Rebeldia com Causa: A Trajetória Política e Intelectual de Antonio Bernardo Canellas (1916-1920) - Bruno Rodrigo Tavares Araujo
REBELDIA COM CAUSA A TRAJETÓRIA POLÍTICA E INTELECTUAL DE ANTONIO BERNARDO CANELLAS (1916-1920) - Bruno Tavares.pdf
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
BRUNO RODRIGO TAVARES ARAUJO
REBELDIA COM CAUSA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA E INTELECTUAL DE
ANTONIO BERNARDO CANELLAS (1916-1920)
Maceió – Alagoas
2015
BRUNO RODRIGO TAVARES ARAUJO
REBELDIA COM CAUSA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA E INTELECTUAL DE
ANTONIO BERNARDO CANELLAS (1916-1920)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós Graduação em História da
Universidade Federal de Alagoas, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
História.
Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Batista A. Maciel
Maceió – Alagoas
2015
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Maria Helena Mendes Lessa
A663r
Araujo, Bruno Rodrigo Tavares.
Rebeldia com causa : a trajetória política e intelectual de Antonio Bernardo
Canellas (1916-1920) / Bruno Rodrigo Tavares Araujo, 2015.
181 f. : il.
Orientador: Osvaldo Batista Acioly Maciel.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Alagoas.
Instituto de Ciências humanas, Comunicação e Artes. Programa de Pós-Graduação
em História. Maceió, 2015.
Bibliografia: f. 172-181.
1. Canellas, Antonio Bernardo, 1898-1936. 2. Partido Comunista Brasileiro –
História - Séc. XX. 3. Comunismo. 4. Movimento operário. 5. Anarquismo.
I. Título.
CDU: 329.15.16(81)
Folha de Aprovação
AUTOR: BRUNO RODRIGO TAVARES ARAUJO
Rebeldia com Causa: A Trajetória Política e Intelectual de Antonio Bernardo Canellas (19161920) / Dissertação de Mestrado em História, da Universidade Federal de Alagoas, na forma
normalizada e de uso obrigatório).
Dissertação de mestrado submetida ao corpo
docente do Programa de Pós Graduação em
História da Universidade Federal de Alagoas e
aprovada em 26 de agosto 2015.
Banca Examinadora:
______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Alberto Saldanha de Oliveira, Universidade Federal de Alagoas.
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que me
concedeu o dom da vida e a graça do viver, a Teresa de
Lisieux (Santa Terezinha) que é exemplo de força e fé
para mim e (in memoriam) de Antonio Bernardo
Canellas, tipógrafo e militante das causas trabalhistas,
que lutou e sonhou por uma sociedade mais justa e
igualitária.
Aos os meus avós paternos (in memoriam) Manoel
Bezerra de Araujo e Maria Carmelita de Barros,
também, aos meus avós maternos (in memoriam)
Manoel Tavares de Lima e Maria Francisca de Lima.
Aos meus pais Antonio de Barros Araujo e Maria de
Lourdes Tavares Araujo, que me ensinaram os
verdadeiros
valores
da
vida,
os
quais
amo
incondicionalmente e aos meus irmãos Brayner
Rogério Tavares Araujo e Thiago Emanuel Tavares
Araujo que são exemplos para mim e com quem posso
contar hoje e sempre e a minha filha Milena Eduarda de
Andrade Araujo, meu amor, e a uma companheira que
foi extremamente importante nessa pesquisa e é em
minha vida e que tenho muita gratidão, Ana Adélia
Cavalcante Hordonho.
AGRADECIMENTOS
A realização dessa dissertação foi marcada por momentos difíceis e complexos, mas
também, por momentos de superação e vitória. Na verdade é a concretização de um sonho
idealizado desde meados da graduação, iniciada em 2004, na Universidade Estadual de
Pernambuco - UPE - Campus Garanhuns – PE. Sendo assim, há muitas pessoas a agradecer,
portanto, não pouparei palavras.
Meu primeiro agradecimento é a minha família que não mediu esforços para
compreender as horas incansáveis de estudos e pesquisa, que muitas vezes não deixava espaço
e tempo para momentos de distração, conversas, enfim, momentos em família propriamente
ditos. Embora com todas essas particularidades, meus pais, Antônio e Lourdes, sempre
estiveram apoiando com palavras de inspiração, com atitudes, e, principalmente com
entendimento acerca da importância dessa pesquisa para mim, e, para eles, que me educaram
desde a infância. Uma relação firme e forte e amor recíproco que temos por toda nossa
família, a eles meus agradecimentos eternos e a felicidade de tê-los como meus pais.
Aos meus irmãos Thiago e Brayner, que auxiliaram e também não mediram esforços
para compreender, incentivar e ajudar direta e indiretamente as horas de dedicação e empenho
até a conclusão da pesquisa, sem falar do exemplo de Brayner, que foi e é para mim e Thiago,
uma inspiração, no que se refere à busca dos sonhos e objetivos, através da fé em Deus, do
conhecimento e do empenho pessoal. E a doçura de minha filha, Milena Eduarda, com seu
sorriso encantador e seu jeito peculiar, motivos de sobra para minha dedicação e empenho
para realização de meus sonhos e objetivos.
Ao meu padrinho Lourival Bizarria de Almeida e madrinha Walkiria de Fátima
Tavares de Almeida, que me abraçaram e estão presentes em meu coração, não medindo
esforços para comigo. A minhas tias Maria Luiza Tavares de Almeida e família, Maria
Tavares Alexandrino e família, Quitéria Tavares de Brito e família, e Bernadete Tavares de
Lima e família e (in memoriam) tia Maria de Fátima Tavares de Lima e família. Ao meu tio,
Sebastião Bezerra de Araújo (in memoriam) e aos meus tios, Maria do Carmo de Barros
Araújo, José de Barros Araújo, José Bezerra Irmão, Tereza Carmelita de Barros, Durval de
Barros Araújo, Luiz Bezerra de Araújo enfim, a toda minha preciosa família.
A meu orientador e amigo, o professor Osvaldo Batista Acioly Maciel. Sua orientação,
seus conselhos e sua credibilidade em mim, foram e são de extrema importância. Sua
paciência, simplicidade, dedicação e empenho são exemplos para um orientando que teve a
graça de ter um profissional e ser humano como professor Osvaldo Maciel a quem tenho
muito apreço e gratidão.
A Ana Adélia Hordonho que me ajudou muito e a quem tenho muita gratidão por suas
horas de dedicação e empenho no auxílio e incentivo à conclusão do referido trabalho. Meu
muito obrigado, pela ajuda, pelas palavras, pelos conselhos, pelas leituras compartilhadas,
pela orientação técnica, pelos momentos de desabafo, pelos momentos tristes e felizes que
vivenciamos juntos nessa fase de minha vida.
A família Cavalcante, na representação do senhor Reinaldo Cavalcante e da senhora
Maria Helena Cavalcante (verdadeiros amigos), que me acolheram em seu lar e
principalmente em seus corações e cuja reciproca é verdadeira. Obrigado pela paciência e
também, pelos deliciosos cafés da manhã, almoço, jantar e cama aconchegante que sempre
está disponível quando preciso, e, não me esquecendo de Zé, que não mediu nem mede
esforços para preparar tudo, sem falar de sua amizade sincera.
A Ana Patrícia Morais dos Santos, que me ajudou, também, em vários momentos,
contribuindo e muito com esta pesquisa, no que se refere ao apoio e às palavras de incentivo,
de reflexão, de conselhos e de credibilidade, que foram e são fundamentais em meu
crescimento pessoal e profissional.
A família Araújo na representação do senhor João Antônio de Araújo (in memoriam) e
da senhora sua esposa, Maria Correia de Araújo e a família Atanásio na representação do
senhor Antonio Atanásio e sua esposa Edjanira Atanásio, agradecimento extensivo a sua irmã
Edjania Atanásio e família. Ambas as famílias me acolheram em 2008, na cidade de Correntes
- PE, no início de minha carreira docente, um apoio imprescindível para não desistência do
vínculo empregatício e de um sonho já idealizado, contando, portanto, desde o início de
minha carreira, com o incentivo e credibilidade das famílias supracitadas e de minhas amigas
a quem tenho muito apreço e querer, Janete João de Araújo, Genilda João de Araújo e Maria
José de Araújo Cavela.
Aos meus amigos de trabalho e de vida, Osvaldo Epifanio da Silva (Pife) e família,
Dyogo Wlisses Ribeiro Matias e família, Marcus Roberto Santos e família, Ronny Francisco
Marques de Souza e José Sílvio dos Santos a quem conheci há pouco tempo (2011), mas que
transmitiram e transmitem uma aura (amizade) verdadeira, sem falar de suas palavras de
incentivo e apoio desde a idealização, concretização do processo seletivo e demais etapas até
o término do referido estudo.
Aos meus outros amigos de trabalho e de vida que fizeram e faz parte de minha vida,
Roselane Maria dos Santos, Nanci Venâncio de Brito, Roseane Tobias da Silva, Luciana
Tobias de Oliveira, Ednaldo, Everton, Charles Alam, Ivaldo Oliveira, Betinalva, José Célio e
família, Yapoam e família, Mauriceia, Laudicéia Albuquerque Rodrigues, Pedro Valdiperes
de Noronha, Eduardo Ferreira de Barros e família, Núbia Radiné, dona Marieta, dona Marta,
dona Edilene, Maraisa e Joel, amigos estes que nunca mediram esforços para incentivarem e
acreditarem nos meus objetivos e na concretização dessa pesquisa.
Aos docentes da graduação que incentivaram e contribuíram na minha formação
acadêmica, em especial, as professoras Maria Giseuda de Barros Machado, Maria do Rosário
Sáles, Márcia Fernanda de Lima, e aos professores, Jailton de Melo Elias, Márcio Rosseline
da Silva Ferreira, Ricardo José Lima Bezerra e Josualdo de Meneses Silva que me ajudaram,
na indicação de livros, leituras e incentivos.
Aos professores da Pós – Graduação, Antonio Filipe Pereira Caetano, Irinéia Maria
Franco, Raquel de Fátima Parmegiani e Ana Cláudia Aymoré Martins que contribuíram direta
e indiretamente, no meu esforço e dedicação ao curso. A dedicada e simpática Caroline Fialho
de Oliveira, que nunca mediu esforços para as solicitações de minha pessoa na Coordenação.
Aos colegas do curso, Alex Benedito Santos Oliveira, Valter Zaqueu Santos, José
Cicero Correia, Felipe da Silva Barbosa, Cleidson Carlos Santos Vieira, Cinthia Roberta dos
Santos, Tarcyelma Maria de Lira Silva, Anderson Diego da Silva Almeida e ao meu amigo,
Adail Antonio dos Santos, por fazerem parte da história de minha vida e com os quais,
aprendi muito, durante as aulas, nos momentos de intervalo, nos debates e conselhos pessoais.
A todos, muita paz, saúde, felicidades e bênçãos com a graça de Deus.
“Nesse sentido, apelamos para todos os camaradas
dos Estados do Sul para que venham semear a Ideia
Nova por este Norte escravizado e sequioso de
liberdade”.
Antonio Bernardo Canellas
RESUMO
Essa dissertação tem como tema central a trajetória política e intelectual de Antonio Bernardo
Canellas durante a segunda década do século XX, entre os anos de 1916-1920 nas cidades de
Viçosa e Maceió ambas no estado de Alagoas e em Recife – PE. A partir da análise de seu
percurso, esta pesquisa propõe-se a compreender seu posicionamento ideológico e sua atuação
política, enquanto prática, exercida através de sua militância em prol da classe trabalhadora.
Ao mesmo tempo, busca-se entender o processo do movimento operário fora do eixo Rio –
São Paulo, compreendendo aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais das cidades em
que Canellas viveu durante o limite cronológico da pesquisa, acrescentando-se, ainda,
aspectos referentes às articulações entre os militantes a nível nacional e ao próprio movimento
operário inter-relacionado ao contexto internacional. Com isso, espera-se que essa Dissertação
possa contribuir para debates, pesquisas e estudos, não somente acerca de Antonio Bernardo
Canellas, mas também sobre a história e contexto sócio político das referidas cidades,
somando-se, ao entendimento a respeito das ideologias, como o anarquismo, socialismo entre
outras divulgadas e defendidas por militantes como Canellas que lutaram e sonharam por uma
sociedade mais justa e igualitária.
Palavras Chave: Antonio Bernardo Canellas. Movimento Operário. Anarquismo.
ABSTRACT
This dissertation is focused on the political and intellectual history of Bernardo Antonio
Canellas during the second decade of the twentieth century, between the years 1916-1920 in
the cities of Viçosa and Maceio in Alagoas both state and Recife - PE. From the analysis of
your route, this research proposes to understand their ideological position and his political
activities, as a practice, exercised through his activism in favor of the working class. At the
same time, we seek to understand the process of the labor movement outside the Rio - São
Paulo, comprising political, economic, social and cultural cities where Canellas lived during
the chronological limits of the research, adding up also aspects concerning the links between
the militants national and international workers' movement itself related to the international
context. Thus, it is expected that this Dissertation can contribute to debates, surveys and
studies, not only about Antonio Bernardo Canellas, but also on the history and socio-political
context of these cities, adding to the understanding of the ideologies, as anarchism, socialism
and others disclosed and defended by militants as Canellas who fought and dreamed for a
more just and egalitarian society.
Keywords: Antonio Bernardo Canellas. Labor movement. Anarchism.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA
Arquivo Público de Alagoas.
APAJE
Arquivo Público de Pernambuco.
CEDEM
Centro de Documentação e Memória.
FUNDAJ Fundação Joaquim Nabuco.
IHGA
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13
2
OPERÁRIOS EM MOVIMENTO: CENÁRIO POLÍTICO E IDEOLÓGICO
DO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO NA PRIMEIRA REPÚBLICA
(1889-1920).....................................................................................................................24
2.1
Cenário político ideológico da classe trabalhadora (1889-1920):
desenvolvimento, articulações, desdobramentos e rupturas..................................... 24
2.2
Desdobramentos ideológicos: o anarquismo no Brasil durante as décadas
iniciais da Primeira República..................................................................................... 29
2.3
Anarco – sindicalismo ou sindicalismo revolucionário na Primeira República?....34
2.4
Imprensa operária: a porta voz de uma classe silenciada......................................... 37
2.5
Antonio Bernardo Canellas: audácia e militância a favor da classe operária........ 43
3
PANORAMA SOCIAL, POLÍTICO E CULTURAL DAS CIDADES DE
VIÇOSA E MACEIÓ - AL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX..... 51
3.1
Viçosa nas primeiras décadas do século XX: origem, desenvolvimento,
economia, política e cultura......................................................................................... 51
3.2
Maceió antes da segunda década do século XX..........................................................57
3.3
A sociedade maceioense: crescimento, organização e fragilidades.......................... 59
3.4
O cenário político em alagoas: oligarquia e velhos costumes................................... 61
3.5
Açúcar: o ouro que edificou a economia alagoana?.................................................. 65
4
ANTONIO BERNARDO CANELLAS E A EXPERIÊNCIA DO
JORNAL TRIBUNA DO POVO (VIÇOSA, 1916)..................................................... 70
4.1
Tribuna do Povo (Viçosa, 1916) - caracterização, propaganda, informação e
Repercussão................................................................................................................... 70
5
O TIPÓGRAFO ANTONIO BERNARDO CANELLAS E A PROPAGAÇÃO
DE IDEIAS NO PERIÓDICO A SEMANA SOCIAL (MACEIÓ, 1917).................. 90
5.1
O periódico “A Semana Social”................................................................................... 90
5.2
Instrução e propaganda – a eclosão das ideias nas páginas d‟ A Semana
Social.............................................................................................................................. 92
5.3
Grupo de afinidades: o diálogo entre Canellas e seus colaboradores.................... 103
5.4
Posicionamentos ideológicos: a identidade “d‟A Semana Social”.......................... 113
5.5
Atuação – a ideologia e a prática política de Canellas em Maceió......................... 117
6
TRIBUNA DO POVO (RECIFE, 1918-1919): AMADURECIMENTO E
COMBATIVIDADE NO PERIÓDICO RECIFENSE............................................ 128
6.1
O Movimento Operário em Pernambuco na segunda década do século XX:
contexto sócio político da publicação da Tribuna do Povo em Recife –
Pernambuco................................................................................................................ 128
6.2
Tribuna do Povo (Recife 1918-1919): análise da atuação de Canellas no
Movimento Operário em Pernambuco através das publicações do periódico...... 135
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 168
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 172
13
1
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por objetivo estudar a trajetória política e intelectual de
Antonio Bernardo Canellas entre os anos de 1916 e 1920. Embora não se trate
especificamente de uma biografia, pesquisamos, sondamos e apresentamos ao longo do
trabalho, dados biográficos, que são relevantes para nossas reflexões e conclusões.
Nesse sentido, apresentamos uma reflexão acerca da relação entre o estudo da história
e da biografia1. Para tanto, nos apoiamos nas interessantes observações de autores como
Michel de Certeau e Philippe Levillain, sobre as relações entre história e biografia. Levillain
concluiu em seu texto, que:
[...] Ela [biografia] é o melhor meio, em compensação, de mostrar as ligações entre
passado e presente, memória e projeto, indivíduo e sociedade, e de experimentar o
tempo como prova de vida. Seu método, como seu sucesso, devem-se à insinuação
da singularidade nas ciências humanas que durante muito tempo não souberam o que
fazer dela. A biografia é o lugar por excelência da pintura da condição humana em
sua diversidade, se não isolar o homem ou não exaltá-lo às custas de seus
dessemelhantes. (LEVILLAIN, 2003, p. 176, grifo nosso).
