ATUAÇÃO POLÍTICA DE ADALGISA RODRIGUES CAVALCANTI (1934-1948): o comunismo feminino em Pernambuco - Daiane da Silva Vicente
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
LINHA DE PESQUISA: CULTURAS POLÍTICAS, REPRESENTAÇÕES, DISCURSOS E
NARRATIVAS
DAIANE DA SILVA VICENTE
ATUAÇÃO POLÍTICA DE ADALGISA RODRIGUES CAVALCANTI (1934-1948):
o comunismo feminino em Pernambuco
MACEIÓ – AL
2024
DAIANE DA SILVA VICENTE
ATUAÇÃO POLÍTICA DE ADALGISA RODRIGUES CAVALCANTI (1934-1948):
o comunismo feminino em Pernambuco
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Alagoas, como
requisito parcial para a obtenção do título de
mestra em História.
Orientadora: Profa. Dra. Arrisete Cleide de
Lemos Costa
Maceió – AL
2024
Dedico a minha avó Maria Joana e
a minha bisavó Maria Josefa
que me ensinaram que amar é belo,
porém, doloroso.
AGRADECIMENTO
Primeiramente, agradeço ao meu Deus, que me protege e me abençoa.
Em seguida,
agradeço às instituições e pessoas que tiveram uma
importante na construção desta pesquisa,
participação
como também; na minha formação pessoal
e
profissional.
Agradeço à
CAPES pelo financiamento parcial
da pesquisa. Agradeço o apoio
financeiro do PPGH-UFAL, que me possibilitou acessar as fontes em Recife antes mesmo de
ser bolsista, do mesmo modo, o auxílio para participação em eventos acadêmicos.
Agradeço o acolhimento que recebi
nas instituições que coletei os documentos
necessários para o desenvolvimento dessa pesquisa:
me recordo das
APEJE e FUNDAJ. Com muita alegria
pessoas maravilhosas que tive o privilégio de conhecer
nesta jornada:
Manuela Araújo, quem sempre me recebeu desde a minha primeira ida à FUNDAJ; Arthur
Menezes, com quem dialoguei sobre a trajetória de Adalgisa e o PCB de Pernambuco.
Também agradeço à
ALEPE por
responderem minhas
solicitações de acesso à
informação.
Agradeço à minha orientadora,
profa. Dra. Arrisete C. L. Costa, com quem tive a
honra de trabalhar, estou certa do quão grandiosas foram as suas contribuições na construção
desta pesquisa e na minha formação acadêmica. Nunca me esquecerei da sua humanidade e do
seu compromisso ético acadêmico.
Agradeço a banca de defesa,
composta pela profa. Dra. Paula Soares e o prof. Dr.
Anderson Almeida por aceitarem fazer parte deste momento em minha trajetória acadêmica e
por suas valiosas contribuições.
Agradeço ao prof.
Dr. Arturo Zoffmann, por ministrar a disciplina “Uma História
Popular da Revolução Russa”, marcando significativamente em minha
discussões e contribuições para a minha pesquisa.
mencionar o meu querido camarada de turma,
memória; às
Nesta ocasião, não posso deixar
de
Gelvane Andrade, com quem tive divertidas
conversas intelectuais. Nunca perdendo o respeito e o bom humor.
Agradeço ao colega Rafael
Britto, pelas dicas e sugestões para a elaboração da
pesquisa.
Agradeço
ao
Grupo
de
Pesquisa
Documento,
Imagens
e
Narrativas
(GPDIN/UFAL/CNPq), pelo acolhimento, trocas e experiências intelectuais.
Agradeço ao Grupo de Estudos,
Pesquisa e Trabalho sobre A(s)
Mulher(es) da PUC–Minas, que me possibilitaram refletir
História(s) da(s)
sobre variados aspectos
correspondentes a este campo de estudo e por ter me proporcionado momentos intelectuais
calorosos.
Agradeço a minha amiga,
Marlane Leite, com quem cultivo uma amizade desde a
graduação em História na UPE–Gus.
Também agradeço ao meu amigo,
É sempre bom ter
alguém para dialogar sobre tudo.
Matheus Siqueira e minha amiga,
Ana Letícia Ferreira.
Amizades que também trago da graduação.
Chegando ao final
dos meus agradecimentos e não menos importante,
agradeço a
minha família: pai, mãe, irmãos, irmã, tias e primas. Tenho sorte por ter vocês em minha vida!
“Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria
substância, já que viver é ser livre”
– Simone de Beauvoir
RESUMO
Esta pesquisa é referente à trajetória política de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, uma
pernambucana que dedicou parte de sua vida à política comunista.
Em 1934, iniciou a
militância no Socorro Vermelho Internacional, organização vinculada ao PCB, integrou a
Aliança Nacional Libertadora (ANL), participando do Levante de 1935, por esse motivo
decorreu sua primeira prisão em 1936. Filiou-se oficialmente ao PCB em 1945, pelo mesmo
partido disputou as eleições de 1945 e 1947. Elegeu-se como Deputada Estadual em 1947,
tornando-se a primeira mulher a ocupar este cargo em Pernambuco, mas não chegou a
concluir o mandato, interrompido devido às disputas políticas vivenciadas no período. Deste
modo, a presente pesquisa perpassa pelo campo da História das Mulheres,
dialogando com
Michelle Perrot (2019), Joan Scott (1992), Rachel Soihet (1997) e Maria Izilda Matos (2013);
tendo como enfoque a atuação de mulheres na cultura política comunista, buscando subsídios
teóricos em Paula Soares (2021) e Rodrigo Motta (2013). A técnica de observação
documental (ARÓSTEGUI, 2006) auxiliou na seleção e organização das fontes empregadas
na construção deste estudo: entrevistas, relatórios, jornais, relatos de memórias,
documentação policial e registros eleitorais. Aplicou-se a análise de conteúdo (BARDIN,
2015) com uma abordagem qualitativa no tratamento das fontes.
A trajetória política de
Adalgisa R. C. possibilita compreender a atuação das mulheres comunistas na política,
evidenciando privilégios, dificuldades e consequências.
Palavras-chave: Mulheres na Política; Pernambuco; PCB; Cultura Política Comunista.
ABSTRACT
This research concerns the political trajectory of Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, a woman
from Pernambuco who dedicated part of her life to communist politics. In 1934, he began his
activism in Socorro Vermelho Internacional, an organization linked to the PCB, and was part
of the National Liberation Alliance (ANL), participating in the 1935 Uprising, which is why
he was arrested for the first time in 1936. He joined officially to the PCB in 1945, for the
same party she contested the elections of 1945 and 1947. She was elected as State Deputy in
1947, becoming the first woman to occupy this position in Pernambuco,
but she did not
complete her term, interrupted due to political
disputes experienced during the period.
Therefore, this research covers the field of Women's History, dialoguing with Michelle Perrot
(2019), Joan Scott (1992), Rachel Soihet (1997) and Maria Izilda Matos (2013); focusing on
the role of women in communist political culture, seeking theoretical support from Paula
Soares (2021) and Rodrigo Motta (2013). The documentary observation technique
(ARÓSTEGUI, 2006) helped in the selection and organization of
the sources used in the
construction of this study: interviews, reports, newspapers, memoirs, police documentation
and electoral records. Content analysis was applied (BARDIN, 2015) with a qualitative
approach in the treatment of sources. Adalgisa R. C.'s political trajectory makes it possible to
understand the role of communist women in politics, highlighting privileges, difficulties and
consequences.
Keywords: Women in Politics; Pernambuco; PCB; Communist Political Culture.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Faculdade de Direito do Recife. Fonte: Coleção Francisco Rodrigues. Autoria: José
de Paiva Crespo. Acervo Fundação Joaquim Nabuco/MEC…………………………….…....51
Figura 2. Praça 13 de Maio.
Fonte: Coleção Francisco Rodrigues. Autoria: José de Paiva
Crespo. Acervo Fundação Joaquim Nabuco/MEC…………………………………………...51
Figura 3. Cândida Maranhão Otero. Fonte: OTERO, Cândida Maranhão. Na Correnteza da
Vida. Porto Alegre: Renascença, 2003……………………………………………….……….66
Figura 4. Mulher Trabalhadora! Ocupa o teu Posto. Fonte: Jornal Folha do Povo. APEJE,
Recife, 24 de setembro de 1935…………………………………………………………..…..68
Figura 5. Carmem Ricardo de Sousa. Fonte: Jornal Folha do Povo. APEJE. Recife, 24 de
setembro de 1935……………………………………………………………………...……...70
Figura 6. Adalgisa Rodrigues Cavalcanti. Fonte: Jornal Folha do Povo. APEJE. Recife, 06 de
dezembro de 1945………………………………………………………………………….....71
Figura
7.
Julia
Santiago
da
Conceição.
Disponível
em:
<https://vozesdazonanorte.blogspot.com/2011/06/julia-santiago-primeira-mulher.html>
Acesso
em:
07
de
set.
2023……………………………………………………………...............................................79
Figura 8.
Adalgisa aos 22 anos,
com o esposo, Tito T. Cavalcanti. Fonte: livro Presença
Feminina de Luzilá Gonçalves Ferreira (2002, p. 42)..............................................................93
Figura 9. Capa do prontuário de Adalgisa. Fonte: APEJE/DOPS/Prontuário n.
5603,
Recife-PE………………………………………………………………………………..…..106
Figura 10. Detida – Adalgisa Cavalcanti – Codinome “Ana”. Fonte: APEJE/DOPS/Prontuário
n. 5603, Recife-PE…………………………………………………………………………..109
Figura
11.
Deputada
Estadual
Adalgisa
R.
Cavalcanti.
Fonte:
<http://canhotinho-pe.blogspot.com/2009/06/filhos-ilustres.html> acesso em: 30 de Janeiro de
2024………………………………………………………….………………………………139
Figura
12.
Carteira
de
identificação
de
parlamentar
de
Adalgisa.
Fonte:
<https://www.alepe.pe.gov.br/wp-content/themes/alepe/image/img-primeira-redemocratizacao
/imagem-redemocratizacao1.png.> Acesso em 05 de fev. de 2024…………………………139
Figura 13. Adalgisa aos 89 anos, relatando dados de sua vida para a Folha do Povo. Fonte:
livro Presença Feminina de Luzilá Gonçalves Ferreira (2002, p. 52)....................................153
Figura 14. Adalgisa R. C. idosa. Fonte: Jornal do Comércio, 8 de março de 2009 - Fundação
Joaquim Nabuco/MEC. Recife-PE………………………………………………………….153
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: : Mulher/PCB/Folha do Povo ……………………………………………………...64
Tabela 2: Mulheres na Folha do Povo ………………………………………………………..83
Tabela 3: Quociente Eleitoral por legenda / Deputada/o Federal …………………………..132
Tabela 4: Quociente eleitoral por Legenda / Deputada/o Estadual …………………………134
Tabela 5: Pautas e grupos políticos presentes nos discursos de Adalgisa …………………..146
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALEPE
Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco
AIB
Ação Integralista Brasileira
ANL
Aliança Nacional Libertadora
APEJE
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano
CCTM
Comissão Central para o Trabalho entre Mulheres
CEHIBRA
Coordenação-geral de Estudos da História Brasileira
CMT
Comitê de Mulheres Trabalhadoras
CMPD
Comitê de Mulheres Pró-Democracia
DOPS
Delegacia de Ordem Política e Social
EUA
Estados Unidos da América
FBPF
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
FDIM
Federação Democrática Internacional de Mulheres
FPPF
Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino
FUNDAJ
Fundação Joaquim Nabuco
IC
Internacional Comunista
NIMHO
Núcleo de Imagem, Memória e História Oral
PB
Paraíba
PCB
Partido Comunista do Brasil
PC-SBIC
Partido Comunista, Seção Brasileira da Internacional Comunista
PDC
Partido Democrata Cristão
PE
Pernambuco
PI
Piauí
PSP
Partido Social Progressista
PR
Partido Republicano
PRP
Partido de Representação Popular
PRD
Partido Republicano Democrático
PSD
Partido Social Democrático
PTB
Partido Trabalhista Brasileiro
SEP
Sociedade de Estudos Políticos
TRE-PE
Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco
TSN
Tribunal de Segurança Nacional
UDN
União Democrática Nacional
UFAL
Universidade Federal de Alagoas
URSS
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................15
2. O PCB E AS MULHERES…...............................................................................................35
2.1. O PCB: primeira metade do século XX.............................................................................36
2.2. O PCB em Pernambuco.…………....................................................................................47
2.3. Entre o feminismo e o comunismo....................................................................................53
2.4. A “questão feminina” no jornal a Folha do Povo (1935, 1945-1948)...............................63
3. A POLÍTICA DE ADALGISA RODRIGUES CAVALCANTI:
UMA HISTÓRIA DE
LUTA E DEDICAÇÃO…………………………………………………………..………..…88
3.1. Aspectos da vida pessoal.…………………………………………………………….......89
3.2. Influências e iniciação política.……………………………………………………..........94
3.3. A ANL e o Levante de 1935.…………………………………………………….............99
3.4. Na mira da DOPS-PE.…………………………………………………………..............104
3.5. Militante antifascista.…………………………………………………………..….........114
3.6. O Comitê de Mulheres Pró-Democracia de Pernambuco.……………...........................119
4. “TUDO O QUE SE FIZER EM BENEFÍCIO DO POVO É DEMOCRACIA”:
O
PIONEIRISMO POLÍTICO DE ADALGISA EM PERNAMBUCO.………………….......123
4.1. Redemocratização e organizações femininas.………………………………..................124
4.2. Eleições de 1945.………………………………………………………………….........129
4.3. Eleições de 1947.………………………………………………………………….........133
4.4. Atuação da primeira deputada estadual de Pernambuco (1947).………………….........138
4.5. Encerrando o mandato: PCB na ilegalidade.……………………………………….......147
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................155
FONTES E INSTITUIÇÕES DE PESQUISA.………………………………………….......161
REFERÊNCIAS.………………………………………………………………………….....162
ANEXOS….…………………………………………………………………………….......170
15
1. INTRODUÇÃO
A frase “mulheres nos espaços de poder” é forte e encorajadora. Pensar essas mulheres
que se despiram da inocência e da vulnerabilidade imposta ao seu sexo,
conhecer suas
histórias, compreender suas lutas, despertar um sentimento de ser, de querer saber e aprender
a se impor a tudo que oprime e destrói o viver de uma mulher que sonha, luta, perde e ganha.
Segundo Mary Beard, “as mulheres, mesmo quando não são silenciadas,
ainda pagam um
preço muito alto para ser
ouvidas” (BEARD, 2018, p. 20). Isso reflete uma parte das
dificuldades enfrentadas por
aquelas que ocupam ou ocuparam um espaço de poder.
“As
mulheres no poder são vistas como tendo ultrapassado os limites ou se apossado de algo a que
não têm direito” (BEARD, 2018, p. 64). Essas mulheres, quando conhecidas, inspiram outras
a reivindicarem os mais variados papéis na sociedade capitalista.
A trajetória de Adalgisa
Rodrigues Cavalcanti (1905-1997) não é diferente. Uma mulher que lutou pelo que
acreditava. Pioneira na política pernambucana ao ocupar um cargo rodeado majoritariamente
por figuras masculinas. Sua luta justifica a necessidade de evidenciar sua atuação política.
A intenção de realizar uma pesquisa com essa temática surgiu a partir do interesse em
compreender a atuação feminina na política durante o século XX, como também as atividades
do PCB 1 no estado de Pernambuco. Ainda na graduação, com base em algumas pesquisas
encontradas na internet, descobriu-se a necessidade de um estudo sobre a trajetória de
Adalgisa, pois nessas pesquisas havia poucos dados e informações contraditórias sobre a
militante comunista. A partir disso, como trabalho de conclusão de curso,
foi desenvolvida
uma pesquisa, intitulada: “A trajetória política de Adalgisa Cavalcanti: militante comunista e
primeira deputada estadual de Pernambuco (1930-1960)”. Neste trabalho, buscou-se destacar
os principais pontos de sua trajetória política, no entanto, algumas partes ficaram
obscurecidas, havendo a possibilidade de realizar
uma pesquisa mais consistente e com a
junção de outras fontes.
Em 2019, quando comecei a pesquisar a história de Adalgisa R. Cavalcanti, considerei
sua atuação digna a de uma feminista, passando a caracterizá-la dessa forma, isso devido às
1
A partir de 1961, o PCB mudará o nome para Partido Comunista Brasileiro,
permanecendo com o uso da
mesma sigla. Antes dessa data, o nome era Partido Comunista do Brasil (PCB) (SECCO; PERICÁS, 2022). Em
1962 foi criado outro Partido Comunista do Brasil, o PCdoB. Este último não faz parte desta pesquisa.
16
limitações da apropriação teórica sobre a historiografia do PCB.
Ao aprofundar os estudos
sobre o PCB, avistou-se certo equívoco, pois sendo o PCB um partido com uma cultura
política específica, não seria correto qualificar de feministas as militantes comunistas atuantes
antes de 1960, em virtude
do histórico de
desencontros de ideias entre feministas e
comunistas. Revelando-se, principalmente, em escritos de mulheres engajadas na política
comunista russa, como Alexandra Kollontai
(1907). Deste modo, para a realização desta
pesquisa, caminharei por um viés da história das mulheres.
Segundo a historiadora Rachel
Soihet (1997), a História Cultural contribuiu com a
inclusão das mulheres na história, oportuno a uma preocupação com as identidades coletivas
de diversos grupos sociais, entre eles, camponeses, operários, mulheres, escravizados e
pessoas que não ocupam posições de destaque na sociedade capitalista. Passa a ser relevante
neste campo de estudo o uso da interdisciplinaridade (geografia,
filosofia, antropologia,
sociologia, psicologia, ciências políticas, etc.) no desenvolvimento das pesquisas
historiográficas. Por causa dessa incorporação por parte da História Cultural, as personagens
do sexo feminino foram contempladas, não apenas as mulheres com destaque nos espaços de
poder, mas também, as mulheres do povo, as consideradas comuns.
A historiadora francesa Michelle Perrot
(2019), em seu livro Minha História das
Mulheres, permite entender a exclusão, mostrando como elas, por um bom tempo, foram
pensadas na história, mencionando as modificações que ocorreram nesses estudos. O campo
de investigação da história das mulheres surgiu na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos
durante a década de 1960, depois na França em 1970, consolidando-se, mais especificamente,
na terceira geração da Escola dos Annales (PERROT, 2019).
Joan Scott (1992), em seu texto sobre a história das mulheres,
menciona narrativas
convencionais direcionadas à origem deste campo surgido na década de 1960,
tendo como
ponto de partida a política feminista, a qual reivindicava uma história focada no protagonismo
heroico das mulheres e as possíveis explicações para a opressão vivenciada. Por volta do final
da década de 1970, a história das mulheres teria se afastado da política,
todos os aspectos da vida das mulheres.
rompendo com a política,
Na década de 1980,
e se direcionado a
desviou-se para o gênero,
fazendo com que este campo conquistasse um espaço próprio
(SCOTT, 1992).
Scott (1992) ainda menciona haver variações em relação à
narrativa sobre o
desenvolvimento do campo da história das mulheres. Sinalizando a existência de versões que
17
destacam a modificação do campo como uma ação positiva por
também, versões com explanação negativa,
parte da história. Como
afirmando que ao ser
inserido na academia
retrataria um exemplo de despolitização, tornando-se apenas, mais uma disciplina acadêmica.
Para a autora,
é necessário fazer
uma reflexão crítica a respeito dessas narrativas,
pois
caracteriza mal a história da história das mulheres e seu envolvimento tanto com a política
como a disciplina da história.
É preciso considerar
“a posição variável das mulheres na
história, o movimento feminista e a disciplina da história” (SCOTT, 1992, p. 65). A utilização
do termo gênero,
empregado por muitas/os historiadoras/es feministas, é entendida como
submissão política e também uma perspectiva teórica que compreende o sexo como um fator
auxiliar na conceituação da política (SCOTT, 1992). Com isso, é falho enquadrar a história
das mulheres como uma resposta ao desenvolvimento da política feminista fora da academia.
Sendo assim, “Mais do que postular uma simples correlação,
precisamos pensar sobre este
campo como um estudo dinâmico na política da produção de conhecimento” (SCOTT, 1992,
p. 66).
Em relação ao conceito de gênero,
historicamente “surgiu para se contrapor a uma
visão que enfatizava as diferenças biológicas,
ou sexuais, entre homens e mulheres,
que
acabava naturalizando a dominação masculina” (SILVA e SILVA, 2009, p. 166). Conforme a
categoria de gênero, não existem papéis fixos para mulheres e homens na sociedade, o que
ocorre são interferências sociais e culturais nas relações humanas (SILVA e SILVA,
Partindo da abordagem dos
2009).
estudos de gênero, podemos investigar as mulheres, as
masculinidades, as homossexualidades, entres outras.
A história das mulheres também é um campo vasto, permitindo o desenvolvimento de
pesquisas sobre mulheres e política, mulheres e educação, mulheres e trabalho, mulheres e
sexualidade, e tantas outras. Quando pensamos e evidenciamos a atuação das mulheres nos
acontecimentos históricos, além da certeza de que os homens de maneira nenhuma agiram
sozinhos no desenrolar
dos acontecimentos históricos, descobrimos nomes, ações, lutas e
renúncias de muitas mulheres ousadas.
Isso por não se renderem às regras da sociedade
patriarcal. Em relação a este campo de estudo,
mulher”, sendo este termo insuficiente por
não devemos utilizar o termo “história da
não abranger a multiplicidade de mulheres
existentes. Quando salientamos as diferenças, compreendemos a importância de falar de uma
“História das Mulheres”, indicando a existência de múltiplas identidades (SOIHET, 1997), ou
até mesmo “Histórias das Mulheres”. É fundamental
destacar o reconhecimento das
18
diferenças entre as próprias mulheres “elementos como cultura, classe, raça/etnia,
nacionalidade, geração, crença religiosa e ocupação devem ser ponderados e entrecruzados
num desafio de desvendamento que evitem tendências e generalizações” (MATOS, 2013, p.
7-8). Ou seja, não é porque se trata de “mulheres” que são todas iguais, é preciso considerar
as diferenças existentes entre as mulheres que pertencem a grupos sociais e culturais distintos.
Ao reivindicar direitos para as mulheres, o movimento feminista, iniciado nos Estados
Unidos, despertou uma curiosidade transformada em necessidade de compreender melhor o
que estava sendo reivindicado. O espaço de compartilhamento dessas informações foram as
universidades, ganhando destaque as universidades francesas (SOIHET, 1997). O movimento
feminista, sendo esse um movimento social que luta por equidade entre os sexos masculino e
feminino, auxiliou na propagação da necessidade de se fazer uma história das mulheres. Além
disso, John Scott (2019) menciona a contribuição das feministas, por possibilitarem enxergar
como as divisões entre homens e mulheres se constituíram através dos acordos sociais e
políticos das sociedades.
Segundo a historiadora Maria Izilda Matos (2013), o livro A mulher na sociedade de
classes: mito e realidade (1969), de Heleieth Saffioti, seria a obra fundadora do campo da
história das mulheres e das relações de gênero no Brasil. O livro de Saffioti tem a intenção de
analisar a “sociedade brasileira centrada na teoria do patriarcado,
tendo a preocupação de
identificar os signos da opressão masculina e capitalista sobre as mulheres” (MATOS, 2013,
p. 6). Matos (2013) ainda menciona a incorporação de diversas abordagens na produção
historiográfica sobre o feminino na década de 1980. Nos temas direcionados ao trabalho, por
exemplo, recuperou-se o cotidiano das
fábricas, as lutas, as greves, as mais diversas
estratégias de resistências. Essa inclusão foi de grande importância para visibilizar e destacar
o papel das mulheres nos espaços públicos e privados. Para tanto, os novos meios de
interpretação possibilitaram compreender as mulheres como sujeitas ativas, desconstruindo o
entendimento de mulheres passivas (MATOS, 2013) e sempre dependentes da figura do sexo
masculino.
De acordo com Scott (2019), ao decorrer da história circularam afirmações de que as
mulheres não seriam merecedoras de direitos políticos,
por serem vistas como diferentes e
inferiores aos homens. Elas deveriam se ocupar com os afazeres domésticos. Sendo esse um
dos motivos para a política ser vista como um trabalho exclusivo dos homens. As mulheres
reivindicaram o direito de ocupar um lugar na esfera pública. Para Michelle Perrot (2020), “as
19
fronteiras entre o público e o privado nem sempre existiram” (PERROT,
2020, p. 186).
Partindo do entendimento da autora, muitos indivíduos de ambos os sexos defendem a ideia
de ser incoerente a ocupação de mulheres em espaços de poder. Mas como Perrot afirma, nem
todo público é masculino e nem todo privado é feminino (PERROT, 2020).
Esta pesquisa é dedicada à trajetória de uma mulher que ocupou um cargo político
importante no estado de Pernambuco. Embora tenha ocupado por pouco tempo 2, os meses que
Adalgisa R. Cavalcanti atuou no parlamento foi de grande importância para a história das
mulheres na política. A deputada comunista faz parte de um grupo de mulheres pioneiras nos
espaços de poder. No Brasil, “o voto feminino e secreto foi introduzido no Código Eleitoral
Provisório, através do Decreto n° 21.076,
de 24 de fevereiro de 1932” (SCHUMAHER e
CEVA, 2015, p. 62). Para Hildete Melo e Débora Thomé (2018),
feminino, possibilitou, a partir daí, a eleição de mulheres.
a conquista do voto
Não rejeito a importância da
conquista do direito ao sufrágio feminino. Mas não posso deixar de citar que antes dessa data,
em 1929, Luisa Alzira Teixeira de Vasconcelos foi a primeira prefeita não só do Brasil, mas
também da América Latina,
ocupou o cargo na cidade de Lages,
no Rio Grande do Norte
(SHUMAHER; CEVA, 2015). Em 1932, com a autorização do marido e comprovação de
renda3, Suely de Oliveira (1915-1994) se tornou a primeira deputada do Rio Grande do Sul
(MENEZES, 2017). No ano de 1934, Carlota Pereira de Queiroz (1892-1982) foi eleita como
deputada de São Paulo. Foi exatamente em 1934 que a Adalgisa R. C. tirou o título de eleitora
e iniciou a militância política em uma organização vinculada ao PCB,
o Socorro Vermelho
Internacional.
As mulheres passaram por um processo de silenciamento e apagamento muito extenso
na História. Hoje, com a imensa quantidade de trabalhos e pesquisas realizadas sobre a
história das mulheres, vem-se recuperando essas participações e trajetórias. Foram os homens
que excluíram as mulheres da história.
O patriarcado 4 se consolidou de um jeito tão feroz,
permitindo até mesmo as mulheres fazerem julgamentos de si
próprias como inferiores,
incapazes, sendo esse um dos motivos que as levaram a destruir documentos, registro de suas
existências (Perrot, 2019). Em meio a tantas opções de documentos que podem ser utilizados
em pesquisas associadas à história de mulheres, ainda há uma enorme dificuldade, tendo em
2
Adalgisa R. C. atuou como deputada estadual de Pernambuco por 11 meses. Mas adiante a discussão sobre este
assunto será aprofundada.
3
Naquele momento, essas restrições legais eram consideradas necessárias, sendo eliminadas com a Constituição
de 1934 (MENEZES, 2017).
4
O termo patriarcado nesta pesquisa será utilizado para se referir a sistemas dominados por homens para oprimir
as mulheres (DELPHY, 2009).
20
vista a necessidade de trabalhar
com uma documentação que, em sua maioria, encontra-se
fragmentada, “o que requer uma paciente busca de indícios,
leitura crítica para esmiuçar
sinais e sintomas, bem como a
o implícito, descortinando experiências ocultas no passado”
(MATOS, 2013, p. 9).
Segundo Joana Maria Pedro (2011), as mulheres seriam as guardiãs da memória, por
serem as principais depoentes nos relatos de memória,
como também por auxiliarem na
preservação dos documentos que hoje se encontram em arquivos,
grandes figuras do mundo público.
permitindo estudar as
Para o historiador Jacques Le Goff (1990),
seria “um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,
a memória
individual ou coletiva,
cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje” (LE
GOFF, 1990, p. 410). Deste modo, ao que diz respeito às memórias femininas, compartilho da
ideia de que,
Circulando publicamente, essas memórias individuais chegam a compor uma
“memória emblemática”, coletiva, que permite o reconhecimento e a identificação
de muitas outras mulheres – e não apenas de mulheres –,
já que falam de um
momento particularmente violento e dramático da vida política nacional
(RAGO,
2013, p. 59, grifo nosso).
Ao produzir uma historiografia que destaca narrativas de mulheres,
outro grupo excluído da história,
ou de qualquer
contribui-se com o rompimento desses silenciamentos,
problematizando e desconstruindo estereótipos. O campo da história das mulheres remete a
necessidade do reconhecimento do sexo feminino na história.
Acredito que as limitações
encontradas nesta área ocorrem devido ao aporte teórico-metodológico escolhido pela/o
pesquisadora/or. Diante das possibilidades, aspiro contribuir com o fortalecimento deste
campo. Esta pesquisa, a qual evidencia a atuação política de uma figura feminina, que em seu
tempo vivido representou um grupo de mulheres, organizando e participando de “movimentos
de mulheres”, dando atenção à “questão feminina” – sendo esse o termo empregado nas
organizações de mulheres ligadas ao PCB.
Por conseguinte, quando afirmado o desenvolvimento de uma pesquisa sobre a história
das mulheres, não estou sugerindo uma exclusão do sexo masculino da história. Do mesmo
modo, não estou afirmando que gênero e mulheres são sinônimos,
percebo a extensão e complexidade do gênero,
muito pelo contrário,
tornando-se, a meu ver, necessário situar o
21
campo escolhido para se trabalhar, nas múltiplas possibilidades. Essas escolhas são baseadas
nas especificidades de cada “objeto” de estudo,
no caso desta pesquisa,
por se tratar da
trajetória de uma mulher, considero oportuna a escolha do campo da história das mulheres.
Pela categoria mulher compreendo que se trata de todas as pessoas que se identificam com o
uso dessa categoria, independente do sexo biológico. No entanto, é preciso ressaltar que as
mulheres mencionadas no decorrer
desta pesquisa, até o ponto que consegui
apurar, são
mulheres cisgênero.
Portanto, com esta pesquisa,
mulheres na política comunista.
tenho a intenção de contribuir
com a história das
É certo pensar que há muitas dificuldades em estudar
a
trajetória de uma mulher. Em relação a esta pesquisa, é possível deduzir que se não fosse uma
entrevista concedida à Fundação Joaquim Nabuco em 1982, seria quase impossível se deter a
esse estudo na perspectiva da história das mulheres.
Pode-se dizer que, se a Adalgisa não
tivesse ocupado um cargo importante (o de deputada estadual),
e não fosse uma militante
comunista ativa que se destacou diante um cenário político agitado em Pernambuco e no
Brasil, possivelmente, sua memória não teria sido julgada como relevante a ponto de ter sido
solicitada uma entrevista. Apesar dessas características que a destacam,
não julgo ser
suficiente à atenção dada às suas ações. Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, como dona de casa,
não teria muito a acrescentar,
segundo uma perspectiva que não considerava uma pessoa
comum como protagonista da história, por esse motivo é necessário entender o que era ser
uma dona de casa atuante no PCB, discussão incluída na redação desta pesquisa.
A princípio, encontrei muita dificuldade em como ocorreria o desenvolvimento deste
estudo. Primeiro, diante das leituras historiográficas sobre a trajetória do PCB, as mulheres
ocupavam um lugar
aparentemente sem muita
importância. Tomando como base essa
historiografia do PCB, chegou-se a pensar que o problema seria a Adalgisa, a figura principal
da pesquisa. Aparentemente, tratando-se de uma mulher despreocupada com a realidade que a
cercava. No sentido de que ela não percebia o desenrolar dos atos preconceituosos com as
mulheres comunistas no partido,
pois, diante das fontes consultadas e analisadas,
ela não
relata situações desconfortáveis, atitudes inapropriadas dos homens comunistas, no local onde
ela experienciou a vida política. Isso não significa que se descarte a possibilidade de terem
acontecido situações machistas em Pernambuco.
Compreendo esse ocultamento como
situações não vivenciadas pela Adalgisa ou consideradas, por ela, sem importância para serem
22
relatadas em momentos oportunos.
A violência mencionada pela militante é decorrente da
polícia política anticomunista.
Considero fundamental compreender a cultura política comunista,
como também o
lugar de Adalgisa no PCB e a amplitude de sua trajetória política, além disso, as implicações
com o anticomunismo. Para isso, os subsídios teóricos são encontrados, principalmente, em
Rodrigo Motta e Paula Soares. Para Rodrigo Motta (2013), o conceito de cultura política é
polissêmico, tratando-se de conjuntos de valores e práticas adotadas por
grupo. De acordo com Paula
um determinado
Soares (2021), as ações desenvolvidas pelas mulheres
comunistas fizeram parte da cultura política do PCB. Deste modo, as estratégias adotadas por
Adalgisa, como também seus discursos, estiveram relacionados à formação, do que Soares
(2021) chama de uma “tradição de militância feminina” com atuação significativa naquele
período.
Em relação a
este estudo, caracterizo como uma
trajetória biográfica histórica
feminina. Para explicar aonde quero chegar com o uso desse termo, é preciso partir para as
bases pertinentes a esta construção, possibilitando incorporar a discussão na produção
historiográfica. Segundo Arrisete Costa (2014),
às biografias históricas,
trajetória, foram elaboradas e classificadas de maneiras distintas,
ao longo de sua
“a esta multiplicidade de
feitios do gênero biográfico no campo historiográfico, o historiador Giovanni Levi chama de
‘complexidade irresoluta da perspectiva biográficas’” (COSTA, 2014, p. 127).
O historiador François Dosse (2015), afirma que a empatia é um fator importante na
relação de envolvimento da produção do conhecimento histórico e biográfico,
relevância da sensibilidade ao tratar
expõe a
de determinados temas de pesquisas.
Deste modo,
acredito que principalmente as trajetórias biográficas de mulheres necessitam da empatia, não
por se referir à atuação de figuras femininas,
mas devido ao histórico de exclusão que elas
vivenciaram. Essa exclusão se configura em uma forma de violência que,
por si só, é um
assunto emocionalmente difícil
de tratar. Pesquisar e escrever a trajetória biográfica de
uma/um indivídua/o contém suas
dificuldades e limitações, é preciso muita cautela ao
manusear as possíveis fontes documentais utilizadas na construção de uma vida. Sendo assim,
a produção histórica biográfica,
[...] perpassa por todos os períodos da história humana: Antiguidade, Idade Média,
Renascimento, Iluminismo, Idade Moderna e Pós-Moderna. É possível notar a sua
23
presença numa linha de continuidade e rupturas epistemológicas, cuja genealogia se
localiza entre os gregos, embora os primeiros a se destacarem pelos seus modelos de
biografias históricas tenham sido os romanos [...] (COSTA, 2014, p. 128-129).
Pelo conceito de “biografia” 5 compreendo como uma “narração oral, escrita ou visual
dos fatos particulares das várias fases da vida de uma pessoa” (BORGES,
podendo assim afirmar em relação à história de vida de um indivíduo,
2008, p. 204),
não descartando a
possibilidade de fazer biografias de lugares,
objetos e conceitos. A palavra “biografia” tem
origem grega:
escrever. Possivelmente, esse termo apareceu
bios - vida e graphein -
primeiramente em Damásio, por volta de 500 d.C. (BORGES, 2008).
Desde o mundo greco-romano ao período medieval, as histórias de vidas tinham como
objetivo dar exemplos morais. Conhecida como biografia clássica,
em sua produção,
os
aspectos morais, políticos e religiosos eram mais priorizados do que a singularidade do
indivíduo (BORGES, 2008). No período da Idade Moderna, a biografia vai sendo modificada.
Uma obra que marcou este momento foi
Life of Samuel johnson LL.D. (Vida de Samuel
Johnson LL.D.), publicada em 1791,
escrita pelo inglês James Boswell. Essa obra
revolucionou o fazer biográfico devido o autor ter incorporado novos métodos de
investigação, além do uso de fontes documentais,
realizou várias entrevistas (BORGES,
2008). Esse novo meio de produção biográfica, demonstrou a preocupação em se aproximar
do que seria o ideal de verdade sobre o indivíduo. No século XVIII, autores como Lawrence
Sterne, contribuíram com uma nova repaginação da biografia,
identificada como “biografia
romântica”, pretendia destacar “a totalidade do homem e de sua intimidade” (BORGES, 2008,
p. 206). No século XIX, ocorreu uma redução do valor da história do indivíduo devido à
influência da Filosofia da História e do positivismo,
preocupados mais com as instituições
(BORGES, 2008). Ainda de acordo com Borges (2008), o predomínio da História Nacional
enalteceu a atuação de figuras masculinas no cenário político e militar.
Segundo Arrisete Costa (2014), durante a chamada Era Braudel, a biografia perdeu o
destaque nos Annales, tendo em vista que,
a maioria dos historiadores pertencentes a este
grupo, como os historiadores Pierre Chaunu e Le Roy Ladurie,
preferiu se dedicar
aos
enfoques macroestruturais totalizantes. Motivados pelo paradigma estruturalista, os
historiadores direcionaram-se à história econômica e social.
É com a Nova História que a
biografia volta a conquistar espaço na historiografia.
5
As/os historiadoras/es preferem o uso do termo “biografia”,
(BORGES, 2008).
já as/os antropólogas/os utilizam “trajetória”
24
A Nova História resgata a biografia a partir de uma perspectiva conhecida como
“história-problema”, que visa ultrapassar os enfoques tradicionais e fazer a
reapropriação de antigos gêneros em função de uma problemática renovada.
Na
historiografia francesa, a volta da biografia vai estar associada ao fenômeno
conhecido como “retorno da narrativa”, que sinaliza novas experimentações
historiográficas. No cerne dessas renovações, acrescenta-se, ainda, o retorno à
história política, pela chamada terceira geração de historiadores franceses, entendido
como uma reação às formas de determinismo “estruturalista braudeliano” e,
especialmente, o “economicismo marxista”. Observa-se a preocupação com a
liberdade humana e o interesse por uma escala de análise micro, fundamentada na
filosofia do sujeito, que desencadeia o ressurgimento da biografia histórica, fora e
dentro dos quadros da historiografia francesa (COSTA, 2014, p. 135).
Uma possibilidade de compreender
melhor as fases de organização e produção da
biografia na História é através da análise do historiador
François Dosse. Para Dosse, o
percurso biográfico seria dividido em três fases:
(...) uma primeira que chama de “idade heroica”, na qual a biografia transmitiria
modelos, valores para as novas gerações; uma segunda fase, a da “biografia modal”,
em que a biografia do indivíduo teria valor
somente para ilustrar o coletivo (a
sociedade do biografado em tempos e em espaços diversos); e uma terceira e última
fase, a atual, que chama de “idade hermenêutica”, momento em que a biografia
tornou-se terreno de experimentação para o historiador, aberto a várias influências
disciplinares (BORGES, 2008, p. 207).
É possível encontrar uma explicação mais detalhada desses apontamentos de Dosse
em seu livro O Desafio Biográfico:
escrever uma vida (2015). Nessa obra, o historiador
realizou um estudo biográfico da biografia, considerando que o autor descreveu esse campo
disciplinar desde a sua origem,
apresentando as modificações e produções no decorrer do
tempo. Para o desenvolvimento de uma pesquisa caracterizada como uma biografia histórica é
necessário, primeiramente, entender que a “[...] biografia histórica é, antes de tudo, história,
portanto, precisa se pautar pelos procedimentos de pesquisa e pelas formas narrativas próprias
a essa disciplina que se propõe a explicar e/ou a compreender o passado” (SCHMIDT, 2012,
p. 195).
Deste modo, o problema da pesquisa é formulado a partir de referências conceituais e
fontes documentais (SCHMIDT, 2012). Não podemos descartar a sensibilidade e intuição da/o
historiadora/or (BORGES, 2008), fatores importantes para lidar com histórias de vidas, tendo
em mente a impossibilidade de atingir com perfeição o significado individual da essência de
25
um único ser. O que garante a legitimidade do fazer histórico biográfico é o uso de variadas
fontes documentais.
Como se pesquisa a vida de um indivíduo? Por intermédio das “vozes” que nos
chegam do passado, dos fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou
seja, por meio das chamadas fontes documentais. Como “sem documentos não há
História”, os vestígios que encontramos em boa medida condicionam nossa ambição
de investigação (BORGES, 2008, p. 212).
Dessa maneira, a pretensão é basear-se nos vestígios para buscar
compreender a
atuação política de Adalgisa R. Cavalcanti. O uso das mais variadas fontes documentais foi
necessário, dentre elas: jornais, entrevistas, relatórios do TRE-PE, documentos do DOPS e da
ALEPE. Para Vavy Borges (2008), o que torna uma biografia completa é quando a pessoa
encarregada de escrever a biografia faz um “mergulho
aprofundando-se em sua intimidade.
“escrita de si” ou de
na alma” da/o biografada/o,
Para chegar a esse ponto, o uso dos documentos de
“produção de si” seriam necessários,
tratando-se de entrevistas,
autobiografias, objetos pessoais, memória ou a tradição oral familiar. Vavy Pacheco Borges
(2008), ainda acrescenta:
Ao se ler sobre a biografia, percebe-se de imediato quantas áreas importantes da
História se cruzam ou mesmo se confundem,
quantos temas estão contidos ou
próximos da biografia: a micro-história, os estudos de caso; a História oral, as
histórias de vida; os trabalhos sobre vida cotidiana, sobre sensibilidade, sobre
sociabilidade. Também a discussão sobre memória, sobre geração, sobre família,
sobre gênero são de grande interesse para quem precisa entender uma vida
individual (BORGES, 2008, p. 215).
Portanto, esta pesquisa por se tratar da atuação de uma mulher, aspectos que envolvem
os estudos de gênero, direcionando-se mais especificamente para a história das mulheres, é
um campo importante para situar
a discussão. A partir do momento que a história das
mulheres vai ganhando espaço no cenário intelectual,
expande-se, também, a produção de
biografias femininas (COSTA, 2003). É fundamental entender que antes de tudo, sejam essas
pessoas notáveis ou comuns, concerne a seres humanos, suscetíveis a erros, indivíduas/os que
foram guiadas por suas paixões ou circunstâncias,
pessoas que foram fruto de suas próprias
épocas. Sendo assim, não pretendo analisar a Adalgisa R. C. como uma mulher deslocada de
seu tempo. Ela foi uma mulher atuante, inserida em um contexto e pertencente a um grupo
26
que favoreceu o seu desempenho. Mas o que torna a Adalgisa diferente de outras mulheres de
seu tempo?6
Segundo Sabina Loriga (2011), desde a sua origem, a biografia é um gênero híbrido e
compósito dificultando o estabelecimento de regras gerais que possam ser aplicadas em sua
elaboração. “Não existe nenhuma regra formal
nesse domínio, nem mesmo a respeito das
características individuais” (LORIGA, 2011, p. 18). Há produções na qual a narração
cronológica é priorizada, baseando-se nos anos de vida da pessoa,
desde o nascimento. Em
certos casos, prefere-se dar atenção a aspectos específicos e singulares,
baseando-se em
determinadas características do ser estudado ou até mesmo apoiasse em momentos relevantes
de acontecimentos históricos (LORIGA, 2011). Assim como Borges (2008),
acredito na
relevância da ordenação dos fatos em um estudo histórico biográfico, tanto para quem realiza
a pesquisa como para a/o leitora/or. Pois, facilita a compreensão do trajeto desenvolvido pela
personagem investigada. Nesse sentido, toda a análise dedicada à vida de Adalgisa tem como
foco principal a política. Buscou-se seguir uma ordem cronológica, no entanto, a organização
do texto escrito baseou-se em aspectos específicos que correspondiam ao ponto-chave da
análise em sua trajetória, a política.
Segundo a pesquisadora Suely Gomes Costa (2003), para a realização do ofício da/o
historiadora/or, encontra-se mais rastros/fontes de pessoas notáveis do que de pessoas
comuns. Tendo em vista
a razoável quantidade de fontes
Adalgisa, isso faria dela um ser
documentais encontradas de
notável ou apenas uma mulher comum que ousou sair da
esfera privada, atingindo o espaço público? Entre tantas biografias dedicadas à trajetória de
mulheres, uma lançada recentemente que pode servir de inspiração é a da militante comunista
Elisa Branco, escrita pelo historiador Jorge Ferreira, intitulada Elisa branco: uma vida em
vermelho (2023). Elisa, uma costureira paulista, ativista pela paz que acabou presa por exibir
uma faixa contra o envio de brasileiros à Guerra da Coreia em 1950. Elisa e Adalgisa, ambas
admiradoras de Luiz Carlos Prestes, mas cada uma com particularidades em suas trajetórias
de vida.
À vista disso, considero e caracterizo esta pesquisa como uma trajetória biográfica
histórica feminina. Trajetória biográfica por ter a atenção voltada para o desvendar da atuação
política de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti,
específico de sua vida 6
configurando-se, deste modo, em um momento
1934-1948 -. Trajetória biográfica histórica por
Planejo responder essa indagação nos próximos capítulos.
se tratar de uma
27
pesquisa concebida na área das ciências históricas, comprometendo-se com o
teórico-metodológico específico da História.
rigor
Trajetória biográfica histórica feminina por
destacar uma figura representativa do grupo de mulheres na/da política.
Adalgisa R. C. é natural do estado de Pernambuco. Durante toda sua vida residiu nesse
estado, onde desempenhou suas atividades de militante comunista. Por esse motivo, o recorte
espacial compreende o estado de Pernambuco/Brasil. O recorte temporal é iniciado em 1934,
ano em que a Adalgisa começou sua militância,
sendo esta a primeira fase de sua vida
política. Ainda na década de 1930, a pernambucana comunista participou de acontecimentos
importantes da história brasileira. Integrou a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e atuou na
organização do Levante de 1935. Devido seu envolvimento com essas organizações, foi presa
pela primeira vez em 1936.
