmo estava
praticando desordem, o que nos leva a pensar que a associação corriqueira do
negro com o passado escravista dava base para o poder público manter a
política de limpeza da cidade desses grupos marginalizados.
É certo que a criminalização dada a esses indivíduos estava apoiada em
conceitos morais e, portanto, subjetivos, de como deveria se comportar os
indivíduos para que se tornassem cidadãos de “bem”. A ação da polícia nas
ruas, entretanto, não seria suficiente para diminuir o incômodo e o medo

70

gerado pelos “grupos perigosos” entre as elites. De fato, a estrutura carcerária
será um dos dispositivos largamente utilizados para isolar e tentar disciplinar os
indivíduos que não se enquadravam dentro do projeto de uma nação moderna
e civilizada. Perseguidos dentro de um sistema camuflado pelos discursos da
higienização, esses grupos tiveram que buscar novos espaços sociais que
permitissem diminuir, não apenas as mazelas do desenraizamento, mas
também, as condições de exclusão em social, política e econômica em que
viviam.
Podemos afirmar, portanto, que no Recife do início do século XX, existiu
uma espécie de caçada aos “maus costumes”, aos “maus hábitos” que faziam
parte do cotidiano dos grupos “perigosos”. Leandro nos passa essa ideia no
cordel, As misérias da época, publicado aproximadamente entre os anos de
1906 à 1910. Nele o cotidiano da população pobre do Recife estava submetido
à miséria nos primeiros anos da Republica:

Se eu soubesse que este mundo
Estava tão conrumpido
Eu tinha feito uma greve
Porem não tinhas nascido
Minha mãi não me dizia
A queda da monarchia
Eu nasci foi enganado
Para viver n’ este mundo
Magro, trapilho, coreundo
Além de tudo sellado
[...]
Havemos de andar agora
Do imposto amedrontados,
Com mil e cem de estampilhas
Nos chapeus e nos calçados
O que havemos de fazer?
Já não se pode soffer
O fio da cruel fome

71

Os homens todos alerta
O Estado nos aperta
O município nos come. (BARROS, 19?? pp.01 & 02)
Os versus acima expressam à sensação dos grupos “perigosos” de não
se sentirem aceito no novo sistema republicano. O processo de modernidade
implantado na cidade não permitia a esses indivíduos o acesso às
necessidades básicas com: ter com que se alimentar e roupas para vestir. A
falta de assistência social e a perseguição sofrida por parte do Estado e do
Município criou uma insatisfação da população com a vida que levavam nesta
cidade.
A narrativa chama atenção também pelo fato de mostrar que esses
grupos não eram vistos como cidadãos. Entretanto eram obrigados a pagar
impostos. O que se dava por duas formas contraditórias: se no convívio social
eram tratados como “perigosos”, “indesejados”, na hora de prestar contas ao
governo por meio dos pagamentos de impostos, todos os grupos, sejam eles
“indesejados” ou não, eram cidadãos portadores dos mesmos deveres. Nesse
sentido, Barros deixa um alerta: O Estado nos aperta / O município nos come.
o poeta deixa nos versos a sensação de só poder contar com a fé, que poderia
ajudar essas pessoas a lutar pela sobrevivência. De certa forma, esses grupos
eram órfãos, desacolhidos pelo governo. Leandro, fazendo eco dessa
insatisfação popular, passa a atacar o governo e o seu representante, age
como se fosse um advogado em defesa dos seus pares. É desse sentimento
de pertencimento aos grupos tidos por “perigosos,” e “invisíveis” para a nação
que o poeta parte para dar voz a personagens e temas dos seus cordéis.
A limpeza social da cidade de Recife pode ser percebida também nas
transformações sanitárias apoiadas nos discursos médicos, que legitimavam as
mudanças impostas a essa população afetando diretamente suas vidas
cotidianas. Recife tinha a situação de saneamento básico, agravado devido a
sua posição geográfica quase ao nível do mar, como também pelas galerias de
esgotos mal construídas; o péssimo serviço de limpeza; a remoção dos dejetos
domésticos; as ruas estreitas e mal traçadas. Tudo isso, se traduzia nas
condições precárias dos pobres e negros que habitavam mocambos e cortiços
(SILVA, 2007, p. 56).

72

Com a ampliação e o melhoramento do porto, ocorrida pela intercessão
de Rosa e Silva38, ocorreram transformações significativas na cidade. As
reformas foram iniciadas aproximadamente a partir de 1908, com diversas
ações empreendidas para reformar o porto que significava tanto uma
adequação urbana ao emergente capital industrial e financeiro do setor usineiro
pernambucano, quanto uma intervenção voltada à higienização urbana (LEITE,
2006, p. 78).
Toda essa modernização implantada em Recife constituída em cima dos
discursos médicos é percebida por Barros no cordel Doutores de 60. Nele
podemos entender melhor o processo de transformação ocorrida na cidade. O
folheto faz sátira sobre os discursos médicos sanitários á um enfrentamento
aos novos saberes que se organizavam com a modernização. O poeta deixa
clara a opinião que tem sobre os médicos da cidade.
(...) Criaturas que só faltam
Andarem de quatro pés,
Um desses diz: sou doutor
Graças a secenta mil reis.

Deu-se agora uma questão
Com o dr. berduega,
Quem disse foi o pae d’elle
Creio que o velho não nega
Um burro passou por elle
Disse: bom dia colega.

O dr. lhe disse burro
E’s dos irracionaes,
O burro então perguntou-lhe
Collega o que é que quer mais
Somos diferentes em corpos
No saber somos iguaes

38

Vice Presidente da República, nascido em Recife, tornou-se intermediário entre o Recife e a
Capital do Brasil, Rio de Janeiro.

73

O dr. disse-lhe burro,
Então não sabes quem és?
Es um animal estupido
So andas de 4 pés
O burro disse eu custei,
Duzentos e dez mil reis (BARROS, 1914-15. pp. 02 &03)

O folheto expõe possíveis estranhamentos dos moradores da cidade
com os médicos e sua formação acadêmica débil, cujo exercício profissional
era caracterizado por pouca teoria e nenhuma prática. Na opinião de Barros, os
doutores prescreviam tratamentos tão estranhos, executada de maneira bizarra
e até mesmo equivocada, que nem mesmo eles tinham certeza da eficácia. No
entanto, sempre permeados por intenções de lucro. O poeta demonstra muita
criatividade ao traçar um paralelo entre os médicos da cidade e os burros,
deixando explícita a crítica social direcionada aos profissionais da saúde.
A narrativa soa como se o poeta estivesse inconformado com a atuação
dos médicos, considerando-os como seres irracionais e sem valor, ou menos
racionais e valiosos que o burro. Barros privilegia o animal com respostas
prontamente aptas a desqualificar o “doutor”, no momento em que o burro
cumprimenta o médico e este se ofende, enfatizando a irracionalidade do
animal. Durante a réplica o burro em momento algum nega sua irracionalidade,
mas afirma que em matéria de saber era igual ao doutor. Ou seja, ambos
irracionais. Há, portanto, a intenção de diminuir o doutor, fazendo-o perder uma
discussão até mesmo para um burro, que insiste em afirmar que, mesmo com
sua estupidez ou irracionalidade, ainda assim valia mais que o médico.

Por isso não sou doutor,
Sustento isso a capricho,
O dinheiro de um diploma,
E’ melhor botar no lixo,
Talvez aproveitasse mais
Jogando tudo no bixo. (BARROS, 1914-15. p. 10)

74

Nos versus acima Barros deixa claro que não estava desatento ao
processo de transformações que a cidade estava passando, legitimada pelos
discursos médicos que imponham novos padrões de comportamento a
população. Para o autor o diploma de um médico era comprado por dinheiro e
não obtido por merecimento. Isso é, seus discursos modernizantes não tinham
fundamento. Serviam apenas como base para excluir grupos que não se
encaixavam nos padrões de uma cidade que pretendia ser moderna e
“civilizada”.
O poeta assume o lugar daqueles que muitas vezes eram negados
durante esse processo de “limpeza” urbana que, respaldada pelo discurso da
higienização. O Estado republicano durante suas primeiras décadas de
existência caracterizou-se por ser fortemente excludente e hierarquizado. A
ciência, em busca de uma cidade limpa e moderna, condenou grupos tidos por
“perigosos”, tendo os indivíduos negros como seu principal alvo. Os higienistas
planejaram Recife racional e melhor planificada, que assegurasse a remoção
dos pobres da área central e impondo a eles normas para torná-la mais
higiênica, moderna e “civilizada”. Fica claro, portanto, que durantes esse
período da história do Brasil a ideia de modernidade se relacionava
diretamente com o conceito de raça e nação. Era necessário apagar do seu
passado os “grupos indesejados”, dos quais os negros pertenciam, pois os
mesmo não se encaixavam na nova ordem vigente.

75

3 - A implicação da modernidade nos cordéis de Leandro
Gomes de Barros
R – de qual logar é você
Com semelhnte vantagem?
Terá vindo do inferno
Cantar aqui pabulagem?
Garanto que você sai
Perdendo dessa viagem
N – lhe garanto que não sou
Deste sertão atrasado,
Sou de um reino onde tem
Povôo mais civilisado,
Cathegoria e progresso
De um paiz mais adiantado.
(BARROS. Segundo debate de Riachão com o diabo, 1917. p. 02)

Investigar a experiência histórica do grupo afrodescentente durante o
inicio do século XX, por meio do gênero de literatura de cordel, não é algo fácil,
pelo contrário, é uma tarefa complicada e escorregadia. Essa forma de
literatura tem como suas principais características: a ambiguidade, o jogo de
palavras, a ironia, o deboche e, ao mesmo tempo é construído em cima da
oralidade e da memória. São narrativas criadas dentro de um sistema de
coerências e ações que conferem valores próprios da comunidade que a
produziu. Isso é o que torna mais complexa nossa investigação, pois o nosso
poeta, Leandro Gomes de Barros, toma para si, o trabalho de dissolver e
transformar as ideias que circulavam no seu meio social a respeito da
modernização, higienização, religiosidade, exclusão dos “grupos perigosos”, e
devolver na forma de poesia escrita.
Levando em conta essas considerações dividimos esse capítulo em duas
partes: a primeira trata-se das práticas culturais vindas dos grupos “perigosos”,
como é o caso da religião de matriz africana presente na cidade de Recife e
condenada pelo catolicismo por ser considerada forma de “atraso” e
“primitivismo”. Na segunda, vamos abordar as questões raciais durante o
processo de modernização do Brasil do final do século XIX e início do século
XX.