Já Michel de Certeau (1982, p. 273) tece uma observação direcionada às biografias
modernas, que buscam acompanhar a evolução do indivíduo ao longo do tempo. Vejamos:
“Enquanto que a biografia visa colocar uma evolução e, portanto, as diferenças, a hagiografia
postula que tudo é dado na origem com uma “vocação”, como uma “eleição” ou como nas
vidas da Antiguidade, com um ethos inicial”.
Com isso, procuramos, nesta dissertação, analisar a trajetória de Canellas,
relacionando suas atuações e obras à vida e ao contexto histórico no qual ele viveu numa
relação entre sujeito e coletividade.
Partindo do caminho percorrido pelo tipógrafo, atentando para suas relações
interpessoais, observando o contexto social, político, econômico e cultural das cidades em que
vivera, é possível acompanhar e entender o desenrolar dos acontecimentos, referentes às
organizações, mobilizações, lideranças, articulações entre militantes a nível nacional,
mencionando, ainda, as ideologias e atuações dos sujeitos anônimos, envolvidos no processo
1
Segue alguns trabalhos que articulam história e biografia. Minha pátria é o mundo inteiro: Neno Vasco, o
anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos, de Alexandre Samis (SAMIS, 2009); Entre a
história e a liberdade: Luce Fabbri e o anarquismo contemporâneo, de Margareth Rago (RAGO, 2000) e
Oreste Ristori: uma aventura anarquista, de Carlo Romani (ROMANI, 2002).
14
da história social do trabalho no Nordeste2, articulando-se com os demais Estados do Brasil
nas primeiras décadas do século XX.
Ao acompanhar os espaços sociais em que Canellas circulou, reconstroem-se diálogos,
ideias, ações manifestadas ao longo de sua trajetória intelectual, inter-relacionada ao contexto
histórico por ele vivido. Oportunizando, também, uma compreensão da organização operária
fora do eixo Rio – São Paulo, sem falar das experiências da classe operária, dos ideais
políticos e ideológicos e da atuação do Estado frente às mobilizações e contestações sociais da
época.
Nascido em 18 de abril de 1898, na cidade de Niterói no estado do Rio de Janeiro (RJ)
e falecido em 1936. Durante os anos em que viveu, atuou como militante da causa operária,
migrando de Niterói- RJ para Viçosa-AL, em fins de 1915, com apenas 17 anos de idade. Esse
seria o marco inicial de suas migrações, pois se sabe da sua migração posterior para Maceió,
Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e também por países da Europa como a Espanha, França,
Portugal e Rússia, entre outras.
Dotado de uma personalidade e história de vida enigmática, exerceu a profissão de
tipógrafo, linotipista, gráfico e, sobretudo, atuou como militante da causa operária e
trabalhista, divulgando as ideologias anarquistas, anarcossindicalistas, participando de
sindicatos, chegando inclusive a integrar a Comissão Central Executiva do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) em 1922, sendo o primeiro militante expulso deste partido no mesmo ano.
Sem dúvida, foi um dos personagens importantes para a história da esquerda em nosso país.
Canellas, na verdade, foi um autodidata, como outros militantes, mundo afora.
Segundo, Eric Hobsbawm:
O maior avanço intelectual dos anos de 1875 – 1914 foi o desenvolvimento maciço
da instrução e do autodidatismo populares e o aumento do público leitor nesses
estratos. Na verdade, o autodidatismo e o auto - aperfeiçoamento foram uma das
principais funções dos novos movimentos da classe trabalhadora e um dos maiores
atrativos para seus militantes. (HOBSBAWM, 2002, p. 364).
Embora não sendo um intelectual, no sentido estrito e aristocrático do termo, Canellas,
atuou, como um “intelectual orgânico”, numa perspectiva gramsciana, por suas convicções
ideológicas e atuações voltadas para a divulgação de autores, de textos, de argumentos de
interesse de classe, a quem ele dedicou-se, durante toda sua trajetória política.
2
A Região “Nordeste” na época em que Canellas viveu, era retratada na época, como região Norte, em virtude,
segundo Durval Muniz de Albuquerque Júnior, da antiga divisão regional do país, entre Norte e Sul. Ver:
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez,
1999.
15
Seus posicionamentos político - ideológicos identificam-se com a reflexão de Antônio
Gramsci (1891 – 1937) acerca dos intelectuais:
Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então: mas nem todos os
homens desempenham na sociedade função de intelectuais. Quando se distingue
entre intelectuais e não - intelectuais, faz-se referência, na realidade, tão somente á
imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em
conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica,
se na elaboração intelectual ou se no esforço muscular – nervoso. Isso significa que,
se se pode falar de intelectuais é impossível falar de não – intelectuais, porque não
existem não intelectuais. (GRAMSCI, 1982, p. 7).
Os intelectuais para Gramsci encontravam-se entrelaçados com as relações sociais,
pois os mesmos fazem parte de uma classe e são vinculados a um determinado modo de
produção (donos dos meios de produção). Essa última referência é em relação à designação de
“intelectual orgânico” ou “intelectual tradicional”.
Os intelectuais tradicionais, para Gramsci, são basicamente os intelectuais ainda
presos a sua formação socioeconômica (burguesa, clero, funcionários, militares, acadêmicos)
e que exerceriam funções de manter a situação favorável à manutenção do status quo da
classe da qual faziam parte. Eram “neutros”, fechados num mundo enciclopédico, erudito,
alheios às questões sociais, decorrentes do sistema de produção e das lutas que envolvem o
poder político e econômico.
Já os intelectuais orgânicos, ao contrário, são os intelectuais que fazem parte de uma
classe em expansão, que reivindica seus direitos e que não estão “neutros” frente aos
problemas econômicos, políticos e sociais dos quais são vítimas. Estão conectados ao mundo
do trabalho, às organizações culturais e políticas do seu tempo. Almejam um projeto global de
sociedade e um tipo de Estado capaz de melhorar as condições materiais e espirituais da
sociedade.
Sendo assim, o intelectual orgânico é o que estabelece vínculo com a classe da qual
faz parte ou representa, elaborando um posicionamento ético-político através de atividades
educativas, culturais e organizativas no que se refere à emancipação política social da
sociedade. (GRAMSCI, 1982, p. 9-14). Segundo Edmundo Fernandes Dias, o “intelectual no
sentido gramsciano é alguém que está sempre interferindo na prática social”. (DIAS, 2013, p.
118).
A intelectualidade, nesse sentido, tem como função o engajamento, a militância em
prol da classe trabalhadora. Para Sirinnelli (2003), o engajamento político do intelectual se dá
no nível histórico. De acordo com Sirinelli, a utilização de noções de “geração”, “itinerário” e
“sociabilidade” são fundamentais para discorrer sobre a história política dos intelectuais.
16
A noção de geração contribui para a reabilitação de um acontecimento, a partir de
fatos ocorridos num determinado tempo e espaço. Todavia, Sirinelli adverte que não devemos
buscar nela o foco principal para o estudo da sociabilidade intelectual e consequentemente as
ações ou relações com a política (do intelectual), na verdade é preciso levar em conta os
efeitos da idade e os fenômenos da geração (transmissão cultural).
A respeito de noção de itinerário, o historiador se depara com a interpretação que tem
de fazer das situações individuais, sendo, portanto, um obstáculo a ser superado pelo
historiador na interpretação da experiência do personagem (indivíduo(s)).
No que se referem às “estruturas elementares da sociabilidade”, o autor chama a
atenção para o fato dos intelectuais se organizarem em grupos de afinidades, não
necessariamente homogêneas, entretanto, com algumas características comuns: apreciação
ideológica que favorecem ao convívio comum entre eles, sem falar das afinidades culturais.
Como exemplo dessa estrutura, Sirinelli destaca a “revista” como algo que permite
colocações de ideias. Para o autor: “Em suma, uma revista é antes de tudo um lugar de
fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de
sociabilidade, e pode ser entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão”.
(SIRINELLI, 2003, p. 249).
O autor acrescenta ainda como locais de sociabilidade os manifestos e abaixo
assinados, que permitem aos participantes “encontrarem-se num protesto”. E por fim, cita
como outros exemplos “salões” como locais de encontros para conversas, debates,
proposições e divulgação de ideais. Quanto à participação ou posicionamento político do
intelectual, este pode ser através dos eruditos. Enfim, de intelectuais que contribuem e
contribuíram com a inovação do conhecimento científico ao longo da História.
Já Norberto Bobbio diz que o engajamento se dá no nível ético-moral. O autor
contribui com alguns apontamentos acerca dos intelectuais, dentre eles, questionamentos
referentes à contribuição dos intelectuais na política, ou seja, surgimento de ideias,
durabilidade de ideologias, envolvimento e participação, etc.
Para entendimento das questões supracitadas, o autor faz uma observação em relação
ao desenvolvimento das pesquisas em sociologia, tecendo a seguinte observação:
Não obstante o desenvolvimento das pesquisas da sociologia do conhecimento,
ainda sabemos bem pouco sobre o modo como certas idéias nascem de uma certa
sociedade: [...]Sabemos ainda menos sobre o problema inverso, isto é, sobre o modo
como as idéias influenciam, condicionam ou determinam a ação social. (BOBBIO,
1997, p. 98).
17
A possibilidade de pesquisas com a utilização da interdisciplinaridade do
conhecimento entre a Filosofia, Sociologia e História torna-se um horizonte de pesquisa para
entendimento, por exemplo, do engajamento político dos intelectuais correspondentes à
efetiva participação e contribuição com processos reivindicatórios para citar somente esse
exemplo.
Para Jean Paul Sartre, o intelectual é “aquele que se mete naquilo que não lhe diz
respeito”. Podemos exemplificar: um intelectual que contesta a dominação dos homens sobre
os homens que se engaja na defesa dos oprimidos e que radicaliza suas ideias em defesa das
mudanças sociais. Cabe ao intelectual engajar-se (intelectual engajado) e assumir um
posicionamento de contradição à disposição das lutas sociais em que está inserido.
Esse engajamento não precisa ser necessariamente com o alistamento em um partido,
pensamento este de Bobbio (1997).
Pelo contrário, para Sartre, o intelectual surge das
condições sociais – históricas em que está inserido e pelas contradições sociais, engaja-se em
favor dos oprimidos.
A ação seria adotar medidas que oportunizassem a ruptura com as ideologias
dominantes contribuindo com a tomada de consciência da classe menos favorecida. Sartre
aponta algumas formas de participação e atuação dos intelectuais: reconhecimento de
condição de pequeno – burguês (observando as condições do mundo burguês e do proletário
oprimido), colocando-se contra todo poder político que explore através de partidos de massa,
o proletariado.
Para Sartre (1994), o verdadeiro intelectual revolucionário é o que contesta a ordem
social existente e engaja-se nas lutas sociais, apresentando esclarecimentos e oportunizando
conscientização da classe através do conhecimento:
[...] As classes exploradas, com efeito, não precisam de uma ideologia, mas da
verdade prática sobre a sociedade. Quer dizer, elas não têm o que fazer como uma
representação mítica de si mesmas; o que elas precisam é conhecer o mundo para
mudá-lo. Isso significa, ao mesmo tempo, que reivindicam ser situadas (pois o
conhecimento de uma classe implica o de todas as outras e o de suas relações de
força) e descobrir seus fins orgânicos e a práxis que lhes permitirá atingi-los. Em
suma, precisam da posse de sua verdade prática, o que significa que elas exigem se
perceberem tanto em sua particularidade histórica (foram feitas pelas duas
revoluções industriais e têm sua memória de classe, isto é, o que subsiste
materialmente das estruturas passadas: os operários de Saint - Nazaire são as
testemunhas presentes de uma forma antiga do proletariado) quanto em sua luta pela
universalização (quer dizer, contra a exploração, a opressão, a alienação, as
desigualdades, o sacrifício dos trabalhadores em prol do lucro). A relação dialética
entre uma e outra exigência é isso o que se chama de consciência de classe.
(SARTRE, 1994, p. 46).
18
Nesse sentido, e, em consonância, com o debate teórico exposto, acreditamos que
Canellas atuou como intelectual orgânico, numa perspectiva gramsciana, seja atuando nas
organizações, incentivando a adesão de militantes, seja pondo em prática as ações classistas,
através de seus periódicos, ou chamando a atenção para os problemas sociais, políticos,
econômicos e culturais, durante sua experiência nas cidades de Viçosa e Maceió, ambas em
Alagoas e em Recife – Pernambuco, e por que não dizer, durante toda sua trajetória de vida.
Acrescentando, ainda, a contribuição com a formação de militantes, através da socialização de
textos e reflexões de outros intelectuais, acerca de aspectos referentes à sociedade brasileira e
respectivamente dos estados citados.
Foi nesse contexto que abordamos o estudo acerca da intelectualidade de nosso
tipógrafo, uma pesquisa que se inscreve, certamente, no âmbito de uma história política
entrelaçada com a história social e cultural, na busca de um diálogo entre o indivíduo em
particular (Canellas) e a sociedade de sua época que vivenciaram encontros, práticas e
representações.
Um dos principais meios de atuação do nosso redator foi através da publicação dos
periódicos: Tribuna do Povo, editado em Viçosa- AL, entre 1916-1917, A Semana Social, em
Maceió, no ano de 1917 e Tribuna do Povo, editada em Recife, entre 1918-1919. É
importante ressaltar que as atuações não ficaram restritas, tão somente, aos periódicos. A
“voz” da militância de Canellas ecoou em sindicatos, reuniões, representações e tantos outros
meios quanto foram possíveis.
Com isso, objetivamos entender o cenário sociopolítico onde Canellas teve a
experiência e envolvimento com a mobilização operária, um estudo voltado para região
Nordeste do país, onde não existia uma grande concentração de indústrias, de
desenvolvimento do capitalismo, entretanto, não deixou de ter um proletariado consciente
enquanto classe3, mesmo diante de estruturas não solidificadas, no que se refere ao
capitalismo.
Canellas foi contemporâneo da Primeira República (1889-1930), e quando chegou a
Alagoas em fins de 1915, encontrou uma sociedade marcada por desigualdades sociais que
3
Como afirma Edward Thompson, a classe acontece: [...] quando alguns homens, como resultado de
experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e
contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é
determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou entraram
involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais. Se a experiência aparece como
determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe. [...] A consciência de classe surge da mesma
forma em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma. (THOMPSON, 1987, p. 10).
19
não foram solucionadas com o advento da República. Pelo contrário, as mudanças sociais,
bandeira tão desfraldada pelos idealistas republicanos, estavam muito longe de serem postas
em prática. A esse respeito, Oliveira (2003, p. 29) comenta “Percebe-se, portanto, que o
Estado no Brasil da Primeira República era concebido pela classe dominante como
instrumento de conduzir projetos privados”, ou seja, um Estado omisso em razão das políticas
públicas, administrativas e governamentais. No caso específico de Alagoas, Tenório (1997, p.
88) argumenta: “O poder econômico e social dos proprietários de terra, traduzido em efetivo
poder oligárquico, imporá uma ampla teia de submissão e dependência que envolverá o
eleitor, o coronel, o partido e o Estado”, quadro esse, não muito diferente em Pernambuco e
outros estados do país.
Sendo assim, a propagação e divulgação das correntes ideológicas, foram transmitidas
pelos militantes envolvidos no processo de emancipação social e política, marcadas pelas
seguintes particularidades, como afirma Edilene Toledo:
[...] Esse processo de organização política alterou também as formas de agregação
social – recreativas e culturais – dos trabalhadores. A circulação das idéias
anarquistas, socialistas e sindicalistas, por meio de campanhas, comícios, imprensa,
publicações, organização do tempo livre e formas autônomas de organização popular
e proletária – que vão adaptando tradições religiosas e culturais -, demonstra como
foram numerosos os percursos e instrumentos que fizeram parte dessa politização
das relações sociais. Os valores e comportamentos veiculados por esses movimentos
foram capazes de questionar e desconstruir hierarquias sociais consolidadas e uma
mentalidade tradicional que pretendia condenar a maior parte dos trabalhadores a
permanecer fora da política, institucional ou não. No contexto do Brasil da Primeira
República, as reivindicações operárias, influenciadas, em parte, pelo anarquismo,
eram também um esforço de democratização da sociedade, porque muitas vezes as
lutas não visavam somente a melhorar salários e reduzir jornadas de trabalho, mas
assegurar o direito à própria existência, ou seja, a garantir condições de democracia
e de civilidade, em que o movimento e a organização dos trabalhadores pudessem
ser reconhecidos como um elemento legítimo na sociedade. (TOLEDO, 2007, p. 55).
Este panorama demonstra que os partícipes envolvidos no processo de luta e
resistência tinham como foco principal garantir o direito, a dignidade e combater a exploração
da qual eram vítimas. Um Estado marcado por uma política oligárquica, por uma sociedade
com altas taxas de analfabetismo, por uma industrialização incipiente, pelo agrarismo e,
sobretudo, pela exploração social, independente se trabalhista ou não.