Adalgisa continuou sua militância na ilegalidade,
1945, o PCB conseguiu novamente a legalidade,
até que em
Adalgisa oficializou a filiação ao PCB,
iniciando a segunda fase da vida política. Candidatou-se em 1945 e 1947, neste último ano foi
eleita como deputada estadual,
porém teve seu mandato cassado em janeiro de 1948.
pesquisa é desenvolvida até o ano de 1948,
segunda fase da trajetória política de Adalgisa.
A
podendo assim dizer, ano de encerramento da
Mesmo retornando à ilegalidade,
ela não
abandonou a vida de militante, dando início, assim consideramos, a terceira e última fase de
sua trajetória política.
No que diz respeito à atuação de Adalgisa pelo PCB, questiona-se como ocorreu a sua
militância, candidatura, campanha política e como desenvolveu o seu curto mandato de
deputada estadual por Pernambuco durante um período de mudanças e disputas no cenário
político brasileiro. Deste modo, o que levou Adalgisa Rodrigues Cavalcanti,
branca, casada, com quase 30 anos,
uma mulher
a se tornar uma militante comunista? Por que o PCB
escolheu a Adalgisa, aparentemente, apenas uma “dona de casa” militante e sem formação
acadêmica, como candidata para disputar as eleições de 1945 e 1947? Quais as contribuições
dela para/com as mulheres ou história das mulheres na política?
Em meio a essas questões, consideramos de suma importância localizar o lugar social
de Adalgisa para compreender sua trajetória política, permitindo entender as consequências de
suas escolhas e os resultados de suas ações, para isso, utilizarei a interseccionalidade
(AKOTIRENE, 2019). Adalgisa era uma mulher branca (detentora de determinados
privilégios, como o da branquitude); casada, seu esposo exercia a função de ferroviário, dessa
forma, podemos identificá-lo como pertencente à classe trabalhadora. Essas características a
28
qualificam como oportunas para a militância comunista,
adentrando em espaços garantidos
pela confiança. Uma mulher respeitada entre seus companheiros e companheiras de partido.
Portanto, compreende-se que, ao obter a resposta para essas indagações, estaremos
contribuindo com a memória feminina partidária, ou seja, com os estudos sobre a história das
mulheres nos espaços de poder político.
O objetivo geral desta pesquisa consiste em realizar um estudo referente à trajetória
política de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti pelo PCB, destacando sua interação com o PCB,
sua militância, planejamento e organização de sua candidatura para tornar-se deputada
estadual de Pernambuco, como também pautas defendidas antes e após ser eleita. Para tanto,
como objetivos específicos, pretende-se evidenciar a abertura do PCB para/com as mulheres e
a iniciação de militante comunista de Adalgisa, salientando sua passagem pela ANL, Levante
de 1935, perseguições políticas, movimento antifascista e o Comitê de Mulheres
Pró-Democracia. Compreender o seu percurso político e como ocorreu o desenvolvimento de
sua campanha eleitoral. Analisar os conteúdos históricos dos seus projetos e discursos durante
sua atuação como primeira deputada estadual, além disso, darei atenção ao significado de sua
atuação política em Pernambuco.
Investigar a memória histórica da atuação das mulheres é uma forma de comprovar
que elas não são tão submissas, como sugeria a história tradicional (priorizando a atuação do
sexo masculino) e se constitui uma maneira de reafirmar os direitos conquistados através das
lutas. Igualmente, recuperar aspectos da história de mulheres como a de Adalgisa, é de grande
relevância, por permitir preencher as lacunas distinguindo a participação do sexo feminino na
construção de uma história mais completa e justa. Deste modo, a discussão é produzida por
meio de
uma análise problematizada, recorrendo a documentos
históricos oportunos à
pesquisa.
A trajetória de Adalgisa é evidenciada em alguns trabalhos acadêmicos.
Na Tese de
doutorado “Cidade Vermelha: A Experiência Democrática no Pós-Estado Novo (1945-1955)”
da historiadora Zélia de Oliveira Gominho (2011)
7
. Neste trabalho, é possível compreender
questões importantes sobre a organização política no Recife durante o período de
redemocratização, a autora menciona, sem muito aprofundamento, a contribuição histórica de
Adalgisa, como também de
outras mulheres. Alguns pontos da trajetória política da
pernambucana também são evidenciados na dissertação de mestrado intitulada “A DOPS em
7
Defendida na Universidade Federal de Pernambuco.
29
Pernambuco no período de 1945 a 1956: autocracia em tempos de ‘democracia’?” produzida
por Arleandra de Lima Ricardo (2009). 8 No livro Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até
a atualidade, organizado por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil (2000), a Adalgisa
ganhou uma breve biografia.
No livro Presença Feminina,
de Luzilá Gonçalves Ferreira
(2002), um capítulo dessa obra é dedicado à atuação da militante. Em todos esses trabalhos,
nenhum destaca com mais especificidade a campanha eleitoral de Adalgisa e seu mandato de
deputada estadual, no entanto, ajudam a compreender o percurso de sua trajetória na política.
Nos últimos anos, discussões relacionadas à participação feminina
brasileira, como também temáticas
na política
sobre partidos de direita e esquerda passaram a ser
debatidas com mais intensidade, principalmente com o auxílio da internet. Entre as mulheres
que se filiam a um partido e/ou se submetem a uma candidatura, um ponto importante para ser
analisado, é justamente o grupo com o qual elas dialogam. É fundamental mencionar que as
conquistas políticas podem beneficiar a população de alguma maneira, principalmente quando
engajadas na luta pelos direitos das mulheres e de outros grupos que estão à margem da
sociedade. Esta pesquisa revisita a atuação política de Adalgisa, permitindo o conhecimento
de sua trajetória na política. Ela desenvolveu um papel importante e deixou um legado que
pode ser significativo para inúmeras mulheres que se dedicam à vida pública em tempos
atuais. Do mesmo modo, o comunismo e o anticomunismo continuam sendo algo forte em
discussões atuais. Pesquisas relacionadas a esses debates políticos permitem que essas
questões sejam repensadas e esclarecidas.
Considero de grande importância as reflexões em relação ao método crítico discutido
por Marc Bloch em sua obra Apologia da História: ou o ofício de historiador (2001), esse
método é
oportuno diante das
variadas fontes utilizadas na construção desta pesquisa.
Preocupou-se em certificar a pertinência da documentação selecionada, trabalhando-se com a
perspectiva de que cada documento - fonte - é produzido com um objetivo e por indivíduos de
grupos específicos que atuam e apreendem os acontecimentos com base em seus próprios
interesses. Deste modo, Segundo Bloch (2001), “sabe que suas testemunhas podem se enganar
ou mentir. Mas, antes de tudo, preocupa-se em fazê-las falar, para compreendê-las” (BLOCH,
2001, p. 96).
A princípio, utilizei a técnica de observação documental na seleção e organização da
documentação, segundo Júlio Aróstegui (2006), trata-se de uma técnica aplicável em estudos
8
Defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
30
direcionados a documentos de muitos tipos, “sobre variados suportes, com a peculiaridade de
que sempre nos dariam uma observação mediata da realidade” (ARÓSTEGUI, 2006, p. 518).
Deste modo, os documentos aqui utilizados, são: entrevistas, relatórios, matérias de jornais,
relatos de memórias, documentação policial, depoimento e registros eleitorais. Em seguida,
com base nos apontamentos de Laurence Bardin (2015),
utilizarei a análise de conteúdo.
Definida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,
por
procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos e/ou qualitativos)
que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2015).
Na presente pesquisa, priorizei a abordagem qualitativa, auxiliando no tratamento das
fontes, buscando “[...] conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais [a análise]
se debruça” (BARDIN,
2015, p. 45), para evidenciar indicadores que permitam inferir
e
interpretar sobre a historicidade em pauta e a sua interpretação subsidiada pelo debate que
constituem o corpus teórico da pesquisa.
As instituições de pesquisa visitadas para acessar as fontes a serem empregadas nesta
pesquisa foram: Fundação Joaquim Nabuco
(FUNDAJ) e o Arquivo Público Jordão
Emerenciano (APEJE). A primeira visita a essas duas instituições aconteceu em outubro de
20229. A FUNDAJ foi fundada em 1949, tendo como idealizador Gilberto Freyre, com intuito
de preservar o legado histórico-cultural de Joaquim Nabuco nas regiões norte e nordeste. É
composta por três diretorias: Diretoria de Pesquisas Sociais; Diretoria de Memória, Educação,
Cultura e Arte; e Diretoria de Formação Profissional e Inovação. A documentação acessada
trata-se de entrevistas.
Na FUNDAJ, previamente foram destacadas um total de onze entrevistas, das quais
foram selecionadas apenas três para a pesquisa,
a de: Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, Julia
Santiago da Conceição e a de Nise Duarte Cardoso.
demonstrarem uma proximidade com Adalgisa,
As duas últimas, escolhidas devido
a personagem principal da pesquisa. Essas
entrevistas fazem parte do Programa de História Oral
da Coordenação-geral de Estudos da
História Brasileira Rodrigo Melo Franco de Andrade (CEHIBRA) estando inserida no Núcleo
de Imagem, Memória e História Oral
9
(NIMHO) da FUNDAJ. Esse programa teve como
A visita a essas instituições de pesquisa foi possível devido à concessão de auxílio financeiro da
PROPEP/UFAL, tendo em vista que naquele momento estava sem bolsa.
31
objetivo, por meio de entrevistas, preservar a memória de acontecimentos importantes no
Nordeste.
Adalgisa foi entrevistada em 21 de julho de 1982,
Martins de Barros,
em sua residência, na Avenida
660, apartamento 307, no Recife. A responsável pela entrevista foi à
pesquisadora Eliane Moury Fernandes. A entrevista de Julia Santiago da Conceição aconteceu
em dois de dezembro de 1983,
em sua casa localizada na cidade do Recife,
colhido pela pesquisadora Eliane Moury Fernandes.
realizada em 21 de junho de 1994,
depoimento
Nise Duarte Cardoso teve a entrevista
em sua residência no Recife,
entrevista produzida por
Eliane Moury Fernandes e pelo agente cultural Carlos Eduardo Monteiro.
No primeiro momento, o objetivo era utilizar as entrevistas transcritas, no entanto, ao
decorrer da pesquisa foi possível acessar os materiais gravados. Sendo oportuna a realização e
utilização de uma nova transcrição. Deste modo, optou-se por uma transcrição fidedigna das
palavras utilizadas por Adalgisa e demais entrevistadas, sempre destacando as entonações e os
detalhes de seu modo de falar.
Essa técnica de processamento 10 utilizado nas entrevistas
garantiu uma maior aproximação com as entrevistadas,
mesmo que não tenha sido possível
participar de todas as fases correspondentes à produção desses documentos. Para isso, embora
a História Oral não seja um aporte teórico metodológico principal
desta pesquisa, houve a
necessidade de aquisição da parte referente a transcrição, utilizando como subsídio a obra o
“Manual de História Oral”, de Verena Alberti (2013).
O APEJE, conhecido também como Arquivo Público de Pernambuco, foi criado em
1945, pelo então governador José Neves Filho. Em 1972, o Arquivo passou a se chamar
Arquivo Público Jordão Emerenciano, em homenagem ao seu primeiro diretor,
sendo esse,
Severino Jordão Emerenciano, um advogado, professor, escritor e Secretário da Casa Civil.
Em 1975, o APEJE foi transferido do Palácio do Governo para a Biblioteca Pública Estadual,
onde hoje é a sua sede.
O APEJE guarda uma parte importante da história e memória do
estado de Pernambuco. Entre os itens encontrados neste Arquivo, estão: documentos oficiais,
mapas, leis, jornais, livros e manuscritos preservados.
O Arquivo Público conta com oito
acervos: Acervo Iconográfico, Acervo Impresso, Acervo Permanente Documentos
Manuscritos I, Acervo Permanente
Documentos Manuscritos II, Arquivos Particulares,
Catálogos APEJE, Coleções, Comissão Estadual da Memória e Verdade.
10
Processamento é o termo utilizado para se referir a todo o processo correspondente a transcrição da oralidade
(ALBERTI, 2013).
32
No APEJE, a documentação acessada e coletada, o Jornal a Folha do Povo, faz parte
do Acervo Impresso. A Folha do Povo foi o jornal oficial do PCB em Recife-PE, circulou
entre 1935-1960. A condição da documentação não era das melhores. Muitas páginas estavam
rasgadas ou apagadas, dificultando a compreensão do conteúdo escrito.
Algumas matérias
estavam incompletas e devido à fragilidade das folhas houve a necessidade de ser
cuidadosa com o manuseio do material
muito
para evitar mais danificações. Esse material foi
coletado mediante fotografias retiradas com o aparelho celular, para depois serem analisadas
com mais atenção. O critério de seleção foi baseado nas discussões relacionadas à temática da
pesquisa. Digitalizou-se às matérias do ano de 1935,
1945, 1946, 1947 e 1948.
documentação foi transcrita e organizada em fichas documentais
11
Essa
separadas em 5 grupos
intitulados pelas categorias: 1. “Mulheres”; 2. “Conteúdos de Adalgisa”; 3. “C.M.P.D.”; 4.
“Ações do PCB”; 5. “Patrício Potiguar”. Elas constituem unidades de recorte e de contexto –
são a unidade de significação a codificar
considerar como unidade de base,
e corresponde aos segmentos de conteúdos a
“núcleos de sentido” que agregam outras unidades de
registros, ampliando, assim, o leque das variáveis inventariadas.
No primeiro documento, inserem-se todas as matérias que discutiam questões
femininas. No segundo, encontra-se tudo que tinha como destaque a militante comunista. O
terceiro contém as matérias que mencionam o Comitê de Mulheres Pró-Democracia (CMPD).
No quarto documento contém as matérias que destacam pronunciamentos e opiniões do PCB,
as quais se consideram relevantes à pesquisa. No quinto e último documento contém crônicas
selecionadas do escritor
Patrício Potiguar, pseudônimo de João Fagundes
de Menezes
(1918-2000), evidenciando as ações femininas. Ao todo, foram coletadas mais de 100
matérias. Não se pode deixar
de mencionar a existência de matérias incompletas,
faltando
pedaços de todos os anos, as edições de 1935 foram as de condições mais precárias.
Ainda no APEJE, acessou-se o acervo do Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS). As informações foram obtidas no prontuário individual
n° 5306, pertencente à
Adalgisa Cavalcanti. Nesses documentos, encontram-se inúmeros relatórios que confirmam o
envolvimento político de Adalgisa com o PCB. Do mesmo modo, exibem como os oficiais da
época a enxergavam,
tratando-a como perigosa e subversiva.
Permitindo compreender o
contexto histórico em que a personagem esteve inserida.
11
COSTA, Arrizete C. L. Ficha Documental - Série Didática: Fontes Documentais 1 – usos e produção. In. Blog
Clarabóias.
Maceió,
2022.
Disponível
em:
<https://claraboiasseculos20-21.blogspot.com/2022/07/serie-didatica-fontes-documentais-usos.html?zx=e8158c4
f68c65ad3> Acesso em: 25 de ago. de 2023.
33
No acervo da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE),
teve-se
contato com uma parte dos discursos e projetos de Adalgisa, configurando-se em evidências
que comprovam o seu envolvimento com o período em que atuou como deputada estadual de
Pernambuco e com quais
indivíduos, grupos sociais ela dialogava.
A documentação do
ALEPE foi acessada por meio da Internet, enviando-se uma solicitação para ter contato com o
material referente a Adalgisa R. Cavalcanti, os documentos foram encaminhados por e-mail.
No acervo do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), encontram-se os
relatórios referentes às eleições de 1945, as suplementares de 1946 e as de 1947, disponíveis
no site do órgão 12. Sendo essas as eleições que a Adalgisa participou como candidata. Esses
relatórios permitiram fazer um mapeamento de como se configuraram as eleições durante
esses anos, possibilitando acessar a quantidade de votos e colocações da candidata comunista,
como também, de outras mulheres concorrentes nas eleições naquele período.
Incluem-se também dois relatos de memória: Da coluna Prestes à queda de Arraes, de
Paulo Cavalcanti (1978) e Na Correnteza da Vida,
de Cândida Maranhão Otero (2003).
Ambas as pessoas conviveram com Adalgisa na militância comunista em Pernambuco. Esses
relatos memorialísticos são possuidores
de significados importantes, segundo Zélia de
Oliveira Gominho (2006), os depoimentos são experiências coletivas e individuais de uma
época.
No primeiro capítulo intitulado de “O PCB e as Mulheres”,
subdividido em quatro
subcapítulos, a discussão está voltada para reflexões que buscaram compreender a história do
PCB, sua relação com o público feminino e a cultura política deste partido,
atenção às atividades políticas desenvolvidas em Pernambuco.
dando uma
Diante da necessidade de
delinear por onde caminharemos com esta pesquisa, concerne diferenciar o ser feminista, do
ser uma mulher comunista atuante naquele período.
Encerro o capítulo com a realização de
uma análise da “questão feminina” presente no jornal
a Folha do Povo, permitindo refletir
sobre a participação das mulheres no PCB.
No capítulo seguinte, cujo título é “A política de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti: uma
história de luta e dedicação”, subdividido em seis subcapítulos. Exponho a etapa investigativa
a respeito da trajetória política de Adalgisa R. Cavalcanti, discorrendo sobre sua vida pessoal,
as motivações para adentrar na militância comunista,
12
sua atuação no Socorro Vermelho
Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Disponível em: <https://acervo.tre-pe.jus.br/index.php/eleicoes>.
Acesso em: 11 jul. de 2023.
34
Internacional, sua passagem pela ANL e seu envolvimento no Levante de 1935, resultando em
sua primeira prisão e monitoramento da DOPS. Passando pelas suas lutas contra o fascismo e
atuação no CMPD de Pernambuco.
O capítulo subsequente, intitulado de “‘Tudo o que se fizer em benefício do povo é
democracia’: o pioneirismo político de Adalgisa em Pernambuco”,
é composto por cinco
subcapítulos. A discussão é voltada para a redemocratização e organizações femininas em
Pernambuco; encaminhando-se para apontamentos direcionados a filiação oficial de Adalgisa
R. Cavalcanti ao PCB, eleições de 1945 e 1947; atuação como deputada, projetos e discursos;
e cassação do mandato político.
Na conclusão, avalio os resultados obtidos pela pesquisa enredando às informações
documentais/testemunhais com as informações historiográficas para a obtenção de uma
representação da
política comunista sob o prisma
da protagonista Adalgisa Rodrigues
Cavalcanti. Além disso, a contribuição da militância feminina partidária para a formação do
pensamento político e historiográfico brasileiro no século XX.
35
2. O PCB E AS MULHERES
“É preciso também dizer que nenhum dos homens que estiveram próximos de mim chegou a ter alguma
influência no sentido de dar direção às minhas tendências, lutas ou visão de mundo. Ao contrário, na maior
parte do tempo eu era o espírito que liderava.”
(Alexandra Kollontai, 2007)
Na história do PCB,
“que se dedicaram a mudar
observamos a presença significativa de mulheres e homens
o Brasil e a lutar,
dentro de suas possibilidades,
contra a
autocracia burguesa, as desigualdades sociais, o latifúndio e o imperialismo” (SECCO,
PERICÁS, 2022, p. 14). Compreender as ações do PCB para/com a “questão feminina” é
importante para este estudo, cujo objetivo é evidenciar a trajetória de uma mulher, militante
comunista e primeira deputada estadual de Pernambuco. Adalgisa R. C. dedicou boa parte de
sua vida ao PCB. O partido de Prestes e de Adalgisa, atuou ativamente na história política do
Brasil, inserido em acontecimentos como o Levante de 1935 e a redemocratização pós-Estado
Novo, reuniu milhares de militantes e incomodou seriamente a oposição detentora do poder
durante o século XX. Nas suas fileiras, não apenas figuras do sexo masculino se engajaram na
militância, mas também muitas personagens do sexo feminino, entre elas, Adalgisa R. C.
Considero os apontamentos exibidos neste capítulo como fundamentais para
compreender e localizar a trajetória política de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti.
Partirei da
seleção de uma bibliografia diversa para nortear o debate. A discussão inicial tratará de uma
exposição em torno da história do PCB. Em seguida, o diálogo será voltado para os aspectos
do PCB de Pernambuco. A partir desse ponto, é pertinente entender a inserção das mulheres
nesse partido, direcionando a um diálogo alusivo à relação das comunistas com as feministas
na primeira metade do século XX. Prosseguindo, através das análises decorrentes da “questão
feminina” na Folha do Povo,
jornal oficial do PCB em Recife-PE, encaminhando para as
reflexões acerca do envolvimento das
mulheres nesse partido político.
abertura fornecida pelo PCB a atuação das mulheres na política,
Identificando a
ação que possibilitou a
militância, candidatura e eleição de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti como deputada estadual
de Pernambuco em 1947.
36
2.1. O PCB: primeira metade do século XX
O PCB surgiu a partir do seu I congresso que aconteceu nos dias 25, 26 e 27 de março
de 1922 no Rio de Janeiro.
Segundo Lincoln Secco e Luiz Bernardo Pericás (2022),
é
mencionado na ata de fundação do PCB que concerne a uma “sociedade civil fundada como
‘Centro de Partido Comunista do Brasil,
mas que será chamado Partido Comunista,
Seção
Brasileira da Internacional Comunista’ (PC-SBIC)” (SECCO; PERICÁS, 2022, p. 13). A sua
criação contou com a
participação de nove delegados, a maioria ex-anarquistas. Os
fundadores foram: Abílio de Nequete, Astrojildo Pereira, Cristiano Cordeiro, Homogêneo
Silva, João da Costa Pimenta,
Joaquim Barbosa, José Elias da Silva, Luís Peres e Manuel
Cendón (CARONE, 1982).
Embora seja inegável a importância de figuras masculinas que exerceram papéis de
valor na política e, assim por dizer, na política comunista brasileira,
não posso deixar de
mencionar, até o ponto em que foi possível apurar, a formação do PCB aconteceu a partir da
iniciativa de um grupo de homens.
Segundo Silva (2020), não há nenhuma evidência que
comprove a presença de mulheres no Congresso de fundação do PCB e nem nos dois
congressos posteriores, o de 1925 e o de 1928/1929. Apesar de não serem encontrados nomes
femininos nas atas oficiais, não podemos ignorar a possibilidade de mulheres terem auxiliado
na organização dos congressos (SILVA, 2020).
Na dissertação de Maria Helena Bernardes (1995), é mencionado que, com base nos
apontamentos de Astrojildo Pereira,
Rosa Bittencourt, uma operária têxtil, foi à primeira
mulher a entrar no partido comunista,
pouco tempo após a fundação do PCB em 1922. Aos
sete anos, Rosa já trabalhava em uma fábrica de linhas na cidade de Petrópolis, um episódio
em sua trajetória chama a atenção:
aos doze anos,
foi vítima de “abusos” por
contramestre, indignada, o feriu com um rolo de ferro,
prestígio de suas companheiras de trabalho,
parte do
essa ação fez com que ganhasse o
ademais, confiança e coragem para protestar
quando fosse necessário (BERNARDES, 1995). Rosa Bittencourt participou de campanhas
realizadas pela classe operária brasileira, como, a reivindicação pela jornada de trabalho de
oito horas e pelo direito de férias (BERNARDES,
1995). Ainda de acordo com Bernardes
(1995), além de Rosa ser uma das vendedoras do jornal A Classe Operária, no ano de 1930,
representando as trabalhadoras, foi escolhida delegada no Congresso Mundial da Mulher na
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
37
O PCB foi
um partido exigente com seus filiados.
Todas/os as/os militantes que
decidiram dedicar-se ao partido comunista tiveram que se comprometer a viver apenas em
função do partido e pelo alcance da revolução socialista. Quando falamos em ser militante do
PCB, fica evidente a existência de um sentimento de identificação forte com o partido,
seja, qualquer outro tipo de identificação,
ou
pertencimento a algum outro grupo ficava em
segundo plano, a prioridade era sempre o Partido Comunista (ALVES, 2017). Segundo Jorge
Ferreira, [...] por mais que ele [ou ela] se esforçasse pela causa revolucionária,
um [uma]
militante do Partido Comunista estaria sempre em débito. Em qualquer situação, ele [ela] era
sempre um devedor pelo que recebeu (FERREIRA, 2002, p.41-42, grifo nosso).
Para as mulheres,
possivelmente, o peso de ser
uma militante comunista era bem
maior. Pois, além de ter que lidar com as tarefas do partido, ainda tinham as “obrigações” do
lar e os cuidados com os filhos,
tendo em vista que muitas eram casadas.
Esses aspectos
teriam relação com a cultura política do PCB.
No texto “A cultura política comunista:
alguns apontamentos” (2013), da autoria do
professor e historiador, Rodrigo Patto Sá Motta, é possível localizar características
importantes acerca do comunismo como cultura política. Como o próprio autor argumenta, os
estudos
em volta
desse
campo
possibilitam uma
abordagem fértil,
permitindo
desenvolvimentos de pesquisas importantes devido à influência exercida pelas esquerdas,
incitando a fabricação de pensamentos
e planos políticos, como também “inspirando a
produção cultural e as artes, quanto por seu impacto à direita, que encontrou na bandeira
anticomunista uma de suas principais motivações para ação” (PATTO, 2013, p. 15).
De acordo com Rodrigo Motta (2013),
o surgimento da categoria cultura política
comunista está relacionado às ciências sociais norte-americanas das décadas de 1950 e 1960,
contendo ligação com as teorias de desenvolvimento e modernização que circulavam naquela
época. O cenário da Guerra Fria proporcionou a circulação dessas ideias,
havendo como
suposta preocupação o fortalecimento do campo “democrático” que, naquele momento, estava
em disputa com o bloco socialista. O ocidente, principalmente os Estados Unidos da América
(EUA) se colocavam como democráticos,
sendo um exemplo a ser
nações. Desse modo, a motivação de muitos
seguido pelas outras
intelectuais era discutir o tema e buscar
compreender o surgimento dos sistemas políticos democráticos, tendo em vista a insuficiência
do entendimento de “homem político racional” encontrado nos
paradigmas iluministas.
Gabriel Almond e Sidney Verba organizaram uma tipologia das diferentes formas de cultura
38
política: cultura política paroquial, cultura política da sujeição e cultura política participativa.
Ainda de acordo com Motta (2013), a cultura política participativa seria o estágio superior, a
mais almejada entre os países que estavam buscando a democracia. Esse quadro teórico foi
severamente criticado devido à [...] proximidade ideológica com os preceitos da Guerra Fria e
pelo esquematismo da tipologia triádica proposta por
Almond e Verba,
além do mais,
comprometida por visão que hierarquizava as diferentes culturas políticas (MOTTA, 2013, p.
16).
O conceito de cultura política sofreu modificações por meio da historiografia com o
impacto da “virada culturalista”. Os historiadores franceses, Jean-François Sirinelli e Serge
Bernstein foram os
responsáveis por essa nova apropriação que excluiu elementos
funcionalistas e etnocêntricos encontrados na primeira formulação. Embora o uso da categoria
cultura política pelas/os historiadoras/es seja diferente dos cientistas sociais, ambas/os partem
da mesma inspiração teórica,
“de que a cultura - em sentido antropológico - influencia as
decisões e ações políticas” (MOTTA, 2013, p. 17). Portanto, a partir da perspectiva
culturalista, o conceito de cultura política fica subentendido que os seres humanos são
motivados pelas paixões e sentimentos,
como o ódio, medo e esperança (MOTTA, 2013).
Considerando os últimos apontamentos,
partimos do entendimento de que o conceito de
cultura política é polissêmico, podendo ser compreendido como:
[...] conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por
determinado grupo humano, expressando identidade coletiva e fornecendo leituras
comuns do passado, assim como inspiração para projetos políticos direcionados ao
futuro (MOTTA, 2013, p. 17-18).
Continuando com os apontamentos levantados por Rodrigo Motta (2013),
o uso da
cultura política como categoria de análise em pesquisas sobre o comunismo, permite entender
a duração da existência do comunismo e também suas influências que ultrapassam os limites
das estruturas partidárias. Além disso, pensar o comunismo como cultura política,
concede
uma percepção mais valiosa das motivações para o engajamento “que não se restringiram a
identidade ideológica ou a defesa de interesses de classe” (MOTTA,
2013, p. 18). Ainda
podemos acrescentar que este aporte teórico ajuda a explicar “os mecanismos de
popularização do projeto comunista,
que passaram, entre outros caminhos, pela via da
manipulação de imagens e sentimentos” (MOTTA, 2013, p. 18).
39
A cultura política também está relacionada à memória. Os relatos de mulheres, como
Zuleika Alambert (1922-2012), Amélia de A, Teles (1944-) e Adalgisa R.
Cavalcanti
(1905-1997), evidenciam aspectos sobre a participação das mulheres no PCB compartilhando
uma cultura política. Ademais, pode-se assim dizer
codificadas e transmitidas pela memória (DUTRA,
que cada ser
é único e individual,
que essas culturas políticas são
2002). Além disso, precisamos entender
as experiências de vida são apreendidas de maneiras
diferentes. Um relato memorialístico não deve ser tomado como uma verdade e incontestável,
da mesma forma que um relato diferente não deve ser ignorado. Em entrevista concedida à
Fundação Joaquim Nabuco em 1982, Adalgisa demonstrou ser uma mulher apaixonada pelo
PCB, diferente de outras ex-militantes que saíram revoltadas do partido.
Outro fator relevante da cultura política comunista é entender
que embora o PCB
integrasse um movimento internacional, com características, valores e normas semelhantes,
em todos os lugares de efervescência comunista, cada organização, partido, deparou-se com
as influências das práticas políticas de seu próprio país (MOTTA, 2013). Não foi diferente no
Brasil, entre os traços da cultura brasileira que podemos destacar na política, temos a temática
da conciliação e
da flexibilidade. Em muitos momentos os comunistas precisaram ser
flexíveis em meio às negociações e alianças que por um lado foram favoráveis para o partido
e, por outro, prejudiciais à sua imagem (MOTTA, 2013). Ademais,
Os comunistas se aliaram a muitos líderes burgueses,
capitalistas, oportunistas,
demagogos e até conservadores - inclusive alguns dedicados anticomunistas -, e
estes conchavos custaram ao partido perda de prestígio e arranhões graves em sua
imagem, ao ponto de comprometer sua identidade própria diante da população. Mas
vale destacar que eles fizeram tais alianças porque havia parceiros disponíveis; em
outros países, os comunistas não teriam essa escolha, pois os costumes políticos em
vigor excluíram acomodações semelhantes (MOTTA, 2013, p. 31).
Outro traço a ser
evidenciado seria o personalismo,
pessoais associadas às instituições.
imagem de um líder
a predominância das relações
A personificação na política brasileira é algo forte,
a
chama mais a atenção do que os projetos políticos ou as instituições
interpessoais. Não foi diferente com o PCB, ganhando mais destaque com a população através
da figura carismática de Luiz Carlos Prestes (MOTTA, 2013). Como afirmado,
40
O PCB tornou-se força política relevante com base no mito prestista, que apelava
muito ao “coração” das pessoas ao mobilizar imagens sedutoras: o mártir, o homem
abnegado, o militar-revolucionário impoluto, o cavaleiro da esperança. O mito de
Prestes foi utilizado com eficácia pelo partido, que se aproveitou dele para crescer
além das suas possibilidades. Porém, paradoxalmente, o prestismo aprisionou o
comunismo brasileiro, tornando-se problema e ameaça para a organização partidária,
o que terminou no rompimento dramático de 1980 (MOTTA, 2013, p. 31-32).
Essas questões abordadas são importantes para compreender as dimensões políticas
nas quais o PCB circulava e enfrentava. Sendo oportuno frisar aspectos que caracterizam sua
cultura política, possibilitando a apreensão do cenário partidário que a Adalgisa R.
inseriu voluntariamente, subsidiada por suas próprias convicções,
C. se
que foram formuladas
através de suas experiências individuais e diálogos plurais entre a classe trabalhadora.
Dando continuidade aos aspectos da cultura comunista,
ex-secretário Geral do PCB, que sucedeu a Luiz Carlos
Giocondo Dias, militante e
Prestes, em uma tentativa de
identificar as possíveis motivações que faziam com que uma pessoa se dedicasse à militância
comunista, afirmou a existência de três caminhos básicos, são eles: o estômago, a cabeça e/ou
pelo coração (FERREIRA, 2002). De acordo com Jorge Ferreira (2002),
essas motivações
que partem do coração, estômago e cérebro, são frequentemente evidenciadas nos relatos de
memória dos militantes, não se tratando de uma interpretação equivocada dos comunistas,
tentam explicar reforçando os anseios, desejos, e impulsos direcionados para militância
comunista (FERREIRA, 2002). Para Rodrigo Motta (2013),
essa expressão metafórica,
tratava-se de fontes sensibilizadoras e motivadoras que correspondiam a órgãos do corpo
humano. O cérebro estaria relacionado às pessoas que entraram na militância por meio da
argumentação teórica e filosófica marxista.
O estômago seria aquele que devido à falta de
bens materiais, pobreza, encontrava no partido a esperança de ter
uma vida melhor. Já o
Coração, faria parte aquelas/es que foram conquistadas/os pela sensibilidade, influência dos
sentimentos, do imaginário, da identidade e dos valores culturais. Como também,
identificação com as figuras de Luiz Carlos Prestes,
a
a de Stalin, da União Soviética, pela
proximidade com parentes comunistas, e/ou seduzidos por fazerem a leitura de algum
romance proletário, ou social (MOTTA, 2013).
Diante dessas colocações, podemos afirmar que a Adalgisa foi
coração, considerando suas afirmações na entrevista de 1982,
Máximo Gorki e Os Dez Dias que Abalaram o Mundo,
convencida pelo
a leitura das obras A Mãe, de
de John Reed. Além desses dois
livros, Adalgisa menciona a influência do fenômeno da Coluna Prestes,
baseando-se nas
41
informações que recebeu de Agostinho Dias de Oliveira e de outros ferroviários 13. Segundo o
historiador Jorge Ferreira (2002), uma/um militante comunista encontrava dificuldade para
definir exatamente os motivos da dedicação total e exclusiva ao PCB. Para ele, “o partido era
“vivido” entre os adeptos não apenas como uma organização política, comunitária e familiar,
mas, sobretudo, como uma entidade mítica” (FERREIRA, 2002, p. 44). Os devotos ao Partido
Comunista acreditavam que não eram todas as pessoas qualificadas a ingressarem na vida
política comunista. Ficando compreendido que o “ser
comunista” tinha como objetivo
abandonar para todo o sempre uma vida incerta, sem significados. Dever-se-ia buscar o seu
próprio domínio e, assim, libertar todos os povos da opressão econômica, política e da miséria
(FERREIRA, 2002).
No grupo de militantes comunistas era preciso ter
expressões utilizadas na comunicação entre
domínio de palavras, termos e
os integrantes. Um exemplo é
termo/nome “trotskista”, sendo considerado algo ofensivo,
podendo ser
o uso do
equivalente a
“contrarrevolucionário ou nazista” (FERREIRA, 2002). A utilização desse termo/nome nesse
sentido está relacionada aos
conflitos vivenciados entre Leon Trotsky e o Josef
Stálin.
Segundo Sheila Fitzpatrick, na Revolução Russa de 1917, o nome de maior destaque era o do
intelectual revolucionário Vladimir Ilyich Ulianov (Lenin). No início da década de 1920,
Lênin afastou-se do comando ativo devido a problemas de saúde. Ao analisar as qualidades de
vários líderes partidários buscando um possível
Testamento de dezembro de 1922,
capacitados para prosseguir
nome para a sucessão,
incluiu o Stálin e o Trotsky,
com a revolução (FITZPATRICK,
no então chamado
os quais consideravam
2017). Depois desaprovou
totalmente o Stálin, afirmando que:
[...] ele acumulara poderes enormes como secretário-geral do partido, mas talvez não
usasse sempre esses poderes com cautela suficiente. Uma semana mais tarde, depois
de um entrevero entre Stálin e a mulher de Lênin,
Nadejda Krúpskaia, acerca do
governo do enfermo Lênin, este acrescentou um pós-escrito ao Testamento dizendo
que Stálin era “rude demais” e devia ser afastado de sua posição como
secretário-geral (FITZPATRICK, 2017, p. 180).
Lênin, até o final de sua vida, foi reconhecido como líder do Partido Comunista pelos
bolcheviques, embora formalmente não houvesse um líder
13
As motivações que levaram Adalgisa a fazer
capítulo.
no partido, os comunistas se
parte da militância comunista serão abordadas no próximo
42
sentiam ofendidos em pensar na necessidade de um. Em meio aos conflitos políticos internos,
os companheiros de partido censuravam o Lênin por
“embora Lênin geralmente insistisse em impor
conceber sua autoridade pessoal e,
suas visões, ele não exigia adulação ou
manifestações especiais de respeito” (FITZPATRICK,
2017, p. 178). O partido não ter
formalmente um líder, mesmo que o Lênin fosse à figura de maior destaque, permite pensar
nas diferenças entre os revolucionários russos e os grupos políticos de extrema-direita,
liderados por figuras como Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha. Subentendendo como
uma característica forte que separa essas organizações de ideais diferentes. Essa característica,
também, é direcionada as reflexões sobre organizações femininas, como o Comitê de
Mulheres Pró-Democracia que circulou em Pernambuco na década de 1940 e 1950.
Na
entrevista que a Adalgisa concedeu à FUNDAJ em 1982,
ela fala sobre as lideranças nos
comitês femininos. Afirmando a inexistência de uma líder,
todas eram vistas de forma
igualitária, só apenas em situações específicas de ideias colocadas por uma única pessoa, ela
passava a “liderar” a ação, constituindo, assim, um funcionamento democrático.
Em relação ao legado político do Lênin, pode-se afirmar a existência do pensamento
de dois grupos de historiadoras/es,
um que compreende o Stálin como o legítimo herdeiro
para prosseguir com a revolução e o outro grupo que classificam o Stálin como um traidor da
revolução do Lênin (FITZPATRICK, 2017). Trotsky (1980) 14 não acreditava que o sucessor
do Lênin tivesse elaborado um plano estratégico para atingir esse objetivo,
para ele, quem
escolheu o Stálin para ocupar a posição de destaque no partido foi a burocracia. Essa, segundo
Leon Trotsky (1980), não teria vencido apenas a oposição de esquerda,
partido bolchevique, venceu o programa de Lênin,
mas também “o
que apontava como perigo principal
a
transformação dos órgãos do Estado ‘de servidores da sociedade em senhores
da
sociedade’”15. O Josef Stálin, sujeito possuidor de todas as características favoráveis para
ocupar esse papel, tinha o prestígio de um bolchevique e diante da sua influência pessoal era
ligado às repartições públicas 16. No entanto, a atitude do Stálin ao assumir uma posição de
14
TROTSKY, Leon. O termidor Soviético. In. A Revolução Traída. Transcrição de: Alexandre Linares. Brasil:
Global Editora, 1980.
Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/revolucaotraida/cap05.htm> Acesso em: 21
de out. de 2023.
15
Fonte: TROTSKY, Leon. O termidor Soviético. In. A Revolução Traída. Transcrição de: Alexandre Linares.
Brasil: Global Editora, 1980.
Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/revolucaotraida/cap05.htm>
Acesso em: 21 de out. de 2023.
16
Fonte: TROTSKY, Leon. O termidor Soviético. In. A Revolução Traída. Transcrição de: Alexandre Linares.
Brasil: Global Editora, 1980.
Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/revolucaotraida/cap05.htm> Acesso em: 21
de out. de 2023.
43
destaque no Partido Comunista foi totalmente diferente do Lênin. Mesmo que ele utilizasse o
nome do revolucionário já falecido para se promover.
Também na esfera política houve mudanças,
embora de um tipo mais
sutil e
acessório. O culto a Stálin começou para valer no final de 1929 com a celebração de
seu quinquagésimo aniversário. Em conferências partidárias e outros grandes
encontros, tornou-se habitual os comunistas saudarem a entrada de Stálin com um
aplauso caloroso. Mas Stálin, atento ao exemplo de Lênin, parecia desaprovar esse
entusiasmo; e sua posição como secretário-geral do partido permaneceu
formalmente inalterada (FITZPATRICK, 2017, p. 241).
A historiadora Sheila Fitzpatrick (2017),
revolução russa para a pós-revolução,
“revolução traída” e “o terror”.
ao analisar os aspectos da transição da
classifica-os em três tipos:
“revolução concluída”,
Esses aspectos se configuram no governo do Stalin.
Na
primeira - embora com os avanços - a maioria dos atos foram negativos, com perseguições e a
coletivização. A segunda estaria relacionada aos retrocessos, direitos como a legalização do
aborto, o divórcio e o apoio às mulheres no mercado de trabalho; em 1930, questões como a
maternidade e a positividade da vida familiar
voltaram a ser pregadas, tudo isso, segundo
Fitzpatrick, pode ser entendido como uma atitude reacionária, ela ainda acrescenta que quase
quatro milhões de mulheres, entre os anos 1929 e 1935, pela primeira vez, passaram a exercer
empregos remunerados, possibilitando compreender que, “[...] um patamar
básico da
emancipação original das mulheres estava definitivamente estabelecido. Ao mesmo tempo, a
nova ênfase em valores familiares às vezes parecia contradizer a velha mensagem de
emancipação” (FITZPATRICK, 2017, p. 263). A terceira, “o terror”, estaria relacionada as
mortes dos supostos inimigos da revolução.
Observa-se a pregação em torno da família e da maternidade em matérias publicadas
no jornal a Folha do Povo, o jornal oficial do PCB em Pernambuco, entre essas matérias tem:
Vida Sindical: Proteção à Maternidade, publicado em 29 de novembro de 1945, e A família
na União Soviética, publicado em 10 de novembro de 1946 17. O terceiro aspecto “o terror”,
Stálin para permanecer no poder recorreu a métodos violentos,
assassinou muitos de seus
adversários políticos e tantos outros inimigos, inclusive o escritor Máximo Gorki (1868-1936)
foi assassinado em seu governo.
identificação de
17
Utilizava como justificativa para seus
atos a suposta
conspiradores, seguindo ordens de agências de inteligência estrangeira
Adiante essas questões e matérias serão analisadas mais a fundo.
44
(alemã, japonesa, britânica, polonesa e francesa) que tinha como objetivo invadir a URSS,
derrubar o governo comunista e instalar
o capitalismo. Para isso, Stálin utilizava a figura,
possivelmente, de seu maior adversário, a do revolucionário León Trotsky que
“supostamente um agente da Gestapo e também (desde 1926)
seria
do Serviço de Inteligência
Britânico, que atuava como intermediário entre potências estrangeiras e sua rede conspiratória
na União Soviética”
(FITZPATRICK, 2017, p. 270). León Trotsky é considerado um
intelectual e crítico do governo stalinista da Rússia 18.
Voltando aos aspectos direcionados e encontrados no PCB,
nome de comunista,
para receber o digno
o partido exigia qualidades tidas como virtuosas e indispensáveis a
todas/os aquelas/es dedicados à militância comunista,
como “inteligente, virtuoso, humano,
judicioso, compreensivo, solidário, constante nas emoções e criador da vida e da alegria, eis
as exigências para alguém receber o digno nome de comunista” (FERREIRA, 2002, p. 78).
No livro Prisioneiros do Mito (2002), de autoria do historiador Jorge Ferreira, observa-se que
além da solidariedade e discrição, exigia-se dos militantes ser um bom marido, pai e filho. Do
mesmo modo, é frisada a necessidade de se ter domínio teórico e político. No entanto, a única
obra de Karl Marx conhecida e, por sua vez, muito mal discutida entre os militantes, tendo em
vista não ser exigido a leitura na íntegra, era O Manifesto do Partido Comunista. As ideias de
Marx, principalmente a dessa obra, circulavam através da oralidade, sendo tidas como uma
verdade esclarecedora (FERREIRA, 2002). Embora seja de conhecimento a importância e
influência exercida por Lênin, devido ao peso de sua atuação na Rússia Revolucionária de
1917, os militantes do PCB também não tinham domínio das obras do Lênin, os fundamentos
do partido eram apreendidos, muitas vezes, através das conclusões encontradas nos manuais,
como a História do Partido Comunista (Bolchevique) da U.R.S.S. (FERREIRA, 2002). Luís
Carlos Prestes, enquanto dirigente do partido, demonstrou preocupação com o “baixo nível
ideológico” e despreparo político do proletariado no Brasil (FERREIRA, 2002).
18
Segundo Isaac Deutscher (1970), antes de se tornar um revolucionário, adorava matemática e não tinha
interesse por política, muito menos pelas ideias socialistas, considerado um homem arrogante. Foi a partir do
contato com indivíduos preocupados com as questões sociais, pobreza que passou a aderir os ideais da esquerda.
Pertencia a uma família abastada, recusou-se a ser sustentado pelo pai que reprovava suas ligações
revolucionárias. Apesar de suas peculiaridades, era um homem educado e respeitoso com as mulheres. Durante
sua primeira prisão, que ocorreu em 1898 devido ao envolvimento com mobilizações contra o czar,
mesmo
diante de suas péssimas condições na prisão, recusava-se a deixar mulheres lavarem suas roupas, para ele, essa
atitude coincidia com comportamentos burgueses.
Trotsky teve uma atuação importante durante o período
revolucionário russo, demonstrou ser um habilidoso general. Ainda de acordo com Deutscher (1970), biógrafo de
Trotsky, o revolucionário sabia utilizar a linguagem de uma maneira que atingia coerentemente,
tanto os
acadêmicos como os camponeses e cada classe da sociedade. Sendo esse um fator de destaque. Isso explica o
quão perigoso ele aparentava ser para as intenções de Stálin. Trotsky foi assassinado em 21 de agosto de 1940,
no México.