76

3.1 - O Diabo não é tão feio quanto parece

Os cordéis de Leandro de Barros são excelentes para evidenciar os
embates religiosos dos católicos com as religiões de matriz africanas existente
na cidade do Recife nas duas primeiras décadas do século XX. Os folhetos
escolhidos para essa abordagem foram: O Diabo na Nova-Ceita, publicado
entre 1913-1914, O Diabo confessando uma Nova Ceita de 1914, A peleja do
diabo com Riachão de 1989. Estes cordéis são expressivos quanto à ideias e
valores a respeito das práticas religiosas da população negra, que circulavam
na sociedade.
O cordel O diabo na Nova-Seita, gira em torno de um diálogo entre o diabo
e seu filho, que queria ser integrante da nova religião, essa nova-seita, é
definida pelo poeta pelo termo Catimbó 39. Na narrativa em questão, Barros se
utiliza da criatividade para traçar as características dessa nova-seita que
estava tomando espaço na cidade do Recife. Esse tipo de religiosidade, por ser
de origem africana,e ter chegado ao Brasil por meio dos homens e mulheres
trazidos para como escravos, foi vista pelo projeto nação, como forma de
atraso e incivilidade.
O cordel traz logo no título uma questão importante da relação dessa
sociedade do Recife, início do século, quanto à cultura, os costumes e a
religião de matriz africana: “nova-ceita”. Segundo um dicionário da língua
portuguesa, escrito por Luiz Maria da Silva Pinto, em1892: seita é um systema
erroneo de religião, errar não conhecer as traças de alguem, engana-se no que
Elle intenta, fazer mudar o proposito. (PINTO, 1892.). Ou seja, seita é algo que
não é propriamente uma religião, mas uma formula para enganar as pessoas
39

O termo “catimbó-jurema” era utilizado para designar as práticas religiosas dos negros. Essa
expressão era utilizada, geralmente, para indicar as religiões que em suas sessões ocorressem
à possessão espiritual. Várias religiões de matriz africana eram facilmente identificadas como
catimbó, por isso tornava complexo realizar distinções entre tais. Seus cultos eram realizados
em terreiros frequentados por motivos diferentes, uns buscava consolo para seus sofrimentos,
outros cura para alguma enfermidade, tinha aqueles que desejavam reconquistar a pessoa
amada ou simplesmente afastar um pretendente de perto do seu cônjuge. No catimbó as
cerimônias são comumente chamadas de “Gira”, as sessões são entoadas por batuques de
tambores. Os integrantes da gira compunham uma roda, onde passavam a tocar e dançar para
as entidades aguardando que as mesmas “baixassem”.Ver: LIMA, Ivaldo Marciano de França;
GUILLEN, Isabel Cristina Martins. “Jurema Sagrada: uma religião que cura, consola e diverte”.
In: Traduções e Traduções: a cultura imaterial em Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2008.

77

que acreditam nela, trata-se de algo que inverte o propósito de uma verdadeira
religião, que para os católicos seria levar a salvação aos seus seguidores.
Leandro, portanto, ao se referir a essas práticas religiosas como “Nova
Ceita” parece compartilhar da mesma opinião. E isso fica mais claro na
brincadeira que o cordelista faz com a figura do diabo que pode ser
representado por Exu o guardião das encruzilhadas, uma figura ambígua na
religião africana40. Esse anuncia ao pai que irá ingressa na nova religião e o pai
o alerta do poder que ela tem:

O diabo ficou pobre
Viu que morria no pó
Chamou o pai d’elle e disse:
Eu não me desrgraço só
Ou vou para a nova-ceita
Entro no catimbó.
O velho pai d’elle disse:
Rapaz pensas n’isso agora?
O catimbó nada vali,
A nova-ceita é caipora,
Nasce com o asar dentro
E acha a miseria fora (...) (Barros, 1910. pp. 01)

Mais perigosa que o próprio inferno, ela desafia quem a criou:
40

Europeus que tiveram contato na África com o culto do orixá Exu dos iorubás, venerado
pelos fons como o vodumLegba ou Elegbara, atribuíram a essa divindade uma dupla
identidade: a do deus fálico greco-ro mano Príapo e a do diabo dos judeus e cristãos. A
primeira por causa dos altares, representações materiais e símbolos fálicos do orixá-vodum; a
segunda em razão de suas atribuições específicas no panteão dos orixás e voduns e suas
qualificações morais narradas pela mitologia, que o mostra como um orixá que contraria as
regras mais gerais de conduta aceitas socialmente, conquanto não sejam conhecidos mitos de
Exu que o identifiquem com o diabo (Prandi, 2001, pp. 38-83). Atribuições e caráter que os
recém-chegados cristãos não podiam conceber, enxergar sem o viés etnocêntrico e muito
menos aceitar. Exu “tem um caráter suscetível, violento, irascível, astucioso, grosseiro,
vaidoso, indecente”, de modo que “os primeiros missionários, espantados com tal conjunto,
assimilaram-no ao Diabo e fizeram dele o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade,
abjeção e ódio, em oposição à bondade, pureza, elevação e amor de Deus. PRANDI,
Reginaldo. Exu de mensageiro a diabo: Sincretismo católico e demonização do orixá Exu.
REVISTA USP, São Paulo, n.50, p. 20-93, junho/agosto 2001.

78

Perguntou o cururú
Dão-me licença a fallar?
O pai do diabo disse:
Pois não, pode se espreçar.
Disse o sapo a nova-ceita
Faz até repugnar.

(...) o que você está dizendo
E uma pura verdade,
Essa raça nova-ceita
Abusa da divindade (...)

Disse o diabo meu pai
Foi quem plantou essa raça
Disse o velho eu não pencei
Que sahisse tal desgraça
Para deichar a caipora
Por todo lugar que passa. (Barros, 1910 pp. 07)

Os versus acima são expressivos no sentido de mostrar com clareza as
ideias que circulavam do meio social e cultural sobre as práticas religiosas
negra. Ao provocar um diálogo entre o diabo com seu pai, Barros brinca com a
ideia de que a religião, que ele denomina “nova-ceita”– termo que, como vimos,
para a época está próximo a concepção de enganar - seria proveniente da:
pobreza, miséria e caipora41. Os adjetivos “pobreza” e “miséria” estão aqui
relacionados a um terceiro termo que faz referência a moral. Caipora, sem
dúvida, é sinônimo de malfazejo, maléfico. Portanto, a ligação entre seita, raça,
miséria e moral duvidosa, estão bem presentes no poema, reafirmando ou
apoiando-se nos trabalhos científicos sobre raça.

41

O termo caipora é de uso comum na linguagemdo nordeste brasileiro, refere-se a um gênio
malfazejo da mitologia dos índios brasiliense, é mau agouro encontrá-lo. Chamar-se caipora a
que tudo que é ao avesso, já que caipora tem os pés voltado para trás. Ver: COSTA, F. A.
Pereira. Vocabulário Pernambucano. 2ª Ed. Recife: Secretária de Educção e Cultura, 1976.

79

Sem dúvida as práticas religiosas de influência cultural africana estavam
entre aquelas classificadas como carregadas de elementos de barbarismos ou
incivilidades que caminhavam em sentido contrário ao que se esperava de uma
nação, de um povo moderno – o que, sem dúvida alguma confrontava o projeto
de modernidade característica da política e da sociedade brasileira nesse
período.
Vistas como forma de atraso social e cultural essas práticas
confrontavam a própria ciência deste período, posto que dispunham de práticas
rituais que se aproximavam do campo da medicina –exercício comum a maioria
das religiões. Acusadas de “curandeirismo”, sua condenação aparece até
mesmo no código penal de 1890:
Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de
talismans e cartomancias para despertar sentimentos de odio ou
amor, inculcar cura de moléstias curaveis ou incuraveis, emfim, para
fascinar e subjugar a credulidade publica:
Penas de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a
500$000. (CÓDIGO PENAL, 1890)

A repressão aos rituais religiosos que interferiam no campo da medicina
foi algo presente não apenas nos textos jurídicos, mas também de médicos,
higienistas, escritores e jornalistas, que passaram a concentrar suas atividades
no combate ao exercício do catimbó, por exemplo.
O cordel reafirma a lei e as noticias dos jornais, pois o mesmo
apresenta essas práticas religiosas como algo extremamente negativo para a
imagem do Recife. O cordel O Diabo na Nova-Seita, é composto por
características estereotipadas que circulavam no meio social do poeta sobre
essa religiosidade negra, como também sobre seus participantes. Antes de
qualquer coisa, o autor classifica tal prática religiosa como um grande perigo
que ameaça até mesmo o pior dos males: o diabo. Não resta outro fim para a
tal “ceita”:

E o nova-ceitaalli
Não pôde se deffender
Disse o diabo: badejo!
Ouça que eu vou lhe dizer

80

A igreja do frei bode
Tem que desaparecer (BARROS, 1910. p. 07)

Acrescenta-se nestes versos uma nova denominação a tal pratica, talvez
ainda mais significativa no que tange a relação desta com a sociedade a sua
volta: igreja do frei bode. Segundo Câmara Cascudo em sua obra, Coisas que
o povo diz, Frei Bode é uma referência ao diabo nas festas dos sabats. Um dos
animais típicos no processo de feitiçaria, o bode, segundo este autor,
como:qualquer bruxa velha de autrora, sabedora de orações e remédios fortes,
informava o poder do bode, sinônimo diabólico, temido e respeitado na
ambivalência natural. (CASCUDO, 1968, p. 80). Leandro, portanto, relaciona
esta pratica religiosa a toda um imaginário ligado a figura do demônio que
migrou da Europa para o Brasil junto com o catolicismo português.
Em outro folheto, O diabo confessando uma Nova-Seita, provavelmente
publicado em 1914, Leandro Gomes de Barros retoma ao tema da Nova-Seita,
mas dessa vez fazendo referência a Jurema.