Em virtude dessas particularidades, as pesquisas no Brasil acerca da mobilização
operária concentraram-se, durante muito tempo, na historiografia tradicional, no eixo Rio –
São Paulo e durante muitos anos os resultados foram tomados como exemplos para as demais
regiões do país.
20
Em virtude dessa concentração de resultados, algumas características da mobilização
operária foram colocadas como homogêneas, ou seja, foram inferidas para outras regiões do
Brasil. Exemplo disso é a estrutura produtiva como eixo de manifestações organizacionais e
ideológicas, necessitando nesse viés, de algumas características como: concentração de
indústrias, consciência do proletariado e desenvolvimento do capitalismo para poder
estruturalmente emergir mobilizações e organizações de classe contra o sistema excludente
em vigor, generalizações essas não cabíveis para todos os estados e regiões.
Neste sentido, Silvia Petersen chama a atenção para a necessidade de ampliação desses
estudos, para desmistificar as colocações precedentes da historiografia tradicional da história
operária do Brasil. A autora comenta como seria importante, a articulação e pesquisas a níveis
regionais: “[...] a história operária brasileira poderia alcançar outro patamar analítico se
houvesse articulação dos resultados das pesquisas regionais (entenda-se por regional, muito
simplesmente, a história construída nos limites dos estados da federação)”. (PETERSEN,
1995, p. 129).
Nesse sentido, acompanhamos a trajetória de Canellas em cidades que não foram
grandes centros industriais a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro. Cidades essas, que não
ficaram imunes às práticas de movimentos, organizações operárias e classistas, em prol de
reivindicações e mobilizações, voltadas para extinguir as ações exploratórias das classes
dirigentes e donas dos meios de produção, enquadradas na lógica capitalista. Revelando com
isso, novas questões e reflexões teóricas, na tentativa de desfazer certos estereótipos sobre o
movimento operário brasileiro, possibilitando abrir novas perspectivas no tocante ao
subjetivo, político, econômico, social e cultural, inserindo, portanto, a contribuição do
Nordeste nessa temática.
Na verdade, nessas cidades, o quadro para a classe operária era de jornadas excessivas
de até 16 horas de trabalho, não havendo direitos trabalhistas garantidos, aposentadoria,
seguro desemprego, entre outros. Enfim, o que se evidenciava no quadro da classe operária
era a exploração sem limites a que estavam expostos homens, mulheres e crianças.
Outro detalhe pertinente ocorre em relação aos acontecimentos internacionais que
influenciaram os militantes e criaram expectativas frente à implantação do socialismo na
Rússia. Portanto, o período entre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), cuja repercussão
iniciou-se em 1915, com o Congresso de Paz, realizado no mesmo ano no Rio de Janeiro,
devido à declaração de guerra e consequentemente aos prejuízos decorrentes como: carestia
de vida, desemprego, mortes, exploração, entre outros. Ao final do Congresso, foi feita a
seguinte conclusão:
21
[...] “só do proletariado poderá partir uma ação decisiva contra a guerra, por ser ele
que proporciona os elementos necessários aos conflitos bélicos, fabricando todos os
instrumentos de destruição e morte e fornecendo o elemento humano para servir de
carne para canhão”. Cabia, pois, ao proletariado responder à declaração de guerra
com a declaração de “greve geral revolucionária”, de acordo com os “preceitos
humanos proclamados pela Associação Internacional dos Trabalhadores”. O
Congresso lembrou ao operariado a validez da sabotagem e do boicote contra os
elementos que participavam ou cooperavam com a guerra, assim como a
necessidade de uma propaganda sistemática contra o nacionalismo, o militarismo e o
capitalismo, “cujo regime é o causador principal das guerras”. (DULLES, 1977, p.
37).
Em relação à Revolução Russa (1917), Eric Hobsbawm (1995, p. 62) tece o seguinte
comentário: “[...] A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável movimento
revolucionário organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo [...]”.
Por consequência, esse acontecimento repercutiu e ecoou em vários países do globo, por meio
de informações divulgadas pelas agências internacionais de notícia, para as gerações que
viveram e vivenciaram esse momento decisivo na história e com certeza representou uma
possibilidade de queda do capitalismo, como afirma Hobsbawm (1995, p. 79).
Consequentemente, os ecos chegaram ao Brasil e os militantes se utilizaram de vários
meios e métodos para lutarem e conseguirem seus objetivos que eram: luta por justiça social,
realização de greves, abertura de sindicatos, utilização da imprensa operária, teatro,
conferências, palestras, reuniões, tudo com o propósito de organizar um caminho oposto ao da
exploração capitalista. Os militantes foram homens extraordinários, parafraseando Eric
Hobsbawm (1998), que se dedicaram à causa com o propósito de alcançar uma sociedade
igualitária.
O caminho percorrido pelos homens que fizeram parte do processo e da história social
do trabalho, não especificamente as grandes lideranças, são tidas muitas vezes, no imaginário
e na própria historiografia tradicional, como passivas, enfim, não atuantes.
Nessa perspectiva, abordando as particularidades da experiência do nosso redator,
utilizamos como método, o cruzamento com as fontes que dispomos relacionadas ao caminho
percorrido por nosso linotipista, tais como: os periódicos editados por Canellas, o relatório
pessoal da viagem de Canellas à Europa, relatórios de governadores da época, biografias,
autobiografias, jornais da “grande imprensa” e pesquisas bibliográficas acerca do período.
Nesse contexto, e com os objetivos apresentados, discorremos acerca da trajetória,
experiência e militância de Antonio Bernardo Canellas. Deixamos claro, desde já, que não
objetivamos com isso, heroicizar o personagem, mais sim, a partir de sua experiência,
conhecer a sociedade, os acontecimentos, as vivências e a experiência política de homens,
mulheres, velhos e jovens que foram contemporâneos de Canellas entre 1916-1920.
22
Para isso a dissertação encontra-se dividida em cinco sessões. Na primeira sessão é
apresentada uma discussão, que oportuniza ao leitor uma compreensão acerca do cenário
político e ideológico da classe trabalhadora, em várias regiões do Brasil, tendo como limite
cronológico os anos de 1889 – 1920. Embora seja uma breve discussão e dentro de um limite
de uma dissertação, são apresentadas as origens, o desenvolvimento, as articulações e rupturas
das ideologias divulgadas e apresentadas aos militantes, leigos e a sociedade em geral.
Tendo em vista a divulgação e propagação das correntes ideológicas do anarquismo,
socialismo, mutualismo, anarcossindicalismo, entre outras correntes nas primeiras décadas do
século XX, é apresentado um debate em torno da militância, da conscientização e claridade
para os adeptos, das doutrinas e dos meios utilizados para conscientização da classe
trabalhadora, enfocando principalmente a imprensa operária, tendo em vista a atuação de
Canellas, enquanto tipógrafo.
Por fim, é apresentada uma breve biografia de Antonio Bernardo Canellas. A intenção
é apresentar todas as informações que dispomos acerca da vida de nosso redator. Nesse
sentido, é possível acompanhar um pouco da trajetória, do perfil, do jeito e da pessoalidade de
Canellas.
A segunda sessão concentra-se na história das cidades de Viçosa e Maceió, ambas
localizadas no estado de Alagoas. O objetivo é apresentar uma caracterização das referidas
cidades, tendo como pressuposto entender o contexto social, econômico, político e cultural
das cidades à época. Desta forma, entendemos que ao acompanhar o contexto histórico em
consonância com as demais cidades e estados do Brasil, há uma possibilidade de compreensão
dos aspectos referentes às dificuldades, explorações, políticas públicas, sociais, infraestrutura,
enfim, um panorama que engloba na medida do possível uma “totalidade” no que se refere à
história dessas cidades nas primeiras décadas do século XX.
Na terceira sessão, é feita uma caracterização seguida da análise do primeiro periódico
editado por Canellas no Nordeste, Tribuna do Povo publicado em Viçosa-AL, entre 19161917. Ao acompanharmos as edições, é possível descrever as regularidades das publicações,
preço, propagandas, informações e repercussão que teve o jornal, inclusive, em outras
cidades. Também foca o posicionamento político e ideológico adotado por Canellas em
Viçosa – AL, bem como, sua atuação e envolvimento com a classe trabalhadora.
A quarta sessão é dedicado à análise e compreensão acerca da atuação e propagação
dos ideais de Canellas, quando da publicação do segundo periódico editado pelo mesmo, em
Maceió- AL. O periódico A Semana Social foi publicado em 1917 e teve uma repercussão
extraordinária, sendo vendido, inclusive, em outros estados do país. Ao analisar o periódico,
23
identificamos grupos de afinidades, colaboradores a nível nacional, como Astrojildo Pereira,
Everardo Dias, Octávio Brandão, entre outros, mencionando, ainda, a observação no tocante à
continuidade e amadurecimento do posicionamento político – ideológico de Canellas em
Maceió – AL, frisando sua atuação juntamente com outros partícipes do movimento operário
e classista.
Na quinta sessão, abordamos o contexto social, político, econômico e cultural da
cidade de Recife–PE, tendo em vista, a atuação e edição do periódico Tribuna do Povo,
publicado por Canellas entre 1918– 1919. Ao mesmo tempo, fazemos uma discussão acerca
do movimento operário no estado de Pernambuco. É feita, também, uma análise do
envolvimento de Canellas com sindicatos, palestras e movimentos em prol da classe
trabalhadora. Por fim, descrevemos os prováveis motivos de sua expulsão do Recife em
janeiro de 1920.
24
2
OPERÁRIOS EM MOVIMENTO: CENÁRIO POLÍTICO E IDEOLÓGICO DO
MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO NA PRIMEIRA REPÚBLICA (18891920)
2.1
Cenário político ideológico da classe trabalhadora (1889-1920): desenvolvimento,
articulações, desdobramentos e rupturas.
A Primeira República (1889-1930) foi um período marcado por algumas continuidades
e também por intensas mudanças na política e consequentemente nas estruturas sociais,
culturais e econômicas do Brasil. As metamorfoses políticas, sociais, econômicas e culturais
ocorreram, dentre outros motivos, pelo incremento da urbanização e do surgimento dos
primeiros parques industriais, iniciados entre os fins do século XIX e início do século XX.
Sobre as fases da industrialização no Brasil, Edgard Carone sintetizou no seguinte
comentário:
Fases da industrialização – Historiadores e sociólogos não coincidem inteiramente
ao delimitar as etapas da evolução industrial brasileira. Mas estão concordes em que,
depois do surto de 1880-1890, temos as seguintes fases: aquela que se inicia com o
Encilhamento (1890) e termina com a crise geral de 1890; a seguinte é a que começa
em 1901 e termina com a crise de 1914; a terceira fase vai de 1914 a 1929, quando
se inicia a debacle econômica mundial. Como vemos, os períodos são marcados por
momentos de desenvolvimento e interrompidos por crises; mas esta interrupção
leva, paradoxalmente, a um processo de reforço industrial, como veremos.
(CARONE, 1972, p. 78-9).
A industrialização incrementada pelo surgimento dos parques industriais fomentou o
crescimento urbano, trazendo assim o capital financeiro, o que promoveu inúmeras mudanças
nas cidades, como se pode observar na seguinte citação:
Se, historicamente, as cidades preexistem às indústrias, ocorreria que, a partir do
momento em que o capital financeiro chegou a dominar todas as demais atividades
econômicas, ele passou a determinar toda a expansão urbana, desde aspectos
econômicos até sócio - político e culturais. Até a paisagem e a arquitetura, neste
ponto, submeteram-se aos ditames do capital. (HARDMAN; LEONARDI, 1982, p.
189).
As novidades advindas com as indústrias e com o fenômeno da urbanização
proporcionaram condições favoráveis e também adversas para a organização da classe
trabalhadora.
Como consequência da expansão urbana e da organização do movimento
operário, foram adotados posicionamentos pelos políticos visando coibir o crescimento do
movimento da classe trabalhadora e a propagação dos seus ideais, através das instituições
oficiais, como por exemplo, a repressão com a polícia e outros meios de manutenção do status
25
quo, através de articulações e envolvimentos com setores da sociedade civil como: a Igreja, o
empresariado, os meios de comunicação oficial, etc.
Os exemplos acima citados fazem parte das transformações que ocorreram no país a
partir da queda da monarquia, da abolição da escravidão, ocorrida em 13 de maio de 1888 e
da própria Proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Não há como desarticular
do contexto internacional o período em foco (1889-1920), período marcado pelo surgimento
de uma nova fase do capitalismo e consequentemente das relações internacionais, as quais
foram impactantes não somente no Brasil como em outros países do mundo.
Nesse sentido, os impactos do neocolonialismo, da Primeira Guerra Mundial, da
imigração de europeus e da Revolução Soviética em 1917 fazem parte do processo de
organização do movimento operário brasileiro. Na verdade, esses acontecimentos afetaram
todos os países que estavam envolvidos direta e indiretamente, pois: “[...] A Primeira Guerra
Mundial abalou profundamente todos os povos nela envolvidos, e as revoluções dos anos de
1917 e 1918 foram acima de tudo, revoltas contra aquele holocausto sem precedentes,
principalmente nos países do lado que estava perdendo”. (HOBSBAWM, 1998, p. 262).
O novo regime político oportunizou ao proletariado uma nova configuração cultural e
estrutural nas quais se insere a circulação de ideias, valores e comportamentos em prol de
reivindicações por melhores salários, redução de jornadas de trabalho e reconhecimento dos
direitos que almejavam.
Entre os grupos que compunham a sociedade, possuía destaque o proletariado, que
desempenharia uma função chave para a elevação moral de toda a sociedade, sendo o
exemplo mais propenso a demonstrar o espírito cooperativo. Entretanto, com o decorrer dos
anos, o proletariado manifestou suas reivindicações, que foram influenciadas e acentuadas
pela Revolução Russa em 1917 e pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A Guerra não
só influenciou o proletariado, mas oportunizou ainda o crescimento da indústria brasileira e
consequentemente o número de seus operários. Observemos o comentário:
O Brasil sentiu os efeitos da guerra, mormente quando submarinos dos Impérios
Centrais interromperam o comércio com a Europa. [...] O precário parque industrial
que se arrastava desde os começos da República, deu um salto. A incipiente
indústria nacional, até o início do conflito europeu, não atendia, em média, a 5% das
necessidades nacionais. Se, em tecidos, a produção chegava aos 50 %, em outros
setores estava, praticamente, reduzida a zero. Em cinco anos, de 1915 a 1919,
surgiram 5940 empresas industriais, quase o mesmo número das que se criaram
entre 1890 e 1914, ou seja, 6946. O valor da produção aumentou de 1350 000 contos
de réis em 1914, para 3000 000 contos de réis, ao fim da década. O proletariado
brasileiro ultrapassou a casa dos 200 mil, peso social respeitável, num Brasil de 18
milhões de almas, durante os primeiros anos de conflito. (BANDEIRA, 1980, p. 48).
26
Enfim, a classe trabalhadora e operária aumentou e não ficou indiferente ao novo
regime, desde o início e com as primeiras contrariedades, ocorreram divulgações de ideias e
defesa das mesmas na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. As doutrinas sociais e
formas de organização foram variadas4, sendo predominante o anarquismo com suas várias
vertentes, como o anarco–sindicalismo, por exemplo. Porém, isso não quer dizer que não
existiu a tentativa da implantação de outras doutrinas, como o socialismo5.
Nesse sentido, é importante salientar uma observação em relação à propagação de
ideias e correntes ideológicas no Brasil durante a implantação do novo regime (República),
que pode ser contemplado, a partir da observação de Tiago Bernardon de Oliveira, no
seguinte comentário:
Devido a sua heterogeneidade, o movimento operário organizado não pode ser
tomado como um bloco de uma única tendência. Não basta fazer as distinções entre
anarquistas e socialistas para dar conta da complexidade das orientações operárias na
Primeira República brasileira. De forma geral, até 1930 podemos encontrar
tendências mutualistas, socialistas, anarquistas e comunistas, e em cada uma dessas
orientações há distinções importantes a serem consideradas. (OLIVEIRA, 2003, p.
74).
É compartilhando da observação do autor que chamamos a atenção para a questão da
não linearidade das organizações, das mobilizações e das diversificações existentes em busca
de oportunidades e melhorias para as classes subalternas e por que não dizer, da classe
trabalhadora do Brasil durante a vigência das décadas iniciais da Primeira República.
Das vertentes citadas pelo autor, as principais em termos de mobilização foram a
socialista e anarquista, não querendo dizer que as outras não tiveram suas singularidades e
expressividades reivindicatórias. No entanto, fica a ressalva, da complexidade humana e
social em que estão envolvidos os atores sociais da contemporaneidade do período da
pesquisa em foco.
Acerca da chegada das ideias socialistas no Brasil e respectivamente de sua
implantação, Bandeira faz o seguinte comentário:
4
Outras experiências da esquerda (Instituições de beneficência, associações de socorros mútuos ou associações
mutualistas, etc.) não serão contempladas nesse texto, em virtude do recorte no objeto de pesquisa e do limite de
uma dissertação. Sobre a experiência mutualista na formação da classe trabalhadora no Brasil ver: VISCARDE,
Cláudia Maria Ribeiro; JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe
trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (Org.). As esquerdas no Brasil: a formação
das tradições (1889 – 1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 1, p. 21-51.
5
Para maiores informações sobre o socialismo no Brasil ver: CHACON, Valmireh. História das idéias
socialistas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981; REIS FILHO, Daniel Arão et al. (Org.).