45
Considera-se que as dificuldades encontradas por muitas/os militantes em relação às
leituras fundamentais tenham a ver
com a desvalorização dos intelectuais no governo do
Stálin, impossibilitando uma exigência mais rigorosa. Inclusive, os intelectuais, logo no início
de 1930, foram distanciados do Comitê Central. O distanciamento entre os comunistas e os
intelectuais foi intensificado pelos conflitos entre Stálin e Trotsky,
essas duas figuras,
os intelectuais se pronunciaram a favor
na luta vivenciada por
de Trotsky, líder da oposição
bolchevista (FERREIRA, 2002). Deste modo,
As relações tensas e conflituosas entre artistas e escritores e os comunistas não
foram uma peculiaridade do PCB,
mas, sim, uma tradição arraigada na cultura
bolchevista. Entre os revolucionários, o intelectual poderia ser elogiado e defendido
em um momento para ser hostilizado e execrado em outro (FERREIRA, 2002, p.
187).
No Brasil, os intelectuais passaram a aderir
ao PCB após 1945,
no período de
redemocratização pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) devido à atuação de destaque da
URSS e pela desaprovação do fascismo e nazismo.
Também se deve ponderar a realidade
social do Brasil. Adalgisa R. C. comenta a dificuldade enfrentada para se apropriar
teoricamente do básico exigido.
Para ela, uma mulher com pouco estudo formal
formação acadêmica, precisou se dedicar
e sem
bastante para conseguir atingir o conhecimento
básico, possivelmente, a sua curiosidade e gosto pela leitura foi um fator positivo. Todos os
esforços dedicados à causa comunista,
ao conseguir ser inserida/o na militância, não quer
dizer que a partir daí venha apenas coisas boas. Havia uma dificuldade imensa ao se declarar
como membro do PCB, pois com “as perseguições policiais e judiciárias, o militante sofria o
estigma de um conjunto de referências que o enquadraram na imagem do mal
(FERREIRA, 2002, p. 72). A Adalgisa em muitos
absoluto.”
momentos lidou com perseguições,
monitoramentos e prisões. É possível localizar um material detalhado na documentação do
DOPS, sendo o prontuário n.º
5306 pertencente
a ela, considerada uma das
ameaças
vermelhas.
O dirigente de base era o responsável
comunista. Esse cargo, dentro do PCB,
por recrutar os operários para a militância
era considerado o mais difícil
responsabilidades, era necessário ter uma excelente oratória.
denunciando a exploração, em meio
devido todas as
Ao se pronunciar nas fábricas,
ao discurso não se devia mencionar a palavra
46
comunismo, além de lidar com tantas outras exigências, como na formação, sendo obrigatório
estudar os fundamentos do marxismo-leninismo (FERREIRA, 2002).
Na cultura formal que o partido disseminava entre os militantes nos anos 30,
o
marxismo-leninismo, os cursos não adotavam como método pedagógico discussões
políticas, teóricas ou filosóficas, incentivando os militantes a refletirem e a
especularem sobre sua própria prática revolucionária. O objetivo era o de formar
quadros com noções básicas de “economia política”; fornecer a eles algumas
certezas fundamentais, particularmente mitos revolucionários que narravam a missão
histórica do proletariado, com a leitura do Manifesto, e a crise avançada e
irreversível do capitalismo, com as análises de Lênin sobre o imperialismo; e,
finalmente, instruí-los a demonstrarem, com argumentos convincentes, o processo
grandioso da construção do socialismo na União Soviética e sua superioridade sobre
os países capitalistas, com os textos stalinistas (FERREIRA, 2002, p. 102).
Segundo Jorge Ferreira (2002),
após a fracassada tentativa do levante de 1935,
foi
impossibilitada a circulação de obras revolucionárias e também impediu a organização dos
cursos. As ideias impressas do PCB somente voltaram a se movimentar
em 1945 com a
legalização do partido.
Entre as regras impostas aos revolucionários comunistas, podemos mencionar a de que
a maior demonstração de afeto, o amor verdadeiro, deveria ser dedicada apenas ao partido e a
classe que o militante fazia parte.
Além disso, a consciência política não era vista como o
suficiente para a transformação da sociedade. A conduta moral também se caracterizava como
um fator fundamental, “ser comunista, portanto, era manifestar, no plano das ideias e da
prática cotidiana, uma superioridade intelectual e, acima de tudo, moral sobre o restante da
sociedade” (FERREIRA, 2002, p. 125). As/os militantes deveriam sempre evidenciar
elevação da moral
comunista diante das atitudes burguesas não recomendadas.
comportamentos deprimentes incompatíveis com os
a
Entre os
princípios comunistas, estavam: o
alcoolismo, jogos de aposta e a prostituição. No entanto, o jogador, o alcoólatra e a prostituta
eram vistas como vítimas da “decadência ética do capitalismo e da degradação dos costumes
da burguesia” (FERREIRA, 2002, p. 127). Em relação à homossexualidade, naquela época, o
PCB era
menos compreensivo e
intolerante. Para os comunistas, a explicação não se
encontrava na base dos fundamentos econômicos e sociais, a causa, em seu entendimento, era
de ordem patológica (FERREIRA, 2002).
47
O governo stalinista chegou ao fim com a morte do líder. Logo em seguida, Kruschev
denunciou os crimes realizados por Stálin,
surpreendendo seus seguidores fiéis. De todas as
acusações, 80% correspondiam às que foram feitas anteriormente pelos Trotskistas.
Depois
disso, o Partido Comunista não foi mais o mesmo “ser comunista não era mais ser stalinista;
revolucionar também significava reformar.” (FERREIRA, 2002, p. 302).
Neste subcapítulo, embora a maioria dos nomes citados corresponda a de figuras
masculinas, acredito na relevância de pesquisas
cujo interesse é discutir
a atuação das
mulheres na política comunista. Nas próximas páginas, aparecerão mais nomes de mulheres,
nas quais discutirei a atuação dessas figuras femininas.
Porém, antes disso, evidenciarei a
atuação do PCB, mais especificamente, em Pernambuco.
2.2. O PCB em Pernambuco
Em Pernambuco, a influência eleitoral do PCB se concentrava no Recife e em suas
redondezas, nas cidades maiores. “A política nesta região funcionava dentro do padrão
tradicional do clientelismo, numa transferência quase direta da troca de favores entre o eleitor,
o chefe local e o poder estadual” (PANDOLFI, 1986, p. 101). Portanto, o sertão e o agreste
eram as regiões pernambucanas na qual o PCB tinha menos popularidade. Nesses locais mais
afastados da capital, principalmente em zonas
rurais, o imaginário anticomunista
predominava, assustando as pessoas que mantinham-se distantes das ideias do partido. O alto
índice de analfabetismo foi
um fator que contribuiu com o desconhecimento.
Tendo o
imaginário anticomunista se consolidado por meio de histórias transmitidas pela oralidade,
por exemplo, contavam os mais velhos, quando indagados sobre o que era um comunista, que
se tratava de uma criatura horrível que comia crianças e matava os idosos 19.
Entre os ex-anarquistas empenhados na criação do PCB, temos a figura de Cristiano
Cordeiro que representou o grupo comunista do Recife.
Cristiano Cordeiro, um dos
Segundo Paulo Cavalcanti (1986),
nomes que exerceu grande influência no proletariado
pernambucano, considerado a “figura central
e um dos expoentes desta nova corrente em
Pernambuco” (MENDONÇA, 2016, p. 163). Através de sua atuação no PCB,
19
Cristiano
Histórias como essa são encontradas em relatos de memórias, inclusive, Adalgisa fala sobre isso na entrevista
de 1982, como também esses relatos aparecem nas histórias que minha bisavó contava.
48
tornou-se um fenômeno, tanto que a escritora Rachel de Queiroz referiu-se a ele como “A
lenda do nordeste”20. Cristiano Cordeiro,
[...] foi um dos principais articuladores do estado de Pernambuco, chegando a
conspirar com tenentes em 1926. Segundo José Elias da Silva, em Pernambuco, não
existia o comunismo, e sim, o cristianismo (relativo a Cristiano Cordeiro). Ele tinha
formação em Direito, tendo sido aluno de Joaquim Pimenta,
um dos grandes
articuladores da proposta socialista Clarté, em Pernambuco. No mesmo grupo de
Cristiano Cordeiro, está Manoel de Souza Barros, jornalista e comerciário,
participou de muitas das agitações do período, sendo, inclusive, preso, em 1925, por
um artigo que escreveu em A Classe Operária,
onde questionava a situação dos
trabalhadores pernambucanos (MENDONÇA, 2016, p. 158).
Na década de 1930, Cristiano integrou a chapa “Trabalhador, ocupa teu Posto!”. Essa
chapa foi criada com a
intenção de representar a classe trabalhadora do estado de
Pernambuco, no planejamento “de governo do partido que representavam eram abordados os
mais diversos problemas que atingiam principalmente a classe trabalhadora,
família, o negro,
o indígena,
a mulher, a
etc.” (ARAÚJO, 2011, p. 1006). Cristiano Cordeiro se
candidatou primeiro como deputado federal, mas não chegou a ocupar o cargo político. Em
seguida, ainda na década de 1930,
mais especificamente em 1936,
pela mesma chapa
“Trabalhador, ocupa teu posto!”, candidatou-se como vereador do Recife, dessa vez sendo
eleito e empossado no dia 15 de agosto do mesmo ano,
no entanto, não só ele, como os
demais comunistas, perderam seus mandatos devido à instalação da ditadura do Estado Novo
de Getúlio Vargas
(ARAÚJO, 2011). Desta forma, todas/os as/os militantes comunistas
passaram a ser perseguidos.
Além de Cristiano, em Pernambuco tem a figura de Rodolfo Coutinho,
seu primo.
Ambos pertencentes à família abastada de Nazaré da Mata e empenhados nos centros de
estudos marxistas, inclusive, fundaram o
primeiro centro de estudos marxista em
Pernambuco. O que diferencia essas duas personalidades,
embora a educação tivesse sido a
mesma, são as conclusões em relação ao destino da revolução,
Cristiano “[...] fundamenta
suas análises muito no espaço da cidade, sem levantar questões a respeito dos trabalhadores
rurais” (MENDONÇA, 2016, p. 169), já Rodolfo “[...] vislumbra no campo a melhor saída
para um processo revolucionário” (MENDONÇA, 2016, p. 170). Além disso,
20
CAVALCANTI, Paulo. Da coluna Prestes à queda de Arraes. Recife: Editora Guararapes, 1978.
49
Rodolfo Coutinho insistia muito no conhecimento do marxismo pelos intelectuais
como ponto de partida para uma série de mudanças.
Por esse mesmo motivo foi
incumbido pelo partido a viajar à Rússia, de onde fazia remessa diária do PRAVDA,
além de aproximar seus conhecimentos sobre a questão agrária na Rússia para a
realidade de Pernambuco. Assim como compreendia ser fundamental abrir escolas
que destinassem aos trabalhadores e seus filhos uma educação verdadeiramente
revolucionária, entendia que sua tarefa era a de também instruir-se para depois voltar
à ação (MENDONÇA, 2016, p. 170).
Rodolfo Coutinho realizou viagens
relativos à questão agrária na Rússia,
com intuito de aprofundar
os conhecimentos
visando adaptar o modelo à situação do estado de
Pernambuco. Em 1928, ele rompeu com o PCB e dedicou-se aos estudos sobre o trotskismo.
Nas duas análises relacionadas à Revolução,
a de Cristiano Cordeiro e Rodolfo Coutinho, o
elemento mais forte consiste no entendimento e valorização da educação como um fator
fundamental para a libertação do operariado (MENDONÇA, 2016). Deste modo, consideram
que não basta apenas um engajamento político vazio no sentido de não terem conhecimento
suficiente a respeito do marxismo. A apropriação teórica é um fator fundamental para a ação
revolucionária. Considerava-se o proletariado de Pernambuco o mais organizado do Brasil
(MENDONÇA, 2016). Ainda na década de 1920, Cristiano Cordeiro entendia que,
[...] A resistência a aceitar o socialismo reformista, a persistência em apontar suas
limitações, não impediram Cordeiro de participar muitas vezes de coalizações de
classe. Aliás, essa foi uma diferenciação para com os outros estados do Brasil.
Enquanto eles focaram basicamente na atividade revolucionária pautada nos
sindicatos, embora a força não fosse tão grande, em Pernambuco, não se desperdiçou
a oportunidade de fazer aliança com a pequena burguesia. Desde a década de 1920, e
mesmo no episódio de 1930, conspirou com os tenentes (MENDONÇA, 2016, p.
168-169).
Não é por acaso que muitos dos adeptos às ideias revolucionárias do PCB pertenciam
a grupos variados, não se restringindo apenas a classe operária ou a população mais pobre.
Essa observação no posicionamento de Cristiano Cordeiro tem uma relação direta com sua
origem privilegiada. A organização do PCB em cada estado ou região se configurava da
seguinte maneira:
As células de cada região ou estado eram ajustadas por um secretariado geral que
centralizaria todo o trabalho. No Recife, Cristiano Cordeiro esteve todo tempo à
frente desta centralização, ele conta que por falta de sede, muitas vezes os
companheiros se reuniam nos sindicatos. “O PCB tinha comitês formados no Recife,
em João Pessoa, em Maceió e em Natal. Como não era um partido legalizado (...)
50
seus militantes geralmente se reuniam em sindicatos”. Mesmo com influência sobre
outras localidades do Nordeste, tudo leva a crer que, dentro dessa região, a atividade
ficou centralizada em Recife (MENDONÇA, 2016, p. 172).
Além das figuras já mencionadas, outro nome masculino de destaque no PC de
Pernambuco foi Gregório Bezerra (1900-1983). De origem humilde, analfabeto até os 25
anos, Gregório passou a se interessar pelas lutas de classe através de sua própria experiência
no mundo, com o sofrimento e
a exploração. Entrou para o exército,
local onde foi
alfabetizado. Em 1930 teve contato com as ideias do PCB por meio da leitura dos jornais A
Nação e A Classe Operária 21. Fez parte do grupo de aliancistas, participando do Levante de
1935, por causa desse envolvimento ficou preso por dez anos,
ao conseguir a liberdade em
1945, candidatou-se, sendo eleito como deputado federal. “Teve cassado seu mandato com
nova prisão em 1947.
Foi solto, seguiu para a clandestinidade pelos diversos estados da
federação, participando de lutas camponesas pela reforma agrária e nos comitês pela paz
mundial”22. No período da ditadura de 1964, foi humilhado e torturado.
De toda a história do PCB-PE, as figuras mais lembradas e conhecidas são Cristiano
Cordeiro e Gregório Bezerra. Isso não significa que somente esses dois atuaram bravamente,
outras e outros também doaram suas vidas à causa revolucionária.
Nos próximos capítulos,
além de Adalgisa, pretende-se analisar, embora resumidamente, outras atuações femininas.
Muitos dos intelectuais pernambucanos ligados ao PCB tinham formação bacharelesca
em Direito, como Cristiano Cordeiro.
No Recife, por exemplo, o Direito foi esta forma de encontrar uma solução para os
problemas sociais. Nem sempre de caráter progressista, porém, com grande
influência até na organização de movimentos mais populares, uma prova disto é o
Partido Comunista de Pernambuco. Não é por simples coincidência que surge a
partir do núcleo fundado por ex-alunos dessa instituição (MENDONÇA,
2016, p.
36).
Por este motivo, a Faculdade de Direito do Recife é um símbolo significativo das
mobilizações comunistas em Pernambuco. A figura 1 mostra a instituição em períodos
aproximados. Não posso deixar de pontuar que a Faculdade de Direito era tida como um
21
Gregório Bezerra: uma entrevista histórica. In: Jacavacando. 07 de abril de 2010. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=xDhwI9cUfYw> Acesso em 12 de fev. de 2024.
22
118 anos de Gregório Bezerra, o homem “feito de ferro e flor”. In: Partido Comunista Brasileiro. 13 de março
de 2018. Disponível em: <https://pcb.org.br/portal2/19020> Acesso em: 12 de fev. de 2024.
51
espaço que acolhia tendências das camadas sociais do Brasil
ministrou palestras nesta Faculdade,
ou de fora do país. Adalgisa
infelizmente, não se teve acesso ao material
dessas
palestras.
Figura 1. Faculdade de Direito do Recife.23
Figura 2. Praça 13 de maio.24
Muitas das mobilizações e comícios organizados pelo PCB-PE ocorreram na Praça 13
de Maio, naquele momento, décadas de 1930 e 1940, conhecido e referido pelos comunistas
23
24
Fonte: Coleção Francisco Rodrigues. Autoria: José de Paiva Crespo. Acervo Fundação Joaquim Nabuco/MEC.
Fonte: Coleção Francisco Rodrigues. Autoria: José de Paiva Crespo. Acervo Fundação Joaquim Nabuco/MEC.
52
como Parque 13 de Maio. Atualmente, essa praça ainda existe em Recife. A figura 2 mostra
como era a Praça 13 de Maio em períodos próximos.
As imagens 1 e 2 foram coletadas do
Acervo da FUNDAJ, não sendo possível identificar a data exata do registro das imagens.
Possivelmente, a pauta mais abordada pelo PCB-PE foi
amplo, teve relação com a moradia,
a carestia. Em um contexto
alimentação, desvalorização profissional, e péssima
assistência sanitária (MENDONÇA, 2016), considerando a situação do povo nordestino na
totalidade, em Recife, essa questão sempre esteve presente desde 1920. O PCB enfatizava a
responsabilidade do governo em garantir
uma vida digna para seus cidadãos.
Além desse
aspecto, tiveram preocupação com as péssimas condições de trabalho da classe operária,
muitas vezes provocando acidentes gravíssimos.
Podemos interpretar a carestia de vida sob diversos
ângulos, de todos eles a
necessidade primeira da alimentação salta aos olhos como pré-requisito para a boa
saúde, e em casos extremos, para a manutenção da vida. Não podemos considerar
que o acesso do operário a alimentação não seria o mesmo de um proprietário, visto
que as condições econômicas impostas impedem o operário de desprender-se de uma
parte significativa do salário para custear uma feira mais robusta. Em períodos de
crise econômica essa dificuldade se revela ainda mais presente e a qualidade dos
alimentos vendidos se deteriora. Isso porque, esse mesmo passa a procurar em locais
que vendam cada vez mais baratos, a carne, o pão que fortalecerão o físico para
aguentar as longas e pesadas jornadas de trabalho (MENDONÇA, 2016, p. 109).
Em relação à atuação do PCB durante o início da ditadura civil-militar,
Adalgisa
afirma que o PCB de Pernambuco não funcionava ou se estava ativo não era de seu
conhecimento. Tudo indica que,
provavelmente, figuras revolucionárias ligadas ao PCB
continuaram engajadas na luta contra a ditadura. De certeza, essas ações foram a todo custo
impedidas de atingir objetivos maiores. Em uma
carta escrita por Paulo Cavalcanti,
direcionada a Nelson Werneck Sodré, já no início de 1992, ele faz suas lamentações sobre o
destino do PCB:
Recife, 1°/2/1992
Meu caro Nelson Werneck Sodré
O que passa com você é o mesmo que ocorre comigo. Sinto que o velho PCB está
acabando, deixando atrás de si um passado heroico, de lutas contínuas na defesa das
melhores causas do povo brasileiro; deixando, no martirológico da História, nomes
que honraram a bravura de probos e valentes lutadores. Lembro Gregório Bezerra,
53
sua dignidade pessoal, sua intrépida coerência ideológica. Lembro Cristiano
Cordeiro, “lendo no Nordeste nos anos 30 e 40”, segundo Rachel de Queiroz, em
página de memória, dos seus tempos de moça de esquerda, em Maceió e no Recife,
ao lado de Graciliano, José Lins, José Auto, Alcisio Branco e até Gilberto Freyre.
Lembro o lendário Prestes, de quem se podia divergir, mas sobre quem não se tinha
o direito de menosprezar. Lembro tudo isso, com os meus quase 77 anos [...]25
Os rumos que o PCB estava tomando não eram do agrado de todos os membros mais
antigos, as mudanças não contemplavam a importância dos que vieram antes. Outro detalhe
revelado na carta de Paulo Cavalcanti
é o ocultamento dos nomes femininos.
No entanto,
sabe-se da existência de nome de figuras femininas representativas da política comunista em
Pernambuco. Nas próximas páginas, prosseguirei com a intenção de evidenciar os nomes das
mulheres atuantes no PCB de Pernambuco, como também suas ações e mobilizações políticas.
A seguir, tratarei de conceitos importantes para essa temática,
paralelo sobre o movimento feminista
desenvolvendo um
e movimentos de mulheres ligadas ao Partido
Comunista, sendo relevante para maiores esclarecimentos pontuar as conquistas e discussões
sobre as mulheres na URSS.
2.3. Entre o feminismo e o comunismo
Diante dos direitos obtidos e do conhecimento da relevância das lutas feministas,
estranho pensar
em mulheres
que recusam a
Possivelmente, essa recusa acontece por
é
utilização do termo “feminista” para si.
intermédio de um conhecimento insuficiente ou
construído e consolidado com a opressão machista,
patriarcalista e até misógino. O que se
cogita esclarecer neste primeiro momento é a relevância de assimilar
os significados das
palavras/conceitos utilizados em períodos diferentes. Segundo Reinhart Koselleck (2006), é
necessário “compreender os conflitos sociais e políticos do passado por meio das delimitações
conceituais e da interpretação dos usos da linguagem feitos pelos contemporâneos de então”
(KOSELLECK, 2006, p. 103). As mulheres dos dias atuais, principalmente as adeptas a uma
política de esquerda, tomam para si a utilização e identificação com o termo feminista. Ao
25
Biblioteca Nacional / Carta de Paulo Cavalcanti, 1 de fevereiro de 1992 [Carta a Nelson Werneck Sodré
comentando a história do PCB e criticando a sua atual situação].
54
recuarmos para a primeira metade do século XX,
observa-se uma adesão e conceituação
diferenciada.
É nessa
direção, de como os
conceitos contém registros de historicidades que
pretende-se desenvolver a discussão. Essa considerada significativa a este estudo biográfico
político que tem a intenção de seguir
os rastros da trajetória de uma mulher de esquerda
envolvida com a “questão feminina”, porém não identificada como uma feminista se partimos
da abrangência do partido escolhido (PCB)
a fim de exercer
Adiantamos que nas fontes consultadas não foi
a sua militância política.
encontrada nenhuma referência ao uso do
termo feminista.
Primeiramente, nos dispomos a conceituar
aspectos de sua origem e atuação,
o termo “feminismo(s)”,
apontando os
nos deteremos mais nos aspectos do(s) feminismo(s) no
Brasil. Logo em seguida, apresentaremos as concepções do movimento de mulheres ligado ao
PCB, buscando compreender a questão feminina, encaminhando-se para a distinção dessas
duas organizações. Para subsidiar essa discussão, utilizarei textos que permitam compreender
as influências da União Soviética, tendo em vista ser o PCB um partido inspirado e guiado
pelas normas da Internacional
Comunista. Para isso, é necessário entender o rumo tomado
diante da consolidação dos direitos femininos implementados na URSS (1917-1936),
evidenciando suas particularidades e dificuldades.
Margareth Rago, em seu livro A aventura de contar-se: feminismos,
escrita de si e
invenções da subjetividade (2013), fala da trajetória do ativismo político de sete mulheres que
atuaram no período da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), as mulheres mencionadas
são: Amélia de Almeida Teles, Ivone Gebara, Criméia Alice de Almeida Schmidt, Norma de
Abreu Telles, Maria Lygia Quartim de Moraes, Tânia Navarro Swain, Gabriela Silva Leite.
Aspectos como a subjetividade e autobiografia são discutidos pela historiadora que considera
“os feminismos como linguagens que não se restringem aos movimentos organizados que se
autodenominam feministas” (RAGO, 2013, p. 28). Para Rago, todas as práticas que buscam
libertar as mulheres da opressão e cultura misógina são atitudes dignas de serem reconhecidas
como características do(s) feminismo(s). Portanto, contemporaneamente, as organizações e
mulheres que buscam a libertação do sexo feminino,
por mais que não haja uma afirmação
identificada como feminista, é possível entendê-las como indivíduos e espaços de
organizações vinculadas aos ideais desse movimento, o qual, de acordo com Maria da Glória
Gohn (2014), pode-se compreender como um movimento social.
55
De acordo com José D'Assunção Barros (2016), o feminismo é um conceito de baixo
potencial generalizador diacrônico. Barros (2016) afirma que o feminismo surgiu nas últimas
décadas do século XIX, e a sua prática foi intensificada a partir do século XX. Não sabemos
ao certo quando chegará ao fim,
ainda conforme o historiador,
supõe-se que esse fim
acontecerá com o desaparecimento do “machismo”, que seria “o par antagônico que o gerou
como resistência” (BARROS, 2016, p. 168). Dessa maneira, para ele, não é adequado falar de
feminismo em períodos anteriores ao seu surgimento,
no entanto, podemos utilizá-lo na
atualidade (já que não é datado o seu fim) considerando as suas especificidades.
Segundo a historiadora Kalina Vanderlei Silva e o historiador Maciel Henrique Silva,
de maneira ampla, também podemos definir o(s) feminismo(s) “como um longo processo não
terminado de transformação da relação entre os gêneros” (SILVA; SILVA, 2009, p. 145). Para
Hildete Pereira de Melo e Débora Thomé (2018), o feminismo abrange movimentos políticos
e sociais com a intenção de construir direitos iguais para todas as pessoas na sociedade. A
filósofa brasileira Marcia Tiburi
(2019), compreende o feminismo como uma democracia
profunda, inicia inserindo as questões relacionadas aos direitos das mulheres,
ao avançar
interroga “a urgência dos direitos de todos que sofrem sob jugos diversos, em cenários nos
quais o poder do capital estabelece toda forma de violência, das mais sutis às mais brutais”
(TIBURI, 2019, p. 46). Bell Hooks (2023) conceitua o(s) feminismo(s) como um movimento
cuja intenção é acabar com o sexismo, a opressão e exploração sexista.
No texto “Feminismo: uma história a ser contada” (2019) de autoria de Constância
Lima Duarte, sendo essa uma versão revisada,
originalmente publicada em 2003.
A
pesquisadora considera a história do feminismo como algo ainda pouco conhecido devido ao
fato de não ser quase relatada. Para ela, a bibliografia concernente a esta temática é, “além de
limitada, fragmentada, se dividindo entre análises sobre os anos 1930 e a luta pelo voto, ou
sobre os anos 1970 e as conquistas mais recentes” (DUARTE, 2019, p. 25). Acredita-se que
o(s)
feminismo(s)
deveria
ser
compreendido
de
uma
maneira mais abrangente
“como todo gesto ou ação que resulte em protesto contra a opressão e a discriminação da
mulher, ou que exija a ampliação de seus direitos civis e políticos, por iniciativa individual ou
de grupo” (DUARTE, 2019, p. 25). Os períodos em que as lutas feministas das brasileiras
estiveram em maior
evidência e mais próximas de obterem sucesso,
momentos distintos: 1830, 1870, 1920 e 1970 (DUARTE, 2019).
sendo estes quatro
56
No primeiro momento histórico do feminismo no Brasil, observa-se que mais que nos
outros, é marcado por uma intensa influência vinda de fora. O nome de grande destaque, neste
momento, é Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885),
uma nordestina nascida no Rio
Grande do Norte, morou no Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro, depois se mudando para a
Europa. Seu primeiro livro,
primeiro no país a tratar
Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832),
dos direitos das mulheres na educação e trabalho.
elaborado mediante uma tradução livre de "Vindications of
Wollstonecraft. Segundo Duarte,
portuguesa a origem do
foi o
Esse livro foi
the rights of woman" de Mary
na obra “Nísia Floresta identifica na herança cultural
preconceito no Brasil e ridiculariza a ideia dominante da
superioridade masculina” (DUARTE, 2019, p. 27). Ainda de acordo com a autora, para Nísia
os homens eram os beneficiados diante da opressão feminina, desse modo, somente o direito à
educação concederia às mulheres o desenvolvimento da consciência de sua situação
inferiorizada.
No segundo momento, há reivindicações que buscam uma ampliação da educação e
meios para serem aceitas como eleitoras. É uma fase marcada pelo grande número de jornais e
revistas tratando de temáticas nitidamente feministas.
Esses materiais foram produzidos e
circularam em vários locais do país, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Bahia.
Josefina Álvares (1851-1913) foi uma das primeiras defensoras do voto feminino. Além disso,
no decorrer de 1877 lançou uma campanha nacional
reivindicando o sufrágio e em 1878
encenou sua peça “O voto feminino” e depois a publicou em formato de livro (DUARTE,
2019).
No terceiro momento, no século XX, as mulheres estão um pouco mais organizadas,
além de exigirem o direito ao voto,
ampliação do campo de trabalho,
também clamam pelo acesso ao “curso superior
pois queriam não apenas ser
eà
professoras, mas também
trabalhar no comércio, nas repartições, nos hospitais e indústrias” (DUARTE, 2019, p. 33).
Um dos nomes de destaque é o de Bertha Lutz (1894-1976), uma das fundadoras da Liga pela
Emancipação Intelectual da Mulher, logo em seguida, dando origem à Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino (FBPF). Um marco importante deste momento aconteceu em 1927,
no governo de Juvenal
Lamartine (1874-1956) do Rio Grande do Norte.
As mulheres
conquistaram o direito ao voto, ocorrendo a eleição da primeira prefeita da América do Sul
em 1929, Alzira Soriano (1897-1963) venceu a disputa política com 60% dos votos, ocupando
o cargo no município de Lajes, como mencionado anteriormente. Deste modo,
57
A terra de Nísia Floresta saía na frente e impunha-se como provocação para as
demais províncias. Imediatamente, as mais combativas militantes da Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino, em todos os estados em que estava
representada, ocuparam as tribunas para aclamar a iniciativa e exigir o mesmo
direito (DUARTE, 2019, p. 35).
Em todo o território nacional, o voto feminino foi conquistado apenas em 1932, sendo
efetivado nas eleições de 1934, fazendo do Brasil o quarto país nas Américas a ter este direito,
ao lado dos Estados Unidos,
Canadá e Equador (DUARTE, 2019). Devido à ditadura do
Estado Novo, instalada por Getúlio Vargas em 1937, essa conquista foi retirada, voltando
depois em 1945, no período da redemocratização.
O quarto momento da história do feminismo no Brasil, conforme Constância Duarte
(2019), visa a revolução sexual e literária. Nos anos de 1970, período da ditadura civil-militar
no Brasil, o feminismo teve “seu momento mais exuberante, aquele que foi capaz de alterar
radicalmente os costumes e transformar as reivindicações mais ousadas em direitos
conquistados” (DUARTE, 2019, p. 39). Mesmo com a conquista de inúmeros direitos, não se
pode dar a luta por acabado, pois ainda existem os grupos patriarcais da resistência. É preciso
lembrar-se dos salários inferiores, “da presença absurdamente desigual
assembleias e em cargos de direção,
de mulheres em
e da ancestral violência que continua sendo praticada
com a mesma covardia e abuso da força física” (DUARTE, 2019, p. 42-43).
É evidente a imensa contribuição do(s)
feminismo(s) e da epistemologia feminista
para a sociedade e o meio acadêmico, como também para o desenvolvimento desta pesquisa.
Apesar da existência do termo feminismo durante o recorte temporal
(1934-1948) deste
estudo, não podemos deixar de lado os aspectos diferenciados do PCB,
tendo esse partido
uma história com as
feministas, que pode ser
entendida como não tão harmoniosa.
A
historiadora Iraceli Alves (2017), menciona que as militantes do PCB, em meados do século
XX, enxergavam o feminismo como um movimento “pequeno burguês”. Dessa maneira, não
seria adequado denominar de feministas as militantes esquerdistas antes da década de 1960
(ALVES, 2017). Mesmo assim, a própria autora, denomina as mulheres do PCB de feministas
de orientação comunista, desenvolvendo este argumento em sua tese de doutorado defendida
em 2020 26. Para a historiadora Paula Soares (2021),
26
ao fazer isso, Iraceli Alves “acaba
ALVES, Iracélli da Cruz. Feminismo entre ondas: mulheres, PCB e política no Brasil. Tese. 360 f. (Doutorado
em História) – Instituto de História da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2020.
58
referendando a percepção historiográfica de que os movimentos feministas seriam tipos ideais
de ação política feminina” (SOARES, 2021, p. 38).
Complementando essa discussão, é possível encontrar mais argumentos na obra O
Dicionário Crítico do Feminismo (2009), organizado por Helena Hirata, Françoise Laborie,
Hélène Le Doaré e Danièle Senotier,
no verbete “Movimentos Feministas”,
escrito por
Dominique Fougeyrollas-Schwebel, é colocado que alguns movimentos de mulheres
socialistas que lutam pela igualdade de direitos
entre homens e mulheres, “rejeitam a
qualificação ‘feminista’ porque a seus olhos está marcada pelos fundamentos burgueses das
reivindicações de direitos.” (FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009, p. 144). Dessa forma,
“movimentos de mulheres” e “movimentos feministas” assumem significados diferentes, visto
que as feministas do século XIX e as do começo do século XX eram mulheres burguesas. O
conceito de “movimentos de mulheres” representa “as mobilizações de mulheres com um
objetivo único” (FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009, p. 145), como exemplo, pode-se
mencionar os movimentos populares de mulheres na América,
movimentos pela paz na
Irlanda e os do Oriente Médio.
Uma personagem comunista e intelectual importante para compreendermos melhor as
contradições existentes entre feministas e comunistas atuantes na primeira metade do século
XX é Alexandra Kollontai
1917. Em sua
27
. Revolucionária russa, atuante no processo revolucionário de
autobiografia, Kollontai (2007) afirmou ter sido chamada de “louca
bolchevique”. Isso aconteceu em virtude de suas ideias extravagantes sobre a liberdade sexual
das mulheres. Seus discursos sobre o “amor
livre” trouxeram muitas inquietações na
Rússia/URSS da primeira metade do século XX.
Partindo para a compreensão de que há diferenças entre as militantes comunistas e as
feministas, tendo em vista os objetivos diferentes.
27
Segundo Alexandra Kollontai (1907), as
Alexandra Kollontai (1872-1952) pertencia a uma família de posses. Ainda muito jovem, algumas
circunstâncias a deixavam indignada, como, por exemplo, a situação de sua irmã, sendo obrigada a casar com um
homem muito mais velho devido a interesses familiares. Kollontai se recusou a ter o mesmo destino, contrariou a
vontade de seus pais e casou-se com um primo,
jovem e sem dinheiro, uma relação baseada no amor. E dele
herdou o sobrenome Kollontai. A felicidade em seu casamento durou menos de três anos. Teve um filho. Embora
amasse muito seu marido e filho, o casamento, a maternidade, não foi o suficiente para deixá-la satisfeita. Essa
suposta vida feliz lhe parecia uma jaula. Renunciou à sua família e resolveu estudar economia política, assim deu
início à sua trajetória em defesa dos objetivos revolucionários da classe trabalhadora. Em 1899, envolveu-se com
o Partido Social Democrata Russo (POSDR), naquele momento o partido se encontrava na clandestinidade. Em
1915, Kollontai aderiu aos bolcheviques. Afirmou ter sido a primeira mulher na História a ser reconhecida como
membro de um governo. Ocupou o papel de diplomata, obtendo êxito nessa função (KOLLONTAI, 2007). No
entanto, é como teórica marxistas de ideias radicais em relação à causa das mulheres que Kollontai chamou mais
a atenção.
59
mulheres ligadas ao movimento feminista não estavam interessadas nas pautas das mulheres
proletárias, apenas em seus próprios interesses. Os objetivos das feministas seriam adquirir os
mesmos direitos, o mesmo poder
na sociedade capitalista que os homens possuíam.
Em
contraposição, às mulheres trabalhadoras, buscavam abolir os privilégios da classe favorecida
economicamente, sejam pertencentes a essa classe homens ou mulheres, ambos são opressores
(KOLLONTAI, 1913).
Ao se encaminhar até a Rússia revolucionária para compreender a “condição
feminina” e a busca por melhores meios de vida, contemplamos os avanços em prol da causa
das mulheres. As ideias sobre a emancipação das mulheres não foram pensadas e colocadas de
maneira isolada, tinha uma ligação direta com as discussões sobre casamento, maternidade,
família e amor livre. A questão debatida é como as mulheres seriam inseridas em cada um
desses pontos. As mulheres eram oprimidas, pois, no entendimento patriarcal, tratava-se de
seres inferiores, o sexo frágil
e incapaz: o casamento arranjado com base em interesses
econômicos e posição social; a obrigação de gerar filhos; os cuidados do lar, dos filhos e do
marido; e, o amor livre que sempre existiu para os homens, mas que era algo pecaminoso e
desmoralizante para as mulheres.
Isso remete não apenas à Rússia,
mas também a vários
outros países.
A condição das mulheres na Rússia de 1917-1936 tornou-se diferenciada dos períodos
anteriores, do mesmo modo, se distingue da situação vivenciada por
mulheres em outros
países. A revolução russa de 1917 contou com a participação das mulheres, permitindo a sua
não exclusão diante das pautas revolucionárias defendidas pelos bolcheviques.
Os quatro
pontos da visão bolchevique em relação a elas foram: emancipação das mulheres através do
trabalho assalariado, socialização do trabalho doméstico,
definhamento da família e união
livre (GOLDMAN, 2014).
Os comunistas muitas vezes foram acusados de destruidores da família (família
tradicional). Com base nos apontamentos de Alexandra Kollontai
(1920), entende-se que o
definhamento da família, é apenas uma consequência do regime capitalista. Ao exigir, diante
das necessidades financeiras, que as mulheres buscassem trabalho remunerado fora de casa,
ocorre um abandono do lar
fazendo com que a estrutura familiar
até então adotada pela
sociedade, seja desfeita. As mulheres não se ocupam apenas do cuidado doméstico e dos
filhos. Esses afastamentos e as novas “obrigações” é o que desmonta a família “tradicional”.
Os bolcheviques, ou pelos menos a maioria deles, compreendiam essas dificuldades. Então se
60
passou a pensar em meios que livrassem as mulheres do triplo fardo: trabalho, dona de casa e
mãe:
A mulher casada, a mãe que é operária, sua sangue para cumprir com três tarefas que
pesam ao mesmo tempo sobre ela: dispor das horas necessárias para o trabalho, o
mesmo que faz seu marido, em alguma indústria ou estabelecimento comercial;
dedicar-se depois, da melhor forma possível, aos afazeres domésticos e, por último,
cuidar de seus filhos (KOLLONTAI, 1920).28
Percebe-se que a situação da mulher
complicada, por não ter a quem recorrer,
operária, a mulher pobre, era ainda mais
e assim desenvolver suas atividades profissionais.
Nesse sentido, Kollontai defendeu a importância de o trabalho doméstico ser transferido para
o domínio do trabalho assalariado.
O próprio Lênin frisou a necessidade de socializar
o
trabalho doméstico e o descreveu como uma atividade improdutiva que oprime a mulher. A
libertação das mulheres do trabalho doméstico as deixariam livres para a vida política.
A
participação de homens e mulheres na vida pública facilitaria o entendimento de que elas
seriam iguais, uma camarada (GOLDMAN, 2014).
A “união livre” ou o “amor livre” tinha como objetivo fornecer o direito de liberdade
sexual para homens e mulheres. Diante de uma grande discussão,
os defensores dessas
prerrogativas entendiam o ato sexual como algo natural, tratando-se, segundo Kollontai, de
“uma manifestação de um organismo saudável tanto quanto a satisfação da fome e da sede”
(GOLDMAN, 2014, p.26). Essas relações seriam baseadas
na livre escolha de seus
sentimentos, enquanto houvesse amor e atração, haveria união. O respeito e o não julgamento
para com as mulheres era uma exigência.
Kollontai (1907) evidência a diferença do “amor
livre” na visão bolchevique e a das feministas.
livre” não teria
Ela pontua que para as feministas,
o mesmo significado para a classe trabalhadora,
o “amor
recebendo um termo
depreciativo de “relações sexuais desordenadas”. Do outro lado, teóricos soviéticos que eram
contrários a essa ideia de liberdades sexuais, apontaram que a Rússia daquele momento, ainda
não estava preparada para tais avanços. Lênin também adotou esse posicionamento, pensando
nas consequências sociais. A sociedade russa não tinha meios eficazes para evitar
uma
gravidez indesejada (GOLDMAN, 2014).
28
KOLLONTAI, Alexandra. O Comunismo e a Família. Trad. Carlos Henrique. In. The Marxists Internet
Archive. 1920.
Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/kollontai/1920/mes/com_fam.htm> Acesso em: 09 de julho
de 2023.
61
O divórcio passou a ser
visto pelos bolcheviques como um direito de liberdade
individual. Se não há amor em um casamento, é natural ocorrer a separação. Dessa maneira, o
“amor livre” teria uma relação direta com o aumento de divórcios.
O grande número de
divórcios fez com que alguns chegassem à conclusão de que muitos homens se aproveitavam
do novo Código para se casar com uma mulher atrás da outra (GOLDMAN, 2014). Ou seja, o
que deveria ser visto como uma oportunidade para encerrar relações não benéficas e doentias,
principalmente para as mulheres, passou a ser algo muito vantajoso para o público masculino.
De acordo com Kollontai (1920), a conquista do divórcio mostrava os dois pontos de
vista de mulheres pertencentes a classes diferentes. Para as mulheres mais ricas, esse direito
era uma dádiva diante da desgraça do matrimônio,
partindo da compreensão de que muitas
eram vítimas de violência. As mais pobres, estavam presas ao ideal de que a mulher precisa
de um homem para prosseguir com a vida, o divórcio foi visto como uma desgraça. Segundo a
bolchevique, as mulheres deveriam buscar meios de sobrevivência na sociedade, no Estado,
por si só, e não em uma figura masculina. Por um lado, mulheres de classe economicamente
vantajosa recebiam esse
direito como algo positivo e
libertador; as mulheres pobres,
principalmente as camponesas, ficavam em uma situação muito complicada, pois não tinham
como se sustentar, dependiam totalmente do marido e não tinham uma qualificação adequada
para conseguir um emprego, muitas ainda tinham filhos para criar sozinhas, tendo como única
opção brigar por uma pensão alimentícia.
Muitas mulheres e seus filhos não recebiam o pagamento da pensão alimentícia. Os
maridos não cumpriam com suas obrigações, mesmo os que tinham condições de arcar com as
despesas. Os juízes determinavam os valores a serem pagos
baseados em informações
superficiais, a maioria dos valores era insuficiente para sustentar
uma ou mais crianças,
demorava de um mês a um ano para ser processado. Observa-se um descaso muito grande por
parte dos homens e também das
autoridades responsáveis em atender e resolver essas
demandas. Muitos processos se perdiam diante
da quantidade e falta de organização,
ocorrendo casos de os próprios réus furtarem o processo (GOLDMAN, 2014). Ainda sobre o
“amor livre” e divórcio, havia as dificuldades enfrentadas pelas crianças em situação de rua,
seja por não terem nenhum dos pais em casa, ou porque foram abandonadas. Existiam aquelas
que fugiam de casa devido às péssimas condições,
fome e violência. Então, deduz-se que
geralmente: “as crianças vinham de famílias desestruturadas,
vivendo como indigentes às
62
margens da sobrevivência.
Elas foram presas por
pequenos crimes contra a propriedade”
(GOLDMAN, 2014, p. 374).
A situação dessas crianças direciona para a questão do aborto. A União Soviética foi o
primeiro país a conceder esse direito às mulheres. Porém, mesmo permitindo que as mulheres
interrompessem uma gravidez indesejada, o aborto nunca foi reconhecido como um direito
delas. Era subentendido como uma solução para tentar reparar as dificuldades enfrentadas
pelo Estado, como a falta de alimentos, habitação, serviços médicos e também a necessidade
de que primeiramente o Estado se organizasse para cuidar
das crianças. Até mesmo a
Alexandra Kollontai defendia que assim que houvesse serviços necessários para isso,
haveria mais necessidade do aborto.
não
Pois para ela a maternidade não se tratava de “uma
questão privada”. Nem os juristas que defendiam a “emancipação feminina” e nem as
mulheres dirigentes do partido,
como Inessa Armand (1874-1920)
e Nadezhda Krupskaia
(1869-1939), falavam sobre possíveis meios para controlar a natalidade (GOLDMAN, 2014).
Em junho de 1936, o Comitê Executivo Soviético Central (TsIK) emitiu um decreto tornando
o aborto ilegal.
Tantos os médicos como as mulheres que praticassem o aborto seriam
penalizados.
A nova lei oferecia incentivos para a maternidade mediante um subsídio para novas
mães, bônus grandes para mulheres com muitos filhos e licenças maternidade mais
longas para funcionárias administrativas. Também aumentou a quantidade de
clínicas de maternidade, creches e cozinhas de leite. Somado às medidas pró
natalidade, ficou mais difícil conseguir um divórcio, e as multas e penas para os
homens que negassem pagar pensões alimentícias aumentaram. A proibição do
aborto foi a peça-chave de uma campanha mais ampla para promover a
‘responsabilidade familiar’ (GOLDMAN, 2014, p. 340).
Um dos maiores responsáveis pelo o que podemos considerar
um retrocesso foi o
Stalin. Seu governo repressor e aniquilador facilitou a retirada de direitos como o aborto e
dificultou o divórcio.
Falando mais especificamente do aborto,
não podemos deixar
de
analisar que desde o início de sua legalização, esse “direito” era apenas momentâneo. Dessa
forma, esse “retrocesso” já estava inserido no planejamento,
em algum momento iria
acontecer.
Os direitos concedidos às mulheres na Rússia,
de certo modo, reflete o pensamento
avançado dos intelectuais envolvidos no processo revolucionário, como também a
participação ativa de mulheres comprometidas com as causas “femininas”, seria esse o caso
63
de Alexandra Kollontai.