Vi no troco da Jurema,
Ao lado da mão direita,
Umas letras pretas e tortas
Em uma placa mal feita
Dizendo: confissionário,
Somente da nova seita.

Bem no tronco da jurema,
Estava um velho ajoelhado;
Esse era uma nova seita,
Muito amarelo e barbado:
Disse que traz ao nascer
Diploma de desgraçado (BARROS, 1914. pp. 01 & 02)

A Jurema também conhecida por Catimbó-Jurema é uma religião que
mescla elementos indignas, negros e católicos. Alguns terreiros em Recife

81

entregavam-se a pratica do Catimbó-Jurema nesse período. Era por meio da
união de elementos42 e estilo de vidas coletivas das comunidades indígenas,
negras e brancas traduzidas em rituais de: defumação feita com o cachimbo na
posição invertida, o emprego do maracá como instrumento musical,
acompanhando as toadas para as entidades “baixarem” e a preparação da
bebida feita com partes da árvore da Jurema (BARROS, 2011. p. 54). Para a
população não havia distinção entre a prática Catimbó e Jurema.
O Catimbó-Jurema e outras representações culturais de origem negra
tiveram seus significados originais modificados pelo contexto histórico e pelo
contato com as tradições locais. É bastante improvável uma cultura manter-se
inalterada tendo contato com outras culturas e sofrendo influências de fatores
externos. Essa ressignificação explica a variedade de religiões, muitas
mescladas às tradições dos índios e cristãos. O xangô, a Umbanda e a Jurema
são exemplos dessa afirmação.
Segundo Ivaldo Marciano de França Limas, as tradições africanas
também são facilmente identificáveis no carnaval da cidade do Recife durante
esse período. Sagrado e profano se misturam durante os festejos de Momo,
nos quais muitas agremiações carnavalescas sofreram influências diretas das
religiões negras: o Maracatu de Baque Virado, por exemplo, em suas
apresentações se utiliza de algumas características reconhecidas nos Xangôs;
clubes tradicionais de frevo e o candomblé. Era comum mãe Santa dirigir o
Maracatu. Manuel Costa ressalta:
70% das agremiações carnavalescas dependeram e dependem ainda
do Candomblé e da sua magia. Ainda hoje muitas delas não têm
42

Não podemos chamar essa união de sincretismo, pois não é, como se pensa, uma simples
tábua de correspondência entre orixás e santos católicos, assim como não representava o
simples disfarce católico que os negros davam ao seus orixás para poder cultuá-los livres da
intransigência do senhor branco, como de modo simplista se ensina nas escolas até hoje. O
sincretismo representa a captura da religião dos orixás dentro de um modelo que pressupõe,
antes de mais nada, a existência de dois pólos antagônicos que presidem todas as ações
humanas: o bem e o mal; de um lado a virtude, do outro o pecado (PRANDI, 2001. p. 51). Essa
concepção, que é judaico-cristã, não existia na África. As relações entre os seres humanos e
os deuses, como ocorre em outras antigas religiões politeístas, eram orientadas pelos preceitos
sacrificiais e pelo tabu, e cada orixá tinha suas normas prescritivas e restritivas próprias
aplicáveis aos seus devotos particulares, como ainda se observa no candomblé, não havendo
um código de comportamento e valores único aplicável a toda a sociedade indistintamente,
como no cristianismo, uma lei única que é a chave para o estabelecimento universal de um
sistema que tudo classifica como sendo do bem ou do mal, em categorias mutuamente
exclusivas. PRANDI, Reginaldo. Exu de mensageiro a diabo: Sincretismo católico e
demonização do orixá Exu. REVISTA USP, São Paulo, n.50, p. 46-63, junho/agosto 2001.

82
coragem de sair às ruas sem antes preparar seus participantes com
limpeza de pintos e defumadores. [...] Em número bastante razoáveis,
quase todas as agremiações foram fundadas ou são dirigidas por Pai,
Mãe ou Filhos de Santo. (COSTA apud SANTOS, 2010).

Dessa forma, os festejos do carnaval se transformavam numa extensão
do terreiro e serviam como um meio de expor ao público essa cultura que
nascia no subúrbio, dentro dos terreiros, e que era freqüentemente
marginalizada pelo projeto de modernidade. A cidade se transforma durante os
festejos de Momo, as ruas se tornam palco a céu aberto do espetáculo
comandado pelos catimbozeiros, clubes, maracatus. É nesse contexto que se
torna possível a inserção da tradição negra, sua cultura, sua religião na
sociedade através de manifestações artísticas como as que ocorrem nas festas
de Momo. A população segue nas ruas ao som da batida do maracatu sem
preocupar-se com qual religião aquele movimento está ligado. Muitas vezes
não tenha consciência da vertente religiosa em tais manifestações. (SANTOS,
2010).
Isso era uma forma que esses grupos religiosos encontraram para
driblar as represálias policiais aos cultos. Segundo René Ribeiro durante muito
tempo,houveram perseguições em Recife, nos locais de cultos afro-brasileiros,
Seus adeptos espalhavam-se por toda parte da cidade, eram obrigados a
praticar seus cultos religiosos em lugares afastados sobre forte acossamento
policial.
[...] nunca no Recife atingiu o xangô o esplendor do candomblé
bahiano, a regra parecendo ter sido o funcionamento de grupos
pequenos que se esmeravam mais nos rituais privados, só
ocasionalmente realizando cerimônias vistosas e públicas. É bem
compreensível que assim fôsse por necessidade de se esquivarem às
represálias policiais, à pressão da Igreja Católica e à hostilidade da
parte da população mais identificada com a cultura européia.
(RIBEIRO, 1952. pp. 35-36)

Todos os terreiros estavam sujeitos a serem invadidos, fechados e terem
apreendidos seus objetos pela polícia. A repressão e a condenação aos
catimbozeiros eram respaldadas por aparatos policiais e judiciais, o que
possibilitou a abertura de vários processos com tais acusações (LEITE, 2010.
p. 170-178). Existia um desejo do Estado e de parte da sociedade de uma
“limpeza cultural” que visava à eliminação da cultura negra, tida como inferior e
incivilizada, desejando-se em seu lugar a formação de uma cultura voltada aos

83

moldes europeus consideradas hierarquicamente superiores. Logo, pretendiase uma “limpeza da raça”. Discurso este que representava o conflito cultural
existente e a grande ameaça aos costumes e práticas culturais da população
pobre e negra.
Leandro Gomes de Barros, ao abordar esse tema em suas narrativas
nos coloca frente à questão da literatura e sociedade, do qual, nos leva a
refletir sobre a relação entre o artista com seu meio. Ou seja, qual a influência
do meio social sobre obra de um autor? Ou ainda, qual a influência da obra em
seu meio social?
A resposta a esse questionamento nos leva sem dúvida, a uma
implicação dialética: pois seu conteúdo social está implícito nos motivos de
ordem moral, social e político (CANDIDO, 2011. p.30), que afligiam o Brasil
naquele período. Um exemplo disso é o medo da consolidação das práticas
culturais e religiosas dos grupos “perigosos”. Assim, fica claro que toda obra
literária depende das ações de fatores do meio, que se exprime na obra em
graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático,
modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando nele
sentimento dos valores sociais. (CANDIDO, 2011. p. 30). Nesse sentindo, o
cordel, O Diabo confessando a Nova-Seita, é emblemático ao demonstra as
ideias que circulavam sobre essas práticas religiosas. O autor deixa vislumbrar
o juízo de que o cristianismo era a religião da modernidade, do progresso, da
razão, enquanto as religiões de origem africana eram “seitas”, fruto da
ignorância, da barbárie.
O diabo é apresentado pelo poeta, como líder dessa “nova-seita”, que
afrontava o catolicismo, utilizando de seus rituais, de elementos de sua fé para
enganar os fiéis: não seria justamente essa a característica de uma seita e a
função principal do diabo da literatura cristã? A história do cordel gira em torno
das confissões dos pecados cometidos por um fiel, recém convertido a seita. O
novo membro da Nova-Seita se dirige a seu líder maior, o Diabo, representado
por uma personagem negro, para solicitar o perdão dos pecados que havia
cometido após se converter à religião.
E alli chegando um negro,
Trasendo um livro na mão,

84

Interrogando ao barbado;
O que deseja irmão?
Disse o velho meu padrasto,
Me ouça de confissão.

O negro era um negro alto,
Um corpo um tanto envergado;
Um chifre no meio da testa,
O nariz todo furado,
Um olho muito amarello,
O outro bem encarnado. (BARROS, 1914, p. 03)

Observe que o fiel, ao se referir a seu líder maior, o diabo, o chama meu
padrasto - Disse o velho meu padrasto-, tratamento que, propositalmente,
simula um ditado bastante comum no Nordeste do Brasil: “Deus é pai e não
padrasto”. A denominação dirigida ao negro caminha na oposição ao ser
supremo do catolicismo, Deus / Pai, estava o líder da “Nova seita”, o Diabo /
Padrasto. Ambos fundamentais para manter a ordem cristã.
Em outras estrofes Leandro dá ênfase aos elementos cristãos, presentes
na prática da Jurema, ainda caminhando no sentido de mostrá-la como seita
(enganadora):

Perguntava o negro ao velho;
O que quer você irmão?
Disse o velho meu padrasto,
Me ouça de confissão
P’ravêr se por esse meio,
Eu posso ter o perdão.

Dizia o negro meu filho:
Acho bom que te confesses;
Me digas, nada me occultes
Contra me o que fizesses,

85

Depois eu como padrasto,
Direi que pena meresses.

Disse o velho meu padrasto:
Uma vez eu fui pregar,
O sermão da nova seita,
Devido a não me lembrar,
Chamei 3 vezes por Deus,
Depois foi que fui chorar.

