Ana Cláudia Aymoré Martins

 ANA CLAUDIA AYMORÉ MARTINS

             É professora associada do curso de História e do PPGH da Universidade Federal de Alagoas. Graduada em História e Mestre em História Social da Cultura pela Puc-Rio e doutora em Ciência da Literatura/Teoria Literária pela UFRJ, realizou estágio pós-doutoral no PPGH/Uerj, na linha de pesquisa Política & Cultura, com o projeto "Metáforas contagiosas: as epidemias no Brasil da República Velha e suas representações literárias". Desenvolve suas pesquisas através das interrelações entre história e literatura, com ênfase nas temáticas das utopias/distopias/heterotopias/queertopias, do sentimento de catástrofe e suas representações literárias, e do perspectivismo e multinaturalismo ameríndios.

Lattes:  http://lattes.cnpq.br/9682809265187010

Linha de pesquisa: Culturas políticas, representações, discursos e narrativas

Temáticas de orientação: história e literatura, utopias e distopias, história e historiografia da cultura, arte e iconografia, perspectivismo e multinaturalismo, teoria queer e questões de gênero na literatura, narrativas e representações literárias do devir.
Projetos de pesquisa em andamento:
1. Clarões num momento de perigo: leituras para o porvir:
Em O cogumelo no fim do mundo (2022), Anna Tsing, examinando as formas que o cogumelo matsutake encontra para sobreviver e perseverar em áreas severamente destruídas pela ação humana ao longo dos últimos séculos, compõe um paradigma multiespécies que nos permite refletir a respeito das artes de se viver em um planeta devastado. Dentre estas qualidades, para Amitav Ghosh (2022), encontra-se a tarefa de se pensar o impensável, um desatino proposto, de modo decisivo, à imaginação literária: pois, nos pontos cegos da interpretação histórica, que borram possíveis leituras do/para o porvir, a ficção pode lançar os súbitos e fugidios clarões num momento de perigo dos quais nos falou Walter Benjamin (2021), que assinalam a imagem irrecuperável do passado mas, ao mesmo tempo, atiçam no passado – e lançam ao porvir – a centelha da esperança. Neste projeto, tomando como base a sim-poética proposta por Donna Haraway (2016), o perspectivismo e o multinaturalismo em Eduardo Viveiros de Castro (2018), as potências da suavidade de Anne Dufourmantelle (2022) e a ação utópica da sustentação do céu proposta por Davi Kopenawa (2015), iremos analisar, como possíveis leituras para o porvir, narrativas literárias, tais como as de Ana Miranda (2009), Giovanna Rivero (2021), Irene Solà (2021), Micheliny Verunschk (2021), Valter Hugo Mãe (2021), Jera Poty Mirim (2019), Aline Ngrenhtabare L. Kayapó e Edson Kayapó (2019), entre outros/as.
2. História, memória e imaginário em Breno Accioly: vida e literatura
O projeto intitulado “História, memória e imaginário em Breno Accioly: vida e literatura” é coordenado pela Profa. Dra. Ana Claudia Aymoré Martins, que atua no curso de História e no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas (PPGH/Ufal), e decorre das atividades em andamento no grupo de pesquisa LiterHis – Literatura e História, cadastrado no Diretório Nacional do CNPq desde 2022. Em concordância com a dupla formação da coordenadora do projeto e do grupo de pesquisa, a qual alia os campos da História e dos Estudos Literários, o projeto tem um enfoque transdisciplinar, e pretende, através do estudo de um autor alagoano do século XX, Breno Accioly (1921-1966, analisar os elementos internos que compõem o discurso ficcional de sua prosa literária (contos e romances) em correlação com sua vida e com seus respectivos contextos de referência, de modo a fornecer um a) entendimento da criação literária em suas imbricações com a história do Brasil, e de Alagoas, em particular; b) levantar fontes documentais para a construção de uma biografia historiográfica do escritor nascido em Santana do Ipanema. Participantes: Ligia Cecilia de Souza Araújo - graduação; Richard Bianor Ribeiro - graduação; Vitoria Moreira Antoniol - graduação.
3. Metáforas contagiosas: as epidemias no Brasil da República Velha e suas representações literárias