Pensar e compreender os avanços daquele período é importante
devido sua influência mundial.
Rússia para com as
No entanto, não podemos esquecer que as indagações da
mulheres não surgiram do nada,
menciona em sua obra Mulher,
como a própria Wendy Goldman
Estado e Revolução (2014),
já havia discussões intensas,
trazidas por outros intelectuais, um exemplo seria Friedrich Engels, com sua obra A Origem
da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884)
29
existente, não foi fácil para os teóricos russos desenvolver
. Mesmo com o apoio teórico já
leis capazes de dar
conta da
complexidade da situação feminina.
2.4. A “questão feminina” no jornal a Folha do Povo (1935, 1945-1948)
Nesta última parte deste capítulo,
tenho a intenção de analisar
como a “questão
feminina” foi debatida dentro da Folha do Povo 30, jornal oficial do PCB em Recife-PE. As
matérias voltadas para essa discussão correspondem aos anos de 1935,
1945, 1946, 1947 e
1948. O recorte tem relação tanto com o período selecionado para a execução da pesquisa,
como a disponibilidade e circulação de matérias sobre as mulheres.
Como delimitação de
análise, observaram-se as matérias que se direcionavam especificamente as mulheres, desse
modo, a palavra “mulher” é entendida como uma categoria importante para a realização deste
estudo, definido como um conceito utilizado por pessoas que se identificam com o uso desse
termo, independente do sexo biológico. É fundamental ressaltar que o assunto discutido nos
artigos colhidos no jornal,
contém uma discussão a tratar
público feminino inserido de um modo mais direto.
de assuntos políticos, estando o
Para fazer referência às mulheres,
no
Jornal a Folha do Povo, é possível localizar o uso de outros termos:
29
A versão consultada: ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução:
Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2019.
30
A Folha do Povo é um jornal que não se encontra mais em circulação. A maioria de seus exemplares está
localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano, Recife-PE.
64
MULHER
Feminina
Dona de casa
Eleitora
Operária
Pernambucana
Mãe
Democrata
Deputada
Brasileira
Esposa
Cidadã
Vereadora
Trabalhadora
Filha
Antifascista
Lutadora
Guerreira
Tabela 1: Mulher/PCB/Folha do Povo
Em relação ao uso da documentação,
fundamental ainda na década de 1970:
“O estatuto da imprensa sofreu deslocamento
ao lado da História da imprensa e por
meio da
imprensa, o próprio jornal tornou-se objeto da pesquisa histórica” (LUCA, 2008, p. 118). Com
base nos destaques presentes no jornal,
realizarei reflexões a respeito da participação das
mulheres no PCB. Adianto que as matérias apresentadas não correspondem ao total exato de
todas as reportagens referentes às mulheres, publicadas na Folha do Povo, tendo em vista não
ser esse o objetivo da pesquisa.
As matérias mencionadas nesse espaço constituem uma
seleção aliada ao interesse para o prosseguimento deste estudo, considerando que “historicizar
a fonte requer
ter em conta, portanto, as condições técnicas de produção vigentes e a
averiguação, dentre tudo que se dispunha, do que foi escolhido e por que” (LUCA, 2008, p.
132).
A Folha do Povo, considerado um jornal comunista, começou a ser editado no ano de
1935, sendo logo em seguida proibido de circular devido às divergências entre o PCB e o
governo de Getúlio Vargas. O conflito intensificou-se a partir do Levante de 1935, que contou
com a participação das/os comunistas pernambucanas/os. Esse jornal, não foi o primeiro em
Pernambuco a deter características de produção e discussões destinadas à classe operária.
Segundo Astrojildo Pereira (2022), Pernambuco possui o maior e mais importante número de
periódicos operários. Dos que foram editados antes e logo no início da República, podemos
65
citar: A Locomotiva (1872); O Operário (1879); Gazeta dos Operários (1890); O Socialismo
(1898); O Clarim Social (1900); Aurora Social (1901-1907).
O jornal a Folha do Povo voltou a ser
editado apenas em 1945,
no período de
redemocratização. Continuou em circulação até as décadas posteriores. No livro Correnteza
da Vida (2003), uma obra memorialística de autoria de Cândida Maranhão Otero, militante
comunista e uma das reportes da Folha do Povo,
atuante no jornal na década de 1940,
escolhida por Adalgisa para exercer a função de jornalista. Cândida mencionou que o diretor
do jornal naquele momento era Josué de Almeida, “um rapaz alto de olhos azuis, baiano que
depois se casou com Iracema, pernambucana, filha de um deputado do PCB” (OTERO, 2003,
p. 110). Depois de Josué, o próximo diretor foi o jornalista e estudante de Direito,
Clóvis
Melo. Além de Cândida, que atuava como repórter, também havia outro chamado Cláudio,
“um bom jornalista,
que me ensinou como ser
objetiva e escrever somente o essencial”
(OTERO, 2003, p. 110). A presença de Cândida na elaboração e produção de reportagens do
jornal exibe a atuação de uma mulher em meio à produção intelectual informativa na estrutura
comunicativa do Partido Comunista em Pernambuco.
Ela nasceu em 12 de agosto de 1923,
em Ceará-Mirim, Rio Grande do Norte. Mudou-se para o Recife com a intenção de estudar
medicina, tornou-se médica. Após descobrir a sede da Célula Universitária do PCB, filiou-se
ao partido, passando a atuar em comícios (realizando discursos) e como jornalista.
66
Figura 3. Cândida Maranhão Otero.31
Segundo Arleandra Lima Ricardo (2009), a Folha do Povo não chegou a ser fechada
permanentemente durante esse período, porém sofreu com o vandalismo policial
da DOPS,
tendo seu maquinário quebrado e funcionários presos. Os militantes do PCB de Pernambuco
em suas atividades direcionadas a manutenção do jornal “na sua maioria, escreviam os mais
diversos artigos: sobre a vida da mulher na fábrica, a situação do operariado, a carência dos
alimentos e sobre os abusos do governo” (RICARDO, 2009, p. 154).
Em relação a atual condição do jornal para pesquisa, embora a péssima condição do
material consultado, foi possível coletar matérias e anúncios correspondentes e dirigidos ao
público feminino. O objetivo central
deste diálogo é identificar
os assuntos referentes às
pautas das mulheres e como foram inseridas neste jornal do PCB. Iniciarei com a realização
de uma pré-análise descritiva das matérias seguindo uma ordem cronológica. Em seguida, a
análise final resultou em um conteúdo dividido em três grupos que direcionam o PCB as
mulheres, denominados de: as dificuldades das mulheres sob a ótica do PCB;
anúncios e
proximidades com organizações femininas; representatividade feminina na política do PCB. O
último grupo permite uma abertura para discutir
31
sobre a produção de trajetória biográfica
OTERO, Cândida Maranhão. Na Correnteza da Vida. Porto Alegre: Renascença, 2003, p. 105.
67
histórica feminina, tratando-se da atuação de mulheres nos espaços de poder
com uma
perspectiva histórica. A trajetória de Adalgisa se encaixa nesse último aspecto.
O material correspondente ao ano de 1935 é o que mais se encontra nas piores
condições. As poucas informações obtidas revelam,
ou melhor, permitem entender que a
questão das mulheres na Folha do Povo se manifestou da seguinte maneira:
intitulado “A mulher e o fascismo”,
com um texto
publicado no mês de agosto; no período de eleições o
PCB indicou uma mulher à câmara municipal
do Recife; e um breve anúncio publicado no
mês de novembro em nome da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF).
Infelizmente, não foi possível ter acesso ao artigo completo de “A mulher
eo
fascismo”32. O jornal estava rasgado, faltando uma parte. A metade plausível para leitura
mostra uma discussão em torno da participação das mulheres de diversos países no Congresso
Mundial de Mulheres em Istambul 33. Delegações femininas do mundo inteiro se reuniram para
dialogar sobre a reivindicação de seus direitos, “variadas representantes de raças e
civilizações se fizeram ouvir, desde a Escandinávia até a hindú e a africana, povos, idades e
costumes do mais variado matiz,
todas confraternizaram para melhor
lutar pelos seus
direitos”34. No entanto, as mulheres simpatizantes do fascismo foram impossibilitadas de
representar seu povo, sendo: “Proibida de pensar, proibida de agir, proibida até de manter a
sua própria subsistência (o casamento tira-lhe o direito ao trabalho remunerado)
volta ao
passado, mergulhando na antiga escravatura que a banaliza e aniquila”. 35
Possivelmente esse artigo estava se referindo à situação das mulheres adeptas aos
regimes fascistas, que foram instalados ou estavam em ascensão na Europa, como o regime de
Benito Mussolini (1883-1945) na Itália e o de Adolf Hitler (1889-1945) na Alemanha.
A legenda “Trabalhador, ocupa o teu posto!”,
utilizada nas eleições para a câmara
municipal do Recife, destaca a candidatura de 14 homens, entre eles, a figura já mencionada
de Cristiano Coutinho Cordeiro, conhecido também como “a lenda do nordeste”. Além disso,
o PCB indicou uma mulher para concorrer a essas eleições. A escolhida foi Carmen Ricardo
de Sousa, que exercia a profissão de costureira.
32
“De espírito combativo,
Fonte: A mulher e o fascismo. Folha do Povo, Recife, 07 de ago. de 1935.
Na parte acessada da matéria não é informado à data exata do congresso.
34
Fonte: A mulher e o fascismo. Folha do Povo, Recife, 07 de ago. de 1935.
35
Ibidem.
33
antifascista e
68
integrada no movimento operário de Pernambuco, Carmen de Sousa é a genuína representante
da mulher trabalhadora na luta eleitoral em que está empenhando o proletariado recifense” 36.
Figura 4. Mulher trabalhadora! Ocupa o teu posto!37
Na matéria “Mulher
trabalhadora! Ocupa o teu posto!”
38
contém um trecho das
opiniões de Carmen:
Trabalhadora como sou - declara - venho desde há muito acompanhando o
movimento político-popular aqui de Pernambuco com muita simpatia, pois, estou
convencida de que os únicos candidatos que poderão pleitear as melhorias de
condições de vida desse exercício de mulheres que vive sem nenhuma proteção e
sob o jugo do patronato, são os da nossa popular legenda.
Nós trabalhamos como homens e recebemos salários de mulheres.
Até hoje ainda não se faz ouvir no parlamento uma voz feminina que de fato defenda
os interesses da mulher trabalhadora.
Os ateliês onde trabalhamos, são uns verdadeiros antros de torturas.
[...]
Por outro lado, as auxiliares do comércio ganham minguados ordenados e sofrem as
piores das humilhações por parte de certos patrões reacionários,
como há poucos
dias vimos 4 mocinhas das lojas Sul-americanas serem dispensadas por
não se
sujeitarem a varrer o salão da mesma.
36
Fonte: Mulher trabalhadora! Ocupa o teu posto!. Folha do Povo, Recife, 24 de set. de 1935.
Fonte: Jornal Folha do Povo. APEJE, Recife, 24 de setembro de 1935.
38
Ibidem.
37
69
As operárias das fábricas de todos os ramos de indústria vivem subalimentadas e
sofrem toda espécie de vexames e humilhações.
Enfim, as mulheres são tratadas atualmente como se fossem burras de cargas.
[...]
É dever de toda mulher trabalhadora, que anseia pelas suas melhorias, apoiar este
movimento reivindicador. É o único que defenderá os seus interesses.
[...]
Mulher trabalhadora! Ocupa o teu posto!39
Carmen, demonstra ser uma mulher conhecedora das dificuldades enfrentadas pelas
trabalhadoras, justamente por pertencer a essa classe.
Convoca às mulheres a se unirem e a
elegerem como representantes na câmara municipal.
Porém, ela não consegue ser
eleita.
Recife só terá sua primeira vereadora em 1947, a operária Julia Santiago 40, uma mulher negra
que infelizmente não conseguiu finalizar o seu mandato devido às disputas políticas. O PCB
lidou com uma oposição empenhada a todo custo em evitar
ter uma/um comunista como
representante do povo. Essas são as únicas informações obtidas sobre Carmem Ricardo de
Sousa41.
39
Ibidem.
Mais a frente falará de Julia Santiago.
41
Como não é o objetivo desta pesquisa, não chegamos a fazer uma pesquisa profunda sobre Carmen Ricardo de
Sousa. De certo modo, isso reflete na necessidade de uma investigação a respeito de sua trajetória.
40
70
Figura 5. Carmen Ricardo de Sousa.42
Em 11 de novembro de 1935,
Pernambucana pelo Progresso Feminino
é publicado no jornal
um anúncio da Federação
43
. Devido à péssima condição do jornal,
não é
possível identificar com total clareza do que se trata, mas possivelmente, teve relação com
uma mobilização em benefício do refeitório das moças empregadas no comércio.
A FPPF
patrocinou esse evento que ocorreu no dia 17 de novembro no Clube Internacional do Recife.
Ao disponibilizar espaço para a FPPF publicar
deduzir que o PCB, na década de 1930,
seu anúncio na Folha do Povo,
pode-se
se relaciona positivamente com organizações de
mulheres, mesmo não se tratando de uma organização assumidamente comunista. No entanto,
essa foi à única menção referente à FPPF encontrada neste jornal 44.
Nas edições do jornal, a Folha do Povo de 1945, 1946 e 1947, encontra-se um número
maior de matérias dedicadas ao público “feminino”.
informações sobre as candidaturas de Adalgisa R.
São nesses anos que se localizam
Cavalcanti. Neste momento, descartei a
execução de uma análise em relação a sua candidatura e atuação como deputada, abordarei
42
Fonte: Jornal Folha do Povo. APEJE. Recife, 24 de setembro de 1935.
A Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino foi fundada em 1931 e teve suas ações interrompidas em
1937.
44
Deve-se considerar que no mesmo ano iniciada a sua circulação, também foi o ano que a Folha do Povo parou
de circular, 1935, retornando apenas nos últimos meses de 1945. E a FPPF foi extinta em 1937.
43
71
esses aspectos nos próximos capítulos.
Serão evidenciadas as reportagens voltadas para a
“questão feminina”, que por sua vez, em certos momentos fazem alusão a Adalgisa.
Figura 6: Adalgisa Rodrigues Cavalcanti.45
No ano de 1945,
temos a divulgação de um artigo intitulado de “Vida Sindical:
Proteção à Maternidade”46, publicado em 29
de novembro de 1945. Enfatizou-se a
importância da independência econômica para a emancipação feminina. Fazendo um paralelo
com a situação das mulheres na Rússia: “A mulher, na Rússia, tem os mesmos direitos que o
homem porque quando trabalha numa fábrica, recebe igual salário como se fosse um homem
no desempenho do mesmo ofício”
47
. Outro aspecto mencionado foi
verdadeira proteção à maternidade para haver
de fato igualdade.
a necessidade de uma
Se esse direito fosse
efetivado por lei, desapareceria “a falsa concepção da inferioridade feminina diante os
problemas da vida comum” 48. Portanto, de acordo com esse texto, a igualdade entre os sexos
surgiria por meio de aparatos legais, manifestados na prática.
No ano de 1946, um total de oito matérias que dialogavam com as mulheres da classe
trabalhadora foram selecionadas. A primeira, com o título de “A mulher na constituinte”
45
Fonte: Jornal Folha do Povo. APEJE. Recife, 06 de dezembro de 1945.
Fonte: Vida Sindical: Proteção à Maternidade. Folha do Povo. Recife, 29 de nov. de 1945.
47
Ibidem.
48
Ibidem.
49
Fonte: CAVALCANTI, Carlos. A mulher na constituinte. Folha do Povo. Recife, 27 de jan. de 1946.
46
49
,
72
publicada em 21 de janeiro de 1946,
cuja autoria é Carlos
Cavalcanti, remete a uma
conscientização sobre a relevância de uma mulher na assembleia constituinte. O autor utiliza
como argumento a fala e influência de Luiz Carlos Prestes,
ao mencionar as palavras do
“Cavaleiro da Esperança”: “A mulher, como disse Luiz Carlos Prestes, está mais apta a lutar
contra a carestia da vida e contra a falta de gêneros,
porque, como dona de casa,
sente
diariamente na sua própria carne esses problemas, muito mais que os homens” 50.
Carlos Cavalcanti discorreu brevemente acerca da opressão feminina causada pelos
homens. Enfatizou que a conquista dos direitos é obtida por meio da luta política, precisando
elas participar dos sindicatos de classe,
comitês populares e partidos políticos.
Exibiu a
relevância do PCB nesse processo, classificando-o como “supremo defensor dos direitos da
mulher”51. Afirmou que “Nenhum outro partido a aceita com igualdade de direitos e deveres e
sem distinção de sexo dentro de suas fileiras. Somente ao Partido do Proletariado é que cabe
essa glória” 52. O Partido Comunista empenhou-se em apresentar nomes de mulheres em todos
os estados para disputar as eleições e concorrer ao cargo de
deputada federal. Em
Pernambuco, o nome escolhido foi o de Adalgisa R. Cavalcanti. Ainda conforme o autor do
artigo, é relatada a confiante possibilidade de que Adalgisa seja a primeira representante da
Assembleia Constituinte em Pernambuco. A convocação para as mobilizações das mulheres
ocorreu através das seguintes palavras:
Para isso torna-se necessário que em todos os locais em que tenham de se proceder
novas eleições 53 sejam organizados, principalmente por mulheres, Comitês Pro
Eleição de Adalgisa Cavalcanti. Que esses comitês arregimentem os eleitores que
tornarão a votar, visitem-os de casa em casa, distribuam chapas de mão em mão,
para assim assegurarem a vitória daquela valente lutadora que nunca vacilou, nunca
mediu sacrifícios, quando estava em jogo os interesses do Povo Brasileiro. [grifo
nosso]54
Nos próximos capítulos falarei mais sobre essas eleições que Adalgisa R. C.
participou. Outro artigo selecionado é “Comemora-se,
hoje, em todo o mundo,
o ‘Dia
Internacional das Mulheres’” 55, não contém autoria. Saiu na edição de 08 de março de 1946.
50
Ibidem.
Ibidem.
52
Ibidem.
53
Carlos Cavalcanti fala das eleições suplementares de 10 de fevereiro de 1946.
54
Fonte: CAVALCANTI, Carlos. A mulher na constituinte. Folha do Povo. Recife, 27 de jan. de 1946.
55
Fonte: Comemora-se, hoje, em todo o mundo, o ‘Dia Internacional das Mulheres. Folha do Povo. Recife, 08
de mar. de 1946.
51
73
Mencionou os atos comemorativos espalhados pelo mundo em homenagem às mulheres,
destacando as batalhadoras, como as enfermeiras, estafetas, agentes de ligação, soldadas e
principalmente as mulheres antifascistas que enfrentaram a reação fascista.
mundiais, recordam as lutas das “bravas mulheres da Espanha,
Em termos
que enfrentaram o terror
franquista. A mulher francesa na luta dos “maquis” contra os fascistas do colaboracionismo;
as italianas e as belgas;
as holandesas e as dinamarquesas”
56
, enfatizando “o grande valor
combativo da mulher, sempre relegada a um plano secundário de ‘bibelôs’, de objetos de luxo
no lar, quando não meros animais de reprodução”
57
. No Brasil, principalmente, o PCB se
manifestou por meio de comemorações. No Recife, os comitês realizaram conferências e
festas de caráter educativo.
Na mesma edição foi
publicado mais
outro artigo intitulado de “As
antifascistas”58 reforçando a ideia de que o dia Internacional
mulheres
das Mulheres é direcionado
especialmente a todas as mulheres contrárias ao fascismo. As homenagens foram direcionadas
para as grandes heroínas do povo que lutaram contra os regimes fascistas.
Entre essas
mulheres, mencionaram:
[...] Prestemos assim nossa homenagem a Dolores Ibárruri - “Lá Passionaria” - que
teve a coragem de enfrentar, com determinação e audácia a fúria do fascismo de
Franco e conduzir o povo espanhol em todas as suas lutas de libertação; lembremos
também, em nossas homenagens de hoje, essa brava e heroica velhinha d. Leocádia
Felizarde Prestes, que enfrentou mil e uma vicissitudes para libertar sua neta das
garras dos nazistas, o que valeu do poeta Pablo Neruda o batismo de “Madre
heroica”; sim, mãe heroica, mãe do guia amado do povo brasileiro - Luiz Carlos
Prestes, - líder, senador e herói do povo; recordemos ainda uma vez o sacrifício e o
martírio dessa outra heroína do povo Olga Benário - cuja coragem serve de
exemplo e modelo às mulheres antifascistas do Brasil59.
Enfatizou-se que não era suficiente apenas
recordar esses nomes femininos.
Era
preciso que as mulheres atuais seguissem o exemplo dessas antigas revolucionárias. Para isso,
seria necessário se engajar politicamente nas organizações de massa, despertando um espírito
de luta na classe operária e nas massas populares;
contra a carestia e a inflação.
auxiliar no fortalecimento do PCB, lutar
Na edição do dia seguinte,
reportagem acerca da comemoração do dia 08 de março,
56
09 de março,
em “O ‘Dia internacional
Ibidem.
Ibidem.
58
Fonte: As mulheres antifascistas. Folha do Povo. Recife, 08 de mar de 1946.
59
Ibidem.
57
encontrei uma
das
74
mulheres’”60, expõe a organização e locais que aconteceram as comemorações,
eram responsáveis
pela “realização de
conferências assistidas por
conferências em suas
os comitês
sedes, sendo as mesmas
numerosa massa, compostas de famílias, militantes do Partido
Comunista e o povo, em geral” 61. Vários oradores relataram a trajetória de inúmeras mulheres
tidas como heroínas do povo. Expuseram as bandeiras defendidas por essas figuras femininas,
como a luta contra o imperialismo,
contra o capital
monopolista, contra a intolerância
religiosa e política, contra a exploração do homem pelo próprio homem.
No Brasil, a luta também se configura contra a Carta para fascista de 1937;
disso, é contrária aos resquícios feudais da economia agrícola brasileira;
remanescentes do nazifascismo, sob a máscara de Partido de
Cruzadas e Frentes Cívicas e União de Resistência Nacional,
além
e combate “os
Representação Popular,
todas estas, denominações
mascaradas do integralismo” 62. As personagens femininas que discursaram recordando a
atuação de suas companheiras foram: Cândida Maranhão (1923-?), Neusa Cardim 63 (em nome
do Comitê de Mulheres Pró-Democracia) e Adalgisa R.
Cavalcanti “cujo discurso foi
interrompido por calorosos aplausos” 64. A reunião encerrou-se com um pedido de silêncio
dedicado as heroínas antifascistas que faleceram diante da violência.
Na matéria “As mulheres da classe média”
65,
exposta no jornal do dia 27 de março,
tiveram como intenção despertar nas mulheres pertencentes à classe média uma consciência
política para apoiar
a luta das/dos
comunistas, mencionando-se os preços absurdos dos
gêneros alimentícios, principalmente, em períodos de guerra. Igualmente, explica o conceito
de Guerra de Libertação Nacional, tendo em vista
o entendimento, aparentemente,
apresentado distorcidamente por essas senhoras donas de casa da classe média. A Guerra de
Libertação Nacional tratou-se de uma “guerra de uma nação pobre, pequena ou mesmo grande
no território, mas que os milionários e banqueiros estrangeiros tudo fazem para conservar no
atraso e na miséria,
como tem acontecido com o Brasil”
66
. O objetivo do PCB com a
divulgação deste artigo era convencer as mulheres de classe médias de que ao se unirem como
grupo, associação de donas
de casa, teriam mais oportunidade de buscar
soluções para
resolver os problemas assolados por elas.
60
Fonte: O ‘Dia Internacional das Mulheres. Folha do Povo. Recife, 09 de mar. de 1946.
Ibidem.
62
Ibidem.
63
Não foi encontrado nenhuma referência à data de nascimento e falecimento de Neusa Cardim.
64
Fonte: O Dia Internacional das Mulheres. Folha do Povo. Recife, 09 de mar. de 1946.
65
Fonte: As mulheres da classe média. Jornal Folha do Povo. Recife, 27 de março de 1946.
66
Ibidem.
61
75
Isso é o que deveis fazer; apoiar a nossa luta, fundando as associações das donas de
casa, para apresentar aos nossos deputados o estudo dos vossos problemas e
apoiá-los decisivamente, para que se sintam fortes do apoio popular, para exigir do
governo e da Assembleia medidas de real benefício para o povo, para os
trabalhadores, para todos os brasileiros, enfim.
Que todas as donas de casa meditem em nossas palavras e procurem discuti-las, com
suas parentas, com suas amigas, suas comadres, suas vizinhas, em suma, com todas
as mulheres de suas relações.
E daí haverá de surgir um grande movimento das donas de casa que irá passar à
nossa história como o mais democrático de todos os nossos movimentos de
opinião.67
O acolhimento das questões das donas de casa de classe média chama muito a atenção.
Demonstrou que embora o foco do PCB em relação às mulheres fosse discutir os infortúnios
das trabalhadoras, operárias, havia espaço no partido para as demais mulheres, ou seja, fica
nítida uma abertura presente na estrutura política partidária comunista. Na edição do dia 26 de
maio, me deparei com o artigo de Beatriz Raffo 68, “A Mulher deve lutar por suas próprias
reivindicações”69, lamentavelmente o texto está incompleto.
Logo no início, Beatriz falou
sobre a importância da educação, do conhecimento para as mulheres ocuparem o mercado de
trabalho, sendo justamente
o exercício de
uma atividade remunerada que garantiria a
emancipação feminina, no entanto, apesar de ocuparem o mesmo cargo que
figuras
masculinas, seus salários eram inferiores.
Para se ter
uma mudança completa, as próprias mulheres deveriam lutar
por suas
reivindicações, “Devemos, portanto, lutar pela igualdade de salários e remunerações de
homens e mulheres que executam trabalhos iguais”
70
. O alto custo de vida também era um
problema que ocasionou outro, o da alimentação, precisando buscar meios para resolver, deste
modo, deveriam lutar “pelo estabelecimento de restaurantes econômicos que resolverá, pelo
menos em parte, o crescente custo de vida e as dificuldades de transporte nas horas reservadas
para o almoço”71. Pautas semelhantes às reivindicadas na URSS.
67
Ibidem.
Possivelmente uma trabalhadora que além do nome não obtivemos mais nenhuma informação.
69
RAFFO, Beatriz. A mulher deve lutar por suas próprias reivindicações. Folha do Povo. Recife, 26 de mai.
1946.
70
Ibidem.
71
Ibidem.
68
76
Em 20 de setembro de 1946 houve uma convocação exposta no jornal
a Folha do
Povo, “A comissão municipal convoca as mulheres comunistas” 72. A reunião tinha a intenção
de reunir as mulheres para dialogarem sobre
o grande comício realizado na próxima
segunda-feira. Evidenciou-se a inclusão e participação “feminina” na organização dos grandes
eventos políticos ofertados pelo PCB. O último artigo selecionado do ano de 1946 foi
publicado em 10 de novembro, “A família na união soviética” 73, sendo este uma tradução do
texto de T. Serebrennikov. Não foi possível identificar a escrita de algumas palavras devido à
condição não tão boa do jornal. Mas pode-se entender que destacou a situação das mulheres
na Rússia quando era governada pelos czares e de como elas conquistaram direitos com a
Revolução Russa de 1917.
Inclusive, tentou desfazer as ideias negativas relacionadas aos
laços familiares que os inimigos da revolução compartilhavam na tentativa de diminuir
o
significado dos avanços:
[...] Os inimigos da vida nova que a URSS construía,
tem espalhado que, ao se
quebrarem os velhos laços familiares, se dissolvam, se destruiu inevitavelmente a
família, e se encorajaram todos os excessos sexuais. Isto corresponde a um engano
dos mais grosseiros. O poder dos Sovietes revoga as antigas leis que desagregavam a
família no seu próprio cerne, e condenavam a mulher a uma eterna escravatura. A
família na URSS não tem sido senão reforçada,
é uma família nova, vigorosa e
unida, como nunca existiu outra, e na qual há realmente igualdade [...].74
Encaminhando-se para a análise das matérias selecionadas do ano de 1947, há um total
de mais oito reportagens. Iniciando com uma de 05 de janeiro,
“Pelópidas, o candidato das
donas de casa” 75. Essa reportagem exibiu o apoio concedido pelas mulheres a Pelópidas
Silveira76 que estava concorrendo às
eleições para ocupar o cargo de
governador de
Pernambuco, “Dezenas de mulheres de todas as categorias falam sobre o candidato do povo e
sua confiança no dia 19 de janeiro -
Como Prefeito ele fez muito, como Governador fará
muito ainda” 77. Comitês de mulheres pró-Pelópidas Silveira foram criados para auxiliar na
campanha, demonstrando a mobilização das mulheres com o apoio do PCB em Pernambuco.
72
Fonte: A comissão municipal convoca as mulheres comunistas. Folha do Povo. Recife, 20 de set. de 1946.
A família na união soviética. Folha do Povo. Recife, 10 de nov. 1946.
74
Ibidem.
75
Fonte: Pelópidas o candidato das donas de casa. Folha do Povo. Recife, 05 de jan. de 1947.
76
Pelópidas Silveira (1915-2008), ex-prefeito do Recife. Contou com o apoio do PCB na sua candidatura a
governador de Pernambuco, mas não foi eleito.
77
Fonte: Pelópidas o candidato das donas de casa. Folha do Povo. Recife, 05 de jan. de 1947.
73
77
A próxima matéria, “Eleita a representante do Brasil na reunião da Federação Inter.
das Mulheres”78, do dia 15 de fevereiro de 1947,
referiu-se à eleição de Alice Tibiriçá
(1886-1950) para representar as brasileiras durante a reunião do Conselho da Federação
Democrática Internacional de Mulheres, acontecido no dia 21 de fevereiro,
Tchecoslováquia. No dia
25 de fevereiro,
em Praga, na
há mais uma notícia “Reunida a Federação
Internacional de Mulheres” 79, informando a recepção e o que foi discutido.
[...] A comissão executiva, reunida antes da instalação, aprovou a ordem dos
trabalhos, que inclui o relatório do Comitê Executivo sobre os seus trabalhos e sobre
a contribuição das mulheres à causa da defesa da paz e da democracia, relatórios
sobre a posição da mulher em países coloniais e semicoloniais, sobre a posição da
mulher negra nos Estados Unidos, e outras questões [...].80
81
O título da matéria “União das Donas de Casa do Bairro de São José”
do dia 25 de
fevereiro correspondeu a um breve apanhado de informações compartilhadas durante a última
reunião dessas mulheres que integraram a organização.
instalação de
um posto para
Mediante suas ações, foi relatada a
distribuir alimentos aos necessitados. A próxima matéria
selecionada, a do dia 01 de março, mais uma vez, o “Congresso Internacional
Mulheres”82, como algo importante, digno de sair nas páginas do jornal
das
a Folha do Povo.
Como já mencionado anteriormente, Alice Tibiriçá, foi a escolhida para representar o Brasil,
contou com a ajuda do Comitê de Mulheres Pró-Democracia para custear
a sua viagem.
Neste artigo, durante a reunião, as delegadas representantes de seus países conversaram sobre
as novas possibilidades surgidas, decorrente do acesso à
democracia e a derrota do
nazifascismo. Discutiu-se a colaboração das mulheres em defesa da paz e contrárias ao
imperialismo; a posição das
mulheres negras nos Estados Unidos também foi
digna de
atenção, além da “organização do movimento feminino nos países semicoloniais, são temas
de palpitantes interesses para o progresso e o bem-estar da humanidade”
agora em 1947,
uma nova matéria destinada a prestigiar
83
. Mais uma vez,
as ações femininas, “O Dia
Internacional das Mulheres” 84, publicado em 08 de março daquele ano. Consoante o artigo, as
78
Fonte: Eleita a representante do Brasil na reunião da Federação Inter. das Mulheres. Folha do Povo. Recife, 15
de fev. de 1947.
79
Fonte: Reunida a Federação Internacional de Mulheres. Folha do Povo. Recife, 25 de fev. de 1947.
80
Ibidem.
81
Fonte: União das Donas de Casa do Bairro de São José. Folha do Povo. Recife, 25 de fev. de 1947
82
Fonte: Congresso Internacional das Mulheres. Folha do Povo. Recife, 01 de mar. de 1947.
83
Ibidem.
84
Fonte: O Dia Internacional das Mulheres. Folha do Povo. Recife, 08 de mar. de 1947.
78
mulheres se apropriaram da consciência de seus direitos dia após dia, chegando a ser visível a
conquista de direitos próximos aos dos homens em alguns países. Sendo a URSS o local de
“inexistência” de diferenças entre os sexos.
No entanto, no Brasil, as mulheres ainda lidam
com a opressão imperialista, “além dos preconceitos semifeudais e seculares que a reação tem
interesse em conservar” 85. Isso significou que as brasileiras,
igualmente a outros países,
precisavam “sustentar uma luta mais dura para consecução dos seus plenos direitos. Luta que
se funde com a de todo o povo, porque busca os mesmos objetivos: progresso e bem-estar” 86.
Apontou-se a maior responsabilidade a mulher trabalhadora, a que mais “sente os problemas
do povo e que dispõe de melhores condições para se organizar em defesa dos direitos de todas
as mulheres”87.
Em 26 de setembro de 1947, me deparei com a divulgação da matéria “Fundada a Liga
Feminina de Nova Olinda” 88. Essa nova organização feminina não foi
a única a ser criada,
anterior a ela teria sido fundada a “Liga das Donas de Casa de Águas Compridas”. A Liga
Feminina, naquele momento tinha como diretoria provisória:
Presidente - Zulmira Torquato
de Lima; vice-presidenta - Olindina dos Santos; 1. ª secretária - Rute Monteiro; 2. ª secretarias Albina Monteiro; tesoureira - Maria Martins do Nascimento; oradora - Maria José de Santana;
e como diretora de publicidade - Sebastiana Elias.
A exibição das matérias do ano de 1947 é finalizada com uma publicação do dia 26 de
setembro, “Instalado o Comitê Pró-candidatura Julia Santiago” 89. “No domingo último, às 14
horas, à rua da Zoada, no bairro de
São José,
foi instalado, solenemente, o Comitê
Pró-candidatura da operária têxtil Julia Santiago” 90. Além desse comitê, outros foram criados
apoiando a candidatura de Julia Santiago,
ela venceu as eleições e passou a ser a primeira
vereadora do Recife,
Progressista (PSP), tendo em vista que o PCB
pelo Partido Social
encontrava-se na ilegalidade, “lançava seus candidatos por outros partidos, o que, no jargão
partidário, era chamado de “entrismo” (FERREIRA, 2023, p. 52). Julia Santiago tinha uma
relação de amizade com Adalgisa 91. Julia nasceu em novembro de 1917, até os dez anos viveu
no município de São Lourenço da Marta,
85
depois se mudou para o Recife,
onde começou a
Ibidem.
Ibidem.
87
Ibidem.
88
Fonte: Fundada a Liga Feminina de Nova Olinda. Folha do Povo. Recife, 26 de set. de 1947.
89
Fonte: Instalado o Comitê Pró-candidatura Júlia Santiago. Folha do Povo. Recife, 26 de set. de 1947.
90
Ibidem.
91
Essa relação de amizade é nítida na entrevista que Julia concedeu a FUNDAJ, em 02 de dezembro de 1983. No
entanto, na entrevista de Adalgisa realizada 1982, ela não mencionou o nome de Julia.
86
79
trabalhar em uma fábrica de malha, sendo esse seu primeiro emprego, ainda aos 10 anos. Na
adolescência iniciou a trajetória sindical
e política. Na década de 1930 entrou para a
militância comunista e foi presa várias vezes devido a suas posições políticas. Ela faleceu em
1989 (RODRIGUES, 2017).
Figura 7. Julia Santiago da Conceição.92
Em relação ao ano de
descontentamento com a
1948, há uma abundância de matérias direcionadas ao
cassação dos
deputados comunistas. Em relação às
matérias
destinadas à questão das mulheres, tem um número menor comparado aos dois últimos anos.
Destaquei três reportagens consideradas mais relevantes para este momento.
A primeira,
intitulada de “O Dia Internacional da Mulher” 93, como nos anos anteriores, mais uma vez essa
data foi lembrada, no entanto, sendo exibida em 9 de março, a data comemorada era o dia 8 de
março.
Logo abaixo do título da matéria, há uma descrição geral do conteúdo abordado, neste
caso, tratou-se do significado da data. A elaboração do texto ocorreu através do recorte de
trechos do manifesto da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM),
92
Fonte: <https://vozesdazonanorte.blogspot.com/2011/06/julia-santiago-primeira-mulher.html>. Preferimos
utilizar essa imagem do blog “Vozes da Zona Norte” do que a do Jornal devido à falta de qualidade da imagem.
93
Fonte: O Dia Internacional da Mulher. Folha do Povo. Recife, 9 de mar. de 1948.
80
manifesto exibido no dia anterior a esta publicação. O termo “apelo dramático” foi usado para
se referir ao discurso da FDIM. Foi exposto que a referida organização falava em nome de 80
milhões de mulheres que desejavam a felicidade dos filhos, soberania, prosperidade para os
países ao qual
pertencem e a paz mundial.
O apelo foi feito com a intenção de que as
mulheres do mundo inteiro unissem para lutar pela liberdade, democracia e paz. Ao mesmo
tempo, para denunciarem os planos de guerra e as manobras que buscam romper a unidade do
movimento de mulheres. Mencionou-se a importância da união das mulheres para lutarem
contra as opressões políticas enfrentadas em seus países, por exemplo, as mulheres da
América Latina deveriam lutar pela democracia e pela soberania nacional.
Colocando-se como defensoras
da liberdade, deveriam exigir dos governantes o
rompimento das relações com os países que se encontravam dominados por regimes fascistas,
destacando o regime franquista,
como ficou conhecido o governo de Francisco Franco na
Espanha. Deste modo, todas as mulheres pertencentes aos países que não são regidos por uma
verdadeira democracia, receberam o apoio da FDIM na luta contra as opressões fascistas e
imperialistas que geraram guerras e causaram a retirada da liberdade. A União Soviética, na
perspectiva FDIM, era vista como uma pátria regida pela mais sólida democracia rodeada pela
paz. A comemoração do Dia Internacional da Mulher foi vista como uma data importante para
celebrar união e convidar todas as mulheres para lutarem em favor da democracia.
Na segunda reportagem, intitulada de “Lutam as mulheres pela paz” 94, lançada no dia
02 de dezembro de 1948, tratou-se de uma entrevista feita à jornalista Nair Batista para falar
sobre o II Congresso Internacional
de Mulheres que acontece em Budapeste,
capital
Húngara.95 Nair Batista foi uma das escolhidas para representar o Brasil no congresso, sendo
ela a: “Presidente do Comitê de Mulheres Pró-Democracia, do Rio de Janeiro, redatora do O
Momento Feminino, renomada poetisa, Nair Batista é uma das mais consequentes
batalhadoras pelas reivindicações e os direitos da mulher em nossa pátria” 96.
Segundo Nair Batista, a finalidade do evento foi unir as mulheres fraternalmente para
discutirem seus problemas, que também estavam ligados à paz. Os resultados das discussões
previstas para acontecerem no evento foram divulgados com a intenção de informar sobre
como estavam às crianças em situações de guerra, além disso, também foi discutida a situação
das mulheres de modo geral e, de forma mais específica, a situação das mulheres pertencentes
94
Fonte: Lutam as mulheres pela paz. Folha do Povo. Recife, 02 de dez. de 1948.
Não é mencionada a data exata que ocorreu o evento.
96
Fonte: Lutam as mulheres pela paz. Folha do Povo. Recife, 02 de dez. de 1948.
95
81
à classe trabalhadora. Prosseguindo com a entrevista da jornalista carioca à Folha do Povo,
ela pontuou a situação das mulheres da classe média, sendo tratadas como escravas de seus
maridos, pois precisavam do dinheiro deles para viver,
do mesmo modo eram escravas dos
rigores da sociedade que negavam direitos visando aprisioná-las.
Os artigos de luxos eram
vistos como um tipo de manobra utilizada para que essas mulheres não enxerguem os
problemas de sua época.
Em relação à situação das
mulheres proletárias, consideradas
possuidoras de uma vida mais dura, exploradas e expostas a sérias privações, à miséria no lar
que dificultava a criação dos filhos, principalmente com a falta de creches, escolas, roupas e
alimentos.
Em meio aos diálogos do Congresso de Mulheres, foram destacadas as preocupações
em relação ao futuro das famílias e a ausência de alegria das crianças diante das dificuldades,
da pobreza, fatos conhecidos que mereciam a organização e união das mulheres na luta por
melhores condições de vida. Comprovando o quanto era significativa essa união, Nair Batista
compartilhou os resultados do empenho e organização de um pequeno movimento feminino
do Brasil, conseguindo por duas vezes enviar representantes para participarem de congressos
internacionais em defesa da paz. A união foi um fator importante, e as mulheres de outros
países estavam fazendo o mesmo, unindo-se.
Na matéria “O segundo Congresso Internacional de Mulheres” 97, publicada no dia 8 de
dezembro de 1948, foi discutido, mais especificamente, como ocorreu a sua organização.
Considerou-se o evento como um acontecimento
de máxima importância para o
desenvolvimento do campo democrático e anti-imperialista, incluindo a luta dos povos contra
a guerra e o fascismo. Centenas de mulheres democratas espalhadas pelo mundo
compareceram a este evento. Entre elas, oito representando o Brasil, destacando-se no jornal
apenas o nome de três: Arcelina Mochel, Zora Seljan e Nair Batista. As outras cinco mulheres
brasileiras não foram mencionadas.
Para ser compreendida a importância do Congresso
Internacional de Mulheres, nesta reportagem, contém a “Ordem do Dia”, ou seja, o que foi
discutido:
ORDEM DO DIA
I- Informe sobre a atividade da Federação Democrática Internacional de Mulheres.
97
Fonte: O segundo Congresso Internacional de Mulheres. Folha do Povo. Recife, 08 de dez. de 1948.
82
II- Trabalhos sobre o movimento internacional de mulheres na luta pela paz e pela
democracia.
III- Defesa dos direitos políticos e econômicos das mulheres (operárias, camponesas,
profissões liberais, donas de casa, etc.)
IV- Desenvolvimento do movimento feminino democrático nos países da Ásia e da
África.
V- Situação da infância.
VI- Ratificação de adesões feitas após o I.º
Internacional de Mulheres.98
Congresso. (O segundo Congresso
Além do que já foi mencionado, ainda contém a organização estrutural da Federação
Democrática Internacional de Mulheres e uma carta -
assim é mencionado -
francesa Marie-Claude Vaillant Couturier (1912-1996), falando sobre os
escrita pela
preparativos e
organização do Congresso.
Nos anos de 1946, 1947 e 1948, no jornal Folha do Povo, deparei-me com convites do
Comitê de Mulheres Pró-Democracia de Pernambuco.
Esses convites informavam as datas
das reuniões. Convidavam suas associadas, demais representantes de organizações femininas
e de Comitês Populares Democráticos,
acolhendo, também, aquelas/es interessadas/os em
comparecer, chegando até mesmo Luiz Carlos Prestes como senador
dessas reuniões, em 3 de janeiro de 1947,
a participar em uma
para falar sobre assuntos referentes à campanha
eleitoral. Adalgisa R. Cavalcanti fazia parte do Comitê de Mulheres Pró-Democracia, sendo
uma de suas associadas.
A análise final deste material, resultou em uma divisão inserida em três grupos: 1. As
dificuldades das mulheres sob a ótica do PCB; 2. Anúncios e proximidades com organizações
femininas; 3. Representatividade feminina na política do PCB em Pernambuco.
podem ser visualizados na tabela a seguir.
98
Ibidem.
Os dados
83
1. As dificuldades das mulheres
sob a ótica do PCB
2. Anúncios e proximidades com
organizações femininas
3. Representatividade feminina
na política do PCB-PE99
- O fascismo é considerado um
problema sério para as mulheres
efetivarem a conquista de seus
direitos.
- Federação Pernambucana pelo
Progresso Feminino.
- Carmen Ricardo de Souza.
- Adalgisa Rodrigues Cavalcanti.
- Federação
Mulheres
Internacional
de
- Desigualdade salarial
- Falta de proteção à maternidade.
- A ausência das mulheres na
política, remetendo à falta de
representatividade.
- Julia Santiago da conceição
Federação
Democrática
Internacional de Mulheres.
Comitê
de
Pró-Democracia.
Mulheres
- Cândida Maranhão Otero
- Neusa Cardim.
- Liga Feminina de Nova Olinda.
- Zulmira Torquato de Lima.
- União das Donas de Casa do
Bairro de São José.
- Maria da Penha.
- Desafios políticos e econômicos.
- Falta de educação formal.
- Juraci Goes.
- Salários desiguais entre homens e
mulheres.
- Ausência de mulheres na política
e nos eventos do PCB.
- Imagem negativa destinada à
conduta moral atribuída às
mulheres do PCB.
- Mulheres antifascistas.
- Dia Internacional das Mulheres.
- Congresso
Mulheres.
Internacional das
- Alice Tibiriçá
- Olindina dos Santos.
- Rute Monteiro.
- Lutem pelas mulheres pela paz.
- Albina Monteiro.
- Comitês populares democráticos.
- Maria Martins do Nascimento.
- Maria José de Santana.
99
Os nomes femininos mencionados não correspondem a todos os encontrados na Folha do Povo ou os citados
no corpo do texto.
84
- Sebastiana Elias.
- Nair Batista.
Tabela 2: Mulheres na Folha do Povo.
No primeiro grupo, “As dificuldades das mulheres sob a ótica do PCB-PE”,
parte as matérias que trazem o diálogo com as
fazem
mulheres por parte direta do PCB,
possibilitando evidenciar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres segundo a perspectiva do
Partido Comunista.