Que mais perguntou o negro:
Tens feito no mundo tu?
Eu, já enterrei um morto
Já dei de vestir a um nu [...] (BARROS, 1914. pp. 04, 05)
Os feitos do “negro” remetem aos do próprio Cristo e sua fisionomia é
um contraste dele:

O negro era um negro alto,
Um corpo um tanto envergado;
Um chifre no meio da testa,
O nariz todo furado,
Um olho muito amarello,
O outro bem encarnado. (BARROS, 1914. p. 03)

O poeta deixa claro que os fies da Nova-Seita estavam impregnados de
hábitos, práticas e costumes católicos. A fé inventada pelo diabo, não seria
mais do que uma das formas que este teria de enganar o fiel. Esse, afinal de
contas, como toda a tradição sobre ele nos mostra, poderia facilmente se
transformar em uma bela mulher, em um irmão caridoso, em um banquete de
farturas e, claro, em uma forma fácil de alcançar o perdão de Deus e a vida
eterna etc. E o cordel não deixa dúvidas de que o demônio usaria do mesmo
universo simbólico do cristianismo para enganar o fiel e fazê-lo participar da
sua “nova-seita”.

86

Tudo que sabemos sobre a religiosidade afro-brasileira, nos mostra uma
influência dialética entre ela e o catolicismo que, inegavelmente, era observada
pelo cordelista43. Embora as funções narrativas desses elementos cristãos no
poema estejam mais no sentido de apontar para a falsidade dessa crença, está
claro que o autor trouxe esses elementos da sua experiência cotidiana com
essas práticas, seja como observador ou como seguidor.
Um elemento muito curioso é a presença de Maria dentro do poema. A
forma como ela aparece na narrativa. Personagem muito importante na
religiosidade nordestina. Ela sempre se faz presente na literatura de cordel
como uma intermediária, uma negociadora pronta a salvar a alma até mesmo
dos mais condenáveis dos homens. Aqui ela aparece de forma involuntária,
quase como um impulso do personagem, o nome da Virgem escapa da boca
do fiel:

Só serão esses peccados?
Interroga, o negro então:
Disse o nova seita sim
Uma vez no sermão,
Estava vexado e chamei,
A virgem da Conceição!

O negro se ergneu e disse:
Digas os nomes que quiser,
Faça por não se Lembrar,
Do nome dessa mulher,
Eu passo mil leguas longe,
Do lugar que ella estiver.

Pecasse contra o inferno.
Não podes ser perdoado,
Meu padrasto me perdoe,

43

Sobre o assunto ver: LIMA, Ivaldo Marciano de França; GUILLEN, Isabel Cristina Martins.
“Jurema Sagrada: uma religião que cura, consola e diverte”. In: Traduções e Traduções: a
cultura imaterial em Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008.

87

Dizia afflieto ao barbado,
Eu depois me arrependi
De Deus já estou separado.
[...]
Pois bem retocou o negro:
Se quiser ficar commigo,
Não afrocha a nova-seita,
Tenha Deus como inimigo,
Faça o que frei bode faz,
Contra si não há perigo.

Ali o negro apertou,
Na mão o grosso nariz,
Assoou-se e saiu fogo:
Que só agua no chafariz,
Então dele inspirou,
A desgraça do paiz. (BARROS, 1914, pp. 05)

Poderosa e carismática, a Virgem, muitas vezes, se sobrepõe a Deus
nas narrativas dos cordéis. Por isso é também, a grande rival do diabo dentro
dos poemas. Este embate é constante nas histórias contadas pelos poetas e
aqui ganha, um lugar ainda mais importante por tratar-se de Nossa Senhora da
Conceição, que sincretizada representa Iemajá na tradição religiosa afrobrasileira.
Invertendo papeis ou chamando a testemunhar personagens híbridos
como este, o poeta deixa margem para se pensar não apenas num universo
onde o negro se vê inserido em uma trama de preconceitos aos seus hábitos,
mas também de resistência. Se por um lado, Nossa Senhora vence a
religiosidade negra, por outro, Iemanjá resiste fortemente na figura de Nossa
Senhora da Conceição.
Em outro cordel Peleja de Manoel Riachão com o diabo 44, publicado
aproximadamente em 1989, embora Leandro não faça referência a
44

Manuel do Riachão ou Manoel Riachão pertence à categoria dos cantadores semilendários
preservados pela memória popular, com características que variam de região para região.

88

religiosidade africana, o diabo novamente é comparado a figura de um negro. A
narrativa é em torno de uma peleja45entre o violeiro Manoel e um estranho, que
mais tarde descobrimos ser o Diabo. Manoel Riachão, fiel aos princípios
católicos, cantor de repentes, estava na cidade de Assu quando lhe apareceu
um negro convidando-o para um duelo. Se, a princípio, ele resiste, o que se vê
no decorrer da narrativa é a peleja acontecer:
Riachão estava cantando
Na cidade do Assú
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubú
Tendo a camisa de sola
E calças de couro cru,

Beiços grossos e virados
Como a sola num chinello
Um olho muito encarnado
E outro muito amarello
Esse chamou Riachão
Para cantar um martello.

Riachão disse: eu não canto
Com negro desconhecido
Porque pode se escravo
E andar por aqui fugido
Isso é dá cauda a nambú
E entrada a negro inxerido (BARROS, 1910. p. 01)

Personagem ambivalente é retratado, por vezes, como um repentista que é desafiado pelo
diabo, a quem derrota, ardilosamente, recorrendo à terminologia sagrada. Noutras, Riachão é
um indivíduo que vendeu a alma para o diabo, tornando-se, graças ao pacto, imbatível nos
desafios sertanejos.
45
A palavra peleja aqui refere-se diretamente à disputa entre Manoel Riachão e o Diabo.
Segundo Márcia Abreu os desafios ou pelejas são debates poéticos em que dois cantadores
enfrentam-se, devendo dar prosseguimento aos versos apresentados pelo oponente, sem se
retardar na composição de sua fala, que encerra-se quando um dos antagonistas declara-se
incapaz de prosseguir ou, simplesmente, pára de cantar por não encontrar uma resposta
adequada.Ver: ABREU, Márcia. História de Cordéis e Folhetos. Campinas/SP: Mercado de Letras:
Associação de Leitura do Brasil, 1999. p.74).

89

O negro é apresentado na forma estereotipada – como foi visto também
nos outros cordéis que foram analisados aqui: Quando apareceu um negro da
espécie de urubu. É preciso começar dizendo que essa ave – urubu - se
alimenta, principalmente, de carne de animais mortos. Na visão “popular” é um
animal que carrega uma forte carga pejorativa, desqualifica o indivíduo (negro)
como ser humano, colocando-o numa categoria de uma sub-raça, tal qual
faziam as discussões de raça no período. Ou seja, havia uma separação entre
raças, “superiores” e “inferiores”, da qual o negro ocupava a segunda posição,
e esta visão se faz presente no poema.
Essa perspectiva continua na sequência do cordel. Barros, ao descrever
a fisionomia do negro: beiços grossos e virados / como a sola num chinelo / um
olho muito encarnado / e outro muito amarelo, o colocar ao oposto dos padrões
de beleza estabelecido do período , baseados em uma beleza branca- européia.
Há aqui, estereótipos situados dentro do quadro de interpretação social do ser
“civilizado”, o qual atribuía à raça branca uma posição de superioridade na
construção do povo brasileiro.
Outro ponto a ser observado nos versos citados acima, é que o poeta
em nenhum momento da narrativa cita o nome do personagem negro, que no
decorrer do cordel vamos saber que é o diabo. Barros, o apresenta como negro
a todo o momento. Nesse fato há uma descaracterização do negro como
pessoa, portador de uma individualidade. O nome dá personalidade ao ser,
torna-lhe existente dentro de uma sociedade, atribuindo-lhe direito e deveres a
serem cumpridos como um cidadão. Ana Celia da Silva na obra: A
discriminação do negro no livro didático, observa que:
Os personagens nunca são apresentados pelo seu nome pertencente
a uma família, pelo contrário, “folclorizados”, omitidos e distorcidos
seus valores culturais. Enquanto os brancos têm nomes e sobre
nomes, têm família constituída e exercem papéis e funções
conceituadas na sociedade. (SILVA, 2004, p. 38)

Há uma insistência do cordelista em associar o negro à escravidão, os
personagens são citados como pertencentes a um passado ligado a essa
condição que acaba se estendendo no presente do personagem: Riachão
disse: eu não canto / Com negro desconhecido / Porque pode ser escravo / E

90

andar por aqui fugido. Existe, portanto, uma necessidade dentro da narrativa de
reafirmar o passado de escravidão do negro que tem como consequência
óbvia, a negação dele como cidadão. Assim, manter presente a imagem do
escravo pode ser vista como uma estratégia que alimenta a inferioridade e a
subordinação dos mesmos. Esse condicionamento também se faz presente na
cor e nos trajes usados pelo diabo, como podemos notar do nos versus abaixo:
R – que proteção tem você
Para proteger alguém
Sua pessoa e os trajes
Mostra o que você tem
A sua cor e aspecto
Esclarecem muito bem. (BARROS, 1910, p. 13)
Assim, sua cor negra diz bem quem é o diabo. Um ser que possui
subalternidade associada a um caráter imoral. Essa concepção sobre o negro
está presente também na historiografia convencional, e é entendida por nós
como uma das formas de negar a resistência e força da cultural negra.
Até aqui o poema segue a estratégia de mostrar o esteriótipo presente
sobre o negro no pós a abolição. Ou seja, ideias e conceitos que circulavam no
seu meio sobre esses indivíduos. Questões raciais que justificaram sua
escravidão e que no pós abolição deram força a um discurso que salientava a
baixa moral e o desvio de carater que estaria arraigado a este grupo – e que se
mantem como discurso e ação até hoje.
Assim, podemos peceber que a representação dada ao negro nos
cordeis possui uma relação dialética com o contexto social no qual foi
produzido. Leandro é testemunha dessa situação, ao mesmo tempo em que
legitima e, por vezes contesta essa realidade. E aqui cabe destacar, a forma
como Leandro apresenta o diabo, nesse cordel em específico, foge do perfil de
um diabo mal e aterrorizador.
. Riachão disse consigo;
De onde veio esse ente
Que de toda minha vida

91

Conhece perfeitamente?
Este será diabo
Que está figurando gente?
O N – o senhor pergunta assim
De que parte venho eu?
Eu venho de onde não vai
Pensamento como o seu
Eu sahi do idéal
Primeiro que apareceu.