História do marxismo no Brasil: o impacto das revoluções. Campinas: Paz e Terra, 1991. v. 1; RODRIGUES,
Edgar. Socialismo e sindicalismo no Brasil (1675-1913). Rio de Janeiro: Laemmert, 1969; KONDER, Leandro.
A derrota da dialética: a recepção das idéias de Marx no Brasil, até o começo dos anos 30. São Paulo:
Expressão Popular, 2009.
27
Em certo sentido, pode-se dizer que as idéias socialistas chegaram ao Brasil tão logo
começaram a desenvolver-se na Europa. O jornalista Nereu Rangel Pestana refere-se
à existência de um periódico – O Socialista – que, por volta de 1839, dez anos antes
do Manifesto, de Marx e Engels, pregava no Rio de Janeiro, uma organização que
estabelecesse a cidadania universal. A partir de 1840, Benoîte – Jules Mure (médico)
e Louis Leger Vauthier (engenheiro) propagaram no Brasil, o socialismo de Charles
Fourier. (BANDEIRA, 1980, p. 13-14).
Nesse sentido, Tiago Bernardon de Oliveira traz uma contribuição acerca da
elaboração do socialismo no início da República, apontando, inclusive, alguns motivos da não
efetiva concretização das ideias socialistas em três Estados como Minas Gerais, São Paulo e
Rio de Janeiro. Todavia, observa-se o comentário a respeito da História do socialismo no
Brasil:
Feita a ressalva da impropriedade do etapismo que essa divisão encerra, de qualquer
forma, a história do socialismo no Brasil seria, em geral, a história “do pequeno
círculo, com escassa penetração de meios populares”. Isso mesmo quando
“cronologicamente [...], nos últimos anos do século XIX e em princípios deste
século [XX], os sinais da atividade socialista em São Paulo eram mais visíveis que o
anarquismo”. Não se nega a importância dos socialistas e de seus efêmeros partidos
operários e a sua combatividade, principalmente na década de 1890. Muitos de seus
princípios eram balizados pelo conteúdo da história de lutas já construída pelo
socialismo internacional. Além disso, se não se pode classificar o movimento
socialista no Brasil como marxista, “a II Internacional exerceu influência não
desprezível sobre certas parcelas do proletariado brasileiro na década de 1890”,
primacialmente o Partido Social - Democrata Alemão. Assim, a tendência reformista
que paira sobre o socialismo brasileiro também precisa ser contextualizada no
âmbito internacional, que sofrera modificações sérias após a derrota da Comuna de
Paris (1871) e com a consolidação das tendências social- democratas na Alemanha,
embora no Brasil os socialistas tivessem uma noção muito vaga do que era o
marxismo e misturassem uma série de autores e idéias em seus discursos sem muito
rigor. Mas o socialismo da época não pode ser confundido com o marxismo, pois era
formado por uma micelânea que admitia as mais diversas tendências, mesmo assim
os socialistas eram tidos como “revolucionários” e „radicais‟ pela elite de seu tempo.
(OLIVEIRA, 2003, p. 80).
Segundo o autor, a tentativa de implantação do socialismo nos referidos estados não
deu certo em virtude dos seguintes aspectos: cooptação política através de benefícios pessoais,
repressão praticada pela Lei e pela polícia, falta de apoio da classe média, unificação a nível
nacional de partidos socialistas, reformismo, etc.
Em relação ao Nordeste, especificamente Alagoas, Osvaldo Maciel ao pesquisar sobre
o assunto, faz a seguinte conclusão sobre a recepção do socialismo pela categoria dos
gráficos, no final do século XIX e início do século XX em Maceió:
[...] os resultados imediatos da luta não diminuem em nada os esforços de
propaganda e organização capitaneados pelos gráficos. A despeito das críticas que,
hoje, podem ser feitas ao socialismo que estes tipógrafos elaboraram, é importante
ressaltar a relação estabelecida entre identidade classista dos trabalhadores e
socialismo. Esta discussão do socialismo, como uma doutrina em si, como
realizavam intelectuais como Vauthier e Tobias Barreto em Pernambuco, é beletrista
28
e perde-se no vácuo do pensamento elitista. É preciso encontrar a relação entre este
discurso e a construção de uma identidade positiva para os trabalhadores,
articulando-a aos movimentos de reivindicação da tradição do Ocidente. Quem faz
isto pela primeira vez em Alagoas são esses ativos gráficos de Maceió da virada para
o século XX. Eles inauguram a tradição da „cultura de esquerda‟ nestas terras.
Quando viermos criticá-los por possuírem uma visão „estreita‟, „reformista‟,
„deformada‟, além de entendermos as condições objetivas e subjetivas que
mediaram tal esforço coletivo, devemos nos lembrar de que estamos assentados
sobre os seus ombros. (MACIEL, 2009, p. 188).
Ainda em relação ao Nordeste, temos outro exemplo para o estado do Ceará, onde a
autora Adelaide Gonçalves fez uma pesquisa sobre o periódico o Ceará Socialista, tecendo a
seguinte observação sobre o jornal e sua funcionalidade política enquanto meio de difusão em
defesa da classe trabalhadora:
A leitura do Manifesto do Partido Socialista Cearense e dos demais artigos
doutrinários veiculados no Ceará Socialista esclarecem a concepção de partido e sua
forma de atuação, sendo possível situá-lo ao lado de outras experiências realizadas
no Brasil desde o final do século XIX (guardadas as diferenças já apontadas), que
em sua maioria adotaram programas de cunho reformista “prevendo medidas de
defesa dos trabalhadores (diminuição da jornada de trabalho, restrições ao trabalho
feminino nas fábricas, proibição do trabalho infantil, criação de juntas arbitrais de
conflitos trabalhistas) e reformas no Estado [...]”, como observa C. Batalha [...]. A
criação do Partido Socialista Cearense pode ser explicada no quadro das
modificações que estão se operando por dentro das correntes socialistas nas
primeiras décadas do século XX. Nesse período, é possível localizar o debate
travado por alguns grupos socialistas sobre a relação partido e sindicato, em razão
do descompasso entre as tentativas de criação de partidos operários e o vigor e
autonomia do movimento sindical. (GONÇALVES, 2001, p. 26).
Na verdade, existiu uma heterogeneidade no movimento da classe trabalhadora no
Brasil e não se pode dizer que existiu uma única tendência de doutrina social, pois até o
socialismo tão difundido à época, foi somente uma das doutrinas que embasaram o
movimento. Ainda sobre o socialismo, Angela de Castro Gomes aponta os caminhos
percorridos pelos socialistas e respectivamente, outro modelo de organização social, do qual
foi expresso nas primeiras décadas do século XX no Brasil. Vejamos:
Se em 1890 o que imperava era uma franca esperança em relação às potencialidades
do novo regime, o transcorrer de uma década foi suficiente para gerar em amplos
setores políticos o sentimento do desencanto. Este foi o caso dos movimentos
socialistas, que sofreram sucessivas e diversificadas derrotas ao longo desses anos.
De um lado, cessou a tolerância e mesmo a cumplicidade com que o Governo
Provisório aceitara as manifestações iniciais em prol da participação política do
“povo”. Elas tinham sido vistas como um dado fortalecedor da República, o que sem
dúvida trouxera benefícios imediatos. De outro lado, como que através de vasos
comunicantes, o movimento dos trabalhadores ganhou outros canais de expressão.
Os anos iniciais do século – 1902 e 1903 – demonstram de forma clara a irrupção de
manifestações grevistas. Os socialistas permanecem no cenário, mas, sem abandonar
a ideia de partido, passam a privilegiar a formação de associações e de jornais como
instrumentos de ação organizacional. Além disso, não sofrem apenas os ataques dos
cada vez mais fortes setores governamentais. Começam também a ser criticados por
29
elementos que falam em nome dos operários trabalhadores e que oferecem uma
proposta distinta: os anarquistas. (GOMES, 2005, p. 38).
A autora, ao final da citação, comenta sobre os anarquistas, que surgem no período
entre 1889 e 1920 fazendo parte de uma das correntes ideológicas surgidas durante as décadas
iniciais da Primeira República e teve sua singularidade e expressividade na combatividade da
classe trabalhadora do Brasil. Durante as décadas iniciais da Primeira República, os
anarquistas atuaram de forma intensiva, cuja trajetória será discorrida nas páginas que
seguem.
2.2
Desdobramentos ideológicos: o anarquismo no Brasil durante as décadas iniciais
da Primeira República
É inegável que o anarquismo teve uma maior contribuição na história social do Brasil
durante as primeiras décadas da Primeira República, com uma inserção considerável no
movimento operário e sindical brasileiro, sobretudo nos anos de 1917 a 1920, devido à
conjuntura internacional de acontecimentos como: a Revolução Russa (1917) e a Primeira
Guerra Mundial (1914-1918).
Esses acontecimentos repercutiram em vários países do
mundo, incluindo o Brasil, acentuando problemas como a carestia de vida, a exploração da
classe trabalhadora, a declaração de guerra pelo governo brasileiro, entre outros assuntos, que
oportunizaram maior acesso aos ideais anarquistas no movimento operário e sindical
brasileiro, sendo postos em prática com grandes greves (1917-1919) e desta forma,
envolvendo milhares de trabalhadores em todo país.
Segundo Claudio Batalha, as greves proporcionaram mobilizações que tiveram seus
períodos iniciados em 1902, com as seguintes características, em relação às mobilizações
classistas. Vejamos:
Os momentos de mobilização em várias cidades brasileiras, como as greves de
1902-1903, 1906-1907, 1917-1919 ou movimento contra a carestia de vida de 1913,
apontam para uma outra questão: a de que esses momentos ímpares da ação coletiva
envolviam muito mais gente do que o número restrito de trabalhadores – sobretudo
qualificados – pertencentes às sociedades operárias. São nesses processos que a
classe como uma realidade histórica aparece, na medida em que os interesses
coletivos se sobrepõem aos interesses individuais e corporativos. É então que
podemos falar de formação de classe operária, não como o resultado mecânico da
existência da indústria ou da abolição da escravidão, mas como um processo
conflituoso, marcado por avanços e recuos, pelo fazer-se e pelo desfazer-se da
classe, que surge na organização, na ação coletiva, em toda a manifestação que
afirma seu caráter de classe. (BATALHA, 2014, p. 172).
Acerca dessas mobilizações e do contexto dos anos supracitados, faz-se necessário
apresentar um panorama dos anos iniciais da Primeira República e consequentemente as
30
características que influenciaram as mobilizações e posteriormente a florescência do
anarquismo no Brasil. Uma das características deste período foi à predominância do setor
agroexportador na economia. A maioria da população durante a Primeira República vivia no
campo e o proletariado fabril era um segmento minoritário no início do século XX, que
vivenciara as contradições da indústria emergente em relação à estrutura do sistema
agroexportador e oligárquico. Com isso, a formação da classe operária e trabalhadora na
cidade enfrentava o dilema da não associação imediata do camponês ao proletário. Segundo
Boris Fausto, os trabalhadores das cidades viviam em “ilhas urbanas” que dificultavam a
organização e associação desse grupo. Segundo o autor:
A restrição do movimento social das camadas dominadas em grande medida aos
centros urbanos representou um sério limite. É certo que as reivindicações ganharam
ressonância ao se produzirem em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Santos
que, em grau variável, desempenhavam um relevante papel político, comercial e
administrativo. Mas, o peso da urbanização era relativo e não só o eixo básico da
economia como a fonte de poder das oligarquias se encontrava fundamentalmente
no campo, a massa urbana dominada ficava ilhada nos muros ideais da cidade, com
escassas condições de alterar a correlação das forças entre as classes. (FAUSTO,
1976, p. 21-22).
As condições estruturais e as dificuldades políticas influenciavam, dificultando a
construção de uma aliança camponesa-operária. Isso não quer dizer que não existiram
movimentos reivindicatórios dos trabalhadores rurais, pois na verdade, ocorreram tentativas
operárias e anarquistas de chegar aos trabalhadores do meio rural, presentes nas resoluções
aprovadas nos Congressos Operários de 1906, 1913 e 19206. Do outro lado, os proprietários
(da indústria e de terras) promoveram uma organização política, burguesa e industrial que
adotou mecanismos para manutenção dos privilégios pessoais, por exemplo, adotando a
imigração de europeus, iniciadas durante o Império, como uma reserva de mão-de-obra na
lógica capitalista, ou seja, uma demanda alta de mão de obra para o setor agrícola e que foi
empregada posteriormente no setor industrial quando se lançava mão do velho adágio: “se não
quer tem quem queira”, referindo-se à oferta de trabalho.
Com a implantação do regime republicano, os imigrantes que primeiramente
ocupavam o meio rural, buscam na cidade melhores oportunidades com o advento da
indústria, marcando a fase incipiente do capitalismo brasileiro, que começa com uma
estruturação política e econômica voltada para a superexploração da “mais valia” do
proletariado urbano, constituído por mulheres, crianças e homens que enfrentavam condições
insalubres, perigosas, sem falar dos baixos salários e excessivas jornadas de trabalho.
6
Ver RODRIGUES, EDGAR. Alvorada operária: os congressos operários no Brasil. Rio de Janeiro: Mundo
Livre, 1979.
31
Sendo assim, a constituição do proletariado urbano foi diversificada desde sua origem
com a presença de negros, mulatos descendentes de escravos e libertos, brancos pobres,
incluindo os imigrantes, principalmente europeus: italianos, espanhóis, portugueses,
franceses, alemães, e por último, imigrantes asiáticos (japoneses), constituindo assim, uma
heterogeneidade cultural, étnica e linguística. Na tabela abaixo, é possível ter uma dimensão
através das décadas, da quantidade de imigrantes de diversas nacionalidades que se
deslocaram para o Brasil:
Tabela 1 – Deslocamento de imigrantes para o Brasil ao longo dos anos de 1884 a 1933.
Nacionalidade/
Anos
1884-1893
1894-1903
1904-1913
1914-1923
1924-1933
Alemães
22.778
6.698
33.859
29.339
61.723
Espanhóis
113.116
102.142
224.672
94.779
52.405
Italianos
510.533
537.784
196.521
86.320
70.177
Japoneses
-
-
11.868
20.398
1.101.91
Portugueses
170.621
155.542
384.672
201.252
233.650
Sírios e Turcos
96
7.124
45.803
20.400
20.400
Outros
66.524
42.820
109.222
51.493
164.586
Total
883.668
852.110
1.006.617
503.981
7.172.23
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Brasil: 500 anos de povoamento.
Rio de Janeiro, 2000. p. 226. Apêndice: Estatísticas de 500 anos de povoamento.
Como se pode observar, os italianos constituíram a maioria de imigrantes que vinham
com suas famílias, atraídos pelos incentivos do governo ocupando inicialmente as fazendas de
café no Estado de São Paulo. Essa diversidade terminou influenciando a consciência da classe
operária, sobretudo, devido às experiências enfrentadas no cotidiano, que iam desde a
repressão à exclusão social. Com um ambiente de exploração, os operários adotam meios para
reivindicarem seus direitos, através de passeatas, de jornais operários, da criação de escolas,
de comícios, de teatro entre outros.
As antigas divergências entre os trabalhadores, devido à heterogeneidade étnica,
cultural e linguística (crença dos cristãos, deuses africanos, língua italiana, portuguesa, etc.)
foram sendo superadas em parte e transformam-se numa identidade (consciência de classe).
32
Mesmo com múltiplas identidades, é inegável que ocorreu um processo de formação de classe
social, independente da heterogeneidade cultural em que estavam inseridos os trabalhadores.
Nesse sentido, Thompson faz a seguinte observação a respeito da consciência de classe:
Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos
díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria – prima da experiência
como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe
como uma “estrutura”, nem mesmo como uma „categoria‟, mas como algo que
ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas.
[...] A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências
comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses
entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem)
dos seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações
de produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A
consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos
culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas
institucionais. [...] A consciência de classe surge da mesma forma em tempos e
lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma. (THOMPSON, 1987, p.
10).
Nesse contexto, os imigrantes, maioria italiana, que vem ao Brasil e juntamente com
outros de outras nacionalidades, participam do processo de formação da classe operária
brasileira. Interessante observar, que durante a segunda metade do século XIX ocorreu a
“maior imigração de povos da história”, evidenciada na seguinte passagem, escrita por
Hobsbawm:
A metade do século XIX marca o começo da maior imigração dos povos na História.
Seus detalhes exatos mal podem ser medidos, pois as estatísticas oficiais, tais como
eram então, são falhas em capturar todos os movimentos de homens e mulheres
dentro dos países ou entre estados: o êxodo rural em direção às cidades, a migração
entre regiões e de cidade para cidade, o cruzamento de oceanos e a penetração em
zonas de fronteiras, todo esse refluxo de homens e mulheres movendo-se em todas
as direções torna difícil uma especificação. (HOBSBAWM, 1979, p.207).
O Brasil é um dos países que se enquadra na observação acima, recebendo imigrantes
de várias nacionalidades, que através da força de suas ideologias políticas e da sua já citada
heterogeneidade cultural, contribuíram abertamente para a formação e difusão da classe
operária brasileira. Hobsbawm corrobora essa afirmação, vejamos:
Em geral a classe operária contém um setor imigrante composto de uma variedade
de „estrangeiros‟ de origens diferentes, divididos entre si, bem como separados dos
nativos. Em casos extremos, a classe operária é predominantemente composta de
imigrantes, como nos Estados Unidos, na Argentina e no Brasil, durante o principal
período de migração em massa antes de 1914. (HOBSBAWM, 2000, p. 84-85).