Na segunda parte, “Anúncios e proximidades com organizações
femininas”,
encontram-se os anúncios das atividades desses grupos de mulheres e as organizações
femininas que aparecem nas folhas do jornal comunista, permitindo inferir uma proximidade
pacífica com os citados grupos de mulheres.
Nesse sentido, o PCB estabeleceu um diálogo
harmonioso com variadas organizações femininas.
noticiar positivamente a atuação dessas
Além disso, fica subentendido que ao
organizações e suas pautas defendidas, o PCB
demonstrou ser favorável à ocupação feminina na política. Do mesmo modo, a organização
das mulheres antifascistas, as comemorações do dia
08 de
março, como também, os
congressos internacionais de mulheres que lutaram pela democracia e pela paz remetem a um
alinhamento com os ideais do PCB,
além de ter
uma relação direta com o contexto do
período.
A última parte, “Representatividade feminina na política do PCB-PE”,
para a localização das mulheres que atuaram politicamente no PCB,
representantes na política pernambucana.
Além de Carmem,
é reservada
sendo estas mulheres
Adalgisa e Julia,
encontrei
nomes de outras mulheres, como: Cândida Maranhão Otero, Neusa Cardim, Zulmira Torquato
de Lima, Maria da Penha, Juraci Goes, e tantas outras que, até o momento, permanecem no
anonimato, tendo em vista a dificuldade de obter informações sobre elas.
O objetivo foi identificar como as mulheres e suas questões foram lidadas pelo Partido
Comunista em Pernambuco,
utilizando como fonte de análise o jornal
a Folha do Povo.
Chegando à conclusão de que a discussão sobre os problemas das mulheres, conforme a visão
85
do PCB, aparecem mais no ano de 1946.
Em relação à proximidade com as organizações
femininas, encontramos evidências desde 1935.
Tendo se intensificado a partir
do ano de
1947. Ademais, a divulgação dos nomes representativos de figuras femininas na política
comunista também é relevante para a análise, isso por demonstrar que elas ocupavam papéis
significativos na estrutura partidária, como foi, principalmente, o caso de Adalgisa.
O espaço concedido pela Folha do Povo, para a divulgação de pautas e organizações
de mulheres, nas décadas de 1930 e 1940,
demonstra o interesse do PCB na emancipação
feminina, nutrindo a igualdade entre os sexos masculino e feminino. Mesmo não se tratando
de um jornal feminista ou com ideias exclusivamente destinadas para o público feminino, mas
sim, produzido e divulgado para o povo e a classe operária.
A equidade na política e no
mercado de trabalho era valorizada pelos comunistas.
Quando penso nas mulheres ligadas ao PCB,
tenho a intenção de compreender
e
evidenciar as formas de organizações e mobilizações promovidas pelo público feminino. Não
é devido às
diferenças com as feministas,
recusando o uso desse termo que se podem
desqualificar os modos de atuação das mulheres comunistas e assim,
para/com as mulheres. O “ser feminista” não deve ser
adequado de se posicionar
entendido como o único modo
na luta pelos direitos das mulheres.
mulher” se ressignifica no espaço e no tempo,
do Partido Comunista
A multiplicidade do “ser
como também nas organizações e partidos
políticos. Neste sentido, para Paula Soares (2021),
[...] atribuir a denominação “feminista” a todos os grupos políticos que defenderam a
construção de relações sociais e políticas mais justas entre homens e mulheres
parece contribuir mais para a invisibilização das singularidades dos projetos
políticos que estavam em disputa
no cenário brasileiro do que para seu
reconhecimento e compreensão (SOARES, 2021, p. 38).
Deste modo, na tentativa de demarcar um espaço para debater a presença das mulheres
no PCB, é inevitável não ressignificar o conceito de “dona de casa”. Observa-se que na Folha
do Povo, o PCB se dirigiu às donas de casa, incentivando-as a se organizarem na luta por seus
direitos. Isso demonstra que a “dona de casa” atual difere da dona de casa militante comunista
da primeira metade do século XX. Segundo Paula Soares, “A proposta pecebista de atrair as
donas de casa para suas fileiras era inovadora em relação a tantas outras forças políticas do
cenário brasileiro” (SOARES, 2021, p. 146). Ser uma dona de casa comunista durante esses
86
períodos, significava ter consciência de classe, e estar ciente da necessidade de sua atuação
política. Por mais que o PCB não fosse totalmente um espaço livre de atitudes e pessoas que
nutrem o desrespeito e a opressão feminina, ainda era um partido que acolhia e engajava as
mulheres na luta política. Maria Izilda Matos (2013), menciona a luta das mulheres contra a
carestia no período da ditadura civil-militar de 1964-1984,
é importante pontuar que a luta
contra a carestia já era algo vivenciado pelas mulheres ligadas ao PCB em décadas anteriores.
O PCB tinha entre suas principais mobilizadoras contra a carestia as donas de casa.
Por mais que na atualidade o termo dona de casa transmita o significado do que a
sociedade patriarcal considera a característica ideal para uma mulher, sendo este entendimento
fortalecido em jargões como “recatada e do lar”, esse conceito denota um sentido diferente ao
ser utilizado para se referir
às mulheres ligadas ao PCB.
Essas mulheres, não estavam
preocupadas apenas com os afazeres domésticos, as questões e necessidades políticas eram de
seus interesses, sendo esta uma exigência do partido para/com suas militantes. Isso não quer
dizer que o grupo comunista “feminino” não sofresse com os julgamentos masculinos e
pressões da sociedade em relação ao seu sexo. É preciso entender que cada conceito carrega a
sua historicidade e é fundamental reconhecer o significado no espaço temporal e cultural.
Tanto as donas de casa como as empregadas domésticas eram grupos sociais
invisíveis politicamente e se mantinham distantes da possibilidade de construção de
sua cidadania. O reconhecimento pecebista desses segmentos femininos evidenciava
seu compromisso com a inclusão de direitos para as mulheres pobres no
ordenamento jurídico e sua compreensão das especificidades advindas dessa
condição de gênero. Importante destacar que essa proposta da CCTM e do CMT não
decorria de uma imposição doutrinária dos órgãos do comunismo internacional. De
fato, a Seção Feminina da IC parecia não ter pensado sobre a possibilidade de atrair
as donas de casa para as fileiras comunistas. Em carta enviada à CCTM, a entidade
soviética destacou sua surpresa diante da proposta dos militantes brasileiros [...]
(SOARES, 2021, p. 146).
Os comunistas brasileiros foram os
primeiros a levantar essa preocupação,
demonstrando interesse na emancipação das mulheres,
principalmente na questão das donas
de casa, um grupo mais excluído do que os próprios operários e operárias,
entendimento de que havia interesse na equidade de gênero por
entendimento da Seção Feminina da IC,
solidifica o
parte do PCB. No
por não estarem introduzidas no meio produtivo
econômico, as donas de casa não pertenciam à classe trabalhadora. Não sendo detentoras de
um salário, não havia como possuir um sindicato próprio. Desse modo, a solução encontrada
87
pela IC configurou-se em orientar
a aproximação dessas senhoras aos sindicatos de seus
maridos (SOARES, 2021). No entanto, diante das matérias apresentadas, o PCB-PE também
orientou as donas de casa a se organizarem por conta própria, recebendo o apoio do partido.
Paula Soares (2021) considera que entre os anos de 1925 e 1956,
[...] as mulheres comunistas desenvolveram métodos, estratégias e discursos que
formaram uma tradição de militância feminina, bem como foi nesse período que o
imaginário, as representações, as práticas e a visão de mundo sobre a questão
feminina que vão compor a cultura política do PCB foram construídos
e
consolidados (SOARES, 2021, p. 24).
Entendo essas concepções como oportunas para sinalizar a participação e contribuição
das mulheres no PCB.
Ficando mais nítido quando mapeamos as trajetórias de mulheres
militantes do PCB e evidenciamos suas características distintas do “ser mulher”, abrangendo
suas formas de agir, a classe, cor e etnia, perpassando por um processo que permite
compreender seus privilégios e opressões, mas sobretudo, suas ressignificações manifestadas
em suas lutas interiores e exteriores. Sendo isto o que farei nos próximos capítulos. Seguir os
rastro e indícios que permitam compreender
Cavalcanti.
a política comunista de Adalgisa Rodrigues
88
3. A POLÍTICA DE ADALGISA RODRIGUES CAVALCANTI: UMA HISTÓRIA DE
LUTA E DEDICAÇÃO
(...) Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
Desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada. (...)
(versos de Todas as vidas, poema de Cora Coralina)
Quando penso a história de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti,
compreendo suas ações
como a de uma mulher que atuou conforme as possibilidades de sua época.
foram favoráveis
à sua atuação. No entanto,
não deixo de
lado os
Muitos fatores
aspectos de sua
singularidade, fazendo a Adalgisa ser uma personagem que merece destaque em meio a tantos
acontecimentos sociais, culturais e políticos. Mesmo diante de um emaranhado de figuras
masculinas, sendo essa uma das características do cenário político das décadas de 1930 e
1940. Adalgisa merece o reconhecimento histórico, assim como
outras mulheres
esquecidas/apagadas na história.
Neste capítulo, abordarei questões relevantes acerca da vida pessoal
de Adalgisa
Rodrigues Cavalcanti, analisando aspectos como: família, infância, adolescência, religião,
vida no sertão pernambucano, mudança e adaptação no Recife, casamento e maternidade. Não
se trata de um mergulho profundo,
mas considero suficiente para pensar nas influências e
possibilidades encontradas por Adalgisa R. C. para a realização de suas atividades políticas
significativas. Afinal de contas, quem era Adalgisa antes da militância comunista?
Logo depois, iniciarei os apontamentos relacionados ao início de sua militância,
passando pelas suas influências e motivações para/com a política comunista, destacando sua
passagem pelo Socorro Vermelho Internacional. Em seguida, discutirei sua atuação na Aliança
Nacional Libertadora (ANL), abrindo espaço para compreender os objetivos dessa
89
organização política, encaminhando-se para o significado da participação de Adalgisa R. C.
no Levante de 1935 e as consequências de suas escolhas.
Além disso, trago uma discussão
sobre como ela foi vigiada e monitorada pela DOPS-PE, apresentando as características da
opressão desencadeada entre as décadas de 1930 e 1960, pelas quais a militante comunista foi
submetida devido suas
preferências políticas. Destacarei considerações sobre a luta de
Adalgisa contra o fascismo.
A finalização deste capítulo terá como último ponto a ser
discutida a atuação da militante no Comitê de Mulheres Pró-Democracia de Pernambuco.
Portanto, o assunto aqui abordado remete a discussões pertinentes para a compreensão e o
significado da militância comunista de Adalgisa, contribuindo com a produção historiográfica
da história das mulheres na política.
3.1. Aspectos da vida pessoal
Antes de começar a falar sobre a vida pessoal de Adalgisa R. Cavalcanti, sinalizarei
apontamentos em direção aos primeiros contatos com materiais referentes à história dessa
personagem. É importante situar o quanto a dita “história digital” que recorre a fontes digitais
- material criado, armazenado e compartilhado na internet
- foi de grande auxílio nos
primeiros contatos com a trajetória de Adalgisa 100. Permitindo a realização de análises iniciais
sobre suas atividades políticas. Porém, de certa maneira, são muito carentes no quesito de sua
vida privada. Isso me levou a concluir que o mandato de deputada estadual foi o que a tornou
relevante para ser
descrita em sites. Possivelmente, sem esse grande feito,
comunista não seria tratada como suficiente e digna de atenção.
deter a atenção em seus atos políticos,
sua militância
Por esse motivo, além de
cogito apresentar Adalgisa por outro viés, um que a
mostre desvinculada do ideal de heroína ou bruxa, mas sim, o de uma mulher de seu próprio
tempo, com suas próprias convicções, ideais e contradições. Além disso, pouquíssimos
trabalhos acadêmicos mencionam sua trajetória e os que o fazem, focam mais especificamente
em seu mandato político. A fonte mais relevante para a construção deste subcapítulo, trata-se
100
Ao pesquisar pelo nome de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti no Google, encontramos resultados com nível
básico de informações que permitem ter uma noção de sua trajetória.
Como exemplo, destacamos os textos
encontrados nesses sites: https://pt.wikipedia.org/wiki/Adalgisa_Rodrigues_Cavalcanti. Acesso em: 30 de jul. de
2023.
http://www.mulher500.org.br/adalgisa-rodrigues-cavalcanti-1907-1998/. Acesso em: 30 de jul. de 2023.
https://www.wikiwand.com/pt/Adalgisa_Rodrigues_Cavalcanti. Acesso em: 30 de jul. de 2023.
http://www.caestamosnos.org/pesquisas_Semira/pesquisa_semira_adler_Adalgisa_Cavalcanti.htm. Acesso em:
30 de jul. de 2023.
90
de uma entrevista concedida pela própria Adalgisa, a qual é entendida como uma
autobiografia gravada em áudio.
Essa entrevista foi realizada em 21 de julho de 1982
101
.
Adalgisa nesse ano estava com 76 anos.
Adalgisa nasceu em uma cidade do agreste pernambucano chamada de Glicério,
atualmente conhecida como Canhotinho 102. A data do seu nascimento é um tanto confusa, em
alguns documentos, como na entrevista de 1982, aparece o ano de 1905, em outros como os
relatórios da DOPS, o ano de 1907.
Mas é possível
afirmar que o ano correto de seu
nascimento é 1905, deste modo, Adalgisa nasceu em 28 de julho de 1905. O que motivou a
circulação errônea dessa informação foi o fato de ter sido registrada apenas em 1907. Filha
biológica de Maria Madalena Rodrigues de Freitas Neves e Joaquim Justo Rodrigues de
Freitas. Seu pai exercia a profissão de agricultor e sua mãe era uma dona de casa. Quando
tinha apenas onze meses de vida,
sua mãe faleceu. O pai a abandonou e ela só voltou a
encontrá-lo quando estava morando em Recife.
Diante das circunstâncias, Adalgisa foi
adotada por um casal de tios, Sílvio de Aguiar Campello e sua esposa, Amélia Campello. Ela
teve uma boa relação com seus pais adotivos.
única criança desta família,
Eles a tratavam como filha biológica e era a
mesmo assim, confessa o quanto sentiu falta de sua mãe
biológica.
Na entrevista de 1982, Adalgisa contou que o seu pai adotivo era natural do Recife.
Estudou Direito, mas não chegou a concluir devido aos problemas de saúde que atingiram
seus pulmões. Mediante recomendações médicas,
precisou se mudar do Recife para uma
cidade do interior com ar mais saudável, um desses locais que Adalgisa residiu com sua nova
família, é atualmente conhecido como Arcoverde
103
. O pai adotivo de Adalgisa exercia a
função de agente dos correios e sua mãe dona de casa.
Eles estavam envolvidos com as
questões políticas de sua época, recordando o apoio de seu pai a Dantas Barreto (1850-1931)
e o apoio de sua mãe a Rosa e Silva (1857-1929).
Nessa disputa política ao governo de
Pernambuco, Dantas Barreto saiu vencedor, governando o estado entre 1911 e 1915.
Em meio às recordações de sua infância, Adalgisa menciona a presença e o convívio
com cangaceiros. Sua casa era “invadida” por esses sujeitos históricos.
criança, entendia essas ações como algo festivo.
101
Aos seus olhos de
Sempre apareciam nas segundas-feiras,
FERNANDES, Eliane Moury. Entrevista: Adalgisa Rodrigues Cavalcanti. CEHIBRA, Fundação Joaquim
Nabuco, Recife, 1982.
102
Do município de Canhotinho para Recife a distância é de 206,0 km.
103
Arcoverde fica localizada no sertão pernambucano, à distância até Recife é de 254 km.
91
mandavam sua mãe costurar sacos, preparar comida. Nos dias de segunda acontecia à feira de
São Sebastião do Umbuzeiro 104, os cangaceiros preparavam um doce chamado “beira seca”
que ela adorava, do mesmo modo, se sentia atraída pelo cheiro do óleo utilizado no cano do
rifle das carabinas. Marcando sua infância pelo sabor e cheiro.
Esse grupo de cangaceiros que “invadiam” a casa de Adalgisa,
prestígio do advogado Augusto Santa Cruz,
era formado pelo
que naquele período exercia grande influência
política local. O pai adotivo de Adalgisa sofreu ameaças do grupo de cangaceiros liderado por
Antônio Silvino, porém nunca foram concretizadas as intenções. Na última vez que o grupo
de Augusto Santa Cruz esteve em sua residência,
tentaram assassinar seu pai, fazendo-se
necessário retornar ao Recife. Por volta de 1917, 1918, Adalgisa passou a residir na capital.
No que diz respeito à religião de Adalgisa, embora sua família fosse muito religiosa,
seus pais de criação eram antirreligiosos.
O que, por sua vez, fazia com que fosse às
escondidas para igreja católica com uma de suas tias.
Relatou gostar muito dos encontros
religiosos, chegando a ser aspirante a “Filha de Maria”, 105 sendo impossível dada a sua idade.
Cantou no coral da igreja e também integrou o grupo de teatro,
participando de peças de
comédias, dramas sacros, sendo esse um dos possíveis meios para auxiliar a igreja no quesito
financeiro.
Em relação a sua formação na educação formal,
Adalgisa relata que começou a
frequentar a escola primária quando tinha entre quatro e cinco anos, ainda quando morava no
interior. No Recife fez apenas o exame de admissão,
pretendia estudar na Escola Normal,
porém seus planos mudaram em uma viagem de trem ao conhecer uma pessoa. Adalgisa não
chegou a ter uma formação acadêmica.
Durante quase toda a sua fase da adolescência,
envolvimento com as
Adalgisa acompanhou seus pais no
questões políticas locais. Casou-se com 16
Reconheceu que o motivo para a sua união matrimonial
anos incompletos.
ter ocorrido tão cedo, foram às
influências de sua família e de sua época. Seu relacionamento não foi ocasionado pelo desejo
e a idealização de um casamento perfeito, tão pouco estava perdidamente apaixonada. Antes
de se casar, já tinha sido noiva de outro rapaz, conheceu-o em uma viagem de trem que fazia
retornando ao Recife, começaram a namorar e durante um mês ficou noiva,
aborrecimentos (os quais não foram mencionados),
104
105
mas devido a
ela rompeu o relacionamento. Comenta
Município do estado da Paraíba, 44 km de distância até Arcoverde-PE.
A congregação Filhas de Maria nos anos de 1960 contribuiu com o anticomunismo (Motta, 2023).
92
em um tom animado que
vivenciou vários
romances, porém nunca foi
de se apegar
totalmente. Em seu coração, só havia espaço para o PCB.
No que considero seu relacionamento mais duradouro,
iniciou-se aos quinze anos,
passou sete meses em noivado e depois contraiu matrimônio com Tito Tenório Cavalcanti.
Um relacionamento de
afeto e
reciprocidade com duração de
cinquenta e seis anos.
Casaram-se no ano de 1922. Tito Cavalcanti era filho de fazendeiro, seu avô era latifundiário,
teve oito filhos/as deixando uma fazenda de herança para cada uma/um. Tito cresceu em uma
fazenda no distrito de Mimoso, atuou como comerciante, mas seus negócios não deram muito
certo, então faliu, empregou-se como ferroviário. Foi dessa maneira que Adalgisa o conheceu,
como ferroviário. Ele era dez anos mais velho que Adalgisa,
já havia se casado uma vez e
ficou viúvo. Era casado com uma prima dela, conviveu com a falecida um ano e seis meses,
não tiveram filhas/os. Segundo Adalgisa, seu esposo adorava ler e também foi um admirador
de Luís Carlos Prestes. De maneira alguma,
mostrou-se contrário ao envolvimento de
Adalgisa com as questões políticas. Por causa dela, ele também passou a ser perseguido, como
ela mesma colocou em 1982 “Ele era perseguido por minha causa.
Mas, sempre era muito
amigo meu”. Nota-se a cumplicidade do relacionamento dos dois,
como o seu marido foi
importante em sua
trajetória política, no sentido de apoio e aceitação de seus
ideais.
Característica que raramente encontramos em trajetórias de mulheres militantes.
A figura 8 que se encontra logo abaixo,
trata-se de uma fotografia de Adalgisa com
seu esposo, quando ainda eram muito jovens,
possivelmente, retirada em 1927 ou 1928,
quando ela estava com apenas 22 anos.
93
Figura 8. Adalgisa aos 22 anos, com o esposo, Tito T. Cavalcanti.106
Em todos os momentos que teve os seus direitos de ir e vir retirados, ou seja, todas às
vezes que Adalgisa foi detida com a alegação, feita pelas autoridades polícia/política de então,
de praticar atividades subversivas, ela contou com o apoio total de seu esposo. Tito Cavalcanti
demonstrava preocupação com o bem-estar
de sua esposa. Seu comportamento diferia da
maioria dos homens comprometidos com mulheres engajadas na militância política.
Em
relação a filhas/os biológicas/os, o casal não teve. Na entrevista de 1982, Adalgisa menciona a
existência de uma filha adotiva,
a qual se referiu pelo nome de Maria Brito
107
. Durante a
execução da pesquisa, não encontrei nenhum registro de adoção formal.
Adalgisa cultivou boas relações familiares, como ela mesma afirmou, recebeu o apoio
da família em momentos difíceis, como durante as perseguições e prisões. Dedicou a maior
parte da sua vida a lutar contra as opressões que retiravam os direitos do povo. Nas próximas
páginas, viso localizar suas influências, motivações e iniciação política no Socorro Vermelho
Internacional.
106
Essa imagem foi retirada do livro Presença Feminina de Luzilá Gonçalves Ferreira (2002, p. 42). A autora do
livro utilizou como fonte o Álbum de Família da Adalgisa.
107
Obtive informações de que Maria Brito, atualmente, encontra-se em uma idade avançada e adoentada,
impossibilitando a realização de uma entrevista.
94
3.2. Influências e iniciação política
Poderia afirmar que o envolvimento dos pais de Adalgisa R.
C. com as questões
políticas foi um fator fundamental para que ela desenvolvesse interesse pela vida pública. No
entanto, a militante revelou que a sua inspiração e curiosidade pela política surgiu em 1922,
manifestada pelo Levante do Forte de Copacabana em cinco de julho daquele ano. Em 1922,
no dia do Levante do Forte,
Adalgisa estava com 16 anos e já havia oficializado sua união
matrimonial. É com essa idade que a personagem principal deste estudo direciona o seu olhar
e atenção às discussões políticas, tomando conhecimento dos acontecimentos no Brasil e no
mundo através das leituras realizadas nos jornais que circulavam naquela época. No ponto de
vista de Adalgisa: “foi muito bonito, mas infelizmente, um levante que foi inglório porque
não teve apoio do povo, não teve apoio das massas”. Este Levante contou com a participação
de dezessete soldados que se encontravam no Forte de Copacabana.
Decidiram enfrentar o
governo, recebendo o apoio de apenas um civil, posteriormente chamados de “18 do forte”,
foram derrotados, “abatidos a tiros ou presos um a um.
O levante foi facilmente derrotado,
mas se consagrou na memória dos militares como o marco zero do tenentismo”
(NAPOLITANO, 2016, p. 74).
Em 1925, no dia 5 de julho, em homenagem ao Levante de 1922, militares contrários
ao governo realizaram uma segunda revolta, assumindo vários locais estratégicos em alguns
estados do país. No entanto, o controle durou pouco menos de um mês, pois não tinham um
projeto político organizado.
Quando expulsos das capitais pelas autoridades do governo,
alguns se direcionaram rumo ao sul, para se juntarem à coluna comandada pelo capitão Luiz
Carlos Prestes. Dando início a tão famosa Coluna Prestes.
Coluna Prestes percorreu cerca de 25 mil
mobilizar a população rural
Durante mais de dois anos,
a
quilômetros pelo interior
do Brasil, tentando
contra a oligarquia e o mandonismo dos
coronéis locais.
(NAPOLITANO, 2016, p. 85).
Formada por militares e civis, com mais de mil homens, enfrentaram muitas batalhas
contra o exército do governo e tropas locais. A população camponesa não tinha compreensão
do que se tratava o tenentismo, não houve uma mobilização que auxiliasse o engajamento na
causa. Já em 1927, a Coluna Prestes partiu para o exílio na Bolívia, questionando como fazer
uma Revolução no Brasil. “A ‘Coluna Invicta’, como foi chamada, não perdeu batalhas, mas
também não ganhou a guerra” (NAPOLITANO, 2016, p. 85).
95
Deste modo, nasce o fascínio de Adalgisa por Luís Carlos Prestes, igualmente a tantos
e tantas outras militantes que se engajaram na
luta política comunista. Inclusive, no
Movimento de 1930108 ela acompanhou os desfechos do acontecimento, a princípio
entusiasmada, na expectativa da participação de
Prestes. Como ela
mesma coloca na
entrevista: “Eu queria ver o final daquela coisa, porque eu já tinha em mente que vinha
elementos como Prestes à frente desse Movimento.
E não foi”.
Um grupo de parentes
paraibanos convidou Adalgisa para participar das mobilizações políticas da Aliança Liberal
em 1930, mas ela não se envolveu.
O Movimento de 1930 foi invocado devido à quebra de acordo entre as elites políticas.
Em 1929, Washington Luís apoiou a candidatura do paulista Júlio Prestes à presidência.
Gerando insatisfação a oposição que,
por sua vez, apoiou Getúlio Vargas e João Pessoa,
formando a Aliança Liberal. Júlio Prestes saiu vitorioso nas eleições de março de 1930.
oposição não aceitou o resultado,
assassinato de João Pessoa,
A
utilizando como justificativa para iniciar o movimento o
ato realizado no Recife, tendo como responsável João Dantas,
motivado por questões privadas e públicas (FAUSTO, 2018). Muitos tenentistas apoiaram o
movimento, o próprio Getúlio Vargas insistiu para que Prestes comandasse a Revolução de
1930, mas ele recusou (VIANNA, 2007). Luís Carlos Prestes era:
[...] o nome de maior prestígio entre os ‘tenentes’ lançou um manifesto no qual se
declarava socialista revolucionário e condenava o apoio às oligarquias dissidentes.
Na sua concepção, as forças em luta eram apenas um joguete da luta maior entre o
imperialismo britânico e o norte-americano pelo controle
da América Latina
(FAUSTO, 2018, p. 179).
Adalgisa afirmou que teve acesso ao programa da Aliança Liberal, ficou
decepcionada, pois não tratava dos problemas fundamentais do povo,
nem da classe operária.
“O programa da Aliança Liberal
não falava da terra e
refletia as aspirações das classes
dominantes regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar a
classe média” (FAUSTO, 2018, p. 178). Segundo o ponto de
modificações e conquistas que vieram com o Movimento de 1930,
vista de Adalgisa, as
foram forçadas e
ocasionadas por meio das mobilizações das massas, do povo.
108
Existe uma discussão se seria adequado se referir ao Movimento de 1930 como Revolução. Para José Murilo
de Carvalho (2021), não seria uma revolução se compararmos o episódio com o que ocorreu no México em
1910, na Rússia em 1917 ou na França em 1789. Mas isso não diminui o tamanho da importância do movimento
de 1930 para a história política do Brasil.
96
A pesquisadora Eliane Moury Fernandes, responsável por realizar a entrevista com a
Adalgisa em 1982,
quando questionou as motivações que recebeu para entrar
no Partido
Comunista, nota-se que pela forma como a entrevista foi conduzida, a entrevistadora estava
mais interessada em saber
nomes de pessoas, e não obras literárias,
Adalgisa mencionasse o nome de outras leituras realizadas.
impossibilitando que
Mencionou apenas os livros A
Mãe, de Máximo Gorki, e Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, do escritor americano John
Reed, entre as muitas leituras que afirmou ter realizado.
O livro A Mãe 109 (1907), foi escrito por Máximo Gorki (1868-1936), escritor russo de
origem humilde, que passou fome e frio.
Produziu várias obras, iniciando o processo de
escrita aos quinze anos. Leu Karl Marx e simpatizou com as ideias do filósofo, desse modo,
seguiu os passos de Lênin.
Devido ao engajamento político acabou sendo preso com a
acusação de realizar atividades subversivas 110. Essa obra de Gorki é um clássico da literatura
russa, trata-se de um livro de ficção inspirado nas manifestações do dia do trabalhador de
1902 que aconteceu na cidade de Sormovo. Tem como perspectiva a luta de classes e retrata a
figura de Pélagué, a mãe de Pavel, ambos inseridos nas organizações do movimento operário
russo. Pélagué acaba se envolvendo com o movimento devido à influência de seu filho 111.
A obra Os Dez Dias que Abalaram o Mundo 112 de autoria de John Reed (1887-1920),
um jornalista estadunidense, que se envolveu com as questões políticas do Partido Comunista
dos Estados Unidos. Nessa obra, ele relata o seu testemunho por acompanhar a Revolução
Bolchevique de outubro de 1917 na Rússia
113.
. Esse livro, na edição norte-americana, teve o
prefácio escrito por Lênin, o qual disse as seguintes palavras:
Com imenso interesse e igual atenção li, até o fim, o livro Os dez dias que abalaram
o mundo, de John Reed. Recomendo-o, sem reservas, aos trabalhadores de todos os
países. É uma obra que eu gostaria de ver publicada aos milhões de exemplares e
traduzida para todas as línguas, pois traça um quadro exato e extraordinariamente
vivo dos acontecimentos que tão grande importância tiveram para a compreensão da
109
Para saber mais, ler: GÓRKI, Máximo. A mãe. Tradução: Araújo Neves. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2021.
110
Informações
obtidas
sobre
a
biografia
de
Máximo
Gorki.
Disponível
em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1ximo_Gorki>. Acesso em: 07 de outubro de 2023.
111
ZEBINI, Júlia. Literatura e Revolução. Disponível em: <https://www.cal.iel.unicamp.br/?p=1546>. Acesso
em: 07 de outubro de 2023.
112
Para saber mais, ler: REED, John. Dez dias que abalaram o mundo. Tradução: Bernardo Ajzenberg. São
Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010.
113
Informações
retiradas
de:
REED,
John.
Disponível
em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Reed#cite_note-3>. Acesso em: 07 de outubro de 2023.
97
Revolução Proletária e da Ditadura do Proletariado. Em nossos dias, essas questões
são objeto de discussões generalizadas, mas, antes de se aceitarem ou de se
repelirem as ideias que representam, torna-se necessário que se saiba a real
significação do partido que se vai tomar. O livro de John Reed, indubitavelmente,
ajudará a esclarecer o problema do movimento operário internacional.
V. I. Lênin
FINS DE 1919114.
Dessa maneira, baseando-se nas palavras de Lênin sobre a obra,
ela representa algo
importante, não apenas para entender a revolução do proletariado na Rússia, mas também por
auxiliar no esclarecimento a respeito do movimento operário e da militância comunista. Essas
duas obras recordadas por Adalgisa são exemplos significativos das influências intelectuais
que recebeu por
intermédio das leituras que realizou.
Do mesmo modo,
contou com os
direcionamentos de companheiros ligados ao PCB, como Agostinho Dias de Oliveira e outros
ferroviários. Adalgisa conheceu essas pessoas através de seu esposo, colegas de trabalho de
Tito Cavalcanti, que neste período, ocupava o cargo de condutor na empresa Great Western.
A inclusão do voto feminino no Brasil
também pode ser
facilitador a inserção de Adalgisa na luta política.
considerada um fator
A militante comunista aponta que a
conquista desse direito em 1932, efetivado em 1934, a deixou muito entusiasmada, tratando
logo de tirar o seu título de eleitora. No entanto, Adalgisa menciona que não sabe exatamente
como esse direito foi
adquirido. O fato de não saber
feminino no eleitorado brasileiro indica que a militante,
como ocorreu a inclusão do voto
embora fosse uma mulher branca e
seu sobrenome sugerisse um parentesco com uma família de posses em Pernambuco,
não
tinha contato, ou pelo menos não suficiente, com as mulheres brancas de classe média que
disputavam um espaço no cenário político que,
masculinas. Esse apontamento não diminui
naquele momento, era rodeado por figuras
a contribuição de suas ações ou invalida a sua
atuação, por iniciar a prática política, apenas, quando os direitos políticos femininos no Brasil
tenham sido efetivados.
Pode-se afirmar que os seus conhecimentos sobre as questões
políticas do país e do mundo,
como também a importância da participação das mulheres na
política, aconteceram por
meio de outras influências, provavelmente, dos militantes
comunistas, ou seja, do PCB e não das feministas.
114
REED, John. Prefácio de Lênin para a edição Norte-Americana. In. Os Dez Dias que Abalaram o Mundo.
Disponível
em:
<https://www.socialistamorena.com.br/wp-content/uploads/2017/12/JohnReed-OsDezDiasQueAbalaramoMundo
.pdf>. Acesso em: 07 de outubro de 2023.
98
A trajetória política de Adalgisa R. C. iniciou quando se tornou eleitora, em 1934. Ela
escolheu o comunismo como ideal
político, começando a desenvolver suas atividades no
Socorro Vermelho Internacional, fundada em 1922 e dissolvida em 1943,
uma organização
estabelecida pela Internacional Comunista, um apêndice do PCB. Não obtivemos informações
concretas de quando iniciou e até quando permaneceu ativa no Brasil
115
. Para J. Martin Ryle
(2008), de todas as organizações vinculadas a IC, o Socorro Vermelho foi a mais conhecida e
ativa. O seu auge ocorreu entre 1932 e 1933. Tinha como objetivo fornecer ajuda financeira,
moral e jurídica a todas e todos os militantes comunistas e seus familiares que estavam
sofrendo com as perseguições e prisões dos opositores burgueses, além disso, prestava auxílio
nas atividades de agitação e propagando com grande nível de alcance. Formalmente criada em
29 de setembro de 1922, sob a direção de Marchlewski e P. N. Lepeshinsky (RYLE, 2008).
Segundo J. Martin Ryle (2008),
no Quinto Congresso do Comintern,
em 1924,
considerou-se de suma importância o apoio dos partidos comunistas ao Socorro Vermelho em
seus respectivos países, especificando três formas de atuação: a primeira estava relacionada ao
apoio que os partidos comunistas deveriam dar
aos Socorros Vermelhos, frisando a
necessidade da atuação dos membros na organização e o pagamento de quotas regulares;
segunda, era direcionada a atuação da imprensa do PC,
a
reservando uma maior atenção e
espaço para a agitação e propaganda voltada aos revolucionários comunistas;
Socorro Vermelho deveria ser destacado em todas as campanhas do PC.
na terceira, o
Nesta resolução,
também é confirmada que o dia 18 de março seria considerado o Dia do Socorro Vermelho
Internacional (RYLE, 2008).
Entre as pessoas que faziam parte
do grupo do Socorro Vermelho atuante em
Pernambuco, Adalgisa expõe a contribuição de operários, médicos e advogados, mencionando
alguns nomes: Alcedo Coutinho, Alfredo Coutinho, Manoel Rodrigues Calheiros (médico),
Pina Júnior (médico), Fonseca Lima (médico),
(operário), Carlos José Duarte (advogado).
Artur de Sá (médico),
Pedro Celestino
Os médicos contribuíram com a assistência
médica, atendendo e receitando remédios aos familiares dos presos políticos. Os advogados
eram responsáveis pela parte jurídica.
Portanto, as ideias apresentadas nessa parte perpassam por
questões remetentes as
influências políticas e motivações pessoais que levaram Adalgisa a ingressar na vida política
115
Não encontrei nenhum trabalho acadêmico que tratasse especificamente da atuação do Socorro Vermelho
Internacional no Brasil, as evidências são localizadas, principalmente, nos relatos memorialísticos dos militantes
comunistas.
99
comunista, destacando sua iniciação no Socorro Vermelho Internacional. A seguir, a discussão
será voltada para a ANL e a atuação de Adalgisa no Levante de 1935.
3.3. A ANL e o Levante de 1935
A Aliança Nacional Libertadora foi fundada oficialmente em fevereiro de 1935.
lançamento da ANL ocorreu em um comício realizado no Teatro João Caetano,
março de 1935 no Rio de Janeiro,
presidente
de
honra
da
O
em 30 de
nesse evento, Luíz Carlos Prestes foi escolhido como o
organização
(VIANNA,
2007).
Logo
no
início
do
manifesto-programa116 da ANL, os revolucionários mencionam o que pretendem reivindicar,
sinalizando o interesse no cancelamento das dívidas imperialistas, o alcance da liberdade de
maneira ampla e o aumento dos salários, entendido como direitos do povo. Os organizadores
que estavam à frente da ANL, ressaltaram que não se tratava de um partido político, mas sim
um movimento popular. Entre seus objetivos, tinha em vista a emancipação econômica do
capital estrangeiro, deste modo, colocando-se como uma frente política,
programa amplo que pudesse atrair
possuidora de um
mais simpatizantes (VIANNA, 2015). O programa da
ANL destaca nove pontos considerados importantes para o progresso do Brasil:
Programa da Aliança Nacional Libertadora (Março de 1935)
1. Não pagamento nem reconhecimento das dívidas externas;
2. Denúncias dos tratados antinacionais com o imperialismo;
3. Nacionalização dos serviços públicos mais importantes e das empresas
imperialistas que não se subordinem às leis do governo popular revolucionário;
4. Jornada máxima de trabalho de oito horas,
seguro social (aposentadoria etc.),
aumento de salários, salário igual para trabalho igual, garantia de salário mínimo,
satisfação dos demais pedidos do proletariado;
5. Luta contra as condições escravagistas e feudais de trabalho;
6. Distribuição entre população pobre, camponesa e operária das terras e utilização
das aguadas, tomadas sem indenização aos imperialistas, aos grandes proprietários
mais reacionários e aos elementos da Igreja que lutem contra a libertação do Brasil e
a libertação do povo;
116
Manifesto-Programa
da
ANL.
In:
Documentos
Históricos.
Disponível
<https://www.marxists.org/portugues/tematica/1935/03/manifesto.htm> Acesso em: 17 de out. de 2023.
em:
100
7. Devolução das terras, arrebatadas pela violência, aos indígenas;
8. Pelas mais amplas liberdades populares, pela completa liquidação de quaisquer
diferenças ou privilégios de raça, de cor ou de nacionalidade, pela mais completa
liberdade religiosa e a separação da Igreja do Estado;
9. Contra toda e quaisquer guerras imperialistas e pela estrita união com as Alianças
Nacionais Libertadoras dos demais países da América Latina e com todas as classes
e povos oprimidos.117
O Programa da ANL,
lançado definitivamente em março de 1935,
destacava nove
pontos considerados, pelos revolucionários, como fundamentais para a instalação de um
governo popular revolucionário. Cada um desses pontos, também pode ser entendido como
uma crítica em relação à atual
desfavorecendo totalmente
administração política vivenciada no Brasil naquele período,
os grupos sociais inferiorizados, como os trabalhadores, os
camponeses, indígenas, os discriminados devido a sua cor,
disso, o programa criticava as ações imperialistas,
religião e nacionalidade. Além
tendo em vista os prejuízos causados ao
país, sinalizando a nacionalização dos serviços públicos e das empresas estrangeiras que não
aceitassem as leis estabelecidas pelo governo popular. O governo popular não se compromete
com o reconhecimento e pagamento das dívidas externas. Enfatiza a regulamentação das leis
trabalhistas, garantindo mais direitos para a classe trabalhadora, como aposentadoria, aumento
de salário, “salário igual para trabalho igual”.
Deste modo, demarcou o que pode ser
compreendido como uma referência ao reconhecimento de que as mulheres, ao exercerem as
mesmas profissões que os homens, recebam o mesmo salário sem discriminação pelo sexo.
São contrários ao trabalho análogo à escravidão e defendem a reforma agrária, sinalizando a
devolução das terras pertencentes aos indígenas.
A ANL se coloca como uma organização
política defensora da liberdade em seu mais amplo sentido, reivindicando uma separação da
Igreja com o Estado. Colocando-se à frente da luta defensora dos direitos de todas as classes e
povos oprimidos.
Segundo Adalgisa, a ANL assombrou o governo de Getúlio Vargas devido à proporção
que tomou nos estados brasileiros “uniu partidos políticos, sindicatos, diversas organizações
femininas, culturais, estudantis, profissionais liberais e militares” (VIANNA,
2007, p. 81).
em Recife 118, no qual
desempenhou
Adalgisa, filiou-se à ANL no diretório do Pina,
atividades, indo de casa em casa, esclarecendo as propostas da ANL, auxiliando na filiação de
117
Programa da Aliança Nacional Libertadora. In: Documentos Históricos. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/tematica/1935/03/anl.htm> Acesso em 17 de out. de 2023.
118
Durante poucos meses, a ANL ganhou bastante reconhecimento, “Cálculos conservadores indicam que em
julho de 1935 ela contava entre 70 mil a 100 mil pessoas” (FAUSTO, 2018, p. 198).
101
novos adeptos. Em relação aos componentes do Diretório do Pina e do Diretório Estadual,
recordou-se apenas de Agostinho Dias de Oliveira e Zezito,
a quem se referiu como o
dirigente principal, não especificando se o do Pina ou do Diretório Estadual.
A ANL foi, reconhecidamente, a maior organização de massas que o país já teve.
Em cerca de três meses, organizou centenas de núcleos em todo o Brasil, [...] Por
outro lado, o governo tentava identificar a ANL com o PCB,
para isolá-la e
combatê-la com maior eficácia (VIANNA, 2007, p. 82).
Adalgisa confirma que a ANL não se tratava de uma organização comunista, em parte
os objetivos do PCB e da ANL coincidiam.
Por causa disso, o Partido Comunista apoiou a
tentativa revolucionária da ANL. O fechamento da organização veio com “o decreto n° 229,
de 11 de julho de 1935, fechava a ANL provisoriamente, por seis meses, mas os levantes de
novembro fecharam-na definitivamente” (VIANNA, 2015, p. 23). Em relação à utilização do
termo Revolução Comunista ou Levante Comunista para o que aconteceu em 1935, segundo
Motta,
Evidentemente, o objetivo final seria implantar o socialismo no país, ainda que se
tornasse necessário estabelecer políticas transitórias e concessões a eventuais aliados
moderados. Em tais condições, não pode ser considerado inapropriado qualificar a
Revolução de 1935 como comunista (MOTTA, 2020, p. 211).
A tentativa revolucionária foi iniciada em 23 de novembro de 1935 em Natal com a
tomada do 21° Batalhão de Caçadores,
contando com o apoio de cabos, sargentos e grande
apoio de funcionários públicos e operários, conseguindo manter-se no controle por cinco dias
(JANSEN, 2015). No dia 25, os militares ocuparam o 29° Batalhão dos Caçadores no Recife,
o sargento Gregório Bezerra ficou encarregado de mobilizar os praças do CPOR, além disso,
esperava-se a participação de
estivadores, operários, portuários, entre outros, mas não
apareceu ninguém no momento do Levante (VIANNA, 2007). Em 27 de novembro, militares
no Rio de Janeiro assumiram o 3° Regimento da Infantaria na Praia Vermelha e a Escola de
Aviação Militar no campo dos Afonso, derrotados após uma noite de luta (JANSEN, 2015).
Para o PCB, a derrota ocorreu porque o movimento foi precipitado (VIANNA, 2007).
102
Os potiguares começaram uma revolução sem consultar o comitê ao qual estavam
subordinados na hierarquia partidária. Os membros do secretariado reuniram-se às
pressas na noite de 23 e, diante do fato consumado, ordenaram um levante imediato
na região. Agindo assim, acabaram por desrespeitar também a hierarquia, pois
tomaram decisão tão grave sem consultar a direção nacional do PCB. Determinou-se
que em Recife a ação começaria às 9h do dia seguinte, domingo, 24 de novembro
(MOTTA, 2020, p. 209).
De acordo com Adalgisa,
em Recife, os líderes do Movimento, por parte do PCB,
eram Caetano Machado e Silo Meireles.
A cidade aparentava conter
o maior número de
pessoas politizadas, no entanto, também não compreenderam o que estava acontecendo
quando o Levante iniciou, a maioria dos envolvidos da capital pernambucana faziam parte do
PCB (VIANNA, 2007). Adalgisa comenta que havia uma organização das massas em Recife,
porém, devido à precipitação, ficou mal organizado, os envolvidos no Levante ao chegarem
ao ponto de encontro se dispersaram pela falta de armamento. Como exemplo da falta de um
planejamento mais elaborado, a própria aliancista, mesmo fazendo parte do Movimento, não a
informou antecipadamente sobre o início da revolução que ocorreu na parte da manhã do
domingo, sendo comunicada apenas ao meio-dia. Após ser informada pelo coronel Muniz de
Farias, foi encarregada de fazer duas comunicações para auxiliar os companheiros e
companheiras, uma relacionada a um gráfico e outra em um Cais
119
. Das duas tarefas que
recebeu, só conseguiu realizar uma, a do gráfico. A outra incumbência, ao chegar ao local
combinado, não havia mais ninguém.
Para Adalgisa, militante comunista e aliancista,
a
antecipação, falta de apoio e participação de outros estados levou à revolução ao fracasso. Em
síntese, foi mal organizada.
Os levantes de novembro tiveram diferenças marcantes: o de Natal, desencadeado
pela revolta de militares subalternos do 21° BC, contou com ativa e ampla
participação popular; o de Recife, desencadeado pela direção-regional do PCB,
tentou arregimentar a população civil sem maior sucesso; os do Rio, decididos por
Prestes, foram principalmente levantes de quartel. Apesar das diferenças, o traço que
uniu os três movimentos foi o elemento tenentista (VIANNA, 2007, p. 102).
O número exato da quantidade de mortos
desconhecido. Sabe-se que em Recife,
e feridos ocasionado pelo Levante é
dezenas de revolucionários foram fuzilados após o
controle do conflito, “fontes da época estimaram em 60 mortos e 250 feridos as baixas de
Recife” (MOTTA, 2020, p. 213).
119
Na entrevista não foi possível compreender exatamente a qual Cais se referia.