R- agora acabei de crer
Que tú és o innimigo
Te transformasse em homem
Para vir cantar commigo
Mas eu acredito em Deus
Não posso correr perigo
N – ainda não te ameacei
Nem pretendo ameaçá-lo
Estou pronto a denfedê-lo
Se alguém quiser atacá-lo
Em minha humilde pessoa
Tem um pequeno vassalo (BARROS, 1910, pp. 12, 14)

Ao revelar que o personagem seria o diabo, o autor usa por estratégia
de convencimento,colocá-lo em um lugar de submissão frente ao homem
branco. E essa submissão se agrava nos versos seguintes, no qual satanás dá
a si mesmo os adjetivos de humilde, pequeno e vassalo: em minha humilde
pessoa / tem um pequeno vassalo”. Ou seja, aquele que oferece ao senhor
fidelidade, lealdade e trabalho, estabelecendo uma relação de dependência
pessoal na forma de submissão ou subordinação. O demónio surge para
Riachão como um “criado”, pronto a servi-lo nos mínimos desejos. Mais eis que
de repente o diabo se torna livre, iluminado:

92

N – Sou livre como vento
A minha linguagem é nobre
Sou um dos mais ilustrados
Que o sol no mundo cobre
Nasci dentro da grandeza
Não sai de raça pobre.
[...]
O negro – o jaguar rendi-me culto
A serpente aos meus pés morre
No que chega a minha ira
Só um poder o soccorre
Eu digo ao rio: pare ahi
A agua paira e não correr.
[...]
O negro – fassa tudo que quiser
Minha força é sem limite
Os efeitos que eu tenho obrado
Não vejo homem que o cite
Eu terminando um cousa
Não há força que a evite. (BARROS, 1910. pp. 02, 03)

Essa reviravolta do cordel que é característica desse gênero literário,
pode ser comparado com o que Bakhtin afirma ser, para a literatura medieval,
uma forma de narrativa na qual: os ritos e espetáculos profanos, organizados
de maneira cômica, apresentavam uma diferença de princípio em relação às
cerimônias oficiais sérias da Igreja ou do Estado (BAKHTIN, 1999. p.89).
O diabo se livra da identidade determinada a cada um desde o
nascimento. Não é mais o escravo ou aquele que vive sob este estima, mas um
ser livre, que não é um qualquer, mas uma pessoa que tem legitimidade para
cantar, que propõe as delícias terrenas e a felicidade material, que tem poder
entre os animais e os elementos da terra. Ele tem uma linguagem nobre, ou
seja, faz parte da nobreza, mostra grandeza entre os seus, tem uma elevação
moral perante seus súditos. Todo isso se contrapõe a situação do negro que

93

nesse momento, embora livre, está sempre sendo lembrado, seja pelas ideias
de conduta, seja pelo cordelista que nos mostra que o mesmo precisou de
permissão para estar na rua.
Em outrou versus:
O N – Riachão amas a Deus
Sendo mal recompensando
Deus fez de Paulo um monarcha
De Pedro um simples soldado
Fez um com tanta saúde
Outro cego e alejado!
[...]
O N – teu vizinho e parente
Enricou sem trabalhar
Teu pae trabalhava tanto
E nunca pode enricar
Não se deitava uma noite
Que não deixasse de rezar. (BARROS, 1910. pp. 14, 15)

O demônio apresenta as falhas divinas, com o intuito de convencer
Richão que ao seu lado, todas as carências seriam sanadas: Riachão, amas a
Deus / sendo mal recompensado / Deus fez de Paulo I monarca / de Pedro um
simples soldado / fez um com tanta saúde / outro cego e aleijado! E aqui
aparecem duas especialidades comuns nos cordéis: primeiro, a confiança que
Riachão deposita em Deus, pois não se deixou convencer pelo diabo; segundo,
a aceitação da condição humilde como vontade divina.
Em outros versus o diabo mostra sua astúciar:
N – Sou professor de matérias
Que sábio não as conhecem
A lei que dito no mundo
O próprio rei obedece
Meus feitos são conhecidos
A fama se estende e cresce.

94

R- você diz que tem sciencia
Dê-me uma explicação
Se a terra tem movimento
De quem é a rotação
Por que é que em 12 horas
Há esta transformação
N – O sol não é que se move
Este é fixo em seu lugar
A terra está sobre o eixos
E os eixos a fazem rodar
Que por esta rotação
Faz a luz do sol fallar. (BARROS, 1910. p. 05)

O homem que representa o diabo é apresentado como professor dos
professores, aquele que tem conhecimento científico, que sabe usar as
palavas, que consegue, com a sua habilidade fazer os duelos verbais, próprios
das cantorias tão apreciados pelos sertanejos:
R – Discreva o grande mistério
Que entre nós a terra tem
De que é formada a chuva?
Em que estado ela vem?
É criada aqui por perto
Ou em lugar mais além?
N – Á agua em estado liquido
Por meio de abaixamento
Que há na temperatura
E pelo o resfriamento
Essa água é condesada
Ajudada pelo o vento

É corrente athmospherica

95

Duma montanha elevada
Que ajuda a temperatura
Forma nuvem condensada
Do vento movendo as nuvens
É disso a chuva formada. (BARROS, 1910. p. 06)

Leandro inverte a ordem heirarquica religiosa do diabo negro. Ele não
vive nas profundezas dos infernos, mas como alguém que está próximo dos
humanos; não é uma personificação do mal, mas sim alguém que convive no
meio de todos. Ele deixa de ser aterrorizante e temido, para tornar-se
companheiro do homem. Há nos versus citados, não apenas uma inverção
religiosa, mas também uma inversão social.O poeta ao colocar o personagem
negro longe de estigmas como: analbato, pobre, sem cultura e sem
conhecimento faz o que Bakhtin chama de “manifestações do contrários”, como
já dissemos, onde se abole as hierarquias, as leis, proibições, restrições e
padrões determinantes do sistema e da ordem vigente do período.
Revoga-se, portanto, todas as formas conexas de medo, reverência,
devoção, etiqueta. Tudo o que é determinado pela desigualdade social
hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária)
entre os homens.
Ao final da peleja, no entanto, o Riachão não se deixa intimidar ou ser
enganado pelo diabo. Ao perceber a perspicácia do demônio, Riachão apela
para os princípios cristãos, em especial -mais uma vez -, para a figura de
Maria, e grita: Jesus!/homem Deus sacramentado/valha-me a Virgem Maria/a
mãe do Verbo Encarnado! Nesse instante o diabo desaparece, deixando um
cheiro de enxofre no ar.
Demonstrações de força e resistência fazem parte de uma certa
“mentalidade” do homem livre negro que foi identificado com o “malandro”,
“vagabundo”, criminoso, etc,mas, faz parte também, do mundo do homem que
viveu na escravidão e que resistiu

ao chicote e a dominação cultura. A

dinâmica de resistência pode ser encontrada no movimento diáletico entre os
textos e as apropriações sociais que os cordelistas fazem deles. A oposição
entre cultura católica e cultura negra,mantém-se numa fronteira, em que o
diabo é o inimigo, mas é um inimigo necessário na ordem cósmica cristã. Há

96

uma tensão aí, ideológica e mitológica, interessante de se pensar, pois é óbvio
que representa as tensões dos grupos e étnias existentes e persistentes no
Brasil.
3.2 - O mundo às avessas: apresentação das teorias raciais no cordel: a
pêleja de Inacio de Cantigueira e Romano
A ideia de raça dentro do conceito do Estado Nação, como vimos no
segundo capítulo, serviu de base para a expulsão dos grupos perigosos do
processo de modernidade brasileira.Surge assim, um problema teórico
fundamental para os "cientistas" do período: como tratar a identidade nacional
diante da disparidade racial. Do equacionamento deste problema decorre a
necessidade de se sublinhar o elemento mestiço (ORTIZ, 2006, p. 18). Na
medida em que o Brasil era constituído por duas raças consideradas inferiores,
portanto, era necessário encontrar um ponto de equilíbrio. Os intelectuais
procuram justamente compreender e revelar este nexo que definiria nossa
diferenciação nacional, tornando o mestiço- aquele se tornaria branco – o
elemento central da identidade brasileira.
O cordel selecionado: Pelêja de Romano e Inacio da Cantigueira 46, é
emblemático ao abordar o tema, pois nos apresenta essa ideologia da
mestiçagem, asssim como aponta elementos de como era dificil definir o povo
brasileiro por uma única raça. Escrito aproximadamente entre 1906 e 1910, o
cordel nos chama atenção pela ênfase nas caracteristicas fisicas dos dois
46

A narrativa de Inácio e Romano é composta por sextilhas, uma métrica de relativa
modernidade em relação às quadras que compunham grande parte da literatura oral e escrita
produzida no Nordeste; há ainda o emprego de oitavas ou oito pés em quadrão (segundo a
terminologia do cordel); martelos e versos de doze pés.Essa peleja tornou-se conhecida como
a fundadora do gênero. Apresentada na forma de poesia oral, enquanto palavra viva, seus
versos foram coletados tempos após a realização do embate. Por tal motivo, ainda hoje é
suscitada a indagação quanto a seu real acontecimento. Pesquisadores contemporâneos põem
em dúvida a historicidade do encontro legendário entre Inácio da atingueira e Romano do
Teixeira, apoiando-se em uma análise das relações sociais no sertão dessa época, que torna
pouco provável um confronto entre um homem branco conhecido, proprietário de bens, e um
escravo negro. No entanto, tal argumento não permite negar qualquer autenticidade à peleja:
as relações entre cantadores não podem, de certo, abstrair-se da sociedade na qual evoluem,
mas é possível que o talento excepcional de Inácio tenha lhe permitido ser reconhecido pelos
outros cantadores como um de seus pares. Romano era incontestavelmente um cantador
preparado, mestre em ciência da cantoria, e esse encontro talvez tenha se tornado possível
graças à admiração de Romano por Inácio da Catingueira. Ver: SANTOS, Idelette Muzart
Fonseca. Memória das vozes: Cantoria, romanceiro e cordel. Salvador: Secretaria da Cultura e
Turismo; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2006. pp. 50-79.

97

pelejadores, Inácio (negro) e Romano (branco) -este ultimo no decorrer da
narrativa acaba se revelando mestiço, mas é importante destacar que este não
se reconhecesse como tal.
No primeiro momento Barros destaca a postura de superioridade do
branco sobre o negro.