Nesse sentido, Claudio Batalha tece o seguinte comentário, relativizando esta
afirmativa acerca dos imigrantes no Brasil e respectivamente sobre o processo de organização
da classe operária, mesmo com a heterogeneidade presente em sua formação:
33
Outro elemento de diferenciação, e por vezes de conflito, era a origem étnica dos
trabalhadores. Os imigrantes foram amplamente majoritários em São Paulo (há
quem chegue a afirmar, que em 1901, nove de cada dez trabalhadores na indústria
paulista eram estrangeiros) e em certas áreas industriais do sul do país; também na
capital federal e em algumas cidades mineiras tiveram um peso considerável. Já no
Nordeste e no Norte o impacto da imigração foi menos significativo. [...] Os
imigrantes, que acabaram por integrar o proletariado urbano no Brasil, em sua
maioria provinham de áreas rurais dos seus países de origem, sem qualquer
experiência prévia de trabalho industrial ou organização sindical; com frequência,
tinham como destino inicial o trabalho na agricultura, caso das fazendas de café no
estado de São Paulo. (BATALHA, 2000, p. 12-13).
É importante perceber os imigrantes como elementos partícipes da formação da classe
operária brasileira, (isso não quer dizer que foram os elementos centrais, tendo em vista,
mobilizações não focadas ou idealizadas por eles [imigrantes], como é o caso do estado de
Alagoas, Pernambuco, etc.) bem como observar, o quanto essa participação fica clara em suas
organizações e protestos sociais, sendo necessária, inclusive, a criação da Lei Adolfo Gordo7,
aprovada em 1907, que determinava a expulsão dos estrangeiros envolvidos em greves. De
acordo com Claudio Batalha8, a lei visava reprimir especialmente militantes anarquistas e
anarcossindicalistas.
É importante também perceber a forte influência dos imigrantes espanhóis e italianos
na difusão e propagação do anarquismo, uma vez que na Espanha e na Itália era forte o
movimento anarquista. Além da contribuição dos imigrantes italianos e espanhóis na difusão
do anarquismo, é preciso ressaltar que outras correntes ideológicas surgiram durante o período
e que não se firmaram como o anarquismo, devido aos apontamentos descritos no início do
texto. Todavia, é consensual na historiografia brasileira o predomínio do anarquismo no
Brasil durante as décadas iniciais da Primeira República, que não pode ser associado, tão
somente, à influência dos imigrantes.
Na verdade, algumas características sócio-políticas do período contribuíram para isso,
como a realidade do dia-a-dia das camadas populares, a não inserção na política, em virtude
dos meios legais de coibição no sentido de participação e disputas no pleito eleitoral, entre
outros exemplos, que contribuíram para a afirmação de Ângela de Castro Gomes, sobre a
predominância do anarquismo durante as duas primeiras décadas do século XX. Segundo a
autora, este foi um período de auge do pensamento ácrata nos círculos operários:
7
A Lei n° 1.641 de 7 de janeiro de 1907, ficou conhecida como “Lei Adolfo Gordo” a mesma foi proposta pelo
deputado Adolfo Gordo, cuja finalidade foi legitimar a expulsão ou deportação de operários imigrantes
envolvidos em greve ou em outras manifestações sociais. Muitos militantes anarquistas e sindicalistas foram
expulsos do país. Com isso houve manifestações do movimento operário, denunciando e realizando atos públicos
e notícias na imprensa operária de todo o país.
8
Ver BATALHA, Cláudio. O movimento operário na primeira República. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2000.
34
Mesmo que se considerem as oscilações conjunturais que marcam a história da
atuação da classe trabalhadora no Brasil, como aliás a de qualquer outro país, é
inegável que de 1906 a 1919/20 foram os anarquistas os maiores responsáveis pelo
novo tom que caracterizou o perfil e a atuação dos setores organizados do
movimento operário. O descenso ocorrido aproximadamente entre 1909 e 1911 não
chega a afetar o que se está caracterizado, e a retomada do impulso de mobilização a
partir de 1912 veio consagrar o período áureo do anarquismo, quer em termos de
formulações doutrinárias, quer em termos de influência nas associações operárias.
(GOMES, 2005, p. 81).
Ainda a respeito da ideologia anarquista, enquanto ideal predominante, Claudio
Batalha tece o seguinte comentário, observando o porquê da não concretização do socialismo,
enquanto corrente ideológica de preferência dos militantes. Vejamos:
[...] se em grande medida o movimento operário das primeiras décadas do século
XX é moldado pelos trabalhadores qualificados de ofício, isso em absoluto não
significa endossar a teoria de que doutrinas como o anarquismo seriam
características de trabalhadores ainda não plenamente inseridos no trabalho
industrial. Esse tipo de visão é marcada por um viés ideológico que pressupõe que
trabalhadores industrializados deveriam adotar como ideário um socialismo de
cunho marxista. Implica, portanto, uma valorização desse último e uma percepção
negativa do anarquismo. Entretanto, tanto o socialismo como o anarquismo eram
doutrinas presentes nesse movimento operário. O que levou o anarquismo a
suplantar o socialismo na preferência de muitos militantes operários deve-se menos
às características do tipo trabalhador que militava nesse movimento e muito mais às
condições políticas do Brasil da Primeira República. Pois é difícil supor que um
socialismo em grande parte voltado para a mudança através do processo eleitoral,
que distingue o socialismo da Segunda Internacional, pudesse florescer em um
quadro político em que o espaço para a participação eleitoral dos trabalhadores fosse
tão limitado quanto o caso brasileiro. (BATALHA, 2006, p. 171-172, grifo nosso).
Sendo assim, o anarquismo de fato prevaleceu durante as décadas iniciais da Primeira
República, sobretudo, no período descrito (1889-1920) ao longo do texto e pelas razões
apresentadas. As vertentes das ideias ácratas no Brasil não foram homogêneas, sendo
apresentadas em diferentes tendências. Nesse sentido, se faz necessário, observar os
posicionamentos adotados pelos militantes que atuaram nas mobilizações e organizações em
prol da classe operária, independentemente, da tendência ou ideologia.
2.3
Anarco – sindicalismo ou sindicalismo revolucionário na Primeira República?
No final do século XIX, uma geração [de anarquistas] profundamente envolvida em
atividades sindicais desenvolveu a teoria anarco-sindicalismo [sic], que afirmava
que as oficinas controladas pelo sindicato eram locais onde homens podiam
aprender a organizar a produção de mercadorias e serviços. Eles também
reconheciam que, dentro de certos limites, pode ser possível delegar certas funções a
técnicos, e mesmo um anarquista que receava a dominação dos sindicatos como
Errico Malatesta dizia: “o governo significa delegação de poder, isto é, abdicação da
iniciativa e soberania de todos os homens nas mãos de poucos. A administração
significa delegação de trabalho, isto é, a livre troca de serviços baseada num livre
acordo”. (WOODCOCK, 1998, p. 23-24).
35
Partindo do comentário, observa-se que o surgimento do anarco-sindicalismo ocorreu
no final do século XIX, em decorrência do fortalecimento da indústria (consolidação da
Revolução industrial) e das relações trabalhistas proporcionadas pelo ambiente fabril. O
trabalhador era o responsável pela produção e na concepção anarquista os mesmos deveriam
coordenar a administração e direção das fábricas. Na Primeira República, as correntes anarco
– sindicalista e o sindicalismo revolucionário passaram a ter influência nas organizações do
movimento operário, principalmente nos principais centros industriais do país (São Paulo e
Rio de Janeiro).
Segundo Edilene Toledo, não houve só a influência do anarco-sindicalismo na
organização do movimento operário brasileiro. A autora, em sua pesquisa, deixa claro que o
sindicalismo revolucionário foi coadjuvante na atuação sindical paulista e que sindicalismo
revolucionário, anarco-sindicalismo e anarquismo confundiram-se na história e na
historiografia. Vejamos seu posicionamento quanto às proposições citadas:
Embora a historiografia tenha tendido a classificar como anarco-sindicalista toda a
atuação anarquista nos sindicatos durante a Primeira República, creio que uma
análise mais detida [...] permite vislumbrar o fato de que essa atividade expressou,
em diversos momentos, uma mudança muito mais estratégica que doutrinária. O
sindicato era mais um lugar, para alguns um lugar privilegiado, para difundir a idéia
anarquista. Anarquismo, anarco-sindicalismo e sindicalismo revolucionário
confundiram-se na história e na historiografia. Mas creio que este trabalho
demonstra que o movimento operário em São Paulo na Primeira República foi muito
mais sindicalista revolucionário que anarquista. [...] O sindicato não era anarquista
porque era aberto a todos os trabalhadores, fossem eles ligados a alguma corrente
política ou não, e então havia nos sindicatos, atuando juntamente, sindicalistas
revolucionários (também chamados de sindicalistas puros), anarquistas, socialistas e
outros trabalhadores que viam nele unicamente a possibilidade de associar-se para
melhorar suas condições de vida e trabalho. (TOLEDO, 2004, p. 122).
O sindicalismo revolucionário surgiu na França no final do século XIX, tendo como
princípio a luta através dos sindicatos revolucionários, que seriam espaços para a ação
revolucionária e centro da luta das classes trabalhadoras. Entretanto, é importante assinalar as
semelhanças e as diferenças entre o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo.
Algumas semelhanças nesta relação dão - se a partir de ações de incentivo a greve, boicote,
resistência, etc. As diferenças são observadas no que se refere aos meios de negociação; no
sindicalismo revolucionário, havia possibilidade de negociação com os patrões e
representantes do parlamento, ou seja, um meio para os trabalhadores conquistarem o domínio
da economia e consequentemente uma influência na sociedade mais ampla. Os adeptos do
sindicalismo revolucionário consideravam suas teorias econômicas como uma estratégia para
mudar a sociedade, no que se refere a um sistema econômico cooperativo alternativo, que
tinha como meta valores centrados na satisfação das necessidades humanas.
36
Os anarco-sindicalistas não aceitavam a intervenção de políticos, partidos, enfim, de
terceiros nas negociações (algo aceito no sindicalismo revolucionário), ou seja, as
mobilizações através dos sindicatos deveriam ser autogeridas pelos próprios trabalhadores,
(inclusive, sem a possibilidade da fundação de partidos) que utilizariam o sindicato para
mudar a sociedade, substituindo o Capitalismo e o Estado por uma sociedade autogerida pelos
trabalhadores, sem ser um estado operário, pois o anarcossindicalismo, sendo, uma vertente
do anarquismo, mantinha alguns princípios como: a ideia de que o poder corrompe a
sociedade, a solidariedade, a ação direta, entre outros exemplos.
A influência do anarco-sindicalismo nos sindicatos de fato foi forte durante a Primeira
República. Na verdade, o movimento anarquista agia no interior dos sindicatos, enquanto que
no sindicalismo revolucionário, deveria prevalecer a neutralidade ideológica. Vejamos o que
pontua Edilene Toledo:
O sindicalismo revolucionário reunia algumas idéias anarquistas – como a negação
do Estado centralizado e do partido –, mas também idéias marxistas – como luta de
classes, recusada pelos anarquistas como base de sua doutrina. A base do
sindicalismo revolucionário como doutrina e prática política era a idéia de que o
sindicato era o órgão necessário e suficiente para as conquistas imediatas e para a
transformação da sociedade, que, no futuro, seria gerida pelos trabalhadores através
dos sindicatos. Para muitos anarquistas, ao contrário, embora fosse um meio
importante de difusão dos ideais libertários, o sindicato desapareceria na sociedade
futura que desejavam construir. Apesar disso, vários anarquistas aderiram, na
prática, ao sindicalismo revolucionário, sem preocupar-se com a coerência
doutrinária. (TOLEDO, 2007, p. 64).
Questões alusivas às táticas de resistência e posicionamentos ideológicos foram
debatidas no Primeiro Congresso Anarquista Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro entre 15 e
20 de abril de 1906, onde foi fundada a Confederação Operária Brasileira (COB), da qual
participaram um expressivo número de operários e organizações de tendências ideológicas
diferentes. O que se almejava, independentemente dos posicionamentos ideológicos, eram as
reivindicações por jornadas de 8 horas diárias de trabalho, criações de jornais para divulgação
do movimento, etc. Interessante observar que nesse congresso foram adotadas medidas
inspiradas no sindicalismo revolucionário. Todavia, o segundo Congresso Operário realizado
entre 08 e 13 de setembro de 1913, no Rio de Janeiro, sinalizou resoluções mais próximas do
anarco-sindicalismo. Na verdade, as resoluções dos congressos operários realizados no Brasil
tiveram forte influência dos anarquistas, onde os posicionamentos e correntes ideológicas
foram distintas no que se referiram às propostas apresentadas no congresso e que fazem parte
de alguns aspectos que se combinam, como afirma Angela de Castro Gomes na seguinte
passagem:
37
A importância dos anarquistas é, portanto, ponto pacífico na literatura que trata do
assunto. Esta, em geral, orienta sua atenção tanto para os temas do ideário anarquista
– destacando sua imprensa e as resoluções dos congressos (1906; 1913; 1920) –,
quanto para atuação sindical – privilegiando as reivindicações e os episódios
grevistas então acontecidos. Através destas análises o que se pode observar –
certamente correndo o risco reducionista – é a consagração de duas visões principais
sobre os anarquistas, as quais, apesar de distintas, frequentemente se combinam.
(GOMES, 2005, p. 82).
Independentemente das posturas ideológicas, é importante frisar que não houve
choque entre os seguidores do anarco-sindicalismo e do sindicalismo revolucionário. Na
verdade, o que se percebe é que, no contexto histórico da Primeira República, os operários,
militantes, organizações e sindicatos utilizaram o que mais próximo estava de concreto para a
solução dos problemas existentes. Com isso, percebe-se que as ideias se propagam
diferentemente em cada realidade social, onde circularam os diferentes passos referentes aos
caminhos de emancipação e mobilização classista.
2.4
Imprensa operária: a porta voz de uma classe silenciada
Segundo Maria Nazareth Ferreira, a imprensa operária foi um meio de divulgação e
propagação dos anseios e das dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora em todo país,
conforme a seguinte observação:
E aqui está o ponto alto da atividade da liderança imigrante: a proliferação da
imprensa operária. A história do operário industrial no Brasil está escrita nas páginas
dessa imprensa, desde o final do século passado até o primeiro quartel do século
atual. O seu valor como documento vivo deste periódico é incontestável porque é
acima de tudo informativo, e foi o resultado de uma participação efetiva do
individual e do coletivo no processo histórico. As condições em que apareceu e se
desenvolveu a imprensa operária estão contidas nela mesma, ao lado das condições
em que se desenrolava esse período da história do trabalhador brasileiro. [...]
Qualidade, porque todos os problemas internos à classe, fraquezas, lutas internas,
tudo o que acontecia no meio operário, era motivo de debates e informações que
ganhavam as páginas dessa imprensa; quantidade, devido ao grande número de
jornais e revistas publicados, cobrindo todas as regiões do Brasil, onde se deparava
com a questão social e condições de organizar a classe trabalhadora. (FERREIRA,
1978, p. 88).
Segundo a autora, entre fins do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX,
foi contabilizado pela mesma, “aproximadamente 343 títulos de jornais espalhados pelo
território brasileiro”. (FERREIRA, 1978, p. 89). Obviamente não existiu, tão somente, a
imprensa operária. Diferente da proposta desta, coexistiu a imprensa burguesa, que tinha
ligação com a burguesia (patrões, industriais, capitalistas), sem falar do apoio da Igreja e do
Estado (setores conservadores da sociedade).
38
Propostas antagônicas estão visíveis nas páginas dos periódicos que se encontram
disponíveis em nossa pesquisa. A partir dos exemplares, é possível observar que as discussões
giravam em torno de ideias, projetos e sujeitos. Nesse contexto, não fica de fora o tipógrafo
Antonio Canellas, entre outros militantes9 do período que manifestavam em seus escritos,
suas combatividades e objetivos, quais sejam, a tarefa de conscientizar o operariado, combater
a burguesia e divulgar as doutrinas revolucionárias. Parafraseando Natalie Davis, Sílvia
Petersen10 afirma que os militantes utilizaram a imprensa pela sua representatividade e
possibilidade de repercussão e acesso aos mesmos, enquanto meio de organização social.
Ainda de acordo com Petersen, os periódicos possibilitaram aos pesquisadores e militantes as
seguintes observações:
Dentre as fontes mais promissoras para perceber as redes de relações sociais e de
difusão cultural entre os operários de vários pontos do Brasil no final do século XIX
e primeiras décadas do XX, está sua imprensa periódica, por sua capacidade de
disseminar informações para além de seu local de publicação. Os militantes
necessitavam veicular suas ideias, razão pela qual criaram inúmeros jornais, alguns
dos quais cruzaram o território brasileiro de ponta a ponta, implantando uma rede de
comunicação que jamais existira no país. Aos promotores dessa imprensa pode ser
atribuída a feliz expressão de Natalie Davis: “mensageiros de relações”.
Efetivamente, a missão do jornalismo não se limita [...] a difundir ideias, a educar
politicamente e a atrair aliados políticos. O jornal não é somente um agente coletivo
de propaganda, mas também um organizador social. (PETERSEN, 2010, p. 113).