A presente proposta pretende investigar, através das interrelações entre contexto histórico e construções literárias, as grandes epidemias (e uma pandemia, a gripe espanhola) que assolaram o Brasil nas primeiras décadas do século XX, período marcado pela constituição da República Oligárquica, pelo processo de modernização conservadora do Brasil, pelas reformas urbanas, por movimentos sociais, pela inserção do Brasil em conflitos internacionais, por dissensões e disputas culturais e ideológicas, sobretudo entre as elites letradas. Sabemos que as epidemias e pandemias são, a princípio, processos biológicos; no entanto, tanto é verdadeiro que elas se disseminam sobre determinados contextos históricos, imbricando-se com diversos âmbitos da vida política, econômica, social, cultural e das mentalidades coletivas – como já nos apontou, por exemplo, o historiador francês Jean Delumeau (1989) em História do medo no ocidente, ao dedicar todo um capítulo de seu estudo vasto sobre o medo nas eras medieval e moderna a uma tipologia de comportamentos coletivos em tempos de peste –, como também podemos observar os vínculos, literais e alegóricos, entre o que William H. McNeill (1998), autor de um dos estudos mais canônicos sobre o tema, Plagues and peoples, denominou de microparasitismo (dos vírus, bactérias, vermes, bacilos) e macroparasitismo (das experiências humanas no tempo). Literais, porque muito frequentemente as pestes são resultados de interferências massivas do humano sobre o tecido social ou sobre o meio ambiente (as pestes que surgem, por exemplo, na esteira das guerras, das invasões territoriais, do colonialismo, do desenvolvimento urbano, da globalização econômica, da exploração turística, da devastação das matas originárias, da exploração de animais não-humanos); alegóricos, na medida em que os dispositivos do biopoder, da necropolítica, do genocídio, do epistemicídio e de inúmeras outras formas de violência macrofísica (HAN, 2017, p. 151) operam, no interior do tecido social, através de etapas francamente epidemiológicas: infiltração, invasão, infecção. O fato de vivermos, hoje, no cenário de uma “dupla pandemia” – da Covid-19, mas também do desmoronamento de conquistas sociais e identitárias históricas, solapadas pela ascensão de governos totalitários e pelo “dilema das redes” – torna essas associações entre micro e macroparasitismo, no presente, catastroficamente mais claras. Tendo em mente a admoestação que Susan Sontag (2007) faz, a princípio, em um de seus mais famosos ensaios, A doença como metáfora – a de que a doença não é uma metáfora, mas uma “cidadania mais onerosa” (2007, p. 12), responsável pela dor, pela miséria e pela morte prematura de muitos/as –, a análise historiográfica de tempos epidêmicos/pandêmicos passa, necessariamente, pela necessidade de se fazer uma leitura a contrapelo dos estereótipos, das estigmatizações e das fantasias engendradas, através da banalização do saber científico pelo discurso político, pelos meios de comunicação de massa e pelo senso comum (bem como, algumas vezes, pela própria divulgação pseudocientífica), ao redor das moléstias infectocontagiosas. Nesse sentido, é na literatura – dotada, como já nos dizia Italo Calvino (1990) em suas Seis propostas para o próximo milênio, da mirada oblíqua de Perseu, única capaz de enfrentar com sucesso um mundo de monstros – que podemos encontrar a transfiguração desse emaranhado metafórico-alegórico numa segunda ordem simbólica, de caráter eminentemente crítico. Portanto, ao reelaborar literariamente as “metáforas contagiosas” da peste, a escrita literária se constitui num corpus privilegiado de análise histórica. No escopo desta pesquisa que se apresenta, as epidemias no Brasil da República Velha, como a varíola, a febre amarela e a tuberculose, bem como a pandemia mais notória da época, a avassaladora gripe espanhola de 1918, serão estudadas, sobretudo, através de obras literárias, algumas escritas e publicadas ainda naquele contexto histórico, como é o caso do volume de contos Dentro da noite, de João do Rio (1911), do romance Esfinge, de Coelho Neto (1908) e da novela Enervadas, de Chrisanthème (1922), outras cuja produção e recepção primeiras datam de períodos posteriores, como O mez da grippe, de Valêncio Xavier (1981), as crônicas de Nelson Rodrigues reunidas em A menina sem estrela (1967), as memórias de Pedro Nava em Chão de ferro (1976) e Demerara, romance de estreia de Wagner G. Barreira (2020), recentemente publicado.