103
Quanto à participação e organização das mulheres no Levante de 1935,
segundo
Adalgisa, não houve uma organização de mulheres. Existem outras referências que sinalizam
o envolvimento feminino no movimento de 1935.
Aloízia Medeiros Freire 120, sinaliza como
exemplo, a participação de Amélia Gomes Reginaldo e sua mãe Luzia Gomes dos Santos em
Natal-RN. Além disso, segundo a autora, as mulheres que participaram do Levante de 1935,
também fizeram parte da União Feminina do Brasil,
um órgão relacionado com o PCB e
beneficiado pela ANL e pelo Socorro Vermelho Internacional. Uma das figuras
representativas do público feminino nacional atuante em 1935 é Olga Benário, enviada pelo
Comintern para garantir a segurança de Luiz Carlos Prestes. Ainda conforme a autora citada,
compartilho da mesma compreensão de que Olga foi muitas vezes retratada, na historiografia
e por pesquisadores marxistas, como apenas a “mulher de Prestes”. Isso remete a taxação de
um papel subalterno que também ocorre com as mulheres atuantes no movimento de 1935 em
Natal e Pernambuco, excluindo quase que totalmente aquelas que não tinham um
marido/companheiro militante.
Voltando ao pronunciamento de Adalgisa em relação
à inexistência de uma
organização das mulheres em 1935, como justificar a afirmação de Adalgisa? Primeiramente,
ela comenta que teve uma participação individual,
então não viu e não teve conhecimento
sobre uma organização vinda especificamente das mulheres. Ademais, pode-se considerar que
muitas organizações e figuras femininas afirmaram não fazer
parte de nenhum partido
político, embora houvesse uma aproximação com o PCB. Mesmo assim, naquele momento,
foram determinantes “o ideário marxista,
assim como a vivência nas células do Partido
Comunista, para a politização das mulheres,
mesmo considerando-se que nem todas eram
comunistas ou filiadas ao partido” (VIANNA,
2002, p. 29). Devido a não oficialização de
muitas mulheres com o PCB,
é difícil precisar os nomes envolvidos121. Deste modo,
compreendo a resposta de Adalgisa com a justificativa de que oficialmente não houve uma
organização de mulheres do PCB, pelo menos não em Pernambuco.
Segundo Homero Costa (2015), no Recife, a sede da ANL ficava localizada na Rua do
Imperador, fundada no início de abril
de 1935, o comitê regional do PCB foi o principal
articulador do Levante, os envolvidos reuniram-se ao tomarem conhecimento da deflagração
120
FREIRE. Aloízia Medeiros. O papel
da mulher na Insurreição Comunista. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/livros/70anos_depois/06_aluizia_freire_papel_mulher_insurreicao.htm.
Acesso em: 30/10/2023.
121
Para confirmar essa relação, seria necessária uma pesquisa mais
aprofundada sobre cada personagem
feminina. Uma das justificativas para a não confirmação pública do envolvimento com o PCB seria a constante
perseguição sofrida pelas/os militantes comunistas, tornando suas vidas mais complicadas.
104
da Insurreição em Natal.
O grupo de revolucionários de Pernambuco era constituído por
figuras como “Silo Meireles – oficial reformado do exército, os Tenentes Lamartine Coutinho
e Alberto Besouchet
e o Sargento Gregório Bezerra,
todos do Exército,
e os civis José
Caetano Machado, Pascácio Fonseca (operário gráfico)” (COSTA, 2015, p. 133). O autor não
menciona a participação de figuras femininas, deste modo, deixa no anonimato a atuação das
mulheres pernambucanas.
Uma possibilidade de fonte que pode ser
utilizada para mapear
feminino com o comunismo é a documentação da DOPS.
o envolvimento
Na próxima parte, a discussão
abordará as perseguições vivenciadas por Adalgisa, considerando os materiais da DOPS-PE.
3.4. Na mira da DOPS-PE
Segundo Arleandra Lima Ricardo (2009),
após o Levante de 1935,
Getúlio Vargas
decretou Estado de Sítio e a Carta Constitucional de 1934 foi suspensa. Com isso, teria criado
a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) no dia 23 de dezembro de 1935 e o Tribunal
de Segurança Nacional
(TSN) no ano seguinte,
com a função de julgar
as pessoas com
envolvimento políticos maléficos ao governo. Segundo Zélia Gominho (2011), a DOPS teria
sido criada bem antes,
em 1924. “Estas instituições visaram conter
as ameaças à ordem
vigente, o movimento operário, e, principalmente, o ideário considerado comunista”
(GOMINHO, 2011, p. 112). Mas a frente, na constituição de 1946, foram contemplados:
[...] dispositivos que visavam proteger o país de influências extremistas externas que
representassem ameaça a sua estabilidade política interna [Defesa Nacional].
Nas
Constituições de 1824, 1934 e 1937 esta preocupação já se manifestava, não só com
a segurança externa (Segurança do Estado ou Nacional) quanto de ordem interna
[Defesa do Estado] (GOMINHO, 2011, p. 112).
Com base nos interrogatórios,
procedimentos e técnicas de investigação adotadas
pelos agentes da DOPS, confirma-se a existência de uma vasta rede de espionagem
empenhada em obter
o máximo de informações possíveis sobre as/os investigadas/os.
prática adotada pela DOPS teve influência de instituições
A
internacionais. Ao todo, em
Pernambuco, 1.420 pessoas foram sentenciadas durante o período conhecido como Estado
105
Novo. A documentação da DOPS foi
liberada para pesquisa somente na década de 1990,
permitindo compreender os desdobramentos da repressão e opressão, inclusive o
direcionamento repressivo sobre o movimento feminino (RICARDO, 2009). Deste modo,
A repressão desencadeada pela DOPS em Pernambuco,
não escolheu classe ou
gênero, ou segmentos sociais. Porém, quando se trata do gênero feminino,
o
preconceito contra a mulher que exercia atividades públicas somou forças na
composição da violência da opressão.
Conforme consideravam os agentes da DOPS, a entrada de mulheres no movimento
da política causava transtornos adicionais, pois a ela cabia-lhe o espaço privado, o
cuidado da casa, da família, do marido, dos filhos. (RICARDO, 2009, p. 132)
Não posso deixar de mencionar que para Aloízia Medeiros Freire
122
, com base na
documentação policial que acessou, a autora notou a desinteresse com a verdadeira identidade
das mulheres, tendo em vista o preenchimento incompleto dos documentos,
dificultando a
obtenção de informações coerentes. Além disso, embora a invisibilidade atribuída à atuação
feminina nos espaços públicos seja evidenciada em pesquisas historiográficas,
como o público feminino,
em parte,
atuou na
política dentro de
observa-se
suas possibilidades,
reivindicando direitos básicos e necessários para a existência humana e para que elas também
fossem reconhecidas como cidadãs de fato.
Diante das condutas diminutivas em relação à atuação feminina que compunham as
bases governamentais do período político estudado, o engajamento político das mulheres era
visto como uma ameaça “a ordem e aos bons costumes”, por isso deveriam ser impedidas a
todo custo. Deste modo, tornando-se a DOPS uma ferramenta de controle,
que por vezes
muito eficiente diante dos detalhes cotidianos encontrados nos relatórios. Porém, ao mesmo
tempo, não tão eficiente, se destacar a atuação de figuras como a de Adalgisa, que embora
tenha sido extremamente
vigiada, conseguiu se
ressignificar na política comunista em
Pernambuco. Mesmo com toda a documentação referente à vida de Adalgisa, não foi possível
precisar todas as suas entradas e saídas da prisão. No entanto, “é possível afirmar que desde a
década de 1930 suas prisões foram intermitentes até 1965” (RICARDO, 2009, p. 131).
Em relação às perseguições, a comunista foi vigiada e perseguida nas ruas, mercados e
também “no cumprimento de seu mandato como deputada, em 1947. Pessoas ligadas a ela e
122
FREIRE. Aloízia Medeiros. O papel
da mulher na Insurreição Comunista. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/livros/70anos_depois/06_aluizia_freire_papel_mulher_insurreicao.htm.
Acesso em: 30/10/2023.
106
matérias que escreveu serviram de motivos para justificar prisões arbitrárias ao longo de sua
vida” (RICARDO, 2009, p. 131). Esse detalhe da vida de Adalgisa permite compreender o
nível de repressão desencadeado pelas DOPS,
comprometida em averiguar o máximo de
informações possíveis para prejudicá-la na política e pessoalmente.
Tomando por fio condutor a vida de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, a partir de
1946, os procedimentos de suspeição foram intensificados. Em qualquer situação,
dentro ou fora de sua residência, fosse qual fosse o motivo de suas saídas e em sua
residência, havia sempre agentes de prontidão. Sua vida social foi acompanhada
diariamente com o objetivo de registrar
alguma atitude que fosse considerada
subversiva, para assim servir de provas para os inquéritos que eram abertos a cada
prisão. (RICARDO, 2009, p. 136).
O Prontuário
Individual da DOPS-PE pertencente
à Adalgisa R. Cavalcanti é
identificado pelo número 5306, contém 263 documentos, correspondentes de agosto de 1934 a
janeiro de 1967,
conforme mostra a figura 9,
tratando-se da capa do Prontuário.
Nesse
material, me deparei com a informação de que em 1936, Adalgisa sinalizou que a profissão
exercida naquele momento era a de doméstica,
mas não informou o local
de trabalho,
permitindo inferir que, possivelmente, exercia essa atividade em sua própria casa. Para tanto,
também há relatórios policiais detalhando suas ações cotidianas e antecedentes criminais,
breves biografias, suas características físicas e aproximações com determinadas organizações
e elementos do PCB.
Figura 9. Capa do prontuário de Adalgisa.
107
Em 26 de março de 1936,
Adalgisa teve sua primeira detenção,
ligação com o Levante de 1935.
motivada por sua
O relatório referente a este dia é produzido por
um
investigador não identificado, aparentemente, o único meio de identificação utilizado pelos
investigadores do DOPS é uma numeração. O investigador não mencionou a sua numeração,
apenas o horário da abordagem: às dezesseis horas e dez minutos, acompanhado de mais dois
investigadores, o 93 e o 78. Antes de pontuar essas informações, o investigador informou que
diante do seguimento das investigações, era de seu conhecimento algumas características da
militante, qualificando-a como “pessoa inteligente”, além de manter espiões a seu serviço a
fim de evitar ser surpreendida pela polícia,
tratando-se de uma mulher muito conhecida nas
classes ferroviárias e gráficas.
Na primeira ida de Adalgisa à prisão foi
acusada por Malvino Reis de ter realizado
atividades subversivas, atuado no “movimento comunista”
123
. Todas as pessoas que se
encontravam na casa de Adalgisa também foram levadas à delegacia:
Alfredo Reechimend,
Hilda Nunes, Maria do Carmo Rodrigues de Freitas, Amélia Rodrigues de Freitas, Maria de
Barros Silva e Alcides Moreira, ficando na residência apenas Amélia Campello (mãe adotiva
de Adalgisa), para cuidar de Tito Tenório Cavalcanti (marido de Adalgisa) que estava doente.
Este dia ficou marcado na memória de Adalgisa. Uma sexta-feira da Paixão, feriado nacional.
Todas aquelas pessoas presentes tiveram que ir
a pé até a delegacia,
passando pela praça
Joaquim Nabuco, encontrando a procissão dos Passos, dificultando, em meio a tantas pessoas,
a identificação de quem realmente eram os detidos.
Chegando a delegacia, Malvino Reis
estava furioso, esperando prontamente por Adalgisa e ao identificá-la, liberou os demais que a
acompanharam, pois a denúncia era direcionada apenas a ela.
Passou quinze dias presa e
incomunicável, não permitiram a comunicação nem com seu esposo.
O tratamento foi de
péssima qualidade, alimentação horrível, como era jovem naquele período foi
mais fácil
tolerar.
Adalgisa confessou nunca ter
sofrido agressão física na cadeia,
a violência que
vivenciou foi moral, recebendo xingamentos. Assistiu à torturas, como a da esposa de José
Francisco de Oliveira, uma senhora idosa torturada com o uso de palmatória, batendo em seus
pés. Muitas pessoas foram torturadas e mortas durante o período do Estado Novo.
Após
aquele episódio, constantemente ela passou a ser convocada à delegacia, não diziam que era
123
Movimento comunista - um dos termos utilizados para se referir ao Levante de 1935.
A polícia política
insistia que o referido movimento era totalmente comunista, estando o PCB à frente da ANL.
108
uma prisão, era um chamado,
chegando lá, era obrigada a preencher
fichas detalhando
informações, ela retrucava, não se deixava intimidar. Em meio às ameaças e torturas, colegas
de Adalgisa que também integravam a militância partidária comunista a denunciaram,
ocasionando mais detenções à acusada.
O que chama a atenção no depoimento de Adalgisa é a afirmação de não ter sofrido
tortura física. Levando a questionar o que teria motivado esse livramento. Passando por uma
análise interseccional 124, um dos fatores favoráveis para o escape dos maus tratos físicos, seria
a branquitude, uma vez que ela ocupava uma posição social
branca, hétero e casada. Em relação às
privilegiada, a de uma mulher
características físicas de Adalgisa Rodrigues
Cavalcanti, era uma pessoa do sexo feminino,
cor branca, cabelos lisos castanhos, olhos
castanhos claros, nariz achatado, boca regular, rosto redondo, com um metro e cinquenta e
oito centímetros de altura.
Figura 10. Detida – Adalgisa Cavalcanti – Codinome “Ana”.125
Ao analisar a figura 10 que retrata Adalgisa, tudo indica que essa imagem foi retirada
na segunda metade da década de 1930,
quando estava detida na delegacia,
aspectos que caracterizam a militante como uma delinquente.
observam-se
Segundo Motta (2023), as
fotografias retiradas nas delegacias identificavam as/os comunistas como criminosas/os,
“seguindo o estilo que lhe era peculiar, retratavam os revolucionários nos mesmos ângulos e
124
O conceito de interseccionalidade remete a uma sensibilidade analítica, elaborada e pensada pelas feministas
negras (AKOTIRENE, 2019).
125
Fonte: APEJE/DOPS/Prontuário n. 5603.
109
poses utilizados para enquadrar os marginais” (MOTTA, 2023, p. 236). No primeiro
momento, Adalgisa está de lado, deixando visível sua identificação e passagem pela delegacia
(P14930). No segundo momento está de frente com um aspecto sério, aparentando ser uma
mulher perigosa como as demais pessoas envolvidas com o comunismo, fornecendo munição
para a propaganda anticomunistas da década de 1930.
Inclusive, a construção e o uso do termo “Intentona Comunista” associava “a imagem
da ação revolucionária a violência, assassinatos covardes e estupros” (MOTTA, 2023, p. 212).
Do mesmo modo,
“intentona” tem como significado “intento louco”,
desqualificando o evento,
contribuindo com a
“motim insensato”,
criação de um imaginário e celebração
anticomunista. O anticomunismo no Brasil iniciou após a Revolução Russa de 1917, episódio
com repercussão internacional. O anticomunismo atuou com demasiada intensidade em três
momentos: o primeiro foi entre 1935-1937, o segundo momento foi de 1946 a 1950, depois
em 1964, ocasionando o golpe militar. As representações do anticomunismo decorrem de três
bases, o catolicismo, nacionalismo e liberalismo (MOTTA, 2023). Além disso,
[...] o anticomunismo brasileiro foi bastante marcado por influências internacionais
tanto no que respeita às representações, quanto às ações. Mas isso não impediu que
existisse dinâmica própria e elaborações originais no campo das representações. Na
realidade, o anticomunismo no Brasil resultou da interação entre fatores endógenos e
exógenos, e os elementos dessa combinação variaram dependendo da conjuntura
histórica (MOTTA, 2023, p. 28).
Aspectos importantes que marcaram as perseguições aos comunistas brasileiros. Para
esse estudo, os dois primeiros momentos do anticomunismo correspondem a momentos
agitados e cruciais da trajetória de Adalgisa. Embora ela tenha sido prejudicada com o golpe
de 1964, sendo isto decorrente dos seus envolvimentos anteriores. Os antecedentes
“criminais” da comunista que constam na documentação da DOPS são iniciados em 25 de
setembro de 1934, por assinar com outras pessoas o documento enviado ao Tribunal Eleitoral
Regional, solicitando o reconhecimento do PCB. Ademais, descreveram suas passagens pela
delegacia, configurando-se em sua maioria breves detenções justificadas por “ordem pública”,
averiguação policial, atividades subversivas, ou seja, devido seu envolvimento direto com o
PCB, as quais são identificadas em organizações e atuação em comícios, em defesa da paz,
escrevendo artigos não bem vistos em virtude de ser uma homenagem a figuras importantes
do comunismo, como Stalin. Realizou atividades na diretoria do CMPD,
participação em
110
cursos formativos do PCB, criminalizada pela distribuição de exemplares da Folha do Povo,
realizou e participou de
palestras apresentando campanhas
pela Paz, do Petróleo,
de
Emancipação Nacional e contra o Pacto Militar Brasil-Estados Unidos.
Entre todos os relatórios elaborados pela DOPS, o do dia 29 de outubro de 1964 é o
que considero mais
preconceito contra as
polêmico. Este documento foi
descrito da maneira mais grotesca o
mulheres, desencadeado pelas autoridades detentoras do poder. É
provável que Adalgisa tenha sido uma das mulheres que mais sofreu com as ofensas e
perseguição política no estado de Pernambuco. Consoante às informações obtidas, o relatório
foi elaborado e divulgado pelo delegado Álvaro da Costa Lima.
Nesse cenário de 1964,
Adalgisa demonstrou indignação com o inquérito apresentado.
Pois, além de criticar a vida
pública de Adalgisa, o encarregado pelo inquérito ultrapassa os limites do bom senso ao
zombar, interferindo em sua vida particular, trazendo a tona questões que deixam explícito o
que é conhecido na atualidade pelo nome de ‘machismo’ e ‘misoginia’. A seguir será exposta
uma parte do referido relatório:
[...]
Não tendo filhos para cuidar e sendo o seu esposo bonzinho de gênio, não criando
embaraços às suas atividades políticas, dona Adalgisa passou a dedicar-se única e
exclusivamente aos interesses do Partido, mesmo porque essa questão de lar, de
família, são sentimentos burgueses, segundo a teoria comunista e, daí dona Adalgisa
relegar a um plano secundário a sua vida doméstica. Moscou precisava mais dos
seus serviços126.
Nesta primeira parte destacada, observa-se que a ausência de filhos e o temperamento
tranquilo de seu marido são tidos como fatores favoráveis ao comportamento subversivo de
Adalgisa, remetendo a ideia de que a maternidade,
a autoridade e agressividade masculina
seriam características fundamentais para manter uma mulher decente longe da vida agitada de
militante comunista. Do mesmo modo,
a ausência dessas características atua como fator
relevante aos interesses do comunismo,
que no entendimento das autoridades políticas da
época, o comunismo menosprezava a vida doméstica e familiar,
interesses de Moscou.
[...]
126
Prontuário n. 5603. DOPS. APEJE. Recife, 29 de outubro de 1964.
valorizando apenas os
111
É o Sr. Tito Tenório Cavalcanti, esposo de dona Adalgisa, - quem diz no seu
depoimento que – “é a sua senhora militante do Partido Comunista,
como é do
conhecimento geral e que desde o dia três de abril do ano em curso, a mesma saindo
para fazer compras, não mais voltou ao lar até a presente data”.
Bem que Dona
Adalgisa já se aproximando dos seus sessenta anos assaz vividos, poderia estar ao
lado do seu marido, cuidando do bom velho, fazendo tricô e ouvindo novelas. Mas
qual o quer, prefere andar por aí afora, tramando contra tudo e contra todos, a esta
altura já denegrindo a personalidade de Kroaygin, seu novo patrão, pessoa de quem é possível - nunca tenha ouvido falar. Tem jeito não, para dona Adalgisa
Enquanto isso, “seu” Tito se encontra sozinho, septuagenário, diabético, precisando
mais do que nunca da sua companheira para lhe fazer um chá,
prover nos seus
achaques e cantando para si mesmo – “ela saiu de casa e nunca mais voltou...”127.
Dando continuidade, o responsável pelo inquérito, tenta diminuir a contribuição das
atividades de Adalgisa, afirmando ser uma mulher idosa e que por
este e outros motivos
deveria ficar em casa, reclusa no espaço privado ao invés de andar causando confusão, sendo
possível compreender isto em trechos como “poderia estar ao lado do seu marido, cuidando
do bom velho, fazendo tricô e ouvindo novelas”. Deste modo, a ideia inserida seria a de que a
militante dava mais valor aos camaradas do partido, deste modo, aos interesses internacionais
do que a sua própria casa e esposo.
auxiliando na política comunista,
No entanto, devido a sua idade,
ao invés de estar
estaria difamando a personalidade de Alexey Kosygin,
tendo em vista ser uma mulher com 60 anos. A ausência de Adalgisa no ambiente privado é
vista como a causadora dos infortúnios de seu marido que, além de ter mais de 70 anos, era
diabético, teria ficado transtornado por não ter uma esposa para exercer sua função natural de
cuidadora do lar,
alimentando e satisfazendo as
necessidades de seu marido incapaz e
solitário.
Diante das provas colhidas no inquérito, não se faz preciso invocar o sistema de São
Thomé para, de sã consciência, afirma-se estar dona Adalgisa incursas nas penas do
arts. 9 e 10 da Lei de Segurança Nacional, tornando-se oportunas a decretação da sua
prisão preventiva nos termos da aludida lei128.
O relatório é finalizado com a conclusão que diante das informações relatadas,
justificável a sua condenação,
não havendo dúvida dos crimes cometidos por
afetando e prejudicando não apenas a ordem política,
Adalgisa,
como também, a “moral e os bons
costumes” da sociedade brasileira, os quais deveriam ser seguidos e preservados. Tratando-se
127
128
Ibidem.
Ibidem.
é
112
de uma mulher subversiva, idosa, irresponsável e despreocupada com o “bom senso familiar”.
De acordo com Ricardo (2009):
Tais conotações preconceituosas contra a mulher que exercia uma função pública
não expressam somente a posição de um indivíduo. Estão engendrados no social,
confere-lhe valor moral, diz respeito aos bons costumes e significa o uso do poder
público para determinar a função e o lugar da mulher. (RICARDO, 2009, p. 135).
O relatório da DOPS, mencionado anteriormente, está relacionado à condenação de
Adalgisa em um ano de prisão pela justiça militar.
A motivação para o acontecido estava
relacionada ao seu mandato de deputada estadual, acusada de praticar atividades subversivas,
19 anos depois deveria pagar pelos seus “crimes”.
A prisão aconteceu em 09 de agosto de
1966, Adalgisa passou seis dias na DOPS, depois foi levada para a Colônia Penal, chegando
às dez horas da noite, sendo recebida pela irmã Benigna (freira), após receber as instruções do
inspetor a levaram à diretoria da Colônia Penal. Este acontecimento na vida de Adalgisa foi
exposto em matérias de jornais da seguinte maneira:
Conselho de Justiça condena ex-deputada a 1 ano de prisão
A ex-deputada Adalgisa Cavalcanti foi condenada ontem, a um ano de prisão, pelo
Conselho de Justiça do Exército, o qual aceitou, em parte, a denúncia da promotoria
contra ex-parlamentar, acusando-a de desenvolver atividades subversivas no estado,
notadamente durante o exercício do seu mandato.
Após o julgamento, a ré (que se achava em liberdade) foi transferida, diretamente do
salão de audiências da Auditoria da 7ª, Região, para a Colônia Penal de Mulheres
Delinquentes, tendo sua advogada demonstrado intenções de requerer comutação da
pena, sob alegação de já haver, sua constituinte, cumprido suficiente tempo de
prisão.129
Adalgisa Cavalcanti foi Condenada ontem a Cumprir um ano de Detenção
À pena mínima de um ano de reclusão, imposta pela Lei de Segurança do Estado a
quem se filia ou ajuda “com serviços ou donativos, ostensiva ou clandestinamente,
mas sempre de maneira inequívoca”, a um partido dissolvido por força de disposição
legal, o PC foi condenado ontem pelo Conselho Permanente de Justiça do Exército a
ex-deputada Adalgisa Cavalcanti, ex-funcionária do Serviço Social Contra o
Mocambo, e uma das mais antigas militantes e divulgadoras da doutrina marxista no
Recife. [...] Ontem mesmo a acusada foi escoltada da auditoria de Guerra da 7. a RM
para a Colônia Penal de Mulheres Delinquentes, onde expiará seus atos
criminosos.130
129
130
Prontuário n. 5603. DOPS. APEJE. Recife, 10 de agosto de 1966 [Fragmento do Jornal do Comércio].
Prontuário n. 5603. DOPS. APEJE. Recife, 10 de agosto de 1966 [Fragmento do Diário de Pernambuco].
113
Ambos os fragmentos foram retirados da documentação da DOPS-PE correspondente
ao prontuário Individual
de Adalgisa. O primeiro faz parte do Jornal
segundo trata-se do Diário de Pernambuco.
do Comércio e o
Nas duas matérias, encontram-se subsídios que
permitem apurar os interesses contidos nesses dois meios de distribuição de informações de
nível expressivo. Dessa maneira, compreendo que as opiniões colocadas nestas fontes estão
em extremo alinhamento com os detentores do poder.
Sendo notável que as justificativas
apontadas para a sua prisão estão relacionadas ao envolvimento com o PCB. Ainda sobre os
fragmentos dos jornais, no Jornal do Comércio, Adalgisa é acusada de desenvolver
“atividades subversivas” no estado de Pernambuco durante o período em que atuou como
deputada estadual, passando-se 19 anos após a finalização de seu mandato político. No Diário
de Pernambuco é mencionado de ter praticado “atos criminosos”, os quais seriam ter ajudado
e se filiado ao PCB que havia sido “dissolvido por força de disposição legal”.
Essa prisão foi
a mais longa de toda a vida de Adalgisa.
ditadura civil-militar, confinada na Colônia Penal
Ocorreu no período de
do Bom Pastor, localizada na cidade do
Recife, lugar este que foi nomeado no ano de 1943,
“quando a Ordem Nossa Senhora da
Caridade do Bom Pastor
da Colônia, que foi inaugurada em
alicerça a pedra fundamental
1945” (SILVA, 2017, p. 87). Tratava-se de um local específico que recebia somente mulheres
delinquentes, inclusive, recebeu não apenas presas políticas de Pernambuco,
mas de outros
estados brasileiros, como do Rio Grande do Sul. “Em Pernambuco a Colônia foi construída
em parceria com o Estado,
na gestão do governador
Agamenon Magalhães e a Ordem
Religiosa Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor" (SILVA,
instituição dirigida por
2017, p. 88). Por ser uma
freiras, era organizada de maneira diferenciada das penitenciárias
comuns. Pautava-se no sentido de garantir
uma “recuperação social”, dessa maneira, não
recorriam a meios violentos de repreensão, como a tortura (SILVA, 2017).
Para atingir o objetivo da “recuperação social”,
alguns ofícios eram ensinados as
detentas “como a produção de doces, biscoitos, pães, corte e costura, entre outras atividades
que permitissem a estas mulheres, consideradas socialmente desviantes, ao saírem da Colônia
Penal, fossem reinseridas na sociedade" (SILVA, 2017, p. 88), ou seja, era uma forma indireta
de mostrar a essas mulheres que a salvação e arrependimento de seus crimes se encontravam
na realização de atividades tidas como naturais às mulheres,
femininas”, deixando de lado o interesse por política.
o cuidado, o das “práticas
114
Em entrevista realizada em 02 de dezembro de 1983 131, Julia Santiago da Conceição,
comenta sobre sua proximidade com Adalgisa,
visitando-a sempre que podia, levava frutas.
Muitas vezes era a primeira a chegar ao Bom Pastor e a última a sair após a finalização do
horário de visita. Além disso, Julia conta que muitos dos integrantes do PCB tinham pavor só
de imaginar em passar de frente a Colônia do Bom Pastor, repreendendo-a, pois poderia ficar
presa com Adalgisa. Julia dizia que se ficasse por lá, pelo menos Adalgisa não ficaria sozinha,
as duas teriam muito assunto para conversar. Demarcando um espaço de luta e solidariedade.
Embora a documentação da DOPS-PE seja um material
que remete as opiniões e
interesses dos que faziam parte da polícia política da época, contém informações relevantes
sobre a atuação de Adalgisa na política comunista em Pernambuco. Isso chama a atenção para
dois aspectos: o primeiro, de que Adalgisa e outras mulheres participaram ativamente dos
processos políticos em Pernambuco, porém, foram invisibilizadas na historiografia oficial; o
segundo ponto, diz respeito ao protagonismo exercido por Adalgisa dentro do PCB. Chega a
ser interessante como os relatórios da DOPS ao serem produzidos para desmerecer a atuação
de Adalgisa, podem ser analisados com a perspectiva de expor os seus modos de agir em uma
sociedade machista e capitalista.
Adalgisa, como mulher, se impõe sem deixar de lado os
aspectos envoltos da feminilidade, por sua vez, esses aspectos (principalmente o do cuidado)
são utilizados para desmerecê-la como uma pessoa ativa na política.
A seguir, os apontamentos destacados giram em torno de sua militância antifascista,
considerando como importante
para a discussão, já que Adalgisa,
na maioria de seus
discursos, traz a tona críticas em relação ao fascismo.
3.5. Militante antifascista
Adalgisa tornou-se uma das personagens antifascistas,
iniciando seu desempenho no
Movimento Antifascista em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial. Antes disso, recorda
a efervescência fascista no Brasil através do integralismo. Neste sentido, o fascismo pode ser
caracterizado como um modelo de dominação política,
destacando o aspecto de “oposição
radical aos valores do socialismo e do comunismo” (MAIO e CYTRYNOWICZ, 2007, p. 44).
131
FERNANDES, Eliane Moury. Entrevista: Julia Santiago da Conceição.
Nabuco - MEC. Recife, 1983.
CEHIBRA, Fundação Joaquim
115
De acordo com Ricardo Figueiredo de Castro (2002), no Brasil, o fascismo e o antifascismo,
enfrentavam-se desde a década de 1920,
sendo a partir da fundação da AIB que os temas
políticos nacionais passaram a fazer parte da disputa.
A AIB foi criada por Plínio Salgado
(1895-1975), um intelectual responsável pela sistematização da Teoria do Estado Integral,
apoiando o fim do liberalismo, com ideais religiosos e defendendo uma visão conservadora
sobre a família.
Em 1930, Plínio se encontrou com Benito Mussolini,
movimento e posteriormente fundar
que o aconselhou a criar um
um partido político semelhante ao seu.
Plínio, “com
muita empolgação, dizia estar frente a frente com o gênio criador da política do futuro,
o
profeta do mundo contemporâneo” (GONÇALVES e CALDEIRA NETO, 2020, p. 9). Desta
maneira, foi desenvolvida a Sociedade de Estudos Políticos (SEP) onde seriam debatidos os
problemas gerais da nação e posteriormente se deu início a AIB, que foi fundada em 1932 e se
tornou o primeiro partido de massas a atuar em território nacional. Seus integrantes ficaram
conhecidos como camisas-verdes, fazendo uma alusão aos camisas-negras italianos. Entre as
principais ideias políticas defendidas pelos integralistas estão:
o corporativismo político, a
abolição do pluripartidarismo, perseguição aos comunistas, o fim do capitalismo especulativo
e a ascensão de um forte líder político.
A família e a religiosidade estavam presentes nos ideais dos integralistas. Em relação à
família, as mulheres desempenham um papel
importante e esses pontos foram expostos na
obra “A Mulher do Século XX” 132, livro escrito por Plínio Salgado, no qual ele exibiu o que
acredita ser o papel fundamental das mulheres na sociedade. A maternidade foi um dos pontos
destacados. Na perspectiva do líder integralista, por serem as mulheres capazes de gerar outro
ser, desse modo, trazendo ao mundo mais militantes integralistas, elas exerceriam um papel
fundamental na educação dessas crianças, pois, segundo Plínio:
Não importa que, em razão de qualquer motivo justo, ela não tenha filhos. Para ser
mãe psicologicamente, familiarmente, socialmente, intelectualmente, e até
politicamente, não importa o ter ou não ter filhos. O essencial é que a ação da
mulher no seu meio se exerça num sentido maternal. [...] portanto, mesmo solteira,
tem espiritualmente, sentimentalmente, uma missão maternal (SALGADO, 1949, p.
73-74).
132
O livro “A Mulher no Século XX” foi primeiramente publicado em Portugal em 1946. No Brasil foi publicado
em 1949.
116
Além disso, mencionou a importância da educação feminina baseada em fortes
princípios morais, para os integralistas, a única base segura era o sentimento religioso,
“a
relação religião e política sempre foi uma característica presente no integralismo”
(GONÇALVES e CALDEIRA NETO, 2020, p. 19). Esses aspectos eram necessários para que
elas pudessem educar seus filhos, sobrinhos, irmãos, etc. Segundo Plínio Salgado, “o trabalho
feminino fora do lar
e a busca desvairada da satisfação dos
desejos materiais eram
responsáveis pela destruição da família” (GONÇALVES e CALDEIRA NETO, 2020, p. 31).
Enfatiza-se uma responsabilidade muito grande as mulheres, pois, ainda conforme o livro de
Plínio, o desvio de condutas morais de filhos e maridos,
por não serem boas mães e esposas.
culpa era colocada sobre elas,
as mulheres são responsabilizadas
Até as ameaças do comunismo no ambiente familiar, a
por não aceitarem a verdadeira condição de uma mulher
dedicada aos cuidados do lar.
É certo apontar as desavenças e disputas entre integralistas e comunistas durante a
década de 1930. Para Boris Fausto (2018), havia pontos semelhantes entre os dois
movimentos, como “a crítica ao Estado liberal,
a valorização do partido único, o culto da
personalidade do líder. Não por acaso, houve certa circulação de militantes que passaram de
uma organização para a outra” (FAUSTO,
2018, p. 195). Um exemplo dessa mudança de
grupo político é o caso de Paulo Cavalcanti,
colega de Adalgisa. Iniciou sua atuação nas
fileiras integralistas, após lidar com a frustração de suas expectativas em relação à AIB,
mudou seu posicionamento ideológico, passando a atuar junto aos comunistas.
Em meio aos dois grupos políticos:
AIB e a ANL. Naquele período ambos atraíram
muitos simpatizantes, esse momento também é marcado pela rivalidade ideológica que tinha
uma relação direta com o que estava acontecendo mundialmente, a disputa entre o comunismo
e o fascismo, apesar da divergência de ideias, “ambos se chocavam com o velho Brasil das
oligarquias” (CARVALHO, 2021, p. 108-109). No Brasil, “as campanhas contra o fascismo
ganharam ímpeto, culminando com um violento choque entre antifascismo e integralistas em
São Paulo, em outubro de 1934” (FAUSTO, 2018, p. 197). Adalgisa passou a fazer parte do
grupo antifascista em 1939,
vinculada ao PCB,
lutou pela conquista da paz mundial,
a sua estratégia de luta,
se configurava na arrecadação de assinaturas de milhares de pessoas.
Enquanto isso, durante o período de conflito, Getúlio Vargas demonstrava simpatia pelo grupo
do Eixo - na Segunda Guerra Mundial -, comprovando a posição de Vargas com o envio de
117
Olga Benário ao governo nazista de Hitler. Diante do que era mais vantajoso, Vargas assumiu
uma posição definitiva em 1942:
Em 31 de agosto de 1942, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo Alemanha,
Itália e Japão -, manifestando sua discordância com relação à política nazista de
Hitler. Assim, as manifestações internas de repúdio ao nazifascismo
transformaram-se em declarações de apoio a Getúlio Vargas, que saiu fortalecido
desse trágico episódio. (SCHUMAHER; CEVA, 2015, p. 106).
Para José Murilo de Carvalho (2021), o Estado Novo foi um regime que se aproximou
mais do salazarismo português, misturando “repressão com paternalismo,
interferir exageradamente na vida privada das
sem buscar
pessoas. Era um regime autoritário,
não
totalitário ao estilo do fascismo, do nazismo ou do comunismo” (CARVALHO, 2021, p. 115).
Ainda assim, tratou-se de um governo repressivo e antidemocrático impedindo a participação
popular e, ao mesmo tempo, sendo insuficiente, pois, “nas décadas de 1930 e 1940 algumas
organizações e associações se constituíram legitimando a resistência de grupos oprimidos e
destituídos de direitos” (SCHUMAHER; CEVA, 2015, p. 106). Em Pernambuco, já na década
de 1940, muitas mulheres se uniram para formar
o Comitê de Mulheres Pró-Democracia,
organização política que Adalgisa também integrou.
Em uma das edições do jornal,
a Folha do Povo,
Adalgisa escreveu uma matéria
intitulada de “A Mulher contra a carta fascista” 133, publicada em 21 de fevereiro de 1946.
E
em 08 de março de 1946, publicou outra matéria como o título de “Atendendo ao apelo de La
Passionaria”134. Essas duas matérias,
em específico, foi onde Adalgisa expôs com maior
clareza o seu posicionamento contra a manifestação do fascismo e governos fascistas.
Em “A Mulher contra a carta fascista”,
a militante comunista realiza uma discussão
sobre o perigo iminente do retorno da carta fascista de 1937, que deu início ao período mais
sombrio do governo Vargas (1937-1945).
As palavras de Adalgisa demonstram indignação
com a possibilidade de que os ideais fascista de 1937 fossem legalizados,
provocando ou
dando possibilidade da continuação de toda a opressão instalada com Estado Novo.
A
passividade não é vista como uma opção, diante de todos os tormentos vivenciados no Brasil
133
CAVALCANTI, Adalgisa R. A mulher contra a carta fascista. In. Folha do Povo. APEJE. Recife. 21 de
fevereiro de 1946.
134
CAVALCANTI, Adalgisa R. Atendendo ao apelo de La Passionaria. In. Folha do Povo. APEJE. Recife. 08 de
março de 1946.
118
e em outros países. Mães, esposas e noivas sofreram com a perda de entes queridos, mortos e
desaparecidos, pessoas que perderam suas vidas lutando pela democracia diante da onda
fascista. As mulheres seriam as mais empenhadas na luta, tendo em vista o fascismo dificultar
ainda mais a continuidade da luta pelos direitos femininos,
impossibilitando a resolução de
seus problemas sociais e políticos.
Para isso, em seu texto, figuras do passado foram relembradas, entre essas figuras,
destacam-se as heroínas de Tejucupapo, remetendo a um ideal de que havia tradição, civismo
e liberdade nesta luta. A união de todas as mulheres, comunistas e democratas era importante
para impedir a volta do fascismo nos moldes do que foi instalado em 1937. A manifestação
contrária a este ato deveria ser
realizada mediante telegramas enviados ao Presidente da
República e líderes da Constituinte,
além disso, a imprensa e o rádio foram excelentes
ferramentas de comunicação, como também, comícios e palestras. Buscando intervir de forma
pacífica e legalizada. Portanto, subentende-se que a matéria escrita por Adalgisa remeteu a um
compromisso da militante na luta contra o fascismo. Adalgisa foi uma mulher que usou o seu
lugar de fala para conscientizar outras mulheres em defesa da democracia, estava ciente das
consequências da passividade política.
Na segunda matéria destacada,
“Atendendo ao apelo de La Passionaria”,
Adalgisa
demonstrou ser uma mulher atenta ao que estava acontecendo fora do Brasil e que de certo
modo, matinha conexões exteriores. Neste texto, ela falou sobre o fascismo espanhol,
destacando o protagonismo feminino da antifascista espanhola Dolores Ibárruri (1895-1989),
uma revolucionária comunista atuante no século XX. Adalgisa teve empatia diante do apelo
de La Passionária, o povo espanhol estava sofrendo com o regime franquista. Revolucionários
foram mortos e torturados por demonstrarem insatisfação com o fascismo espanhol, como foi
o caso de Cristino Garcia (1913-1946),
além dele, outras figuras do combate ao regime
franquista, naquele momento estavam sob ameaça de perderem suas vidas, entre as mulheres:
Izabel Saens Toledo, Maria Tiral e Mercedes Gouz.
Segundo Adalgisa, as brasileiras deveriam recorrer
a uma posição ativa no cenário
político e unidas solicitaram ao governo brasileiro uma ruptura das relações com o governo de
Franco, como teria feito outros países. Utilizando este meio como uma manifestação contrária
ao fascismo e em defesa da democracia mundial e da paz. Nesta matéria, escrita por Adalgisa,
percebe-se que o movimento de protesto já tinha sido iniciado, mas haveria a necessidade de
intensificar o apelo com o envio de telegramas e cartas, reforçando o apoio de solidariedade, a
119
“causa do povo espanhol, que é também a causa da democracia. Vamos pedir a liberdade aos
países antifascistas que se acham presos nos cárceres fascistas de Franco” 135.
Em suas matérias, Adalgisa fez questão de lembrar e defender as reivindicações das
mulheres pernambucanas, como das demais brasileiras. Porém, ao mesmo tempo, ela fez uma
conexão de como os problemas femininos são intensificados em governos fascistas. Não quer
dizer que o regime democrático resolveria todas as dificuldades e problemas das mulheres, no
entanto, com um governo democrático,
suas reivindicações e suas lutas se tornariam mais
aceitáveis diante das autoridades políticas, havendo subsídios legais para tais manifestações
sem o uso da violência.
Adiante, na última parte deste capítulo,
evidenciaremos a atuação de Adalgisa no
CMPD, organização feminina que lutou bravamente pelos direitos democráticos.
3.6. O Comitê de Mulheres Pró-Democracia de Pernambuco
O Comitê de Mulheres Pró-Democracia (CMPD)
foi uma organização feminina, a
qual considero a dimensão de suas reivindicações muito coerentes com o contexto histórico de
criação e atuação. Fundado em 1945, na cidade do Recife. O CMPD de Pernambuco não foi o
único a existir nesse período, as fontes documentais sugerem à atuação de uma organização
semelhante no Rio de Janeiro.
Além disso, é complicado mapear a existência em outros
estados brasileiros, sendo necessária
uma pesquisa nos Arquivos Públicos dos demais
estados136. Para tanto, com base na documentação selecionada para esta pesquisa, proponho
analisar aspectos desta organização política, considerados oportunos à atuação de Adalgisa.
Em relação ao funcionamento do CMPD, no programa do Comitê, foi sinalizado que o
“Conselho Deliberativo do Comitê era formado pela Comissão Executiva e pelas dirigentes
das seguintes comissões: Cultural, de Arregimentação, de Auxílio, de Finanças e de
Publicidade, sendo todos os membros eleitos em assembleia” (GOMINHO,
Durante a fundação fez parte da comissão executiva:
2011, p. 108).
Neusa Gibson, presidente; Neusa
Cardim, secretária; Edite Góis, tesoureira. O objetivo dessa organização era atentar-se à
135
Ibidem.
O mapeamento exato da existência do CMPD em outros estados não foi realizado, tendo em vista não ser o
objetivo da pesquisa.
136
120
situação das crianças e, principalmente, às questões femininas.
Segundo Zélia Gominho
(2009), “percebe-se o esforço por formar uma consciência política feminina atualizada e ativa
diante das problemáticas do pós-guerra,
e ações que favorecessem a democracia no país,
como a alfabetização” (GOMINHO, 2011, p. 108).
Faziam parte do CMPD,
mulheres trabalhadoras e donas de casa.
Como a própria
organização sinaliza em matérias encontradas no jornal a Folha do Povo, o CMPD não tinha
“cor partidária”. Desse modo, tanto aquelas ligadas a partidos distintos faziam parte,
também as que não estavam filiadas a nenhum partido político.
como
Como nota de curiosidade,
observa-se que, até onde foi possível realizar a pesquisa sobre esta organização feminina,
havia uma relação harmoniosa com o PCB,
sendo justamente no jornal deste partido que se
encontrou um número significativo de matérias e convites para as reuniões do CMPD. Muitos
nomes femininos conhecidos por atuarem no PCB-PE, integraram esta instituição que buscava
assegurar direitos para as mulheres e crianças.
Segundo Adalgisa, o CMPD estava ligado à
Federação das Mulheres do Brasil, organização política de mulheres com forte influência do
PCB.
O CMPD exigia, como condição para a admissão,
que todas as suas sócias fossem
antifascistas assumidas. Isso demonstra o posicionamento político dessas mulheres no período
da Segunda Guerra Mundial e no pós-guerra. Muitas delas atuando no Movimento antifascista
iniciado na década de 1930. Como foi o caso de Adalgisa R. Cavalcanti. Logo no início da
fundação, a mensalidade mínima era de dois cruzeiros. As militantes antifascistas se
preocupavam com a
educação política
das mulheres, promovendo além de evento de
mobilização e protestos, eventos de caráter educativo.
Adalgisa contribuiu fervorosamente com o fortalecimento da democracia durante
aquele período. Dedicando-se aos mais necessitados,
comprometida com o bem-estar
do
povo, buscando meios que garantissem a efetivação do sistema democrático. Em meio às suas
reivindicações democráticas, o movimento de mulheres que integrou naquele período,
o
CMPD, foi uma forma de unir-se a mais mulheres com os mesmos ideais. Fortalecendo a luta
política.
O Comitê de Mulheres pró-Democracia, entretanto, não se restringia a promover
eventos para defender a democracia no Brasil, mas se posicionavam também com
questões internacionais. Em 1947 elas demonstraram solidariedade ao povo espanhol
121
ao apelarem às Nações Unidas que reagissem contra a ditadura de Franco.
Ao
observarmos as assinaturas no documento percebemos que o Comitê se multiplicou
em subcomitês espalhados pelos diversos bairros do Recife e cidades vizinhas…
(GOMINHO, 2019, p. 12)
Essa organização das mulheres possibilitou o surgimento de outras entidades
femininas, demonstrando a força da união.
com o
Do mesmo modo, é interessante a preocupação
que estava acontecendo fora do Brasil, permitindo refletir
sobre o nível
de
conhecimento políticos dessas mulheres.