Negro, me diga o seu nome
Que eu quero ser sabedor,
Se é solteiro ou casado,
Aonde é morador,
Se acaso for cativo,
Diga quem é seu senhor” (BARROS, 1906 a 1910.p. 01)

As investidas contra Inácio são fundadas na analogia negro/escravo:

Inácio, vieste a Patos
Procurando quem te forre
Volta pra trás, meu negrinho
Que aqui ninguém te socorre;
E quem cai nas minhas unhas
Apanha, deserta ou morre (BARROS, 1906 a 1910. p. 03)

Em todas as colocações de Romano, o tom racial se sobressai, pois é
enfatizado pelo conjunto de palavras empregadas com precisão: Procurando
quem te forre,de modo a marcar nas expressões a inferioridade do negro. Com
tal artifício, Romano afirma-se como superior quando se contrapõe à condição
de escravo de Inácio da Catingueira.

Inacio, que andas fazendo
Aqui nesta freguesia,

98

Cadê o teu passaporte,
A tua carta de guia
Aonde tá teu sinhô
Cadê a tua famia (BARROS, 1906 a 1910. p. 04)

O poeta nos dá vestigios de que a vida do negro nos anos que se
seguiram o pós abolição estava ainda presa às amarras dessa situação
anterior. Se a carta guia não lhes era mais exigida, o código de postura de
1890, obrigava a que: toda e qualquer pessoa que correspondesse ao
estereótipo de vagabundo abordada nos centros das cidades que não pudesse
comprovar emprego e residência fixa fossem detidas como vagabundos
(CÓDIGO PENAL, 1890). Ou seja, se por um lado, o negro não precisava mais
mostrar as autoriadades uma carta com permição do seu senhor para ir à rua,
agora ele tinha que comprovar, por meio de uma carta ou declaração, que não
era desocupado, ou seria preso. Em outros palavras, na prática era a mesma
coisa, não existia espaço para exercer sua liberdade.
Leandrro mostra, pelo cordel, que o lugar social do negro estava
claramente demarcado naquela sociedade, ou seja, fora dela:
Estou ouvindo as tuas loas,
Não te possa acreditar.
Que eu também tenho escravo
Mas não mando vadiar,
Que eu saio pra divertir
Os negros vão trabalhar (BARROS, 1906 a 1910. p. 02)

Mesmo o cordel sendo escrito após abolição o poeta insiste, por meio do
personagem Romano,em colocar Inácio sobre os estigmas de escravo,
vagabundo,

malandro,

desordeiro.

Ou

seja,

pertencente

aos

grupos

“perigosos”, que não se encaixavam dentro dos padrões de uma sociedade
“civilizada” a exemplo da Europa que o Brasil pretendia ser. Era uma visão
constante do período, representada na aparência, nas formas de vestir-se e

99

calçar-se desses indivíduos. Como podemos observar em uma ocorrência
policial citada no Jornal de Recife.
[...] José Inacio é um gajo moço ainda talvez conquistador e não lhe
apraz semelhar-se a um pobre diabo sem eira nem beira, a
vagabundo de profissão de vertes saradas e botinas risonhas...Mas o
dinheiro udi esta?
Quem quer moça bonita puxa pelo o pé e pela blusa.
Pelo pé, lá isso pode contar que elle puxa e as vezes até parece criar
no calcaneum umas azas que fazem-n‟o voar, mas pela blusa é que
o homem não gosta de puxar absolutamente pois se a sua blusa não
tem cordões pelos quaes ele execute satisfatoriamente essa
movimentação agradável.
Domingo ultimo José Ignacio foi dá um passeio pelo mercado de S.
José e tendo visto num dos compartimentos do mesmo vários e
elegantes sapatos, olhou para os pés involuntariamente, pensou na
gaja por quem seu coração palpita e indignou-se vel-os rir
ironicamente – os pobres sapatos que trazia, dignos de
aposentadoria talvez por longo e inevitavel serviços a causa da
vagabundagem e da malandrice.
Vaed‟ahi, approximou-se do referido compartimento e furtou um par
dos suspirados sapatos com todo o descaro possível e sem menor
constrangimento.
E lembrou-se depois de criar azas no calcadeum...
Mais era tarde. Policia correra-lhe no encalço e fôro dar ao pobre do
Zé Ignacio com os ossos na detenção.
Por causa de um par de sapatos até chega a doer n‟alma (JORNAL
DE RECIFE, 1900)

Em tom irônico, a manchete nos mostra dois pontos interessantes da
imagem do negro na após abolição: o primeiro, a visão dele como
conquistador, malandro que tinha a vagabundagem como profissão ; o segundo,
o status social que o simples ato de ter um sapato considerado “elegante”
causava, levando Ignácio a furtá-lo para ser visto com respeito, e assim,
conquistar sua amada. O acontecimento pode ser visto da seguinte forma: logo
após a abolição muitos homens e mulheres negras tiveram o sentido de
liberdade concretizada na realização de desejos e na posse de objetos que
lhes haviam sido proibidos quando eram escravos. Maria Cristina Cortez
Wissenbanch relata que a primeira ação de liberdade feita pelos ex-escravos
foi aprisionar os pés por meio dos sapatos.
[...] Negro e negras, em todas as cidades para as quais se dirigiriam,
passavam felizes e orgulhosos, com uma postura altiva, descalços,
mas todos levando um par de sapatos por vezes à mão, como um
porta-joias valioso, ou por outras tiracolo, como as bolsas vacilantes
da última moda mundana. (WISSENBANCH, 1998. p.54)

100

Como sabemos durante o período da escravidão os escravizados eram
proibidos de usar sapatos. Os pés descalços estabeleciam uma analogia
simbólica com a servidão, com a submissão e inferioridade do negro em
relação ao branco. Essa imagem de inferioridade está presente também na
xilogravura47 da capa do próprio cordel analisado, Peleja de Romano e Inacio
da catingueira. Na imagem há um negro de pés descalços duelando
musicalmente como um branco bem vestido, porém sua imagem é expressiva
no sentindo de seus traços do rosto serem evidencia de uma miscigenação,
cabelos ondulados, bocas grandes, nariz arredondado características da
fisionomia negra.

FIGURA 1 - Imagem: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro_colecao.html. acesso
em : 02/04/20112

47

A xilogravura faz parte do processo da composição do cordel, além da constituição do público
e do estabelecimento das formas de produção e distribuição do mesmo. Muitos historiadores
definem Leandro Gomes de Barros como o precursor do cordel impresso, o que nos faz pensar
que coube a ele o papel de definir as regras do gênero criando estilo e temas que distinguiriam
da literatura oral da qual, por sua vez, a poesia popular impressa teria tomado de empréstimo
vários elementos, entre os quais a sua própria forma de transmissão cujo base oral se traduz,
principalmente, na estrutura metrificada e rimada que lhe é característica. Foi essa condição de
oralidade, de uma literatura feita mais para ser memorizada, cantada e fruída coletivamente do
que para ser lida individualmente, que permitiu ao cordel alcançar um público cada vez mais
amplo, formado, em sua maioria por analfabetos e semi-analfabetos. Ver:
http://www.casaruibarbosa.gov.br

101

Nesse sentido, a simbologia dos pés torna-se uma ação feita desde os
tempos coloniais para distinguir quem era cativo de quem era alforriado e livre.
Essa era a lógica usada por Romano para enfatizar a inferioridade de Inacio
em relação a ele. Existe uma tentativa de deixar bem viva e marcante a
diferença profunda que os separava.
Um era nergo, portador de estigmas que lhe definia como “perigoso”,
“vagabundo” e, o outro, apesar de ser mistiço, via a si mesmo como branco,
heirarquimente numa situação mellhor que o negro, posto que ocupava uma
posição social que Romana se encontrava. Fazendeiro e dono de escravos,
este persogem é tratado pelo cordelista como branco, talvez assim também
fosse visto pelos os leitores dos cordeis de Leandro. Por ver-se branco, o
personagem ganha a possibilidade de marter um ar de superioridade em
relação ao negro Inacio. A peleja, no entanto, acaba anulando a diferença entre
eles, ainda mais quando Inácio, passa exercer com brilho a atividade de
cantador.
Inacio por sua vez, adota como estrategia para se manter na peleja uma
postura de falsa subalternidade.

Seu Romano, eu sou cativo,
Trabalho para meu sinhô...
Quando vou para uma festa
Foi ele quem me mandou,
E quando saio escondido
Ele sabe pronde eu vou [...] (BARROS, 1906 a 1910. p.p. 05)

Apesar do suposto reconhecimento da inferioridade, Inácio ao seguir a
estrátegia de não bater de frente com o branco, mostra desenvoltura na
cantoria e responde às investidas de Romano com talento e habilidade. Esse
posicionamento de Inacio pode ser definido pelo que Bakhtin chama de espécie
de explosão de alteridade, onde há uma interação de Inacio independente do
outro indivíuo, para que a peleja possa acontecer. É como se Inacio fizesse uso
de uma máscara que promove a confusão e dissolução das identidades
pessoais e sociais, o triunfo da alteridade. Bakhtin categoriza a máscara como
objeto o qual traduz a alegria das alternâncias e das reencarnações, a alegre

102

relatividade, a alegre negação da identidade e do sentido único, a negação da
coincidência estúpida consigo mesmo (BAKHTIN, 1999. p. 33). Assim, Leandro
faz uso do mecanismo que é próprio do gênero do cordel, ao disfarçar e
dissimular fornece outra identidade ao seu usuário, diluindo o sentido único,
relativizando a verdadeira identidade social. Como podemos notar nos versus.
[...]
R -Inacio olha que eu tenho
Força e muita inteligência,
Não me falta no meu estro
A veloz reminiscência;
Muitas vezes tenho dado
Em cantador de sciencia [...] (p. 08)
[...]
I - Seu Romano eu só garanto
É que ciência eu não tenho,
Mas para desenganá-lo
Cantar consigo hoje venho;
Abra os olhos, cuide em si,
Pra não perder seu desenho

R - Inacio, se és tão sabido,
Responda sem estudá,
Qual é o tranze da vida
Que mais nos faz apertá,
Que até nos tira a alegria,
O jeito de conversá,
O sono durante a noite,
A vontade de almoça. ( pp. 09 e 10)