É possível perceber através da imprensa operária que existiu uma ligação em nível
nacional entre os militantes, onde os mesmos adotaram uma campanha a favor dos
trabalhadores e fizeram denúncias referentes à situação na qual se encontravam os
trabalhadores do país. Foram levantadas questões correlacionadas à recusa do capitalismo
9
Durante o período em foco da pesquisa (1916-1920) houve a atuação de vários militantes, inclusive em
períodos precedentes. Para conhecimento geral apresentamos alguns nomes: Astrojildo Pereira, Everardo Dias,
Edgard Leuenroth, José Oiticica, Domingo Passos, Octávio Brandão, Evaristo de Mores, Afonso Schimdt, Maria
Lacerda de Moura, Avelino Fóscolo entre outros.
10
Silvia Petersen chamou a atenção para a necessidade de estudos inter-regionais no que se referem à história
nacional do movimento operário brasileiro. Ela sugeriu em suas pesquisas as análises de caráter inter-regional ou
mesmo internacional. Ela própria vem desenvolvendo pesquisas em torno de militantes e da circulação da
imprensa operária. Alguns textos, referentes às suas pesquisas são: A mesma classe, a mesma luta, o mesmo
idioma:. breves notas sobre a circulação da imprensa operária publicada no Brasil e em Portugal. Disponível
em::<http://eeh2008.anpuh-rs.org.br/resources/content/anais/1210861237_ARQUIVO_PETERSENANPUHRS2008.pdf>; A CIRCULAÇÃO de militantes e trabalhadores: percursos e efeitos no movimento
operário brasileiro em suas primeiras décadas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 22., 2003, João
Pessoa. Anais eletrônicos... João Pessoa: ANPUH, 2003. Disponível em: http://anpuh.org/anais/wpcontent/uploads/ANPUH.S22.pdf.; RELAÇÕES interestaduais e internacionais no processo de formação do
movimento operário brasileiro. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS, 53., 2009,
México. 2007. Anais. México: Universidad Iberoamericana, 2009. v. 1.; FUGITIVOS os deportados do
Brasil: itinerários y afectos de la persecucución a „agitadores indeseados: em el movimento abrero de las
primeras décadas del siglo XX. In: JORNADA DE HISTÓRIA DE LAS IZQUIERDAS- EXÍLIOS POLÍTICAS
ARGENTINOS Y LATINO-AMERICANOS. BUENOS AIRES, 3. 2005, Buenos Aires. Anais... Buenos Aires,
CEDINCI, 2005.
39
enquanto forma de organização da vida social, chamando a atenção para a necessidade de luta
e resistência, correspondentes às ideias e reivindicações que eram divulgadas. Com isso, a
imprensa operária enfrentou muitas dificuldades, devido à função que desempenhava e ao
lugar social que ocupavam seus representantes e signatários em sua maioria.
Em relação às dificuldades de recursos materiais e financeiros, é possível perceber
algumas peculiaridades citadas nos seguintes exemplos: dificuldade quanto à periodicidade,
tinham formato tablóide de quatro páginas (típico e mais comum da imprensa operária do
período 1889-1920) sendo que às vezes não eram publicados por falta de condições de manter
as tiragens diárias, sem falar do processo de trabalho que era complexo e exigia muito do
tipógrafo, como descreve Osvaldo Maciel:
Um dia de trabalho de um compositor tipógrafo começa normalmente por volta das
9 horas da manhã. Durante seis horas ele irá “levantar a composição” de 250 linhas
em tipo 8, com 44 meios quadratins, que eram o tipo e a forma mais comuns
utilizados na composição de textos para jornais. Levantar mais que isso - 270 linhas,
por exemplo – “não é comum” nas tipografias de Pernambuco e é “trabalho
forçado”. À medida que as colunas ou as matérias (não está bem claro) vão sendo
compostas, existe a necessidade da impressão de uma página para a revisão. Para
cada 250 linhas, são necessárias “2,3 e mais parcellas [intervalos]” para a impressão
e revisão, que duram “2,3 e mais horas” sem remuneração. Ou seja, cada intervalo
para a revisão dura em média uma hora que, somada às seis horas para a
composição, já bate na casa das nove, dez horas de trabalho. As emendas e o
“processo de provas” nos textos revistos consiste no conserto das incorreções
identificadas pelos revisores. Elas demoram cada uma cerca de 30 minutos – o que
acrescenta mais uma ou duas horas, conforme a divisão em 2 ou mais momentos de
provas: já se foram entre dez e doze horas de serviço. No entanto, ao longo desta
composição, as letrinhas (os tipos) não são apenas retiradas das gavetas para a
prancha de composição, mas são lá recolocadas, de acordo com a sua gaveta: das
grandes gavetas dos As e Es às pequenas gavetas dos Qs e Vs. Lá se vão mais duas
horas e meia. São doze, quatorze horas ao todo a rotina diária de trabalho de um
compositor tipógrafo. Em alguns casos, há aprendizes para fazer esta última tarefa
de recolher os tipos. Para ter-se idéia do que significa este labor, o periódico O
Trocista em sua primeira página traz cerca de 65 linhas em cada uma das quatro
colunas em que era impresso. Isto porque a primeira página possui no alto o
frontispício, com título e chamadas da redação do jornal. Nas páginas “de dentro”,
seus exemplares traziam alguma coisa em torno de 75 a 80 linhas. Multiplicando
estas linhas pelo número de colunas, temos cerca de 260 linhas para a primeira
página e entre 300 e 340 linhas para as demais. Como era um periódico que saía
apenas aos domingos, dois bons tipógrafos dariam conta desta tarefa ao longo de
semana. Um jornal deste porte, impresso diariamente, precisaria de pelo menos
cinco tipógrafos rápidos em trabalho intensivo. (MACIEL, 2009, p. 98-99).
A descrição do autor é referente ao início do século XX em Pernambuco e demonstra
as dificuldades no processo da composição, sem falar, na longa jornada de trabalho dos
redatores. Isso dependia do tamanho das oficinas e consequentemente das tiragens diárias.
Algumas oficinas eram pequenas e as máquinas eram compradas com os recursos advindos da
compra dos jornais pelos leitores ou por recurso próprio dos idealizadores.
40
Já as dificuldades a que eram submetidos os membros da imprensa operária,
(incluindo os dirigentes dos jornais da oposição frente às forças governistas, motivadas pela
refutação as oligarquias que disputavam entre si a hegemonia da informação e comunicação),
diziam respeito às perseguições políticas e repressivas (policiais). O exemplo do Estado de
Alagoas, extensivo a outros Estados do país, no que se refere aos posicionamentos
divergentes aos dos periódicos e respectivamente de seus idealizadores que sofriam
perseguições como: empastelamento das composições nas sedes dos jornais e oficinas
gráficas, prisões de militantes, espancamentos, apreensão de jornais, deportações, multas,
assassinatos, fechamento e proibição de circulação de jornais. Nesse sentido, vale observar o
comentário descrito acerca das formas de repressão aos militantes ou participantes de jornais
de oposição, na descrição abaixo:
Na madrugada de 7 de março de 1890, mal raiara a República, ocorreu o primeiro
atentado a liberdade de imprensa na vigência do regime político recentemente
instaurado, a destruição da oficina do periódico maceioense O Orbe, órgão da
imprensa oposicionista, durante a gestão do governador Pedro Paulino da Fonseca
que, segundo Moreno Brandão e Craveiro Costa, dois dos mais categorizados
historiadores, apesar de sua integridade e nobreza de caráter, foi iludido em sua boa
fé, pelos politiqueiros bajuladores, levando-o inclusive a permitir a execução
daquele atentado. (SANT‟ANA, 1987, p. 92).
Outro exemplo é citado por Samanta Colhado Mendes, em sua pesquisa sobre as
mulheres anarquistas na cidade de São Paulo (1889-1930), quando foram perseguidas e os
jornais da imprensa operária que divulgavam suas atuações foram fechados, conforme a
descrição da autora:
Essa atuação das mulheres libertárias nas greves foram amplamente noticiadas pela
imprensa operária da época até 1930, quando a repressão ao movimento aumentou e
muitos dos jornais foram fechados. No ano de 1919, por exemplo, ocorreu outra
Greve Geral Anarquista, que não chegou a ser tão ampla quanto a de 1917, mas que
teve a imensa participação de mulheres e crianças. (MENDES, 2010, p. 193).
Era comum nas páginas dos periódicos da imprensa operária o posicionamento contra
a ordem estabelecida, na ocasião, o “Estado” através dos “representantes instituídos
legalmente”, se achava no direito de coibir as publicações e leituras dos mesmos. Isso
demonstra o que representavam os periódicos, tendo em vista, sua funcionalidade 11, que
através dos militantes, buscavam a representação e a tentativa de dirigir e organizar
sindicatos, categorias profissionais e organizações operárias.
11
Os jornais não tinham somente a funcionalidade, essa característica é pertinente, todavia, os periódicos não
eram, tão somente, divulgadores de ideias, informações, denúncias, etc. Eles fizeram parte da construção de um
projeto contra hegemônico.
41
Os militantes eram organizados e se articulavam em nível internacional, divulgando
acontecimentos, como a Revolução Russa, por exemplo:
O eco da Revolução Russa chegou ao Brasil, principalmente através da imprensa
operária. Como já foi dito, o intercâmbio entre os operários brasileiros e operários
europeus (Espanha, Portugal, França e Itália), e também com os argentinos, era
muito intenso. A troca de jornais os mantinham sempre bem informados sobre todos
os passos da revolução social que se processava em seu meio. Todos os
acontecimentos, tais como greves, deportações, perseguições, vitórias, eram
divulgadas, no sentido de permitir a participação da classe obreira. Assim, os
problemas que o povo russo vinha enfrentando na luta contra o czar eram já de
conhecimento dos leitores da imprensa operária. O desenrolar dos acontecimentos
que culminaram com a vitória das classes trabalhadoras (camponeses e operários) foi
seguido de perto. De nada adiantou a “grande imprensa” divulgar informações
oficiais; o que merecia crédito dos trabalhadores era o que a sua imprensa divulgava:
Ao lado das calúnias assacadas pelos donos da vida contra a revolução realizada
pelos russos, as classes dominantes e seus jornais em nossa terra não puderam evitar
que o povo dela tomasse conhecimento. (FERREIRA, 1978, p. 78-79).
As discussões em torno do significado da Revolução Russa e da Primeira Guerra
Mundial foram comuns no tocante às polêmicas e ataques por parte dos setores políticos,
envolvidos com as elites. A censura contra a imprensa operária foi um fato determinado pelo
estado de sítio em 1917, em um contexto de declaração de guerra à Alemanha e de intensas
mobilizações sociais no país. Por que camuflar os acontecimentos? Quais interesses estavam
por trás das manipulações acerca dos verdadeiros acontecimentos?
Os motivos estavam relacionados ao apoio e opinião de classes antagônicas, no que se
refere aos posicionamentos favoráveis e contrários à Guerra e consequentemente, participação
do Brasil. Por exemplo, a imprensa burguesa divulgava e tratava a questão da guerra
conforme seus interesses, ao contrário da imprensa operária, que informava sobre os
acontecimentos, inclusive fazendo reflexões sobre os reais motivos do apoio da burguesia e
do Estado nacional.
No clima eufórico dos acontecimentos, cria-se uma expectativa por parte dos
militantes do movimento operário e da classe trabalhadora em si, pela emancipação social e
pelo fim do capitalismo, que pode ser exemplificado pelo comentário de Carlos Augusto
Addor:
O mundo, em especial o mundo do trabalho organizado, vive nos anos de 1917 a
1920 a expectativa da Revolução Social: a expectativa da falência e da derrubada
final do capitalismo, e da conseqüente [sic] emancipação da humanidade, ou seja, da
construção, numa perspectiva e como um processo interecionais [sic] de uma nova
sociedade, livre e igualitária, sem classes e sem exploração, sem Estado e sem
dominação. Além dos efeitos econômicos e sociais devastadores da Primeira Guerra
- especialmente para a classe trabalhadora -, o principal fator responsável por esse
clima internacional de euforia revolucionária, por esse ambiente de véspera da
Revolução Social, foi sem dúvida a vitória da Revolução Russa em outubro de 1917.
42
Como afirma E. H. Carr, A Revolução Russa de 1917 foi um momento decisivo na
história e bem pode ser considerada por historiadores futuros como o maior
acontecimento do século XX. Como a Revolução Francesa, continuará a polarizar a
opinião por longo tempo, sendo saudada por uns como marco na emancipação da
humanidade em relação à opressão do passado, e denunciada por outros como um
crime e um desastre. Ela constitui o primeiro desafio claro ao sistema capitalista,
que atingirá seu ponto culminante na Europa em fins do século XIX. Sua ocorrência,
no auge da Primeira Guerra Mundial, e em parte em consequência dela, foi mais do
que uma coincidência. A guerra desfecha um golpe mortal na ordem capitalista
internacional, tal como existia antes de 1914, e revelara sua instabilidade inerente. A
revolução pode ser considerada, ao mesmo tempo, como uma consequência e uma
causa do declínio do capitalismo. (ADDOR, 1986, p. 33-34).
É nesse contexto que militantes como Astrojildo Pereira e Antonio Bernardo Canellas
(entre outros) publicam artigos chamando a atenção para a necessidade de organização da
classe trabalhadora, incitando a criação de comitês operários. No fervor de toda essa
militância, Antonio Canellas publica um artigo, n‟ A Semana Social12, propondo a criação de
um Comitê de Operários e Soldados, que teria a função de exercer uma ação revolucionária e
inovadora, contemplando consequentemente a liberdade e emancipação social do povo. A
função de chamar a atenção para as causas operárias foi algo intrínseco aos militantes.
Citando mais um exemplo, Laryssa de Souza Goulart descreve a contribuição de Astrojildo
Pereira a imprensa operária. Segundo a autora ele:
Contribuiu intensamente na imprensa operária, sendo que até 1919, sob a orientação
ideológica libertária, tendo como principal referência teórica A Conquista do Pão de
Kropótkin [...]. Seus artigos se caracterizaram por informar a classe operária sobre
os acontecimentos ocorridos nos centros industriais e por tentar organizar os
trabalhadores para a revolução social. Escrevia sobre os seguintes temas: “repúdio à
participação eleitoral e formação de partido político operário, incentivo ao emprego
da ação direta na luta pela melhoria das condições de vida e do trabalho dos
operários”. (GOULART, 2013, p. 26).
As contribuições dos militantes na imprensa operária são evidentes, quer seja na
escrita de artigos, textos, ou no incentivo de organizações, quer seja em associações operárias,
etc. Enfim, o que é certo é que a imprensa operária fez parte da cultura da classe operária,
segundo Claudio Batalha:
Sem dúvida a expressão mais visível da cultura operária nesse período foi a
imprensa operária. Ela foi o principal instrumento de propaganda e debate,
assumindo formas diversas: periódicos de correntes político-ideológicas (anarquista,
socialista, comunistas, católicos, etc.); jornais sindicais, publicações destinadas à
classe operária em geral. (BATALHA, 2000, p. 64).
A guisa de conclusão, acerca da funcionalidade e expressividade da imprensa operária,
vejamos, o comentário de Maria Nazareth Ferreira:
12
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 6 ago. 1917.
43
A utilização do jornal [jornais operários] como veículo de comunicação foi de
grande proveito para a organização da classe trabalhadora brasileira. Basta averiguar
a intensa rede de jornais que surgiu com a fundação das ligas e uniões e a grande
tiragem que estes jornais atingiram nos períodos que antecederam aos movimentos
grevistas. Em todos os acontecimentos relevantes que empolgaram os trabalhadores
brasileiros o jornal mostrou-se o principal veículo de comunicação. Através de suas
páginas a liderança operária orientava as massas trabalhadoras. (FERREIRA, 1978,
p. 15).
Nesse contexto, apresentamos Antonio Bernardo Canellas, tipógrafo e redator que
dentre outros, foi partícipe da imprensa operária, editando jornais e militando em alguns
estados do país, como são os casos do Rio de Janeiro, Alagoas e Pernambuco, este dois
últimos
sendo
cenário
privilegiado
de
nossa
pesquisa.
Independentemente
dos
posicionamentos ideológicos, o que se percebe é que houve por parte dos militantes um só
desejo, a defesa da classe operária.
2.5
Antonio Bernardo Canellas: audácia e militância a favor da classe operária
Antonio Bernardo Canellas nasceu na cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro,
no dia 18 de abril de 1898. Não se sabe exatamente a data e o motivo do seu falecimento.
Segundo Moacir Sant‟Anna, o falecimento de Canellas, ocorreu em Portugal em consequência
de um desastre automobilístico no ano de 193313. Já Iza Salles, em uma entrevista14, afirma
que Canellas morreu em 1936, portanto, com 38 anos, não informando precisamente o dia,
tendo como causa mortis uma tuberculose contraída nas prisões do governo de Getúlio
Vargas.
O primeiro grande contato documentado do nosso tipógrafo com a causa operária
aconteceu pelos idos de 1916, com início da publicação de A Tribuna do Povo em Viçosa –
Alagoas, onde o jovem Canellas com apenas 17 anos, começa a revelar sua postura ideológica
e participativa em face do movimento operário brasileiro15.
13
SANT‟ANA, Moacir Medeiros de. História da imprensa em Alagoas. Maceió, Arquivo Público de Alagoas,
1987. p. 104.