Em relação às lideranças femininas, no entendimento de Adalgisa, é possível afirmar
que as líderes femininas atuavam de uma forma democrática,
tendo em vista que para ela,
todas eram líderes. Em situações específicas, uma personagem feminina poderia se tornar a
representante majoritária, porque estava à frente em determinada
Abrindo espaço para
que todas as mulheres pudessem ocupar
manifestação, causa.
espaços de lideranças,
rompendo com a generalização de que o individuo do sexo masculino nasceu para liderar os
espaços políticos, espaços de poder.
Adalgisa, como mulher ativa na luta pela democracia e pelos direitos das mulheres,
escreveu matérias para o jornal
a Folha do Povo,
em um de seus artigos,
a discussão foi
voltada para a importância da realização do I Congresso Nacional Feminino. A seguir, destaco
um trecho deste artigo:
A realização do I Congresso Brasileiro Feminino é de alta e profunda significação na
vida das mulheres brasileiras. Será através dos debates, neste Congresso, que
surgirão as novas formas de lutas em torno da solução dos problemas do povo, e
particularmente das reivindicações femininas.137
É nítida a importância deste congresso como um meio para as pautas femininas serem
debatidas, buscando soluções para a insuficiência dos direitos das mulheres, na tentativa de
colocar em prática ações fundamentais para a equidade de direitos entre homens e mulheres.
Na escrita de Adalgisa, mais especificamente em um artigo escrito em 10 de março de 1950, é
possível perceber o seu conhecimento sobre a história de mulheres que vieram antes dela ao
citar os nomes de: Maria Quitéria (1792-1853), Anita Garibaldi (1821-1849), Maria Bárbara
137
CAVALCANTI, Adalgisa R. O I Congresso Nacional Feminino Fator de Unidade e Organização para a Luta
pela Paz. In. Folha do Povo. APEJE/DOPS. Prontuário n. 5603. Recife, 25 de maio de 1949.
122
(1711-1758), Bárbara Heliodora (1759-1819), Ana Nery (1814-1880),
Leocádia Prestes
(1874-1943), Olga Benário (1908-1942). “Como homenagem a todos esses vultos imortais,
evocamos os seus nomes no dia que assinala a passagem da Jornada Internacional
da
Mulher"138.
A atuação revolucionária de Adalgisa não parou por aí. Ela também lutou em defesa
do petróleo brasileiro. Com o slogan de “O Petróleo é Nosso...”, trabalhou dia e noite junto a
tantas outras mulheres e homens.
como uma forma de alcançar
O objetivo da campanha era criar a Petrobrás,
entendida
a independência brasileira. Portanto, como foi analisado ao
decorrer deste capítulo, Adalgisa demonstrou seu ativismo político de várias
maneiras,
observou-se os resultados das influências que recebeu ao longo de sua vida.
No próximo capítulo, o protagonismo político comunista de Adalgisa será destacado
com mais profundidade, tendo em vista sua atuação como candidata a deputada estadual de
Pernambuco.
138
CAVALCANTI, Adalgisa R. O Significado da “Jornada Internacional
APEJE/DOPS. Prontuário n. 5603. Recife, 10 de março de 1950.
da Mulher”: In. Folha do Povo.
123
4. “TUDO O QUE SE FIZER EM BENEFÍCIO DO POVO É DEMOCRACIA”:
O
PIONEIRISMO POLÍTICO DE ADALGISA EM PERNAMBUCO
Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e
totalmente livres.
Rosa Luxemburgo
As mulheres nos espaços de poder desempenham um papel
fundamental no que diz
respeito à representação delas e por/para elas. A atuação feminina nos espaços representativos
deve ser evidenciada na prática, ou seja, no exercício de funções adequadas a este lugar de
poder. Também é importante ressaltar a realização de
estudos que retiram o véu do
protagonismo feminino pioneiro, daquelas que foram as
esquecimento da memória coletiva,
primeiras e permanecem no
restando apenas o imaginário de uma figura frágil
e
abnegada das disputas políticas de seu tempo vivido. Seria Adalgisa uma representante de um
imaginário que qualifica as mulheres como submissas em todos os aspectos e principalmente
subjugada na política? Logo de início,
respondo que não. Adalgisa se ressignificou em sua
época. Deste modo, surgiu a necessidade de realizar uma investigação a respeito de seus atos
de mulher na política. Afinal de contas, com quais grupos sociais Adalgisa dialogou antes e
depois das eleições que participou como candidata? Quais os objetivos de suas lutas políticas?
Ela obteve resultados positivos em suas reivindicações?
A palavra “representatividade” aqui é compreendida como um termo a se referir a uma
pessoa que representa os interesses de determinados grupos sociais e culturais, estando aliada
a instituições políticas partidárias, ocupando este espaço de poder para agir conforme os seus
ideais políticos e pessoais, compatíveis com as convicções do grupo a qual representa.
Os elementos tratados neste capítulo são direcionados, primeiramente, a apontamentos
sobre a redemocratização e organizações femininas em Pernambuco naquele
período,
encaminhando-se para os desdobramentos das eleições de 1945 e 1947 no mesmo estado,
destacando a
candidatura política de Adalgisa Rodrigues
tratarei da atuação da primeira deputada estadual
Cavalcanti. Seguindo adiante,
de Pernambuco, evidenciando os projetos
políticos com os quais esteve envolvida, sinalizando os pontos principais dos seus discursos e
se correspondem aos mesmos ressaltados durante sua campanha política em 1946 e início de
janeiro de 1947. Nas últimas páginas do capítulo, destacarei os momentos finais do mandato
124
político de Adalgisa, relacionando com a ilegalidade do PCB e como a comunista passou a
atuar na esfera pública da clandestinidade.
4.1. Redemocratização e Organizações Femininas
Após o fim do governo ditatorial
de Getúlio Vargas, instalou-se o período de
redemocratização, marcando uma nova fase da história política. Em 18 de abril de 1945, os
presos políticos foram anistiados,
do mesmo modo, conquistando-se a liberdade de
organizações partidárias, inclusive a do PCB (SEGATTO, 2003). Considera-se que após o ano
de 1945, “o ambiente internacional era novamente favorável à democracia representativa, e
isto se refletiu na Constituição de 1946, que, nesse ponto, expandiu a de 1934” (CARVALHO,
2021, p. 151). Esses acontecimentos estão relacionados aos conflitos mundiais, como o fim da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em termos
políticos mundiais, o período de
redemocratização brasileira estava enquadrado na Guerra Fria.
Nessa fase de redemocratização,
em 1945, Adalgisa filiou-se oficialmente ao PCB.
Em 1946, o PCB surgiu como “o quarto partido do país, calculando-se que contava, em 1946,
entre 180 mil e 200 mil militantes” (FAUSTO, 2018, p. 221). No estado de Pernambuco o
PCB se tornou um partido que conseguiu atrair diversos simpatizantes. A nova Constituição
criada em 1946, segundo Anita Leocádia Prestes, para os comunistas “a Constituinte seria o
único meio capaz de levar à implantação de um regime democrático no Brasil, sepultando a
Constituição de 1937 e as instituições do Estado Novo” (PRESTES, 2006, p. 177). Para tanto,
A Constituição de 1946 manteve as conquistas sociais do período anterior e garantiu
os tradicionais direitos civis e políticos. Até 1964, houve liberdade de imprensa e de
organização política. Apesar de tentativas de golpes militares, houve eleições
regulares para presidente da República, senadores, deputados federais, governadores,
deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Vários partidos políticos nacionais
foram organizados e funcionaram livremente dentro e fora do Congresso, à exceção
do Partido Comunista, que teve seu registro cassado em 1947. (CARVALHO, 2021,
p. 133).
Para o historiador José Murilo Carvalho (2021), duas ações tomadas nesse período
levaram ao retrocesso democrático:
a primeira ocorreu em 1947,
quando o PCB teve seu
125
registro cassado, proibindo-o de atuar
legalmente; a outra foi em 1963, após o Tribunal
Superior Eleitoral proibir a eleição de suboficiais e sargentos.
Apesar das limitações ainda
presentes, a partir de 1945, houve uma crescente participação da população na política,
atuando nas eleições e nas organizações políticas partidárias, nas ligas camponesas,
sindicatos, entre outras associações (CARVALHO, 2021). Nesse período, segundo
Adalgisa,139 muitos comitês de bairros e de mulheres começaram a se organizar
para
reivindicar seus direitos. Ela participou de algumas organizações femininas, contribuindo com
o fortalecimento da causa.
As mulheres que se organizaram neste período expressaram as demandas sociais não
só vinculadas à vida privada, no universo de suas vivências enquanto esposas, mães
e mulheres, bem como buscaram articular tais vivências com os acontecimentos
políticos vivenciados à vida pública. (RICARDO, 2009, p. 110).
Ainda de acordo com Arleandra
Lima Ricardo (2009),
reivindicações femininas estavam ligadas aos “direitos sociais,
entre 1934 e 1964,
as
como por salários iguais,
creches, escolas, hospitais, entre outras questões, aglutinaram mulheres e militantes de várias
correntes” (RICARDO, 2009, p. 109). Adalgisa, Julia Santiago, Cândida Maranhão e outras
militantes “estiveram engajadas no movimento feminino pelo PCB arrecadavam dinheiro
vendendo a
Revista Momento Feminino,
como também o Jornal
da Folha do Povo”
(RICARDO, 2009, p. 127).
Adalgisa escreveu artigos emblemáticos publicados na Folha do Povo.
através dos artigos escritos por Adalgisa,
“Percebe-se
a sua preocupação em chamar as mulheres para a
causa política, por direcionar sua fala ao público feminino” (RICARDO, 2009, p. 154). Além
desse ponto de vista atribuído pela autora,
acrescento os interesses políticos partidários de
Adalgisa. Como militante comunista, Adalgisa faz uso de um lugar de fala, a princípio, seria o
de mulher empenhada em atrair mais mulheres não apenas para a política, mas também para a
política comunista. Isto reflete em uma
estratégia política utilizada para atrair mais
simpatizantes, sendo o público feminino o principal
deve-se lembrar de que Adalgisa foi
inserido nos discursos de Adalgisa,
uma das dirigentes do PCB-PE. A minha perspectiva,
não anula a ideia de que Adalgisa estivesse preocupada com a situação das mulheres
139
FERNANDES, Eliane Moury. Entrevista: Adalgisa Rodrigues Cavalcanti. CEHIBRA, Fundação Joaquim
Nabuco, Recife, 1982.
126
ignorantes na política. No entanto, não posso deixar de analisar as questões conforme os
interesses dos jogos de poderes eminentes naquele contexto histórico.
Para que sua fala não entrasse em conflito com o modo de vida destas mulheres,
Adalgisa se dirigia a elas na perspectiva de chamá-las à causa política,
mas sem
desconsiderar a importância que davam ao espaço privado, neste caso, o cuidado
com a família. (RICARDO, 2009, p. 155).
Essa colocação permite interligar-se com a questão do lugar
social ocupado por
Adalgisa. Uma mulher casada que também tinha apreço pela vida privada e sabia das
dificuldades dos cuidados do lar. Diante da fonte oral consultada e analisada, Adalgisa teve
uma experiência positiva na vida a dois,
seu esposo era compreensivo e amoroso,
não só
Adalgisa falou sobre isso, como também a Julia Santiago 140 mencionou o companheirismo de
Tito Cavalcanti para com a Adalgisa, sua esposa. Neste sentido, Adalgisa não estava apenas
considerando esse aspecto por causa do outro (de outras mulheres), mas sim porque também
era de seu próprio conhecimento.
Concordo com a ideia de que os “artigos serviram de impulso para que as mulheres se
unissem, a fim de reivindicar melhores salários, que neste período estavam congelados, assim
como para reclamar sobre o aumento dos gêneros alimentícios” (RICARDO, 2009, p. 155). O
que impossibilita obter um apanhado mais concreto destes atos é a dificuldade de mapear o
nome dessas mulheres engajadas na luta política,
sejam elas do PCB,
ligadas a outras
instituições ou sem vínculo partidário.
Nise Cardoso Duarte, uma das presidentas da Associação de Mulheres de
Pernambuco, em entrevista 141 realizada em 1994 para a FUNDAJ,
afirma que a Associação
era ligada ao PCB, porém muitas das integrantes da organização feminina não sabiam, eram
“inocentes”. A própria Nise diz que não era filiada ao PCB, mas tinha conhecimento de tais
informações através de seu esposo, Carlos Duarte. Esta afirmação permite concluir que em
meio ao cenário político pecebista de Pernambuco,
toda ajuda era bem-vinda.
modo, considera-se que estando o PCB na ilegalidade,
Do mesmo
a “inocência” diante da repressão
poderia ser tida como uma estratégia para a propagação das ideias sem interferência da polícia
140
FERNANDES, Eliane Moury. Entrevista: Julia Santiago da Conceição. CEHIBRA, Fundação Joaquim
Nabuco - MEC. Recife, 1983.
141
FERNANDES, Eliane Moury. Entrevista: Nise Cardoso Duarte. CEHIBRA, Fundação Joaquim Nabuco MEC. Recife, 1994.
127
política. Certamente, nem sempre os resultados foram como o esperado,
em sua maioria,
tendo que lidar com as perseguições.
Outro fator que considero complicado de entender
femininas de Pernambuco ligadas
ao PCB é
quando falado das organizações
o uso dos
termos para se referir
organizações. Aparentemente, uma mesma organização poderia ser
nomes, fazendo parecer que ao se referir
a uma em específico,
a tais
chamada por vários
estivessem falando de
organizações diferentes, no entanto, trata-se da mesma. Isso é nítido quando Nise Duarte fala
que a Associação de Mulheres de Pernambuco é uma organização local filiada à Federação
com sede no Rio de Janeiro.
Ela só usa o termo “Federação”,
possivelmente se referia a
Federação de Mulheres do Brasil. Ainda mais, afirmou que as principais lideranças ao nível
nacional eram: Branca Fialho, Alice Tibiriçá. E ao nível local eram: Neusa Cardim, Adalgisa
R. C., Ilda Maria Rego, Laís Antunes, Ofélia e outras.
Ainda de acordo com Nise C.
Duarte, o PCB era quem selecionava as líderes, tendo
como requisito observar quais mulheres se sobressaiam,
quais detinham poder de liderança,
que sabiam conversar. O Partido Comunista considerava essas características fundamentais
para a escolha de uma liderança feminina.
Nas páginas da Folha do Povo, encontrei o lançamento de crônicas. Uma das que mais
chamou a atenção para esse estudo foi
publicada em 06 de setembro de 1947,
falando
justamente das organizações femininas em Pernambuco. A crônica escrita por
Patrício
Potiguar, pseudônimo de
João Fagundes de Menezes (Macau/RN, 1918-2000), faz um
paralelo de como estavam surgindo organizações de mulheres e sua devida relevância para o
engajamento político das pernambucanas.
As organizações Femininas
Infelizmente ainda não tomou a amplitude necessária o interesse das mulheres
brasileiras pelos problemas do nosso país. É uma falha que deve ser suprida com a
maior rapidez, esse alienamento da maioria das componentes do sexo feminino pelas
questões sociais e políticas do Brasil. O comitê de Mulheres Pró-Democracia aí está,
com suas portas abertas, para todas que desejam lutar ao lado do povo contra a
inépcia governamental, contra a nova tirania que se vem querendo implantar no
Brasil e pela solução imediata dos nossos problemas vitais.
Já se foi o tempo em que uma incompreensão do papel das mulheres na vida das
nações fazia com que as mesmas ficassem encerradas entre quatro paredes,
desinteressadas de todo o que, diretamente, não dissessem respeito aos assuntos da
economia doméstica ou às questões meramente afetivas.
128
Se é verdade que em nossa pátria já existem mulheres com vocação de líderes, de
orientadoras políticas, o certo é que essas ainda são numericamente pequenas.
É ao próprio lar
que os desacertos administrativos, as crises econômicas e o
garroteamento das liberdades públicas vão atingir mais em cheio.
Se os gêneros de primeira necessidade sobem de preço,
se os calçados e tecidos
encarecem, se o dinheiro do chefe de família torna-se cada vez mais minguado em
consequência da política econômica dos governantes, é a dona de casa quem mais se
aflige, quem mais sofre com isso. E a ela que compete tentar equilíbrios impossíveis,
eliminar os "déficits" do orçamento familiar, fazer com que não se solidifique no lar
o clima de constantes apreensões.
E não será trancando-se entre quatro paredes,
implorando e esperando milagres,
sonhando com a sorte grande, que as donas de casa poderão melhorar a situação de
sua família. Esta situação está em grande parte condicionada à sua capacidade de
luta, ao seu grau de compreensão do papel da mulher nos dias atuais, à sua atividade
ao lado de suas companheiras, para que surja um ambiente de bem-estar para todos
os lares brasileiros.
A mulher, que hoje concorrer com o homem aos cargos públicos, aos empregos de
escritório: que frequenta as faculdades ao lado dos rapazes; que já se viu libertada de
uma série de preconceitos cinzentos e envelhecidos, não pode mais permanecer no
desinteresse e na apatia em face dos problemas políticos. Cabe-lhes também o dever
de organizar-se, de formar ligas femininas, comitês e subcomitês de mulheres, a fim
de participar, ativa e consequentemente, ao lado dos homens, da luta que se vem
empreendendo por dias melhores para todos nós.
O Comitê de Mulheres Pró-Democracia não tem descanso no seu trabalho de
arregimentação e esclarecimento das senhoras e senhoritas pernambucanas.
Pelos
bairros e subúrbios estão surgindo comitês,
subcomitês e ligas femininas. Agora
mesmo, está em nossa mesa uma série de notícias sobre o Sub-Comitê do Córrego
do Euclides, a Liga Feminina Nossa Senhora dos Prazeres, o Comitê de Sítio Novo,
a Liga Feminina do Cordeiro, os Sub-Comitês do Farol, de Camaragibe, da
Mustardinha, as Ligas Femininas dos Peixinhos, do Sítio do Vanderlei e de Santo
Amaro.
Resta às mulheres desses bairros compreenderem o valor dessas associações e
ingressarem nas mesmas, dando vulto ao movimento feminino de Pernambuco,
atualmente ainda sem o vigor que deve possuir.142
06/09/1947
Ao mesmo tempo,
em que o autor
demonstrou entusiasmo com as iniciativas das
inúmeras organizações que estavam surgindo,
deixou nítida a necessidade de mais.
Ele
anunciou um novo tempo repleto de mudanças para o lugar social das mulheres. Escreveu que
para a permanência e ocupação da função de dona de casa seria necessário deter
certo
conhecimento sobre política, pois seria o espaço de reivindicações adequado para a busca de
melhores condições em seus lares, locais de trabalho e a sociedade como o todo. A política
praticada era feita por homens e para os homens, não era a melhor solução para a conquista
dos direitos femininos.
142
POTIGUAR, Patrício. As organizações Femininas. Jornal Folha do Povo. Recife, 06 de set. de 1947.
129
Por mais que o capitalismo fosse, em tese, o principal adversário do PCB, de maneira
nenhuma concordo com a ideia de que as questões das mulheres fossem relegadas a um
segundo plano. Todas as consequências advindas com os governos capitalistas e fascistas
implicavam seriamente na vida de todos os homens e mulheres.
Possivelmente, elas foram
mais prejudicadas do que eles.
Acrescento que há probabilidade de que os grupos comunistas espalhados pelo Brasil
se diferenciam em aspectos de atuação,
não em dimensão estrondosa, mas sim em detalhes
que podem ser muito significativos nas realizações dos estudos. Para isso, é preciso romper
com a ideia de que os estados brasileiros,
principalmente os localizados na região sul
e
sudeste, são detentores de regras gerais que se aplicam aos demais territórios brasileiros.
Além disso, Arleandra Ricardo (2009) faz um apontamento importante ao colocar que em
relação aos estudos sobre a militância feminina são tratados enquanto totalidade “sendo ainda
raras as reflexões que adentram as especificidades destas atividades em regiões ou Estados”
(RICARDO, 2009, p. 107).
Portanto, neste subcapítulo concluo as
colocações chamando a atenção para os
detalhes localizados em espaços distintos. A seguir, as ideias apresentadas serão direcionadas
às primeiras eleições em que Adalgisa participou no estado de Pernambuco.
4.2. Eleições de 1945
A campanha
política de Adalgisa ao cargo de Deputada Federal apareceu
discretamente no jornal a Folha do Povo, ganhando destaque em oito matérias, publicadas
respectivamente em: 27 de janeiro de 1946; 31 de janeiro de 1946; 01 de fevereiro de 1946;
03 de fevereiro de 1946; duas publicações em 05 de fevereiro de 1946;
06 de fevereiro de
1946; 07 de fevereiro de 1946. Nota-se que a propaganda política da comunista passou a ser
exibida durante o período de preparação para as eleições suplementares de 10 de fevereiro de
1946. Antes disso, no ano de 1945, não encontrei nenhuma matéria relacionada à candidatura
de Adalgisa. O que leva a presumir que, por algum motivo, o PCB não demonstrou empenho
na campanha de Adalgisa durante as eleições de 1945, impossibilitando a obtenção de dados
que permitam apurar como foi realizada a divulgação da candidatura de Adalgisa anterior a 27
de janeiro de 1946.
130
Na primeira matéria,
Adalgisa concedeu algumas
declarações à Folha do Povo,
deixando em destaque os objetivos de sua candidatura, os quais seriam: lutar pela democracia,
pelos direitos das mulheres, a união nacional e combater o fascismo. Esse texto foi marcado
por uma breve exposição da atuação política de Adalgisa pelo PCB, como as suas intenções
caso seja
eleita ou não.
Assembleia
Constituinte,
Adalgisa falou sobre a necessidade de uma voz feminina na
acreditando
que
outra
deveria
ocupar
essa
função,
comprometendo-se em fazer tudo ao seu alcance para ser digna de tamanha confiança. Com
humildade afirmou que se não for eleita, continuará empenhada em seu compromisso com o
povo.
Em 31 de janeiro e no dia 01 de fevereiro, a mesma matéria foi publicada no jornal,
tratou-se de um discurso de Adalgisa relacionado às eleições. Logo no início foi apresentado
os nomes representativos do PCB, os eleitos para o cargo de deputados federais: Luiz Carlos
Prestes, Agostinho Dias de Oliveira e Gregório Lourenço Bezerra.
Apesar das eleições
suplementares ainda não terem acontecido, era possível identificar os vencedores, tendo em
vista terem sido anuladas
apenas 30 sessões
em Pernambuco.
A maioria
do texto é
direcionado à situação feminina, realizando as seguintes declarações:
[...]
Dentre os inúmeros problemas a resolver, um, tem se conservado no eterno
esquecimento, mas desta vez ele vem à tona dos acontecimentos, que é o problema
feminino.
A situação da mulher brasileira tem sido olhada com o maior descaso, não havendo
nenhum motivo que justifique esses procedimentos, uma vez que a mulher faz parte
integrante no trabalho junto ao homem, atuando com igual capacidade.
É preciso ver e analisar as transformações sociais que universalmente vem se
operando, apresentando-se para mulher uma nova perspectiva de lutar a prol de seus
problemas e direitos, abolindo o estado de servidão em que eternamente tem vivido.
Que desperte a mulher para essa nova era, que lhe faculta sua colaboração com o
homem na vida pública e social do país, acabando, de vez, com esse complexo de
inferioridade.
Sendo a mulher a parte mais sacrificada neste regime de restrições e opressão,
ninguém melhor do que ela será capaz de apontar e dizer as privações e necessidades
sentidas no seu próprio lar, impostas pela carestia de vida.
Cabe-lhe a grande tarefa de organizar-se mobilizando elementos capazes de lutar em
torno das mais imediatas reivindicações que lhes impõem fazer o seu estandarte de
vida.
Enquadra-se no programa da dona de casa, combater a vertiginosa alta dos gêneros
alimentícios de primeira necessidade.
131
Enfim, todo elemento feminino que trabalha e produz o dia inteiro,
despendendo
energias físicas e mentais nos escritórios e repartições públicas, bancos, casas
comerciais, magistério e hospitais; operadoras que mourejam dia e noite nos fundos
das fábricas - Enfim todas elas competindo com igual capacidade de trabalho com o
homem, pode e devem fazer as suas reivindicações de igual trabalho para igual
salário.[...].143
Neste discurso, o apanhado de informações trazidas por
Adalgisa com relação à
situação das mulheres, permite deduzir que, embora a significativa participação feminina no
âmbito político, essa interação não seria suficiente para solucionar todos os seus problemas.
Observa-se que um exemplo não muito explícito em sua fala é o resultado das eleições,
motivando a elaboração e divulgação do seu discurso.
Sendo Adalgisa a única mulher em
Pernambuco a disputar o cargo de deputada federal naquele momento. Não obtendo resultado
positivo, mostrando que a participação e atuação feminina na política deixaram a desejar.
Uma vez que o esperado era atrair as mulheres às seções eleitorais.
Adalgisa mencionou a
importância das mulheres receberem salários iguais aos homens,
quando elas exercem a
mesma função no local
de trabalho. Essa discussão permanece sendo algo presente na
sociedade atual. Tratando-se de um fator
que prejudica a ascensão social
e política das
mulheres no Brasil. Este discurso está totalmente aliado ao pensamento do PCB, tratou-se de
ideias que destacavam o reconhecimento das dificuldades vivenciadas pelo público feminino
na sociedade capitalista. Deste modo, o capitalismo se tornou monstruoso e prejudicial para
uma estabilidade harmoniosa e igualitária entre ambos os sexos.
Os demais textos publicados no jornal
corresponderam a anúncios sobre comícios
pró-candidatura de Adalgisa, realizados: nos Largos Hipódromo em 05 de fevereiro;
Casa Amarela em 06 do mesmo mês;
Largo da Paz no dia 07.
o de
As atividades foram
organizadas pelo Comitê Municipal do Recife e os Comitês Distritais. Utilizaram-se
estandartes, faixas e cartazes. Fixaram cartazes informativos sobre as urnas anuladas e o local
em que estarão instaladas as novas urnas para a votação do dia 10 de fevereiro.
oradores discursaram fazendo a propaganda da candidatura de Adalgisa,
Diversos
expondo a linha
política do PCB e sua posição em face do novo governo e da Assembleia Constituinte.
Com base no relatório do Tribunal
obtive os seguintes dados a respeito das
Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE),
eleições de 02 de
dezembro de 1945 e as
suplementares de 10 de fevereiro de 1946.
143
CAVALCANTI, Adalgisa Rodrigues. Discurso de Adalgisa Cavalcanti: candidata do P.C.B. In.: Folha do
Povo, Recife, 01 de fev. de 1946.
132
Legendas (1945-1946)
Quociente
Sobra
Eleitoral
Partido Social Democrático (PSD) - 107.658
7
3
União Democrática Nacional (UDN) - 64.918
4
0
Partido Comunista do Brasil (PCB) - 42.435
3
0
Partido Democrata Cristão (PDC) - 18.069
1
0
Partido Republicano (PR) - 14.748
1
0
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - 6.280
0
0
Partido de Representação Popular (PRP) - 3.979
0
0
Partido Republicano Democrático (PRD) - 3.400
0
0
Deputados Federais Eleitos em Pernambuco
16
19
Tabela 3. Quociente eleitoral por Legenda / Deputada/o Federal
Em Pernambuco, nove legendas foram lançadas, com a disponibilidade de 19 vagas
para o cargo de deputado (a) Federal. Para este fim, apurou-se 1.165 seções. O PCB ficou na
terceira colocação, adquirindo espaço para eleger três deputados. O Partido Comunista lançou
19 candidatos/as. No primeiro momento das eleições,
Adalgisa ficou na sétima colocação
entre os candidatos/as do PCB. Com o resultado da segunda parte ela ficou na sexta colocação
para o cargo de Deputada Federal. Contando a quantidade de votos que Adalgisa recebeu nas
eleições de dezembro de 1945 e as de fevereiro de 1946,
Assim, ocupou a terceira posição como suplente.
Adalgisa ficou com 1.258 votos.
133
As eleições suplementares teve relação com as seções anuladas devido irregularidades,
sendo 30 seções anuladas em Pernambuco devido às seguintes situações: 20 seções anuladas
por conterem nas urnas, maior número de sobrecartas autenticadas que o número real
de
votantes; 5 seções anuladas em face de irregularidades nas atas de abertura e encerramento; 2
seções anuladas por funcionarem com mesas receptoras constituídas de modo diferente ao
prescrito na lei;
3 seções anuladas por haver violação do sigilo do voto,
impugnação foram encontradas em sobrecartas comuns,
as folhas de
envolta com as cédulas.
Nessas
seções votaram 7.487 leitores.
Nessas eleições, embora Adalgisa não tenha saído vitoriosa,
ela desempenhou um
papel importante na representatividade política feminina partidária. Além disso, Adalgisa foi à
primeira candidata de Pernambuco a disputar
o cargo de Deputada Federal.
pernambucano só teve sua primeira deputada federal
O estado
em 1978, Maria Cristina de Lima
Tavares Corrêa (1934-1992), candidata eleita pelo MDB.
No próximo subcapítulo, a discussão será em torno da campanha política e atuação de
Adalgisa na segunda eleição que participou em 1947,
desta vez como deputada estadual de
Pernambuco.
4.3. Eleições de 1947
Adalgisa, mesmo como 3° suplente, desenvolve um excelente
movimentos femininos, adquirindo ainda
mais o respeito de
trabalho nos
seus colegas de partido.
Chegando a dezembro de 1946, é publicada no jornal a Folha do Povo que Adalgisa é uma
das atuais dirigentes do PCB-PE. No mesmo ano é anunciado que mais uma vez ela seria uma
das candidatas do PCB, disputando uma vaga para o cargo de deputada estadual.
Em 31 de
outubro, o PCB anuncia
21 dos
seus 56 candidatos
a Assembleia
Constituinte Estadual. Nesse primeiro grupo apresentado pelo partido, o nome de Adalgisa já
estava incluído. Em 09 de janeiro de 1947 são divulgados os nomes de todas/os as/os
candidatas/os registrados no Tribunal Eleitoral144. Considerando apenas os candidatos do
144
1. Davi Capistrano da Costa; 2. Elias Caleb Rodrigues; 3. Etelvino de Oliveira Pinto; 4. José Leite Filho; 5.
Rui da Costa Antunes; 6. Carlos A. R. Cavalcanti; 7. Alfredo Richmond; 8. Adalgisa Cavalcanti; 9. Francisco A.
Leivas Otero; 10. Valdú Cardoso de Aguiar; 11. Amaro F. de Oliveira; 12. Vicente Barbosa da Silva; 13. Wilson
134
PCB, com base nos relatórios disponibilizados pelo TRE-PE, entre os 52 nomes registrados
para concorrer às eleições como deputados estaduais,
apenas três mulheres foram indicadas
pelo Partido Comunista, no entanto, nenhum outro partido político de Pernambuco indicou
nomes femininos. As candidatas do PCB foram: Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, Cândida de
Carvalho Maranhão e Júlia Pereira de França.
Cândida de C. Maranhão foi uma militante comunista muito ativa na década de 1940
no Recife, trabalhou como jornalista na Folha do Povo, esposa do deputado estadual (eleito
em 1947) Francisco Antônio Leivas Otero (GOMINHO, 2009). Em relação à Júlia Pereira de
França, infelizmente, não tenho nenhuma informação a respeito, apenas a de que foi uma das
candidatas indicadas pelo PCB para
concorrer às eleições de 1947, por este motivo,
possivelmente, era uma militante ativa no partido. No resultado dessas eleições, indicando a
posição dessas três mulheres, se configurou da seguinte maneira: Adalgisa R. C. obteve 2.305
votos, ficando na 5ª colocação; Cândida de C. M. teve 340 votos, ocupando a posição 38ª; e
Júlia P. de F. obteve apenas 12 votos, ficando na posição 51ª, penúltima colocação. Ao todo,
pelo PCB foram eleitos 9 deputados estaduais.
Legendas (1945-1946)
Quociente
Sobra
Eleitoral
Partido Social Democrático (PSD)
18
5
Aliança da UDN, PDC e PL
18
0
Partido Comunista do Brasil (PCB)
9
0
Porto; 14. Antônio Marques da Silva; 15. José Bezerra da Silva; 16. Demócrito R. da Silveira; 17. Nelson Higino
L. Monteiro; 18. Sebastião dos Santos; 19. Paulo P. da Mota Lima; 20. José David de Lima; 21. Manoel R.
Calheiros; 22. Salvador Nigro; 23. Antônio P. M. Guimarães; 24. Valdemar Luiz Alves; 25. Ridoaldo Fonseca
Pereira; 26. Josué de Souza Almeida; 27. Hermógenes de Miranda; 28. Sindulfo Correia Josué; 29. José Pedro da
C. Leite; 30. Candida C. Maranhão; 31. Eleazar Machado; 32. Julia Pereira; 33. Otavio R. do Nascimento; 34.
Antonio Pereira da Silva; 35. Severiano Arcoverde; 36. José Falcão de A. Filho; 37. Maurílio Bruno; 38. Carlos
M. Coutinho Filho; 39. Edmundo Pinto dos Reis; 40. Hildebrando M. da Silva; 41. Jefferson B. Teixeira; 42.
Paulo F. Cavalcanti; 43. Luiz Braz de Luna; 44. Moises Barbosa da Silva; 45. Luiz Gonzaga de Lima; 46.
Raimundo S. M. da Silva; 47. Francisco C. de Morais; 48. Joaquim Pessoa de Siqueira; 49. Paulino S. dos
Santos; 50. Amaro Pereira de Souza; 51. Osorio P. da Silva Souto; 52. Luiz de Melo Matoso.
135
Partido Republicano (PR)
3
0
Partido de Representação Popular (PRP)
1
0
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
1
0
Deputados Estaduais Eleitos em
Pernambuco
50
55
Tabela 4: Quociente eleitoral por Legenda / Deputada/o Estadual
Foram os seguintes candidatos eleitos sob a legenda do PCB com os respectivos votos
depositados: 1. Davi Capistrano da Costa (3.117); 2. Rui da Costa Antunes (2.839); 3. Valdu
Cardoso de Aguiar (2.676); 4. Auro Francisco de Oliveira (2.658);
5. Adalgisa Rodrigues
Cavalcanti (2.305); 6. José Leite Filho (1.817); 7. Francisco Antônio Leivas Otero (1.760); 8.
Eleazar Machado (1.757); 9. Etelvino de Oliveira Pinto (1. 737).
Diante das discussões presentes nas matérias do jornal
período de eleição, entre as figuras femininas,
a Folha do Povo durante o
para o PCB, Adalgisa R. Cavalcanti era a
proponente mais estimada. Em contrapartida,
o apoio a Cândida Maranhão veio
principalmente do Comitê de Mulheres Pró-Democracia (CMPD).
Tanto o PCB como o
CMPD empenharam-se na tentativa de eleger suas candidatas preferidas (VICENTE, 2013).
As campanhas políticas aconteceram em meios
aos comícios, indo de
apresentando as propostas das candidatas, como também, em meio
casa em casa
às reuniões das
organizações e movimentos femininos.
No jornal a Folha do Povo, em janeiro de 1947, apareceu um total de quatro matérias
dando destaque à candidatura de Adalgisa. A primeira é em 12 de janeiro, faltando sete dias
para as eleições. Nesta reportagem, intitulada de “Como mulher não posso ficar indiferente
diante dos seus problemas”
145
a candidata comunista diz que se for
eleita defenderá com
rigidez o programa mínimo do PCB que se resumia às aspirações democráticas do povo,
145
Fonte: CAVALCANTI, Adalgisa R. Como mulher não posso ficar indiferente diante dos seus problemas.
Folha do Povo. Recife, 12 de jan. 1947.
136
caracterizando esse público como uma classe oprimida, mas que lutou bravamente pelo direito
de escolher seus próprios representantes.
Adalgisa apelou ao público do sexo feminino,
afirmando ter conhecimento dos direitos mínimos destinados às mulheres, no entanto, esses
direitos mínimos garantidos pela constituição não foram efetivados na prática, pelo menos não
para as donas de casa e as mulheres trabalhadoras. Segundo a candidata, tratava-se de um total
desrespeito à constituição. As operárias trabalhavam igualmente aos companheiros do sexo
masculino, mas recebiam salários inferiores. Ainda mencionou as mulheres que trabalhavam
em situações bem piores do que a dos homens,
em lugares sem higiene,
sem direito à
assistência à gestação, ao parto e à criança. Afirmando a inexistência de aleitamento, creches
e nenhum tipo de assistência destinada às mulheres que trabalhavam em fábricas. O salário
dessas mulheres era muito inferior aos dos homens e ainda exerciam a função em condições
bem piores, ficando isto evidente na doença - tuberculose - que assolava majoritariamente a
massa feminina das fábricas.
Logo em seguida, foi acrescentado que a situação precária no ambiente de trabalho das
fábricas era algo vivenciado por
toda a classe operária pernambucana submetida a essas
condições derivadas do sistema feudal de produção que, além disso,
desenvolvimento econômico do estado de
prejudicava o
Pernambuco. O investimento estrangeiro ou
“capital colonizador” - termo usado por Adalgisa - impedia o desenvolvimento de indústrias
estaduais e nacionais, como exemplo, falou de uma fábrica de botões que fechou suas portas
devido à concorrência estrangeira.
Os apontamentos feitos pela candidata foram utilizados
como argumento para a não separação entre a luta pelos direitos das mulheres, a luta contra o
latifúndio e o capital estrangeiro, pois seriam esses dois os causadores das péssimas condições
financeiras de homens e mulheres. O trabalho duro do povo pernambucano estaria resultando
apenas em lucro para os cofres dos banqueiros estrangeiros.
Deste modo, como dirigente,
Adalgisa afirmou que o programa mínimo do PCB se comprometia a lutar
relações feudais no campo,
terra (reforma agrária),
estimulava à diversificação da cultura agrícola,
apoiava a indústria nacional
Adalgisa se identificou como uma “dona de casa”,
pelo fim das
distribuição de
com condições dignas de trabalho.
utilizando esse lugar social, frisou as
dificuldades em lidar com o orçamento doméstico diante dos preços absurdos dos alimentos
(carestia) e dos baixos salários recebidos pelos companheiros/maridos, comprometendo-se a
lutar, caso fosse eleita, pelo amparo à família, à educação e à saúde pública. Todos os assuntos
direcionados à família eram de sua máxima atenção.
Adalgisa se apresentou como uma
137
mulher conhecedora das mazelas do povo. Colocando-se como representante da classe
operária e da chamada classe média.
O pronunciamento
de Adalgisa teve como destaque
as questões das mulheres
compatíveis ao seu círculo social. Fazendo uma junção dos problemas gerais para homens e
mulheres, observa-se esse aspecto como um alinhamento de interesse do Partido Comunista,
que acreditava ser a “questão de classe” opressora das mulheres,
sendo solucionada após a
revolução socialista.
Em 18 de janeiro,
função de
em “Escolha o seu Deputado” 146, encontra-se um resumo com a
apresentar um pouco os/as
candidatos/as comunistas. Nesse espaço, aparece
Adalgisa, tendo como sempre sua imagem ligada à representatividade feminina.
No dia 19,
dia das eleições, duas matérias foram publicadas.
A Primeira: “Falam os candidatos do povo sobre o pleito de hoje”, 147 nesta publicação,
candidatos do PCB fizeram seus últimos apelos ao povo, para as eleições que aconteceram no
mesmo dia de circulação desta matéria - 19 de janeiro de 1947 -. Realizou-se um recorte da
fala de Adalgisa.
A candidata à deputada estadual
enfatizou a importância do voto das
mulheres, tendo em vista que correspondia a uma grande parte do eleitorado. Além disso, o
voto feminino poderia ser
decisivo para dar por finalizada a crise que se manifestava e,
poderia ser percebida no dinheiro insuficiente para a compra de alimentos e gastos com a
educação dos filhos.
A segunda: intitulada de “As Mulheres Pernambucanas” 148 foi escrita por Adalgisa.
Afirmou, como em outras matérias, ser uma “dona de casa” e por isso, teria conhecimento das
dificuldades enfrentadas para alimentar dignamente uma família. Para a classe trabalhadora,
as dificuldades financeiras, também eram encontradas no vestuário, na compra de calçados,
remédios e nos gastos com a escola dos/das filhos/as. Deste modo, a crise, mencionada pela
Adalgisa, era manifesta nos preços dos gêneros alimentícios e outros, em distintas matérias e
documentos encontrei o uso do termo “carestia” para se referir a essas questões. Tratava-se de
mais um problema,
como tantos outros,
ligado à política,
para que este problema fosse
resolvido, Adalgisa colocava o quanto era necessário participar ativamente dessas eleições
depositando o voto e a confiança aos candidatos/as do PCB.
146
Apresentou esses possíveis
Fonte: Escolha o seu Deputado. Folha do Povo. Recife, 18 de jan. de 1947.
Fonte: Falam os candidatos do povo sobre o pleito de hoje. Folha do Povo. Recife, 19 de jan. de 1947.
148
Fonte: As Mulheres Pernambucanas. Folha do Povo. Recife, 19 de jan. de 1947.
147
138
representantes como homens e mulheres que lutavam contra a miséria e a opressão.
Os
problemas do povo, segundo Adalgisa, remetiam aos problemas das mulheres.
Por isso
insistiu para que elas escolhessem Pelópidas Silveira para governar Pernambuco - ex-prefeito
do Recife que garantiu benefícios ao povo recifense,
como feiras livres e carne barata.
Do
mesmo modo, apresentou o nome de Alcedo Coutinho para senador por demonstrar ser um
parlamentar de confiança diante das necessidades do povo. Em relação ao cargo de deputado/a
estadual, Adalgisa sugeriu a escolha de qualquer um dos nomes presentes na “chapa do povo”
- termo utilizado para se referir à chapa do PCB - sendo estes, homens e mulheres, democratas
e patriotas, merecendo ser eleitos. Adalgisa não utilizava o espaço para pedir votos apenas
para ela, diante de sua posição como militante comunista e dirigente do partido,
elegendo,
nomes de comunista seria suficiente para colocar em prática o programa do PCB.
Nas próximas páginas, será evidenciado o desempenho de Adalgisa enquanto deputada
estadual eleita.
4.4. Atuação da primeira deputada estadual de Pernambuco (1947)
Em 1947, nas eleições estaduais de Pernambuco,
sendo a
Adalgisa R. Cavalcanti foi eleita,
quinta deputada estadual mais votada do PCB, teve 2.298 votos,
candidatos de partidos influentes (FERREIRA,
superando,
2002). Deste modo, viso analisar a quem a
deputada comunista direcionou sua atenção enquanto representante nesse cenário político.
Ainda dando atenção as matérias do jornal Folha do Povo, encontrei uma pequena matéria ou
convite (assim denomino) intitulado de “Comitê Pró-Adalgisa Cavalcanti”
149
, publicado em
22 de janeiro de 1947. Um convite feito, principalmente, às donas de casa, podendo outras/os
interessadas/os também participar. O objetivo é a realização de uma reunião para discutir e
estudar reivindicações a serem apresentadas às autoridades do estado de Pernambuco, tendo
em vista que Adalgisa agora era deputada estadual.
para exercer o seu cargo político,
Desta maneira, iniciou-se a preparação
demonstrando interesse em atender
as necessidades do
público com o qual ela mais dialogou durante sua campanha política, as mulheres.
149
Comitê Pró-Adalgisa Cavalcanti. Folha do Povo. In. APEJE. Recife, 22 de janeiro de 1947.
139
Figura 11. Deputada Estadual Adalgisa R. Cavalcanti.150
Figura 12. Carteira de identificação de parlamentar de Adalgisa.151
A figura 11 mostra Adalgisa com um semblante sério,
diante das suas vestimentas,
indicando ser um terno feminino e como o seu cabelo está arrumado,
possivelmente essa
tenha sido sua foto oficial de deputada estadual eleita. Na figura 12 aparece sua carteira de
identificação de parlamentar.
150
Fonte: <http://canhotinho-pe.blogspot.com/2009/06/filhos-ilustres.html> acesso em: 30 de Janeiro de 2024.
Fonte:
<https://www.alepe.pe.gov.br/wp-content/themes/alepe/image/img-primeira-redemocratizacao/imagem-redemocr
atizacao1.png.> Acesso em 05 de fev. de 2024.
151
140
Partindo para a análise da documentação da Assembleia Legislativa de Pernambuco,
tendo em vista algumas características negativas,
pois além de fragmentada se encontra em
péssimas condições, o fornecimento do material
em formato PDF também dificultou a
visibilidade da fonte.
permitiu identificar esses detalhes, como
A pré-análise documental
também, que nem tudo
que Adalgisa fez (projetos, discursos, requerimentos) estão
disponibilizados neste PDF. Mesmo assim, ainda é possível obter informações valiosas sobre
sua atuação na Assembleia e,
além de permitir interligar estes dados com as informações
obtidas na Folha do Povo.
Seguindo a ordem do documento, o primeiro discurso encontrado é em defesa da Casa
dos Estudantes de Pernambuco 152, realizado na Assembleia Constituinte em 28 de abril
de
1947. Neste discurso, Adalgisa expôs - por meio da leitura de um texto - a situação da Casa
do Estudante
de Pernambuco. Foi destacado que
estudantes dos cursos colegial
a instituição dava assistência a 180
e superior. Abrigava 79, o restante correspondia ao número
101, frequentava apenas o refeitório. Nenhuma taxa de moradia era cobrada, mas em relação
ao uso do refeitório, cobrava-se uma taxa de 150 cruzeiros.
A taxa cobrada pelo uso do refeitório e a renda obtida através das festividades que a
instituição patrocinava, sendo estas a Festa da Mocidade,
suficiente para arcar com os
Feira de Atrações etc.
não era
gastos necessários para manter a Casa do Estudante de
Pernambuco. A instituição tinha que lidar
com despesas como: a conservação do prédio,
pagamento de funcionários, manutenção e ampliação da biblioteca, publicação de um jornal,
entre outros gastos. Deste modo, a deficiência orçamentária impossibilitava a ampliação de
acolhimento da Casa do Estudante.