103

A firmeza diante do adversário que se julgava superior, engrandecem as
qualidades do negro. Inácio, apesar das qualidades que o depreciam na
cantoria, firma sua posição por meio da humildade. Pois reconhece as próprias
limitações e frisa que não possui sciência, conhecimento que baseia a gabolice
do adversário. E é

aqui, que a metamorfose da máscara que ocultava a

identidade de Inácio, dando-lhe a relativização social e diluindo as fronteiras
que o delimitava diante de Romano, encobre-se de realidade, fazendo que
houvesse uma reviravolta na peleja. Se, inicialmente, Ignacio mostrava-se
submisso a Romano, no decorrer da cantoria ele faz uma mudança de tom,
adotando uma postura ambígua entre o falso servilismo, a ironia e o deboche
que pode ser definido como a carvalização evidenciada por Bakthin. Como
podemos perceber nos versus:
[...]
Meu branco não diga isso
Que o sinhô não me conhece. p. (13)
[...]
Seu Romano, lhe aconselho,
Não cometa tal perigo,
a Deus que lhe defenda
Do laço do inimmigo,
Antes morrer enforcado
Do que pelejar commigo. p. (14)

Inacio subverte a ordem heiraquia do período. O negro que era visto
como subalterno ao branco passa a dar conselho a Ronamo. Há aqui uma
invesão de valores, onde os marginalizados apropriam-se do centro simbólico,
para privilegiar o periférico, o excludente, os padrões determinantes do sistema
e da ordem cotidiana e tudo o que é determinado pela desigualdade social
hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade. Ou seja, um
espetáculo carnavalesco - sem atores, sem palco, sem diretor – em que foi
derrubada as barreiras hierárquicas, sociais, ideológicas de raças. Representa
a liberdade, o extravasamento; é um mundo às avessas no qual se abolem

104

todas as distâncias para substituí-las por uma atitude carnavalesca especial:
um contato livre entre os homens.
Essa estratégia literária foi também, utilizada por grandes autores, um
exemplo é Graciliano Ramos 48 que faz uso da mesma, em duas crônicas que
escreveu usando essa mesma história de Inacio e Romano: Romano combatia
brutalmente,Inácio desviava-se dos golpes, ligeiro, e pregava-lhe de quando
em quando um espinho em lugar muito sensível. Fingia humilde, tratava-o,
numa cortesia zombeteira, por meu branco, oferecia-lhe conselhos (RAMOS,
1972, p. 206).
A partir daí, Inacio traz a tona uma sequência de argumentos que
relativizam o critério de raça e a “brancura” de Romano:

I - Esta sua frase agora
Me deixou admirado...
O sinhô para ser branco,
Seu couro é muito queimado,
Sua cor imita a minha,
Seu cabelo é agastado”.

I - O sinhô me chama negro,
pensando que me acabrunha.
O sinhô de homem branco
Só tem os dente e as unha,
A sua pele é queimada,
Seu cabelo é testemunha. p. (14)
48

As cronicas tratavam de assuntos relacionados ao Nordeste como: festas, costumes,
paisagens e sobre tudo os problemas sociais da região.Nelas Graciliano observa que Inacio
era um negro analfabeto, enquanto Romano era branco de boa fámilia e possuia alguma
leitura. Segundo Ramos o vencedor do desafio foi Romano, que, ao evocar deuses gregos em
seus versos, deixou Inacio sem Resposta. No entanto, o narrador das crônicas, a partir dos
repentes de Inacio, discultiu a pertinenci de um onhecimento”erudito” vazio sobre um
conhecimento “popular” calçado na experiência. Para o narrador que possuia méritos, mesmo
tendo sido derrotado, foi Inacio, pois Romano ultilizou-se de saber vazio e pedente que as
pessoas aceitam por não entender e por medo de mostra que na realidade não
compreenderam vencedor foram uns que não hesitou em destacar o tom da cantoria. Ver:
RAMOS, Graciliano. Viventes das Alagoas: quadros e costumes do Nordeste. 4 ed. São Paulo:
Martins, 1972.

105

I - Na verdade, seu Romano,
Eu sou negro confiado!
Eu negro e o sinhô branco
Da cor de café torrado!
Seu avô vei ao Brasil
Para ser negociado.

R- Com negro não canto mais
Perante a sociedade.
Estou dando cabimento
Ele está com liberdade.
Por isso vou me calar,
Mesmo por minha vontade. (BARROS. 19?? p. 14 -16)

Inacio evidencia os traços fenotípicos de Ronamo, para apontar com
exatidão com as marcas de miscigenação do adversário. O suposto branco traz
na pele e nos traçosdo rosto a mistura de raças da qual é composta a
sociedade brasileira, e como muitos mestiços brasileiros – um dos casos mais
conhecidos e o de Machado de Assis-, não se reconheçam como tal: O sinhô
para ser branco,/ Seu couro é muito queimado,/ Sua cor imita a minha,/ Seu
cabelo é agastado.
Porém, o mais duro golpe desferido em Romano, diz respeito a sua
ascendência. Inácio sugere que o avô do cantador tenha vindo da África nos
návios negreiros para ser escravizado no Brasil, e portanto, ele não seria
apenas mestiço, mas com parentesco tão próximo a um escravo, ele acabaria
tendo que assunir a mesma condição social de Inácio:Seu avô vei ao Brasil/
Para ser negociado.
Isto nos leva a perceber que o autor não estava longe das ideias de
miscigenação positiva, ou da ideologia do branqueamento, que estava ligada
aos conceitos “civilidade”, “educação”, “boas maneiras”, e acessão social. O

106

personagem reafirma sua superioridade, sua cor branca e sua distância das
marcas da escravidão ao longo do poema e, diante da insistência de Inácio,
Romano se retrai: Com negro não canto mais. Portanto, existe aqui uma
oposição fortemente marcada entre Inácio e Romano, que se concretiza nas
dicotomias: negro e “suposto” branco; escravo e proprietário de terras.
Não há dúvidas que os cordéis expostos estão assentados na questão
racial. É com base na diferença das raças que se constrói toda a relação de
alteridade, convertida em diretriz de todas as discussões que dão corpo à
disputa do poema. O primeiro critério que sustenta a disputa é, sem dúvida, a
relação estabelecida na cor da pele; logo em seguida, em decorrência da cor,
firma-se a pertença à determinada classe social; e partir daí, cristaliza-se a
certeza das condições de vida dos sujeitos nelas dispostos, além, das
inclinações morais e religiosas a que estão voltados no imaginário do povoe da
nação.
Para Lilia Schwarcz o argumento de raça é inseparável do projeto de
Brasil Nação nesse período.
[...] o tema racial, apesar de suas implicações negativas, se
transforma em um novo argumento de sucesso para o
estabelecimento das diferenças sociais. Mas a adoção dessas teorias
não podia ser tão imediata nesse contexto. De um lado, esses
modelos pareciam justificar cientificamente organizações e
hierarquias tradicionais, que pela primeira vez - com o final da
escravidão - começavam a ser publicamente colocadas em questão.
De outro lado, porém, devido a sua interpretação pessimista da
mestiçagem, tais teorias acabavam por inviabilizar um projeto
nacional que mal começara a se montar (SCHWARCZ, 2001, p.1718).

Tal postura se fortaleceu pela necessidade da organização político/social
do Brasil, um país recém independente, com um elevado número de
escravizados, e que precisava de critérios como raça, por exemplo, para
estabelecer hierarquias. Leandro, sem dúvida alguma, se apropriou das ideias
que circulava na sociedade a respeito da construção de uma nação “moderna”
e “civilizada” e conseguiu por meio do cordel relativizar questões sobre os
grupos tidos por “perigosos” que, na literatura acadêmica, não receberam
notoriedade. Como exemplo: O cortiço (1890) e O bom crioulo (1895), dentre
outras obras de caráter determinista, que expunham os grupos sociais
marginalizados como alienados em relação à própria circunstância. Em um

107

momento em que o negro é extremamente hostilizado, como analisa Antônio
Candido, ao estudar a visão que os acadêmicos tinham sobre os
marginalizados: esboçavam uma realidade degradante, sem categoria de arte,
sem lenda histórica (CANDIDO, 2000, p. 270).
As narrativas dos cordéis, portanto, chamam a atenção para a condição
do brasileiro de fazer parte de uma sociedade mestiça desde a sua origem,
relativizando, as teorias cientificistas aplicadas em todo o Brasil – refletidas
tanto, no político, social, econômico, cultural como religioso. Indo de
contraponto às discussões da literatura acadêmica com as produções realistas
e naturalistas do final do século XIX e início do XX. Nos cordéis citados fica
claro que o poeta põe os “grupos perigosos”, como agentes históricos,
enquanto sujeitos de suas próprias histórias. Não nega os maus tratos e
descasos que esses indivíduos sofreram, mas mostra, que, apesar desse
contexto, estes conseguiram por meio de diferentes formas resistir às
condições imposta daquela conjuntura.

108

4 - Considerações Finais

A forma como Leandro Gomes de Barros lidava com as questões
relacionadas como a modernidade que assolava os grupos tidos como
“perigosos” no inicio do século XX, evidencia o âmbito excludente e
discriminatório dos mesmos, bem como o âmbito das resistências encontradas
nessa expressão cultural que é o cordel. E isto nos permitiu fazer uma
discussão sobre o quadro sociocultural no qual estavam inseridos os “grupos
perigosos” entre os anos de 1889-1920.
A mudança política do regime monárquico para o republicano, não
trouxe mudança significativa para o cotidiano desses indivíduos. Os cordéis,
jornais e o código de leis do período, nos mostraram que houve uma serie de
políticas públicas, que excluíram essas pessoas do processo de modernização
e consolidação da nação brasileira, por serem vistos como “perigosos” a ordem
vigente.
É possível verificar o aparecimento, nesse período, de duas correntes de
pensamento da época: uma influenciada pela antropologia física racial que
colocou os negros numa categoria inferior, prejudicial ao futuro do país, e outra
pautada no discurso positivo da miscigenação, que via no embraquecimento a
possibilidade do crescimento do Brasil. Essas duas teorias possibilitaram a
construção das representações e de discriminação acerca da população negra,
acabaram sendo responsabilizados - por meio dos discursos médicos, políticos,
eugenistas e higienizadores - pelo fracasso econômico do país em relação às
potências européias.
Essas duas correntes de pensamento corroboraram, de forma efetiva,
para que a população negra se distanciasse da possibilidade de integração ao
processo de modernização no país. Uma das maiores consequências dessas
teorias foi a formação de um racismo velado, em palavras e ações, por parte da
sociedade brasileira, que permite até hoje, que situações de racismo, como
aquele citado na introdução, passe impune.
A cidade do Recife, das primeiras duas décadas do século XX, é lugar
privilegiado para analisar esse processo de construção do racismo no Brasil.