14
A entrevista está disponível em: link:http://marquesdacosta.wordpress.com/entrevistas/entrevista-com-izasalles.
15
Ainda não temos informações referentes à vida familiar de Canellas, pela ausência de documentação até o
presente momento, pouco ou quase nada se sabe de sua infância, de sua juventude, do contato com as ideologias,
se em Niterói ou outra cidade, dos motivos que o levaram a migrar para Viçosa - Alagoas em 1916. Algumas
possibilidades serão descritas na terceira sessão. Como essa pesquisa não é uma biografia propriamente dita,
pois se trata de focar primordialmente na trajetória intelectual e política do militante, espera-se que no futuro
próximo existam condições de esclarecer estas questões etc.
44
Um detalhe interessante é em relação ao grau de instrução do redator d‟ Tribuna do
Povo, onde declarou ter o nível primário16. Esse dado, além de ser característico de Canellas é
pertinente, tendo em vista o acompanhamento da trajetória político intelectual do militante em
nossa pesquisa.
Muitas das informações referentes ao linotipista advêm de sua trajetória político
intelectual (objeto de nossa pesquisa). Os principais registros foram colhidos dos jornais
editados por Canellas, no Nordeste como: Tribuna do Povo, de Viçosa- AL (1916), A Semana
Social, de Maceió (1917) e Tribuna do Povo, do Recife (1918-1920). Outras informações são
transcritas de jornais da grande imprensa, como por exemplo, Jornal de Alagoas, Jornal do
Commercio, Diário de Pernambuco, Jornal Pequeno, etc. É possível saber um pouco mais
sobre Canellas a partir dos relatos de alguns de seus companheiros de militância,
acrescentando relatórios escritos pelo próprio militante e em alguns estudos historiográficos
do período.
Com as informações disponíveis, é possível apresentar algumas peculiaridades da vida
do tipógrafo, gráfico, anarquista, editor de jornais operários, polemista, autodidata e
participante ativo na luta e resistência contra a opressão e exploração capitalista.
O jovem Antonio Canellas inicia sua caminhada no Nordeste, a partir da sua saída da
cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro em direção a Viçosa-AL em 1916, onde se
estabelece e em menos de uma década alcança grandes feitos, no que se refere ao seu
envolvimento com a causa operária. Acerca disso, Salles faz o seguinte comentário: “foi o
primeiro brasileiro a visitar a Rússia [setembro de 1922] depois da revolução de outubro
participando de um congresso comunista, com Lênin à sua frente, na mesa que presidiu a
reunião, [...] o que mais poderia desejar?” (SALLES, 2005, p. 10). Esse é apenas um
exemplo, dentre outros, que serão descritos no transcorrer das sessões referentes à sua atuação
e envolvimento com a classe trabalhadora, no período em foco da pesquisa.
É importante frisar que a atuação de Canellas, ainda que tenha atingido o ápice nas
cidades de Viçosa, Maceió e Recife, não estava restrita somente a essas localidades, pois ele
continuou sua combatividade após a saída do Recife em 192017. O tipógrafo publicou outros
16
Informação referente ao grau de escolaridade de Antonio Bernardo Canellas está contida no Questionário do
Congresso
Internacional
do
Sindicato
Operário
Disponível
em:
<http://www1.cedem.unesp.br/con_sultas/consulta_simples.htm>.
17
Em virtude do limite cronológico da pesquisa as informações que foram levantadas fazem parte tão somente do
estudo. Outras informações sobre Canellas no período posterior 1920 estão disponíveis em bibliografias
utilizadas na pesquisa.
45
jornais conforme descrição de Maria Nazareth Ferreira em seu livro18, listando os seguintes
periódicos: A Patuléia, de Porto Alegre e o periódico Cinco de julho (sendo uma de suas
publicações de forma clandestina) totalizando cinco periódicos da imprensa operária editados
por ele.
Alguns comentários acerca da atuação de Canellas e características de sua
personalidade foram narrados por companheiros de militância e nas edições de alguns livros e
jornal, como O Imparcial19, descrito por Dulles, na seguinte passagem:
O jornal carioca O Imparcial qualificou Canellas como o “verdadeiro líder” do
movimento subversivo no país, assim como o representante do operariado brasileiro
no “Congresso Comunista de Amsterdã”. Mas Oiticica era o mais usualmente
apontado como chefe do movimento. (DULLES, 1977, p. 94).
Everardo Dias, amigo de Canellas, relata em suas memórias algumas curiosidades e
informações acerca das características do tipógrafo, mencionando, inclusive, algumas
peculiaridades em relação ao periódico Cinco de julho:
Um companheiro, residente no Rio de Janeiro, o sr. Eglas Ramires, estranha não ter
feito referência ao militante Antônio Canelas, “um abnegado batalhador pela causa
operária”. Realmente, referi um de seus feitos, mas não lhe citei o nome. Tenho
deixado de citar tantos e velhos camaradas![...]. Reportando- me a Antônio Bernardo
Canellas devo informar que, no movimento operário, de organização e propaganda,
desenvolvido na capital da República, a sua atuação somente se fez sentir
posteriormente e ainda assim sempre em caráter esporádico. Não nego que houvesse
sido um abnegado militante, muito inteligente e estudioso de todos os problemas
sociais, e a prova disso está em que foi lembrado e escolhido pelo Plenário do I
Congresso do Partido Comunista do Brasil para tomar parte, como delegado
credenciado, no IV Congresso da Internacional Comunista, em Moscou (1923), por
achar-se, nessa ocasião em Paris, onde trabalhava como linotipista, e poder com
maior facilidade conseguir passaporte para viajar até à capital dos Sovietes. [...]. Não
se deve esquecer que qualquer pessoa andando na rua com um embrulho, mesmo de
pequenas dimensões, tornava-se suspeita e ficava exposta a ser detida e revistada por
qualquer beleguim ou soldado. Esse caso do 5 de Julho ainda está para ser contado
como deve, pois uma reportagem saída em 1927, em A Nação, do Rio, e reproduzida
nos jornais de S. Paulo Combate e Ronda, foi deturpada e fantasiada, faltando-lhe
autenticidade, embora quem tivesse dado as notas fosse um dos cooperadores do
jornalzinho. [...] Canelas nada poderia ter feito sem ter contato com o auxilio e o
esforço inexcdiveis [sic] de Rubem de Almeida Bela, Paulo Mota Lima, Rodolfo
Mota Lima e cooperação imediata do Capitão Gontram Pinheiro Cruz, José Bastos
Schomaker e Nuta Bartlett James, figuras inconfundíveis de abnegados lutadores.
Também não era alagoano, mas fluminense, praiano de Ponta-de-Areia, onde os pais
ou tios tinham um pequeno estaleiro. Morou, isso sim, em Alagoas e Pernambuco,
algum tempo, onde se dedicou, com outros companheiros, à organização sindical do
proletariado nesses estados. Foi, então mandado em missão da Federação e
Resistência das Classes Trabalhadoras de Pernambuco à Conferência Internacional
Sindicalista, realizada em fevereiro de 1919, em Berna, na qual tomaram parte os
líderes mais notáveis do sindicalismo mundial e em cujas sessões foi apresentada,
discutida e aprovada a “Carta do Trabalho”, mais tarde aceita e recomendada,
18
FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis: Vozes, 1978. No livro
a autora lista todos os jornais encontrados em sua pesquisa, compondo 343 órgãos no total (p. 91-102).
19
“A grande informação”, Spártacus 1, n. 8, 20 set. 1919.
46
através do Bureau Internacional, pelos governos dos países que tomaram parte na
Conferência da Paz, em Versalhes, o nosso inclusive. Voltando ao Brasil, dedicouse algum tempo a querer implantar um núcleo educativo libertário no sistema da
“Ruche”, de Sebastien Faure, fazendo conferências e editando brochuras com esse
fim. (DIAS, 1977, p. 186-189).
Everardo Dias conclui em seu comentário algumas características da personalidade de
Canellas:
Espírito irrequieto, comunicativo, pilhérico, mordaz, tinha amplo conhecimento do
sindicalismo europeu e dos líderes mais em evidência. Voluntarioso e independente,
irritadiço quando era contrariado, pouco infenso à disciplina partidária, mais se
adaptava ao anarquismo do que propriamente ao comunismo. A sua sinceridade
raiava às vezes na ingenuidade. Amigo de gatos, pouco amigo de cachorros. A nossa
convivência era polemica ininterrupta não só a respeito de teorias e métodos de luta,
como arte, filosofia, política em suas aplicações sociais. Esse era Canelas, que
comigo conviveu vários anos, talvez os mais agitados de sua vida. (DIAS, 1977, p.
189).
Outro militante e amigo de Canellas, Cristiano Cordeiro, companheiro nas edições da
Tribuna do Povo do Recife, em suas lembranças, tece um comentário a respeito da dedicação
e empenho de seu amigo na causa operária:
No Recife, Antônio Bernardo Canellas, pálido e franzino, um asceta moderno
encarapitado na água- furtada de um sobrado antigo, entregue de corpo e alma ao
incansável labor de redator e tipógrafo da Tribuna do Povo, tornou-se conhecido
pela dedicação ao trabalho. (CORDEIRO apud: DULLES, 1977, p. 82-83).
Ainda sobre Canellas, Octávio Brandão, também seu camarada de militância, fez com
poucas palavras, um comentário: “Em Maceió, a 3 de julho de 1917, começou a aparecer o
jornal A Semana Social, sob direção de Antônio Canelas, artesão-tipógrafo. Defendia os
operários. Declarava-se socialista e revolucionário”. (BRANDÃO, 1978, p. 113).
Interessante se faz no momento trazer uma descrição sobre Canellas feita pelo Partido
Comunista Brasileiro, publicada no livro de autoria deste partido, intitulado “O processo de
um traidor”, de 1924 e que é transcrito por Iza Salles na seguinte passagem:
Nada lisonjeiro será o retrato de Canellas feito pelo Partido Comunista Brasileiro no
livro O processo de um traidor, de 1924: “Patife, velhaco, traidor, indigno, vil,
presunçoso, pernóstico, ignorante, desnorteado, falso, ridículo, delirante,
neurastênico e descontrolado” são alguns dos termos usados para defini-lo, de modo
que é melhor continuar a história para que o leitor possa tirar suas próprias
conclusões. (SALLES, 2005, p. 42).
Essa descrição do Partido Comunista do Brasil, citada pela autora Iza Salles, é
tendenciosa, uma vez que delineia um perfil de Canellas que foi traçado em consequência de
sua missão na representação do Partido Comunista do Brasil, na IV Internacional Comunista,
gerando uma crise interna no PCB, descrita por Leandro Konder:
47
Outra grave crise interna do PCB foi gerada a partir de um outro dos seus dirigentes:
Antonio Bernardo Canellas. O PCB aproveitou o fato de Canellas estar na Europa,
elegeu-o membro de sua direção e lhe atribuiu a missão de ir a Moscou, obter o
reconhecimento oficial da Internacional Comunista. Canellas compareceu ao 4°
Congresso da IC, que se realizou de 5 de novembro a 5 de dezembro de
1922.Canellas não foi admitido entre os 408 delegados, que representavam 59
países, mas pôde fazer uso da palavra e participou enfaticamente dos debates. Em
uma de suas intervenções, teria aparteado Trotsky e este, segundo consta, o chamou
ironicamente “le phénomène de l‟ Amerique du Sud”. [...]. O historiador Edgard
Carone o analisa em um artigo publicado no n° 1 da revista Memória e história (da
livraria Editora Ciências Humanas, de São Paulo, 1981): “Uma polêmica nos
primórdios do PCB: o incidente Canellas e Astrojildo (1923).” Canellas afirmou em
Moscou que o PCB tinha 500 militantes e se irritou quando o delegado uruguaio e o
delegado argentino suscitaram “dúvidas e contestações tão absurdas quão
intempestivas e irritantes”. Sua postura em relação ao delegado argentino, José
Fernando Penelón [...] deixa entrever a força de um sentimento muito difundido
entre os brasileiros da época, de rivalidade em relação aos argentinos, Canellas fala
no “ar pedantesco de catedrático convencido” de Penelón e se refere até a “sua
pretensiosa cabeleira à Renan”. [...] Inconformado com as críticas que lhe foram
feitas em Moscou, o emissário do PCB regressou ao Brasil, sem ter conseguido
obter o reconhecimento oficial da IC. Uma comissão designada pela Internacional
para tratar das questões sul-americanas havia concluído que o PCB conservara
“restos da ideologia burguesa, sustentados pela presença de elementos da maçonaria
e influenciados por preconceitos anarquistas”. Canellas, de volta a seu país, admitiu
que os comunistas brasileiros não eram “ainda uns eruditos de teoria marxista”,
porém insistiu na recusa da crítica, tal como ela fora formulada; sustentou que a
direção do PCB devia discutir com a direção da Internacional. (KONDER, 2009, p.
173-174).
Ainda em relação à crise do PCB e à polêmica do papel desempenhado por Canellas,
Marcos Del Roio apresenta o seguinte comentário: “O fracasso da missão de Canellas,
derivado da sua vivacidade intelectual, da força de suas convicções e da sinceridade na
exposição de suas idéias, deslocou o PCB novamente para o amparo do PCA e do
Secretariado da IC em Buenos Aires”. (DEL ROIO apud: FERREIRA, 2007, p. 234).
Octávio Brandão, em entrevistas e cartas transcritas por Dulles, comentou os episódios
descritos anteriormente e acrescentou os motivos que teriam levado Canellas a expulsão do
PCB, como se pode observar no comentário do militante:
Octávio Brandão, encarregado de estudar o relatório de Canellas sobre as recentes
contendas deste, declarou em reunião da CCE que, embora fossem louváveis os
propósitos do companheiro, ele não representava o PCB. Em longas discussões entre
os líderes do Partido, realizadas à noite, Canellas se comportou como um histérico e,
em maio de 1923, com um gesto dramático, retirou-se da reunião em que o
criticavam. Depois de suspenso da CCE em setembro, atacou Brandão e outros
representantes da cúpula partidária num jornal diário, A Pátria. Sem consultar o
partido, publicou um relatório em brochura sobre sua missão em Moscou e, por esse
motivo, foi expulso do PCB em dezembro de 1923. A CCE não se deixou
impressionar pelo argumento de que, como seu relatório já caíra nas mãos da polícia
em meio a uma batida, fatalmente se tornara conhecido pelos inimigos da classe
trabalhadora, não havendo por que ocultá-lo aos operários. (DULLES, 1977, p. 168).
48
Não se pode, nesse momento, e nem em outro, atribuir juízo de valor às facetas da
vida de um militante e por que não dizer de um cidadão comum, no sentido estrito do termo.
Mas observa-se que sua trajetória foi marcada pelas mudanças em relação a posicionamentos
ideológicos, crescimento pessoal, amadurecimento intelectual, ou seja, características
inerentes ao ser humano20.
A atuação de Canellas, em especial no Nordeste, foi marcada por posicionamentos a
serem acompanhados no decorrer da leitura das sessões e que podem ser percebidos a partir
do itinerário do personagem. Posicionamentos ideológicos, como em relação ao socialismo,
ao sindicalismo revolucionário, ao anarquismo ou outras correntes ideológicas, fizeram parte
dessa trajetória, uma trajetória vivida em uma sociedade marcada por agitações sociais,
dificuldades, falta de garantias de toda ordem, que não devem ser vistas sob um único ângulo,
um conceito linear.
Na verdade, o caminho percorrido por Antonio Canellas carrega dimensões da vida em
coletividade de seu tempo, identificadas nos artigos de reinvindicação por melhores condições
de vida e de trabalho para mulheres e homens, tanto operários quanto trabalhadores do meio
rural, na contestação do sistema capitalista e enquanto sistema de domínio social. Sem falar
no envolvimento e participação na construção de uma organização classista, em defesa da
classe trabalhadora, com incentivos aos mais diversos meios disponíveis para a emancipação
social baseada na igualdade, liberdade e solidariedade. Muitas vezes, as lutas em defesa de
tais ideais levaram a perseguições, entre outros exemplos, de impedimento às atuações
“desses homens”, que segundo, Hobsbawm, são “pessoas extraordinárias”, (HOBSBAWM,
1998, p. 8).
Extraordinárias em virtude das atuações que desempenhavam frente à sociedade de
seu tempo. Canellas, por exemplo, foi acusado, perseguido, em virtude, de seus
posicionamentos, como se pode observar no seguinte comentário:
O chefe de polícia considerava perigosas as idéias de Canellas, como a criação de
uma escola de orientação anarquista para os filhos dos operários, louco para se ver
livre de Canellas, conseguiu lhe passaporte e embarque imediato como tripulante de
um cargueiro – numa época em que este tipo de passagem era quase impossível de
se obter. (DULLES, 1977, p. 81).
20
Independentemente dos motivos elencados para a expulsão de Canellas do PCB, não será aprofundada uma
discussão para a compreensão e apropriação das razões que vieram a motivá-la, pois como a discussão do estudo
não é propriamente o período referente aos anos de 1922, o que se continua a apresentar é o personagem, seus
passos, suas atuações e seu envolvimento com a causa operária.
49
Outro exemplo é citado por Iza Salles referente à prisão de Canellas em 7 de junho de
1923, “sob suspeita de participar dos preparativos para uma insurreição contra o governo de
Artur Bernardes”. Segundo a autora:
A prisão de Canellas e de outros dirigentes se inseria num quadro de repressão do
governo para deter uma insurreição que vinha sendo articulada desde fevereiro.