Em seu programa,
estava previsto a ampliação da
assistência, no entanto, a contínua alta dos preços era a responsável
pelo desequilíbrio da
organização e manutenção da instituição. Uma solução inicialmente pensada poderia ter sido
o aumento da taxa do refeitório,
porém isso era impossível,
tendo em vista, tratar-se de
estudantes de baixa renda. A solução mais plausível era apelar para o auxílio dos particulares
e do governo.
Esse recurso teria sido acolhido no ano passado -
1946 - obtendo 60 mil
cruzeiros entre os particulares. O governo não ajudou. A instituição insistia para o governo
estadual conceder uma verba anual para a manutenção e ampliação da assistência estudantil,
pois a ajuda financeira particular era incerta para garantir uma estabilidade adequada.
152
Diário Oficial de Pernambuco. In. ALEPE. 28 de abril de 1947.
141
Adalgisa finalizou afirmando que como representante do povo de Pernambuco era um
dever defender uma instituição como a Casa do Estudante.
Apresentou um requerimento,
compartilhado com os demais constituintes e solicitando seu apoio.
Não se teve acesso ao
requerimento.
O pronunciamento do dia 17 de junho de 1947 foi
uma crítica em relação ao
comportamento violento da polícia com cidadãos participantes de um comício promovido
pelo Comitê de Mulheres Pró-Democracia (CMPD). O uso da palavra “mais” e “novamente”
indica a frequente participação da deputada na Assembleia,
sempre aliando as suas ideias e
reivindicações aos interesses do programa do PCB.
A deputada Adalgisa e outros/as integrantes do PCB foram informados por
uma
comissão que durante a realização de um comício promovido pelo CMPD no dia 15 de junho
de 1947 (domingo), no Parque 13 de Maio, cidadãos participantes do evento foram presos e
conduzidos para a delegacia do 1º Distrito. A polícia agrediu violentamente os detidos. Outros
cidadãos não foram detidos,
mas foram agredidos em plena praça pública.
A deputada
Adalgisa, junto de companheiras/os de partido (nomes não mencionados), compareceram até a
delegacia localizada na rua da Aurora, onde foram recebidos pelo delegado da DOPS, Otávio
Pinto. Comprovaram o ocorrido.
Foram presas quatro pessoas que participavam de uma
passeata.
A deputada Adalgisa considerou o ocorrido como um ato revoltante cometido contra o
povo, atingindo seriamente a democracia. Evidenciou-se que a polícia de Pernambuco não
estava comprometida com a constituição e democracia.
Os representantes do povo são os
responsáveis pela defesa dos postulados democráticos.
Em relação ao ocorrido, a deputada
apresentou mais um requerimento (infelizmente,
não se teve acesso a esse requerimento
também).
O próximo discurso pronunciado pela deputada ocorreu no dia 20 de junho.
discurso, a deputada realizou a leitura de um abaixo assinado.
produzido com a intenção de ser
Neste
O abaixo assinado foi
entregue aos deputados Luiz Magalhães Melo e David
Capistrano - tendo em vista serem estes os nomes presentes no documento -, mas por algum
motivo desconhecido, a leitura foi feita pela deputada. Os moradores da linha Nova do bairro
Areias, Recife, foram ameaçados de ser expulsos de suas humildes casas por
policiais
enviados pela Great Western, uma empresa britânica voltada para a construção de ferrovias. O
responsável pelo mandato foi o tenente Francisco Verissimo da Força Policial.
É possível
142
afirmar que os moradores ameaçados de serem expulsos de suas casas eram pessoas pobres,
pertencentes à classe trabalhadora. Esses moradores apelaram aos representantes do povo acreditando no compromisso que tinham para com o povo - para intervirem na demolição das
residências. Teriam sido derrubadas quatro casas no dia anterior a este pronunciamento, no dia
19 de junho. Os responsáveis pela demolição das casas informaram em tom de ameaça, voltar
no dia seguinte - 20 de junho,
“hoje” -, e nos próximos dias, para derrubar as trinta e nove
habitações restantes.
Em discurso pronunciado em 15 de outubro é referente ao “Dia do Professor”,
ela
solicitou aos demais deputados o reconhecimento da atuação dos/as professores/as.
Parabenizando a classe trabalhadora pela indispensável
contribuição ao desenvolvimento da
pátria, educando os jovens. A deputada Adalgisa, como prometido em sua campanha política,
reconheceu e se manteve preocupada com a educação,
frisou a importância de deixar
registrado o significado da data que homenageia o professorado.
momento para reforçar pedidos feitos em discursos anteriores,
A deputada aproveitou o
para melhorar a situação de
vida dos/das professores/as, elevando salários, possibilitando uma melhor atuação profissional
e condição de vida. Sobre este ato, no dia seguinte - 16 de outubro - o discurso de Adalgisa
feito na tribuna foi
anunciado Folha do Povo. Na ALEPE, todas as palavras utilizadas na
construção do texto foram escritas no masculino “Dia do Professor”, no entanto, na matéria
do jornal, o texto foi escrito no feminino “Dia da Professora”.
A deputada Adalgisa Cavalcanti ocupou então a tribuna para falar sobre a passagem
do dia da Professora. “Essa data - diz - não podia passar despercebida, por ser um
dia em que se homenageia uma grande e batalhadora classe, que muito concorre para
o progresso da nossa Pátria, porque a ela está afeta a educação da nossa
juventude”.153
Como os dois textos se apresentam em fontes diferentes,
permitem compreender o
quanto a Assembleia Constituinte se mostrava um local aceitável para os homens e indiferente
às mulheres, sendo necessário, Adalgisa, a única mulher a ocupar esse espaço, ter que adequar
sua fala e escrita.
Possivelmente, a deputada estava se referindo às professoras do ensino
primário.
153
Fonte: O dia da Professora. Folha do Povo. Recife, 16 de out. 1947.
143
Em relação aos seus projetos, o único localizado possibilitando o entendimento diante
das péssimas condições da fonte, corresponde a um projeto da deputada (Projeto n.º 251)
154
aprovado em 12 de dezembro de 1947. Foi referente à criação de cadeiras de ensino primário
nos municípios de Barreiros e Lagoa dos Gatos,
ambos localizados em Pernambuco,
primeira com distância de 102 km da capital
e a segunda com 173 km de distância. Foram
criadas três cadeiras de ensino primário,
uma no distrito de Puiraçu do município de
a
Barreiros. Duas em Lagoa dos Gatos, uma na sede e outra no distrito de Lagoa do Souza.
Como em outros documentos, enfatizou-se a preocupação e atenção da deputada Adalgisa em
relação à educação.
Além do projeto mencionado anteriormente, outro que é destacado é o Projeto N. 116.
Tratando-se de investigações científicas em uma mina de carvão localizada no município de
Petrolândia. Se fosse constatada a existência do minério,
os recursos seriam utilizados para
movimentar a economia do estado. Este projeto saiu nas páginas da Folha do Povo em 23 de
novembro de 1947,
da seguinte maneira “Foi
deputados Leite Filho e Adalgisa Cavalcanti
aprovado em 1.ª
discussão o projeto dos
autorizando ao governo o estudo das minas de
carvão de Petrolândia para sua conveniente exploração”.
Também consta na documentação da ALEPE,
que a deputada Adalgisa atuou como
presidente de redação de leis. Compreende-se que para ocupar tal cargo é necessário ter muito
conhecimento em relação à elaboração das leis. Comprovando que Adalgisa entendia que para
ter comprometimento com a luta do povo precisava conhecer não apenas as leis, mas também
como deveriam ser elaboradas.
No livro Presença Feminina,
produzido por
Luzilá Gonçalves Ferreira (2002),
publicado pela Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco,
Luzilá escreveu sobre a
trajetória de Adalgisa em um dos capítulos do livro, pelo conteúdo abordado, presumo que ela
teve acesso ao material
do ALEPE na íntegra,
localizando outros discursos e projetos de
Adalgisa. Segundo Luzilá Ferreira (2002), em relação
ao mandato da deputada
pernambucana:
Atenta às necessidades das camadas mais pobres da população, ela o foi igualmente
à causa das mulheres. Em 1947, por exemplo, ela apresentou projeto – que foi
aprovado – autorizando o Governo estadual a conceder abono familiar às mães que
exerciam função pública estadual, abono esse que até então era privilégio exclusivo
154
Diário Oficial de Pernambuco. In. ALEPE. 12 de dezembro de 1947.
144
dos homens. Naquele mesmo ano, ela denunciou o degradante salário das
professoras primárias que exerciam suas funções no Interior do Estado: Seus
vencimentos equiparavam-se ao que recebiam os tratadores de cavalos. [...]
(FERREIRA, 2002, p. 45)
Esse projeto do abono familiar destinado às mães que exerciam atividades públicas é o
projeto mais conhecido de Adalgisa, geralmente encontrado nas
breves biografias da
militante, publicadas em sites e blogs. Além de ser o projeto que mais tem relação direta com
a causa das mulheres.
Na fonte fornecida pela ALEPE não encontrei
nenhuma menção,
levando a questionar onde foi parar tais documentos relacionados a esse ato e qual o motivo
do ocultamento. Quando comparado aos textos sobre o dia da/o Professora/or em amostra no
jornal comunista e o da ALEPE, é possível identificar como as palavras são utilizadas para
atender os interesses de determinados grupos,
nesse caso, o grupo dos homens,
tentando
seguir a ordem de que o masculino é universal, relegando ao segundo plano o feminino e seus
direitos enquanto seres humanos.
Deste modo, a documentação pode ter
julgarem não ser
e não se deve esquecer
de grande valor
sido retirada por
que outros materiais também
percorreram caminhos desconhecidos. Será que aconteceu o mesmo com a documentação de
alguma figura pública masculina?
[...] Atenta às necessidades dos mais humildes e à necessidade de justiça,
ela
defende, por exemplo, a concessão de uma pensão ao operário José Cavalcanti de
Brito, ex-ferreiro da antiga Repartição de Viação e Obras Públicas do estado.
E
descreve em cores fortes aquele acidente de trabalho, fato comum entre os
trabalhadores e a situação do operário. Desse modo, consegue comover e decidir os
colegas parlamentares a votar a ajuda pedida [...] Como não podia deixar de ser, o
projeto foi aprovado. Como foi aprovado o projeto de Adalgisa, que autorizava o
Governo a conceder uma subvenção anual de vinte mil cruzeiros à Liga Camponesa
de Iputinga, - no tempo, é bem verdade, em que a expressão Liga Camponesa ainda
não surgia aos olhos da direita como algo subversivo e perigoso – sediada no Recife.
[...] Adalgisa lembrou que a Liga Camponesa da Iputinga era uma sociedade
composta de pequenos agricultores, de lavradores de pequenos recursos, e que nela
inúmeras pessoas aprendiam a ler e a conhecer os métodos empregados na
agricultura racional. (FERREIRA, 2002, p. 45, 46-47)
O diálogo estabelecido pela deputada atingiu variados grupos sociais. Quando apenas
militante, dialogou mais com a classe operária e com o público feminino.
Ao ser eleita
representante do povo, atuou com seriedade nas responsabilidades do seu cargo, auxiliando o
povo em amplitudes que não se resumiam aos grupos que teve mais contato anteriormente às
eleições. Observa-se que a Liga Camponesa de Iputinga recebeu a atenção da deputada,
145
igualmente o ex-ferreiro acidentado que se encontrava impossibilitado de trabalhar
para
sustentar a si e sua família.
Com base nas publicações do jornal a Folha do Povo, correspondentes ao período em
que Adalgisa ocupava o cargo de deputada estadual, informaram a realização de dois comícios
com a presença da deputada. O primeiro, realizado no dia 24 de fevereiro, comício de protesto
contra Franco e Moringo; o segundo no dia 17 de abril, contando com a presença de outras
figuras políticas. Em 23 de março, a deputada ministrou uma palestra sobre os direitos que a
Constituição de 1946 garantia ao povo brasileiro. Além disso, ocorreu a realização de cinco
conferências: a primeira em 26 de abril;
a segunda em 11 de junho,
com o título de “A
atuação da mulher, a carestia de vida e a Constituição”; a próxima ocorreu em 15 de agosto no
município de
Arcoverde, nesta visita, Adalgisa falou sobre as
Constituições Federal e
Estadual, convidou o povo a se unir em defesa dos seus estatutos políticos, como base para a
união nacional; em 11 de setembro sua participação aconteceu na Ladeira do Giz, município
vizinho de Olinda; a última conferência durante essa etapa da vida de Adalgisa aconteceu em
12 de setembro no município de Águas
Compridas, neste evento, lideranças femininas
marcaram forte presença, participantes como a presidente e vice-presidente da Liga Feminina,
Maria José Marques e Eugênia Saldanha da Silva.
Mais uma matéria - 07 de agosto - exibe os atos de Adalgisa, “Atende o Prefeito do
Recife a reivindicação dos ambulantes” vendedores ambulantes estavam sendo importunados,
impedidos de praticarem suas atividades no pátio do Mercado, após o auxílio da deputada e
do deputado José Leite Filho os ambulantes conseguiram o direito de permanecerem no
mesmo local que exerciam suas funções.
Adalgisa atua contrária a exploração dos camponeses da usina de “Petribu”, os donos
da propriedade são integralistas. Muitos camponeses foram demitidos por pedirem aumento
de salários, a reportagem foi publicada em 15 de setembro.
Adalgisa fez um pronunciamento na Assembleia Legislativa (06/11),
não localizado
nas fontes fornecidas pela ALEPE, mas foi publicado no jornal, no qual Adalgisa criticou o
governo de Dutra, “Incapacidade do Governo Dutra para resolver os problemas nacionais”.
Os apontamentos, foram direcionados ao aumento do custo de vida, trazendo como destaque
inicial de sua fala as seguintes palavras:
146
[...] Por diversas vezes, nesta casa, algumas vezes tem-se levantado para protesto,
em nome do povo, contra a carestia da vida, contra a exploração de que veio sendo
vítimas as mais amplas camadas de nossa população.
Queremos, agora, sr. Presidente, trazer no conhecimento desta Assembleia a nossa
contribuição ao estudo de tão magno problema.
Falamos neste momento, menos
como parlamentar do que como dona de casa,
que sente, nas angústias e nas
vicissitudes dos labores da vida doméstica,
o próprio drama dos lares pobres do
Brasil. [...].155
As observações da deputada demonstraram o quanto estava preocupada com o
aumento dos gêneros alimentícios,
não sendo detectado interesse do governo em elevar os
salários para se tornarem compatíveis com o custo de vida no país.
Esta situação atingia
drasticamente a família brasileira, principalmente as famílias pobres impactadas com tamanho
descaso do governo federal que não aparentava ter preocupação com a situação do povo.
Pautas e grupos defendidos pela deputada Adalgisa (1947)
Donas de casa
Classe Operária
Organizações femininas
População mais humilde
Crianças
População do interior do estado
Professoras
Operário acidentado
Estudantes
Agricultores
Democracia
Ambulantes
Economia estadual
Tabela 5. Pautas e grupos políticos presentes nos discursos de Adalgisa.
155
Fonte: Incapacidade do Governo Dutra para resolver os problemas nacionais. Folha do Povo. Recife, 07 de
nov. de 1947.
147
A passagem de Adalgisa pela Assembleia marcou significativamente sua trajetória na
política, passando de apenas militante comunista para deputada estadual
eleita. É difícil
precisar sem erros se esse acontecimento marcou mais aquele período ou o momento atual se
analisarmos com a perspectiva do pioneirismo político feminino.
Em 1982, ela afirmou ter
ficado muito contente com a responsabilidade dada a ela pelo povo.
Ao mesmo tempo,
Adalgisa fez afirmações de que não tinha muito conhecimento sobre o parlamento. E ainda
acrescentou que não fez muitas coisas no período de nove meses que ficou no cargo político.
Aparentemente, a deputada não imaginava o tamanho da importância de seus atos,
não
julgando com tamanho reconhecimento a si própria.
Fazendo a junção do material colhido na documentação da ALEPE, Folha do Povo,
entrevista de 1982 e o livro “Presença Feminina”,
foi possível mapear suas ações enquanto
deputada estadual de Pernambuco. Demonstrando que Adalgisa foi
militância e em seu mandato de deputada estadual
uma mulher ativa na
de Pernambuco, ou seja, em todo seu
percurso político.
No próximo subcapítulo,
discutirei a perda de seu posto político e a cassação do
registro do PCB, expondo as consequências para a democracia brasileira e para a trajetória de
Adalgisa.
4.5. Encerrando o mandato: PCB na ilegalidade
No governo de Eurico Gaspar Dutra os comunistas mais uma vez tiveram que lidar
com a perseguição, fato relacionado ao “peso das concepções conservadoras, do crescimento
desse partido e da modificação das
relações internacionais entre as grandes potências”
(FAUSTO, 2018, p. 221). No Brasil, é desencadeada uma violenta perseguição aos
comunistas e em maio de 1947,
o PCB tem o seu registro suspenso e retorna à ilegalidade
(SEGATTO, 2003). Os mandatos de seus representantes nos poderes legislativos federal,
estadual e municipal, poucos meses depois, foram cassados (DELGADO, 2003).
Em uma das crônicas de Patrício Potiguar,
publicada no jornal, ele falou sobre a
cassação dos mandatos dos deputados comunistas em 1947.
O autor explicou que ao serem
eleitos, somente o povo teria o direito de retirar o mandato dos parlamentares comunistas,
148
portanto, a decisão tomada não correspondia a vontade do povo brasileiro. Em outro texto, o
cronista falou sobre o comício de protesto organizado contra o ato antidemocrático,
o ato
aconteceu em uma sexta-feira na praça 13 de Maio.
[...] Somente perdendo-se no meio do povo, confundindo-se com a massa nas suas
manifestações de aplauso ou desagrado, é que se pode ter
a noção exata da
sinceridade apaixonada com que homens e mulheres das mais diversas profissões,
dos mais variados níveis de vida, sustentam seus pontos de vista e defendem o que
lhes parece mais justo e acertado. [...]156
A presença do cronista em meio ao evento proporcionou a observação do público
participante. Deste modo, identificando os grupos sociais envolvidos no protesto.
Em um
terceiro texto, o cronista indagou as vantagens adquiridas com a cassação do registro do
Partido Comunista.
Pergunte-se aos senhores do governo que vantagem trouxe ao país a cassação do
registro eleitoral do P.C.B.; pergunte-se se os gêneros se tornaram mais abundantes e
baratos, se desapareceu a crise de habitação, se os salários foram aumentados, se
apareceu aos menos uma vaga esperança de melhoria da situação nacional;
indague-se ao governo se, com a decisão que jogou o Partido de Prestes
na
ilegalidade, elevou-se nosso conceito frente a outras nações, nossa moeda subiu de
cotação, realizou-se a assinatura de tratados comerciais que impliquem em real
vantagem para nós. [...].157
As indagações são feitas e direcionadas às figuras masculinas representativas de
destaque no poder político, como o presidente Eurico Gaspar Dutra.
Diante da cassação do
PCB, nenhuma das perguntas feitas pelo cronista teve resposta positiva.
O ocorrido é
considerado um erro político prejudicial ao povo brasileiro e não vantajoso, tendo em vista
que os problemas sociais não foram solucionados.
Nas páginas do jornal
comunista
encontrou-se uma convocatória de grupos compostos principalmente por mulheres, utilizaram
telegramas, abaixo-assinado e memoriais para protestar e defender o mandato da parlamentar
Adalgisa R. Cavalcanti. Descreveram brevemente
suas ações como deputada (ações
mencionadas anteriormente), direcionando os apontamentos para o erro cometido contra os
parlamentares ao terem seus mandatos cassados.
156
157
Fonte: POTIGUAR, Patrício. Sobre o Comício de sexta-feira. Folha do Povo, Recife, 06 de jul. de 1947.
Fonte: POTIGUAR, Patrício. Pela Legalidade do P.C.B. Folha do Povo. Recife, 12 de set. de 1947.
149
[...], Mas a isso se opõem… os
democratas e patriotas, médicos, advogados,
engenheiros, professores, funcionários públicos, todos aqueles que não são lacaios
do imperialismo americano, e entre todas as mulheres pernambucanas, que
defenderão os mandatos dos parlamentares comunistas e com maior
vigor o de
Adalgisa Cavalcanti, sua digna e heroica representante.158
O anticomunismo se manifestou fortemente no Brasil.
Mesmo diante das ondas de
protestos contra a cassação do registro do PCB e dos mandatos dos parlamentares comunistas,
isso não foi suficiente para impedir o acontecido. Segundo Paulo Cavalcanti 159:
No dia 11 de janeiro de 1948, depois de prolongada discussão política em todo o
Brasil, a Câmara de Deputados declarou extintos os mandatos dos parlamentares
eleitos sob sua legenda. (CAVALCANTI, 1978, p. 218)
Adalgisa R. Cavalcanti teve o seu mandato interrompido em “14 de janeiro de 1948,
por meio de resolução da Mesa da Assembleia Legislativa de Pernambuco, em face do Artigo
2° da Lei Federal número 211” (FERREIRA, 2002, p. 43). O anticomunismo marcou presença
fortíssima, contribuindo com o ocorrido com o Partido Comunista e seus representantes
eleitos. “Para a polícia, a influência que o PCB apresentava junto à sociedade do nordeste era
um iminente perigo, pela extensão e
proporção que
tomava ao longo dos
anos (...)”
(RICARDO, 2009, p. 50). No entanto, o acontecido, não significou que estando o PCB na
ilegalidade, Adalgisa e seu partido tivesse se recolhido dos
embates políticos. A luta
continuou no cenário clandestino.
Adalgisa ficou infeliz com tal decisão que a impossibilitou de finalizar seu mandato
político. Não se sentiu intimidada e tornou pública a sua indignação. A matéria “A cassação
do registro eleitoral do PCB e a Mulher pernambucana” publicada no dia 20 de maio de 1947,
foi um pronunciamento realizado pela deputada, manifestando-se contrária à cassação de seu
partido. Recorrendo a
sua posição de
militante comunista e agora deputada estadual,
direcionou suas palavras para as mulheres pernambucanas, recordando a lutas das
antepassadas em prol da paz e da democracia,
indiferente a atitude antidemocrática e ilegal
158
159
sendo esta uma justificativa para não ficar
de cassação do registro eleitoral
do PCB. O
Fonte. Defendemos todos o mandato de Adalgisa Cavalcanti. Folha do Povo. Recife, 12 de dez. de 1947.
CAVALCANTI, Paulo. Da coluna Prestes à queda de Arraes. Recife: Editora Guararapes, 1978.
150
governo de Eurico Gaspar Dutra estava incomodado com a
popularidade do Partido
Comunista, por isso buscou meios para torná-lo ilegal.
Adalgisa comentou o protesto organizado por
cassação do Partido Comunista,
um grupo de mulheres contrárias à
também falou do quanto às
reconheciam a importância do PCB para si
mulheres pernambucanas
e seus filhos. Deste modo, temiam o retorno do
regime ditatorial do Estado Novo, marcado pela miséria, opressão, inflação, baixos salários e
carestia. Essas mulheres que lutaram contra o fascismo da Segunda Guerra Mundial e outras
que compreendem o mal
da opressão imperialista lutaram por
um Brasil independente e
progressista, uniram-se em defesa da paz e da Carta Magna contra o governo Dutra. Para os
comunistas, naquele momento, Eurico Gaspar Dutra demonstrava ser um ditador, rodeado por
fascistas.
Adalgisa destacou em seu pronunciamento que o PCB foi o partido mais empenhado
em defender a absoluta igualdade de direitos entre mulheres e homens. Em Pernambuco, nas
eleições de 1947, o PCB foi o único partido a indicar nomes de três mulheres para concorrer
às eleições. O Partido Comunista também lutou contra os atrasos econômicos e a colonização
estrangeira, causadora da ignorância e preconceitos que atingiram principalmente
as
mulheres, causando transtornos, como humilhação e desvalorização por parte da sociedade
onde viviam, consequentemente, prejudicando o desenvolvimento da economia brasileira.
Diante desses fatores, a deputada comunista considerou que as donas de casa eram as
mais prejudicadas, pois lidavam com a falta de alimentos e bens materiais necessários para
que seus filhos e filhas tivessem uma vida minimamente digna e acesso à educação escolar.
Por este motivo, essas mulheres desejavam a legalidade do PCB para dar continuidade nas
atividades que colaboravam com a alfabetização, na luta contra o fascismo e em busca de uma
efetiva democracia brasileira.
Para Adalgisa, no Brasil nunca houve um regime
democrático. Segundo suas
concepções, a democracia seria caracterizada pela liberdade de organização partidária,
de
reuniões dos sindicatos, dos trabalhadores do campo, da classe operária, entre outros grupos
sociais, culturais e políticos.
A comunista disse que em um regime democrático não há
perseguição, mas sim respeito aos pensamentos distintos, respeito religioso e filosófico, sendo
esta a sua idealização de uma verdadeira democracia. Em um dos seus discursos na Câmara
Legislativa em 1947, Adalgisa fez a seguinte afirmação:
151
Porque tudo o que se fizer em benefício do povo, é democracia, e tudo o que se fizer
contra o povo, tudo que venha prejudicar o povo em maior ou menor grau, pode não
ser fascismo, mas é coisa muito parecida com isso (FERREIRA, 2002, p. 48).160
Quando indagada pela entrevistadora sobre como se situava ideologicamente,
no
primeiro momento, a resposta de Adalgisa foi “Eu, ideologicamente, me situo como
sempre…”. Tendo como sentido afirmar
mudaram com o tempo.
que suas convicções,
seus ideais políticos não
Adalgisa, no início da década de 1980,
ainda detinha os mesmos
preceitos do que para ela seria o melhor na política e para o povo. No segundo momento, ela é
induzida pela entrevistadora a resumir o significado de sua primeira colocação, confirmando a
posição de ser uma “comunista militante”,
abriu um parêntese para falar de sua fragilidade
física naquele momento, mencionou que a sua saúde, infelizmente, não permitia uma atuação
mais ousada como atuou no passado.
Brasil e no mundo.
Mas continuava atenta ao que estava acontecendo no
Adalgisa falou com muita convicção sobre a importância do PCB,
deixando claro que este partido faz parte da sua vida, ao mesmo tempo, tem esperança que no
futuro os planos políticos do Partido Comunista sejam colocados em prática, “pretendemos
introduzir o socialismo no Brasil, depois de uma perfeita democracia. E depois do partido do
socialismo, entrando em um partido do comunismo”.
Mesmo diante da lamentação por não
estar presente nessa fase devido sua idade avançada, afirmou que sua situação não importava,
todos os avanços eram de interesse do povo brasileiro, do povo que é oprimido, aos filhos do
povo, a classe operária.
Em agosto de 1963, Adalgisa foi convidada para compor a delegação de Pernambuco
para visitar a União Soviética e outros países socialistas. A viagem foi custeada pela URSS.
Adalgisa foi acompanhada pelo seu esposo. Ela e as demais companheiras e companheiros
foram bem recebidos, foram homenageadas/os pelos sindicatos e tiveram a oportunidade de
conhecer o local de reprodução do periódico de Moscou.
Entre o que vivenciou nesta viagem,
uma das que mais chamou sua atenção foi
ocupação feminina nos espaços que naquele momento no Brasil eram considerados lugares e
trabalhos de homens. Adalgisa disse que nos países socialistas,
as mulheres têm uma vida
melhor, ocupam espaços de poder, lidando com um peso menor de discriminação. Confiante,
160
Discurso coletado na obra Presença Feminina, da Professora Luzilá Gonçalves Ferreira.
a
152
afirmou que as mulheres terão mais oportunidades, não serão discriminadas na vida pública e
para isso, contava com a luta da Federação Internacional de Mulheres.
A militante comunista falou que a viagem influenciou seu comportamento político.
Discordou totalmente da oposição quando chamavam os países socialista de Cortina de Ferro,
ela disse que o que viu foram flores “[...] eu não vi
nada de Cortina de Ferro, eu vi, sim,
cortina de flores, uma das coisas que mais adoro na minha vida, flores. As flores me enchem a
vida [...]”. Além disso, Adalgisa ficou encantada com a higiene e limpeza nas ruas da URSS.
Ao fim de sua vida, diante das perseguições que sofreu e já adoentada com diabete,
Adalgisa ficou reclusa em seu apartamento. Gradualmente foi se despedindo da vida política,
tendo por perto apenas os parentes e poucos amigos sobreviventes da agitação do século XX.
Beth Salgueiro, na revista Mulherio, fez as seguintes declarações sobre ela:
Se esconde num apartamento no centro de Recife,
e só recebe visitas se estas
chegarem através de amigos de confiança. Para as pessoas conhecidas, a casa está
sempre aberta. Para os estranhos, só com carta de apresentação. “Não é que eu tenha
medo, mas já me aborreci muito e acho que devo poupar minha velhice”.
(RICARDO, 2009, p. 167).
Adalgisa faleceu aos 91 anos,
em abril de 1997. Sua morte foi decorrente de uma
isquemia cerebral, enterrada no Cemitério de Santo Amaro. Foi homenageada na Assembleia
em 15 de setembro de 1997, tendo à frente da organização do evento Luciana Santos, naquele
momento, deputada e líder do PCdoB.
A deputada Luciana Santos, após lembrar o pioneirismo de Adalgisa, que abriu as
portas à presença das mulheres na Assembleia, fez uma rápida evocação biográfica
da homenageada, citando fatos concretos de sua atuação política, inclusive sua
entrada e atuação constante na Comissão de Solidariedade aos presos políticos.
(FERREIRA, 2002, p. 52).
Em 19 de maio de 1998,
Adalgisa foi homenageada mais uma vez pela Assembleia
Legislativa de Pernambuco, na ocasião, seus parentes foram reembolsados com as despesas
do funeral.
153
Figura 13: Adalgisa aos 89 anos, relatando dados de sua vida para a Folha do Povo.161
Figura 14: Adalgisa R. C. idosa.162
A figura 13 mostra Adalgisa com idade avançada,
porém lúcida de seus ideais. Ela
estava relatando um pouco de sua história política para o jornal.
Adalgisa demonstrou interesse em relatar
161
Na entrevista de 1982,
por meio da escrita o que não chegava a sua
Essa imagem foi retirada do livro Presença Feminina de Luzilá Gonçalves Ferreira (2002, p. 52). A autora do
livro utilizou como fonte o Álbum de Família da Adalgisa.
162
Fonte: Jornal do Comércio, 8 de março de 2009 - Fundação Joaquim Nabuco / Recife-PE.
154
memória na hora da entrevista oral.
A figura 14 é mais uma foto dela quando estava idosa,
divulgada em uma matéria do Jornal do Comércio em 2009, mais de 10 anos após sua morte.
155
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os apontamentos destacados nesta pesquisa permitiram apurar que a trajetória política
de Adalgisa Rodrigues Cavalcanti pelo PCB é significativa para a atuação das mulheres nos
espaços de poder. Sua história é marcada por uma efetiva representação na história política de
Pernambuco. Passando por organizações como o Socorro Vermelho Internacional, Movimento
Antifascista, fez parte da Aliança Nacional Libertadora e participou do Levante de 1935, foi
perseguida e presa pela DOPS, atuou e liderou em organizações de mulheres, empenhou-se na
candidatura e em seu mandato político, militante convicta do PCB. Deste modo, partindo das
ideias apresentadas e das atuações demonstradas, os objetivos propostos no início da pesquisa
foram alcançados.
Adalgisa R. Cavalcanti passou a atuar como militante comunista devido seus ideais
políticos serem compatíveis com os do PCB.
Idealizando um Brasil livre do fascismo e do
imperialismo, com melhores condições de vida e trabalho para a população, na qual pessoas
não passariam fome e as mulheres ocupariam os mesmos espaços políticos que os homens. A
esperança de uma revolução promovida
pelo próprio povo em aliança com o Partido
Comunista, também fez parte do seu imaginário político.
Sua lealdade com a revolução
socialista e as ideias apresentadas pelo PCB fez com que a militante conquistasse a confiança
do partido. O PCB enxergou em Adalgisa R. Cavalcanti uma líder feminina, conhecedora das
dificuldades do povo, principalmente, dos infortúnios das mulheres, deste modo, capaz de
dialogar com este respectivo grupo social,
possibilitando que ela fosse uma das escolhidas
para disputar as eleições de 1945 e 1947 em Pernambuco.
Adalgisa R. Cavalcanti é um
exemplo de militante feminina detentoras de percepções que fogem dos preceitos sociais e
culturais das décadas de 1930 e 1940,
correspondentes ao período do governo de Getúlio
Vargas e Eurico Gaspar Dutra. Ela se deslocou do seu lugar “adequado”,
espaço tido como não conveniente ao seu sexo,
para ocupar um
com a intenção de reivindicar melhorias e
reconhecimento, principalmente, para as mulheres que compartilhavam o mesmo lugar que
ela, o de uma dona de casa.
Portanto, sua trajetória fornece valiosas contribuições para a
história das mulheres no cenário político e historiografia brasileira.
A abordagem biográfica
foi metodologicamente utilizada para modelar os
acontecimentos e experiências vivenciadas pela personagem militante,
enveredando seu
protagonismo e representatividade no âmbito da política comunista. Deste modo, denominei
156
esse estudo de trajetória biográfica histórica feminina,
utilizando esse termo para me referir
especificamente a realização deste estudo, como também, demais estudos que nascem dentro
da perspectiva histórica,
tratando-se de pesquisas
que propõem investigar
mulheres na política com uma concepção que prioriza os modos de agir,
ideal de mulher frágil e incapaz de atingir seus objetivos.
a atuação de
desfazendo-se do
De maneira nenhuma, enxergo a
pernambucana como uma mulher submissa e indefesa.
Para chegar a estas conclusões, observaram-se como as mulheres foram inseridas nas
discussões e pautas defendidas pelo Partido Comunista em Pernambuco.
O cruzamento de
informações levantadas para a realização deste estudo possibilitou a identificação de questões
importantes para compreender o papel feminino no PCB, não se restringindo a papéis tidos
como os únicos possíveis para elas. A arena política passou a ser lugar de mulher através das
investidas do PCB. Ao analisar quais e como as pautas das mulheres,
ou seja, as questões
femininas foram inseridas e tratadas neste partido, passei a entender a atuação das mulheres
na política comunista, sendo elas,
também colaboradoras
de uma tradição política de
esquerda. Esses dados foram importantes para contextualizar o espaço conquistado por
Adalgisa R. Cavalcanti, passando a ser compreendida em sua amplitude com base na política
comunista. Ainda acrescento que ela é uma figura feminina representante desta política
durante o período estudado.
A mulher, do ponto de
vista comunista, é feminina, pernambucana, brasileira,
trabalhadora, dona de casa, mãe, esposa, filha, guerreira, eleitora, democrata, cidadã, operária,
deputada, vereadora, lutadora e antifascista. Como exemplo, a última palavra - antifascista tem uma historicidade reivindicada pelas mulheres da atualidade. As mulheres atuais que se
dizem antifascistas também estão alinhadas aos pensamentos feministas. No entanto, naquele
período histórico, as mulheres comunistas não eram feministas. Discordo da ideia de querer a
todo custo enquadrá-las como feministas de orientação comunista, pois como afirmou Soares
(2021), ao utilizar tal artifício, estaria afirmando que o único tipo ideal
de reivindicações
políticas femininas seria apenas através dos movimentos feministas. Em suas lutas, as
mulheres comunistas recusaram serem identificadas como feministas,
rompendo com essa
concepção limitadora. Deste modo, afirmo que este aspecto tem relação com as influências
vindas da, até então, União Soviética. Isso não diminui
a relevância dos
movimentos
feministas e tampouco das comunistas. Diante da representação e do significado do PCB para
a classe operária e para o povo brasileiro,
em geral, é inválido desmerecer suas ações para
157
com as mulheres, e de como essas mulheres estavam interligadas,
dentro ou próximas do
PCB.
Em relação à campanha e o mandato de deputada estadual de Adalgisa R. Cavalcanti,
uma mulher “dona de casa”, comunista, antifascista e não considerada feminista. Durante o
período de campanha política, ela buscou apoio no eleitorado feminino, se direcionando mais
especificamente às mulheres trabalhadoras, às donas de casa e às mulheres da chamada classe
média. Ao ser eleita, a deputada comunista se comunicou com as donas de casa,
também demais interessadas/os,
com a intenção de ouvir
auxiliar como uma representante do povo.
como
suas demandas na tentativa de
Em seus discursos pronunciados na Assembleia
Legislativa de Pernambuco, há discursos em defesa da Casa dos Estudantes de Pernambuco;
em defesa de melhores condições e salários para a classe do professorado;
reclamou das
atividades violentas da polícia atuando contra as manifestações e comícios do Comitê de
Mulheres Pró-Democracia, deste modo, defendendo os direitos reivindicados pelas mulheres
pertencentes ao CMPD, como também a democracia; contribuiu com a criação de cadeiras de
ensino primário. Além disso, ela também discursou em defesa da população pobre que estava
sendo expulsa de suas casas devido aos interesses econômicos de empresas estrangeiras
atuantes no Recife. Preocupou-se com o
desenvolvimento econômico do estado de
Pernambuco, solicitando que investigações científicas fossem realizadas
para saber a
qualidade do carvão de uma mina localizada no município de Petrolândia.
A trajetória de Adalgisa na política não foi encerrada na década de 1940, pois mesmo
após a cassação do seu mandato em janeiro de 1948,
continuou engajada na militância
comunista, atuando na clandestinidade. Chegou a afirmar que tinha interesse em se candidatar
novamente, no entanto, seus direitos políticos foram retirados, impossibilitando uma atuação
partidária legalizada, fosse no PCB ou em outro partido que mantivesse boas relações com o
PCB. Através do Partido Comunista,
Adalgisa se envolveu em campanhas políticas,
que
elegeram, como, por exemplo, Juscelino Kubitschek para presidente em 1955 e Miguel Arraes
para governador de Pernambuco em 1963.
pela DOPS e foi
Além disso, Adalgisa continuou sendo monitora
atingida pela ditadura civil-militar, resultando na perda de sua liberdade,
ficando detida na Colônia do Bom Pastor
anteriores. Contou com o auxílio de
em 1966, como foi mencionado em páginas
amigos para sair da prisão, entre esses amigos,
mencionou o nome de Paulo Cavalcanti. Retornou para sua casa, com endereço fixo na cidade
do Recife, onde foi recebida de braços abertos por seu marido e familiares.
A partir deste
158
acontecimento, Adalgisa começou a se afastar do combate ativo,
decisão tomada devido às
complicações de sua saúde, mesmo assim, continuou atenta aos acontecimentos políticos até o
final de sua vida. Ela faleceu com mais de 90 anos e seu corpo foi
velado na Assembleia
Legislativa de Pernambuco.
Boa parte da história política de Adalgisa R.
Cavalcanti ficou invisibilizada durante
um tempo, mas sua memória não foi totalmente esquecida. O que comprova esta afirmação é
a Resolução N.º 1.375, de 24 de agosto de 2016, correspondendo à criação da Ação Formativa
“Mulheres na Tribuna - Adalgisa Cavalcanti”. Trata-se de um projeto elaborado pela deputada
estadual de Pernambuco Simone Santana, propondo a formação e o encorajamento de mais
mulheres para atuar na política. É sua memória que se projeta no presente da vida política
pernambucana e brasileira, inclusive, abrindo horizontes de possibilidades futuras para tantas
outras mulheres.
Simone Alice de Oliveira Santana (1962)
é uma médica pediatra,
natural de São
Raimundo Nonato-PI. Teve como motivação para entrar na política a experiência de 2013 ao
atuar no Programa Mãe Coruja do Ipojuca-PE,
públicas destinadas às mulheres e crianças.
possibilitando a implementação de políticas
No ano seguinte, participou das eleições, sendo
eleita deputada estadual com 73.178 votos pelo PSB, ocupando a quinta colocação para este
cargo em Pernambuco.
Em 2019,
no seu segundo mandato, ocupou a função de
vice-presidenta da ALEPE. As pautas defendidas por Simone Santana durante seus mandatos
políticos são em torno da causa das mulheres,
em defesa da infância, da saúde e do meio
ambiente.
Segundo a Resolução N° 1.375, o objetivo da Ação Formativa “Mulheres na Tribuna Adalgisa Cavalcanti” é contribuir
espaços oficiais de poder
com “o acesso das mulheres ao conhecimento sobre os
no âmbito do Poder
empoderamento como sujeito político”.
estimular a participação das
Legislativo Estadual, tendo em vista seu
As quatro diretrizes do projeto consistem em:
mulheres na política e a igualdade de gênero;
apoiar na
apropriação de conhecimentos sociopolíticos de lideranças femininas, possibilitando a
ocupação em partidos políticos e no parlamento;
auxiliar no entendimento da relevância do
Poder Legislativo para edificar, fortalecer e avançar com os direitos; reforçar as políticas
públicas para as mulheres.
O projeto da deputada Simone Santana é voltado para as lideranças femininas do
Estado de Pernambuco.
O grupo de mulheres é selecionado a partir
da indicação de um
159
município por vez, as/os deputadas/os da Assembleia legislativa de Pernambuco são as/os
responsáveis pela indicação mediante um ofício apresentado à mesa da diretoria. Prefeituras
e/ou o grupo de mulheres interessadas, devem realizar uma solicitação ao gabinete de uma/um
deputada/o estadual. O grupo de mulheres
pode ser composto por até 25 pessoas para
participar das atividades referentes a um dia de visita.
Sobre isto, considero o apontamento de Gohn (2014), relevante quando alucida que “A
mulher tem de introduzir seu modo de ser na gestão,
e não desempenhar apenas um papel
planejado por homens, para ser ocupado também por homens” (GOHN,
2014, p. 147-148).
Deste modo, as mulheres ao introduzirem o seu jeito de ser no cargo político é de grande
relevância para fazer com que a esfera pública possa ser vista normalmente como um lugar de
mulher e para mulheres, desfazendo a ideia de que a esfera pública pertence apenas ao sexo
masculino. Ainda mais que, “as mulheres têm vivências similares diante dos desafios de suas
trajetórias e de políticas prioritárias para atender às suas necessidades” (MELO e THOMÉ,
2018, p. 129).
A primeira cidade a participar da Ação Formativa foi Paulista em 19 de abril de 2018.
Logo depois, em 10 de maio do mesmo ano,
o projeto contou com a participação das
mulheres do município de Abreu e Lima. As atividades são desenvolvidas nas quintas-feiras
de cada mês. Na parte da manhã elas visitam o museu do Palácio Joaquim Nabuco (antigo
plenário da Assembleia),
visando conhecer a história e arquitetura do patrimônio.
Neste
horário, também assistem à sessão plenária, que neste dia (quinta-feira) ocorre às 10 horas.
Depois do almoço, são direcionadas a participarem das atividades ministradas pela Escola do
Legislativo, tendo como foco a comunicação e política, momento de mais oportunidade para o
debate. Em 29 de novembro de 2018, a formação Mulheres na Tribuna estava em sua quinta
edição (BRITO, 2018).
O projeto
Mulheres na Tribuna - Adalgisa Cavalcanti teve suas atividades
interrompidas com a pandemia. Em março de 2023, a deputada Simone Santana defendeu o
retorno das atividades, trazendo mais mulheres pernambucanas para participarem da formação
política.
Segundo Sales e Veras (2020), “Um dos requisitos para que haja uma real efetivação
da democracia é que exista diversidade nas pessoas eleitas pelo povo,
para que todas as
demandas de diferentes grupos sejam levadas em conta” (SALES;
VERAS, 2020, p. 2).
Remete a importância da representatividade de indivíduos aptos a defenderem os interesses
160
dos mais variados grupos a que pertencem. Analisando mais na perspectiva da
representatividade feminina, entende-se que embora os avanços, ainda não é possível notar a
igualdade na política, homens e mulheres não lideram a política com as mesmas porcentagens
e proporção.
Mesmo com a implementação de leis visando ter
mais mulheres participando das
eleições e sendo eleitas, no Brasil, é preciso lidar com a falta de informação de como funciona
a candidatura política; as fraudes partidárias relacionadas às cotas, impossibilitando o
investimento real em candidaturas
de mulheres; além do assédio e
violência política
vivenciada por elas (SALES; VERAS, 2020).
O projeto Mulheres
na Tribuna -
Adalgisa Cavalcanti demonstra ser um passo
importante no avanço e disseminação do conhecimento sobre política no estado de
Pernambuco. Além disso, este projeto contém um elo entre o passado e o presente, mantendo
uma relação de continuidade em pautas
defendidas e reivindicadas por Adalgisa R.
Cavalcanti: educação e mulheres na política.
A educação como um fator
positivo para a
liberdade e ocupação no mercado de trabalho.
E diante do seu percurso,
a relevância de
mulheres ocupando espaços representativos na arena política. Com base nessas afirmações, a
escolha do nome de Adalgisa traz um apanhado de luta política disputada pela pernambucana
comunista, defensora dos direitos dos mais oprimidos,
Adalgisa lutou ao seu modo de agir,
aliada ao que na época julgou ser
benéfico para a democracia e o povo brasileiro.
resultado de suas ações é plural.
defensora dos direitos das mulheres.
o correto e mais
A trajetória de Adalgisa é singular,
mas o
161
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Livro
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Anexo A
Folha do Povo 1935.
Fonte: APEJE, Recife-PE.
171
Anexo B
Folha do Povo 1946.
Fonte: APEJE, Recife-PE.
172
Anexo C
Folha do Povo 1947.
Fonte: APEJE, Recife-PE.
173
Anexo D
Folha do Povo 1948.
Fonte: APEJE, Recife-PE.
174
Anexo E
Matéria do jornal Folha do Povo: Verdadeiros candidatos do povo.
Fonte: APEJE, Recife-PE, 1947.