109

Umas das regiões mais importantes no que tange a migração africana, ela foi
também um dos palcos privilegiados para as discussões raciais, com a
fundação da Escola do Recife. Governantes, intelectuais, escritores e
jornalistas digladiavam-se sobre como o Recife deveria ser projetado,
ansiavam por dar uma “face” moderna a cidade, retirando-lhe tudo aquilo que
consideravam “atrasado”, “primitivo”, “perigoso. Jornalistas “denunciavam”
diariamente em suas folhas tudo aquilo que consideravam imoral, e que
contribuía para o atraso da cidade. Negros, retirantes, pobre, eram tidos como
“vilões” por contribuírem com este atraso, através de suas práticas
consideradas “inadequadas”.
Para Recife se modernizar e, de fato, entrar no “hall” das cidades
“modernas”, seus habitantes precisavam adquirir modos polidos e condizentes
com esta nova fase da cidade. Para tal, a maior tática utilizada pelos
governantes do período foi a do policiamento, que levava para a prisão
pessoas alegando motivos “frívolos” ou “sem importância”. Muitas vezes eram
acusados de praticarem comportamentos considerados “perigosos”, como
transitar tarde da noite, ou permanecer muito tempo parado em determinado
local, sendo considerados “vadios” “descompromissados” e “desordeiros”.
Entretanto, a carnavalização exposta nos cordéis de Leandro, evidência
que esses indivíduos não aceitaram simplesmente serem vítimas da situação
de injustiça a qual estavam submetidos. Os personagens negros, que atuam
nos poemas, não se posicionam de forma conivente com os insultos que lhe
são dirigidos nas pelejas. Não há dúvidas, de que esse mecanismo literário de
inversão dos valores presentes, nos poemas deste autor - em que se abolem
as hierarquias, leis, ideologias, restrições padrões determinantes da ordem
social do período -, podem nos dar margens para a percepção de uma
realidade de miséria e exclusão social, mas sem dúvida, fica também a
perspectiva de que esses grupos raciais construíam formas de resistência e
crítica a essa realidade, o que reafirma seu papel atuante no processo de
conquistas politico-sociais que tem seu marco da década de 1970, com o
fortalecimento do Movimento Negro Unificado.
Fazer uma análise das obras de Leandro Gomes de Barros, com intuito
de discutir o processo de modernização brasileira e, junto a ele a exclusão dos
“grupos perigoso” do mesmo, não foi tarefa fácil. Trata-se de uma história que

110

traz consigo heranças e seqüelas oriundas do escravismo colonial, onde requer
que se lide com inúmeras complexidades, das quais, naturaliza-se o
preconceito, a discriminação, o racismo vivido pelos esses grupos nos dias
atuais. A análise dessa história, naturalmente, não é de responsabilidade
exclusiva dos historiadores ou cientistas sociais, mas também dos governantes
e políticos do presente, que têm a seu cargo importante tarefa de administrar
um legado de problemas sociais que tiveram sua origem na História, mas que
se estendem até o presente a forma de novas desigualdades sócias (BARROS,
2009, p. 217).
Refletir sobre o assunto é de algum modo oferecer contribuições para a
construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. A ideia de que um
dia se concebeu a existência de raças dentro da espécie humana
provavelmente parecerá estranha e primitiva em um futuro no qual se tenha
realizado algo bem mais próximo da justiça social. Já que no aspecto mais
irredutível o que existe é uma só raça: a raça humana.
Para chegar lá, será preciso talvez lidar com duas formas de pensar,
sem que uma afete os campos da ação da outra. Primeiro: resistir a uma cena
de preconceito, punindo-se com justiça aqueles que exercem indevidamente
uma violência simbólica ou uma discriminação social/racial, tal como naquela
cena apresentada na introdução da demensão que se referia ao racismo
sofrido por uma criança de nove anos na escola. A segunda: organizar
associações e movimentos para lutar contra esta e outras discriminações
sociais/raciais, e para concretizar programas de ações com intuito a combater e
dissolver desigualdades socioculturais em nível mais estruturante.
Infelizmente, ainda vivenciamos determinados casos de racismos em
nossa sociedade, mesmo que estes se apresentam, muitas vezes, de forma
velada – como a tal professora apontada na nossa história, que diz não ser
racista. Convivemos hoje com discursos que narram a disparidade entre
brancos e negros como sendo apenas de ordem econômica, deixando de lado
a problemática racial a partir do discurso de uma “democracia racial” existente
no país. O racismo se constrói juntamente com a noção de raça, mas, é pior,
porque o racismo pode sobreviver à dissolução cientifica da noção de raça.
Este é um dos um dos paradoxos das sociedades contemporâneas. Como
enfrentá-lo? Não há certamente uma resposta única.

111

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Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo
excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
REIS, José Carlos. In: Capistrano de Abreu (1907). O surgimento de um povo:
O povo brasileiro. Revista de História: FFLCH-USP. 1998.
RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a responsabilidade Penal
no Brasil: Guanabara. 1894.
____________. Os Africanos No Brasil. (1933) Reeditado: Centro pesquisa
sociais. Rio de Janeiro 2010.
ROTTAVA, Lúcia. A perspectiva dialógica na construção de sentidos em
literatura e na escrita. Linguagem & Ensino, Vol. 2, No. 2, 1999. pp.145-160.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação
cultural na primeira república. São Paulo: Brasiliense, 1985.
SILVA, Edivania Alexandre. “O Mundo está às avessas”: relações, tensões e
enfrentamentos religiosos nos folhetos de Leandro Gomes de Barros – Recife
(1900-1920). [Dissertação de mestrado: Faculdade de filosofia e Ciências
Humanas- UFBA. Salvador, 2007.
SILVA, Gian Carlos. Um só corpo, uma só carne: Casamento, Cotidiano e
Mestiçagem no Recife Colonial (1790-1800). Maceió: EDUFAL, 1914.
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca. Memória das vozes: Cantoria, romanceiro e
cordel. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo; Fundação Cultural do
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e
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THEODORO, Mario(org.) As Políticas Públicas e a Desigualdade Racial no
Brasil: 120 anos após a abolição. 1ª ed. Brasília: Ipea, 2008.

116

ZUNTHOR, Paul. Escritura e nomadismo. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005.

APÊNDICES

Cordéis de Leandro Gomes de Barros, que compõem o acervo digital da
Fundação Rui Barbosa, localizada no Rio de Janeiro.

I. Poemas que se situam entre 1989-1909

1. A Mulher roubada. Nº classificação FCRB: LC 6077. Data: 1907.
2. Suspyro de um sertanejo. Nº classificação FCRB: LC 7041. Data:
Provavelmente entre 1907 e 1908.
3. Peleja de Manuel Riachão com o diabo. Nº Localização:LC7021. Data 1989?
A Cidade de Recife. Nº classificação FCRB: LC 6098. Data: provavelmente
entre 1908.
4. As miserias da épocha. Nº classificação FCRB: LC 7020. Data:
provavelmente entre 1906 à 1910.

II. Poemas que se situam entre 1910-1912

1. O diabo confessando um nova seita. Nº classificação FCRB: LC 6078. Data:
provavelmente entre 1910 e 1912.
2. A festa do mercado do Recife – homenagem a Dantas Barreto. Nº
classificação FCRB: LC 6072. Data: Entre 1910-1912.
3. O Diabo Confessando uma nova seita. Nº Local: S.L. Data 19??. Nota da
pesquisa: Assinatura de Riacho Aleixo. A data d folheto se situa entre 1910 e
1912, visto o endereço que consiste na capa: rua do alecrim 38 – E.

117

III. Poemas situados entre 1913-1918

2. Lamentações do Joazeiro. Nº classificação FCRB: LC 6044. Data:
Provavelmente entre 1913 e 1914.
3. 4. O governo e a lagarta contra o fumo. Nº classificação FCRB: LC 6054.
Data: 1917.
4. Padre nosso do imposto. Nº classificação FCRB: LC 7038. Data:
Provavelmente entre 1915 e 1916.
5. Doutores de 60. Nº classificação FCRB: LC 6041. Data: Entre 1913-1914,
visto o endereço citado na capa: Rua do Alecrim 34.
6. Segundo debate de Riachão com o diabo fingindo um homem chamado
Munbança. Nº Localização: LC7037. Data 1917.
7. O diabo na nova ceita. Nº Localização: LC6079. Data: 19?? Nota da
Pesquisa: Folheto incompleto: faltam as páginas 3 a 6. A data de publicação se
situa entre 1913 e 1914, considera-se o endereço na capa: Rua do Alecris, 34.
8. Peleja de Romano e Ignácio. Nº Localização: LC475. Data 19?? Nota da
Pesquisa: Folheto incompleto falta as páginas 7 a 10.

IV - Revista e Jornais que datam de 1900 à 1920. Disponível na fundação
Joaquim Nabuco. Acervo digital.
Jornal Diário de Pernambuco;
Jornal do Commercio;
Jornal de Recife,
Revista Pernambucana;
Revista Polyantho;
Revista Heliopolis.

118

V - Revistas Disponíveis na Universidade Federal de São Paulo. Acervo
digital.

PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria da
Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Na Typographia de Silva, 1892.
ROMERO, Silvio. Doutrina Contra Doutrina: o evolucionismo e positivismo na
república do Brasil. 1ª série: J. R. Nunes. 1894, Rio de Janeiro. DISPONIVEL
NO ACERVO DA UFSP DIGITAL.
____________. Provocações e Debates: Contribuição para o estudo do Brasil:
Chardron. Porto, 1910. DISPONIVEL NO ACERVO DA UFSP DIGITAL.
____________. Ethonografia Brasileira: Alves e Cia.
CÒDIGO PENAL, 1890.