Everardo Dias conta em suas memórias que o movimento pretendia ser a
continuação do “5 de julho”, levante militar do ano anterior, e fracassou porque “o
proletariado não dispunha mais da força e coesão de 1919 e suas fileiras haviam sido
dizimadas pelas deportações dos elementos mais resolutos, e os que ficaram não
queriam mais expor-se ao sofrimento”. Entre os comunistas detidos estavam
Canellas, Everardo Dias, Luis Peres, Octávio Brandão, Astrojildo Pereira, Antonio
Oliveira e Joaquim Silva, todos soltos dias depois, à exceção de Canellas e Peres,
que ficaram presos por quase noventa dias.
Canellas foi o que mais tempo
ficou na prisão. Preso no dia 7 de junho, só seria libertado quase três meses depois,
em 30 de agosto de 1923. Sua detenção foi efetuada num momento difícil para ele,
depois dos dois meses de discussões com companheiros em torno de seu informe
sobre o IV Congresso. (SALLES, 2005, p. 151).
Esses são alguns exemplos, frente a outros, a que eram submetidos os militantes do
período da Primeira República. Atualmente é possível identificar meios coercitivos, de
cooptação para o não levantamento de questões relacionadas à exploração capitalista da
burguesia que explora o proletariado. Interessante se faz nesse momento, lembrar de uma
observação de Karl Marx, que é extensiva tanto ao período de nossa pesquisa quanto aos dias
atuais, no que se reporta à manutenção e “controle” do status quo da classe dominante.
Vejamos:
As idéias da classe dominante são as idéias dominantes de cada época, quer dizer, a
classe que exerce o poder objetal dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu
poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a
produção material dispõe ao mesmo tempo, com isso, dos meios para a produção
espiritual, o que faz com que lhe sejam submetidas, da mesma forma e em média, as
idéias daqueles que carecem dos meios necessários para produzir espiritualmente.
As idéias dominantes não são outra coisa a não ser a expressão ideal das relações
materiais dominantes, as mesmas relações materiais dominantes concebidas como
idéias; portanto, as relações que fazem de uma determinada classe a classe
dominante, ou seja, as idéias de sua dominação. Os indivíduos que formam a classe
dominante têm, também, entre outras coisas, a consciência disso, e pensam a partir
disso; por isso, enquanto dominam como classe e enquanto determinam todo o
alcance de uma época histórica, compreende-se por si mesmo que o façam em toda a
sua extensão e, portanto, entre outras coisas também como pensadores, como
produtores de idéias de seu tempo; e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as
idéias dominantes da época. (MARX, 2007, p. 71).
Nesse sentido, os militantes lutaram, na medida do possível, contra a exploração e
tirania dos meios empregados pelos donos do capital, que a exemplo de Marx, estão presentes
na mídia, comunicação, etc. As ações e o pensamento de Antonio Canellas não ficam de fora
da observação mencionada. O que se pode concluir em sua apresentação é que ele foi um
50
militante incansável nas páginas dos jornais que publicou, sem mencionar suas tentativas de
articular associações de trabalhadores, de organizar comitês proletários, entre outras ações, e
suas particularidades a serem acompanhadas nas páginas que se seguem.
Um exemplo de sua singularidade ideológica é demonstrada no Relatório da Viagem à
Europa, quando Canellas representou a Federação de Resistência das Classes Trabalhadoras
de Pernambuco, entre 21 de janeiro e 6 de setembro de 1919, que pode ser percebida na
finalização do relatório, onde o mesmo assinala o que é, em sua opinião, necessário para que
haja uma organização revolucionária:
Para que a revolução venha, não basta que falemos nela todos os dias é também
preciso preparal-a. [sic] E preparar a revolução não é reunirmos em subterrâneos a
fim de combinar planos de assalto - o que, aliás, nunca passou por nossas cabeças
mas que muita gente pensa ser assim. Preparar a Revolução é organizar as classes
operárias. Preparar a revolução é instruir os trabalhadores no conhecimento das
letras e profissões e educal-os [sic] na pratica [...] do amor e da solidariedade.
Quando tivermos feito isso na medida necessária, a revolução virá seguramente,
surgida da disposição natural das causas e sem que seja preciso nos impacientarmos.
A coisa mais certa e infalível deste mundo é nossa vitória – desde que saibamos
querer e preparar. (CANELLAS, 1919, p. 78).
Diante do exposto, observa-se na fala de Canellas uma proposição da necessidade da
organização e da revolução a fim de se fazer uma militância que assegure o sucesso da causa
operária. Enfim, foram apresentadas algumas características e singularidades de Canellas, que
fez parte de uma geração de militantes que contribuíram com a história social dos
trabalhadores do Brasil.
51
3
PANORAMA SOCIAL, POLÍTICO, ECONÔMICO E CULTURAL DAS
CIDADES DE VIÇOSA E MACEIÓ - AL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO
SÉCULO XX.
3.1
Viçosa nas primeiras décadas do século XX: origem, desenvolvimento, economia,
política e cultura.
Campos verdejantes e muita tradição canavieira marcam a história do município
como solo propício a intelectuais, artistas e boêmios que nasceram por lá ou que
chegaram para lá ficar, “de malas e cuias”, como diz o viçosense na sua natural
hospitalidade. Os engenhos, centros aglutinadores da economia local, serviram de
verdadeiros laboratórios de criações espontâneas vindas do corte da cana, das
senzalas, dos barracões e das bodegas. Também inspiraram os senhorezinhos das
casas grandes que entenderam a importância do contexto social em que nasceram e
intelectualizaram suas vivências em forma de história, de ideologia, de poesia e de
folclore. No elenco estão Alfredo Brandão, Octávio Brandão, Olegário Vilela,
Demócrito Gracindo, Teotônio Brandão Vilela, dom Avelar Brandão Vilela e os
componentes da famosa Escola de Folcloristas da Viçosa, formada por Théo
Brandão, José Aluísio Vilela, José Maria de Melo e José Pimentel do Amorim.
Todos nasceram nas casas grandes dos engenhos da Viçosa, com exceção de José
Maria de Melo que nascera no Engenho Flor da Penha, em Capela e, aos dez anos,
foi com os pais para o Engenho Baixa Funda, em Viçosa, onde passou a viver.
(MENDONÇA, 2012, p. 432).
Nessa passagem fica em evidência um aspecto peculiar da cidade de Viçosa, qual seja,
dentre os destaques da municipalidade o aparecimento de intelectuais de destaque a nível
local, estadual e nacional. Com tantos intelectuais, a cultura tornou-se mais um destaque do
município. Porém, antes de adentramos nos aspectos culturais, faz-se necessário conhecer a
origem e desenvolvimento de Viçosa. Segundo Eloi Loureiro Brandão Sá:
Nasceu ao lado de um cruzeiro e de uma ermida de palha, e começou a se
desenvolver ao redor de outra capelinha de madeira, no local onde hoje se encontra a
igrejinha de N. S. do Rosário. Não houve nenhum engenho de açúcar a lhe servir de
berço, mas tão somente um pequeno roçado de algodão plantado na parte não
ladeirosa, onde mais tarde surgiu a Praça do Comércio, atual Praça Apolinário
Rebelo. E até a segunda década do século passado não consta que o povoado tivesse
sido bafejado por qualquer respeitável senhor da aristocracia rural, nem tão pouco
por pessoa credenciada e influente junto ao governo da então Capitania das Alagoas.
As pequenas casas que surgiram no início da Ladeira do Rosário, também de
madeira, foram levantadas por homem rústico e pobre, de origem tão humilde que
até hoje não se conhece o seu sobrenome, ficando na história do lugar apenas como
Manoel Francisco. [...] Foi ele realmente o pioneiro no duplo sentido – econômico e
religioso – porque, além de iniciar a exploração agrícola, o que deu lugar mais tarde,
ao grande desenvolvimento da região, soube, por outro lado, conservar o
fundamento religioso, construindo outra capela no último declive da pequena
ladeira, já na entrada do pequeno vale, onde plantou seus primeiros roçados de
algodão. (SÁ, 2000, p. 29-30).
52
O historiador Alfredo Brandão21 em sua pesquisa afirma que Manoel Francisco fundou
Viçosa em 1790, e que foi elevada a categoria de Vila em 13 de outubro de 1831, passando a
cidade em 16 de maio de 1892. Como descrito, um aspecto fundamental para o
desenvolvimento da cidade foi o incremento da produção agrícola da cana-de-açúcar e do
algodão.
Acerca do desenvolvimento econômico e consequentemente urbano, Eloi Loureiro
Brandão Sá informa:
Se é certo que o desenvolvimento urbano de Viçosa teve início na última década do
século passado [XIX], também não há dúvida de que a construção da estrada de
ferro contribuiu fundamentalmente para isso. Já o historiador Alfredo Brandão
afirmava: “O verdadeiro progresso de Viçosa, pode-se dizer, data do ano de 1891
com a inauguração da via férrea, a qual se realizou na tarde do dia 24 de dezembro,
entre aclamações festivas e delirantes do povo. O vigário Loureiro e o abastado
comerciante coronel Manoel Joaquim de Siqueira Sá ofereceram um baile ao
crescido número de pessoas de Maceió, que tinham ido assistir à inauguração. Entre
as pessoas notavam-se o Governador do Estado, os secretários e o chefe de polícia.
A vila regurgitava em festa. Campônios com seus trajes domingueiros aí haviam
acorrido pela novidade da chegada a vapor”. [...] “De todos os pontos do Estado
vinham comerciantes se estabelecer na vila; houve uma verdadeira febre de
construção, as ruas aumentavam de extensão, surgiram outras, de modo que, ainda
mesmo antes da inauguração da via férrea, a Assembleia quase que já tinha
duplicado. Para isso também concorreu o preço do açúcar, que teve uma alta bem
animadora após um longo interregno de desvalorização. A aura do progresso que se
fazia sentir na vila estendeu-se por todo o município. Os engenhos multiplicaram-se,
passando o seu número de 70, sendo muitos movidos por máquinas a vapor. O
algodão, que depois do açúcar constituía o mais poderoso elemento da riqueza do
município, teve também uma animação em seu preço”. (SÁ, 2000, p. 99-100).
Com o desenvolvimento econômico, Viçosa tonou-se forte economicamente tornandose a maior economia do interior e a segunda maior cidade do estado. O incremento da
produção da cana-de-açúcar e o algodão influenciaram o auge da cidade visualizada nas
experiências sociais, políticas e culturais. Para exemplificar a expansão ocorrida a partir do
incremento da produção e escoamento através da linha férrea, Brandão Sá apresentou as
mudanças ocorridas, no que se refere ao desenvolvimento da cidade em aspectos sociais,
econômicos e culturais, como: numerosas construções entre 1890 e 1910, aberturas de novas
ruas, instalação de escolas públicas e particulares, aumento populacional, surgimento de
jornais, fundação da Sociedade Instrutora Viçosense em 1894, fundação da Sociedade Amor e
21
O historiador Alfredo Brandão apresentou em 12 de junho de 1910 uma palestra no Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas (IGAHL) acerca de um estudo de vestígios pré-históricos em Viçosa. Relatou ter ido a
um lugar conhecido como “Chão dos Cacos”, nas adjacências do sítio Cachoeira Grande, local fértil onde
predominou a agricultura. No sítio encontrou muitos cacos, cachimbos, vasos em seu solo. Outro local que
realizou a pesquisa foi no Riacho Riachão, na localidade constatou pedras graníticas, machados de pedra polida,
desenhos elípticos, que segundo o historiador parecia uma forma de escrita primitiva. Enfim, indícios de
ancestrais indígenas que viveram no período paleolítico, com algumas técnicas do neolítico em suas práticas.
Ver: BRANDÃO, Alfredo. Viçosa de Alagoas: o município e a cidade: notas historicas, geografhicas e
archeologicas. São Paulo: Plátono Comunicação, 2005. p. 7, 37, 235, 56.
53
Caridade em 1903, fundação do Teatro Carlos Gomes em 1903, entre outros exemplos.
Enfim, segundo o autor:
Esse rápido desenvolvimento, tanto material como sócio-cultural, pode ser
observado como fato inédito na história de uma pequena cidade, pois dificilmente,
no século passado, um núcleo urbano do interior nordestino teria alcançado em
poucos anos tão brusca transformação. (SÁ, 2000, p. 101-103).
No Álbum do Centenário de Viçosa22 são acrescentadas informações referentes à
expansão do desenvolvimento econômico, marcado pelo surgimento e aperfeiçoamento de
indústrias do setor agrícola (engenhos, fábricas de rapadura, etc.) que surgiram em 1820,
segundo Alfredo Brandão. No final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX
ocorre o avanço industrial, condicionado a via férrea, incrementado pelo grande número de
engenhos, conforme o comentário:
Dessa época [1891] até alcançar o ano de 1915, o numero de engenhos atingiu a
mais de 100, compreendendo mais de 35 movidos a vapor, tendo diminuído
muitissimo [sic] o seu numero [sic] desde 1915 para cá, em virtude de a plantação de
algodão ir tomando o logar [sic] da cana de assucar [sic], e abrangindovultoza [sic]
escala a sua produção. [...] O assucar[sic] que anteriormente constituía a verdadeira
e concreta riqueza de Viçoza, [sic] foi de subito [sic] suplantado pelo algodão que a
meu ver [Aluizio Vasconcelos], ainda hoje forma inegavelmente a sua real fonte de
riqueza. (ORGANIZAÇÃO SOCIEDADE DOS AMIGOS DE VIÇOSA, 2008, p.
73).
Em virtude da queda no preço do açúcar, a indústria algodoeira terminou tonando-se a
principal atividade industrial do município, que aliada à valorização da lã, proporcionou
maiores lucros, alcançado notável produção entre 1910-1930:
E de 1910 para 1930, alcançou essa manufaturacãodiaria [sic] uma extraordinaria
[sic] cifra de uns 21.000 quilogramas, quantidade esta que comprova evidentemente
o grande grau de progresso que tomou o aspecto industrial de Viçoza, [sic] num não
muito alongado espaço de anos. (ORGANIZAÇÃO SOCIEDADE DOS AMIGOS
DE VIÇOSA, 2008, p. 82).
A partir da prosperidade econômica urge fazer uma ressalva acerca das condições da
sociedade viçosense. Entretanto, é oportuno citar uma observação de Eloi Sá a respeito dos
dados estatísticos da população e respectivamente dos aspectos urbanos em que viveram a
sociedade de outrora. Vejamos:
Na primeira metade do século XIX e até a década de 1860/70, continuavam muito
vagas as referências sobre o aspecto urbano da Vila. A ausência de dados estatísticos
sobre a população, prédios e vias públicas não permite avaliar o seu crescimento sob
22
Para maiores informações referentes ao desenvolvimento econômico de Viçosa ver: SOCIEDADE DOS
AMIGOS DE VIÇOSA (Org.). Álbum do Centenário de Viçosa: 13 de outubro de 1831, 13 de outubro de
1931. Brasília, DF: Plátano, 2008. p. 66-112.
54
o ponto de vista geral. Apenas através de orçamentos municipais muito restritos,
controlados por leis e resoluções do governo provincial, podia-se saber que na vila
havia ruas e praças, para cuja limpeza era destinada uma insignificante verba. É que,
nessa época distante, as Câmaras Municipais não dispunham de recursos suficientes
destinados ao progresso das cidades e vilas do interior. Iluminação e limpeza
públicas, calçamento, açougues e matadouros, construção de pontes e outros
melhoramentos, tudo era muito precário, ficando ao sabor de verbas muitas vezes
irrisórias. [...] As informações estatísticas fornecidas por Espíndola, em 1871,
embora não mencionem as ruas, dão-nos uma idéia geral do aspecto urbano da vila:
“Principia a florescer pela sua grande cultura de algodão, cujo comércio seria muito
mais desenvolvido se não foram as péssimas estradas; tem mais de 220 fogos, alguns
sobrados, e é maior que Quebrangulo; uma coletoria, uma agência de rendas
provinciais e outra de correio, e duas escolas de primeiras letras, uma para cada
sexo”. “A sua povoação é de 10.991 habitantes, 10.111 livres e 880 escravos. O
número de batizados monta anualmente de 700 a 800, dos casamentos a 100 e dos
óbitos de 150 a 200”. (SÁ, 2000, p. 88, 93, 94).
Embora as informações sejam referentes às décadas finais do século XIX, é importante
ressaltar o número de habitantes e as condições relacionadas ao espaço urbano. Segundo
Alfredo Brandão, em 1900 a população de Viçosa segundo o recenseamento de 1890:
[...] recenseamento de 1890 o município accusou [sic] uma população de 30.000
habitantes, e pelo de 1900 a cifra elevou-se a 39.821. Vê-se portanto, que num
deccenio [sic] houve um augmento [sic] de perto de 10.000, e como já decorreram
treze anos depois do ultimo recenseamento, acho que se pode hoje calcular em
53.000 o numero dos habitantes. A população da cidade, tambem [sic] pelo ultimo
recenseamento, era de 6.000 habitantes. Sem exagero presumo que atualmente ella
[sic] anda proxima [sic] de 8.000. No perímetro urbano existem perto de 2.000
casas. (SÁ, 2000, p. 201).
Nesse sentido, referências à sociedade do século XX do município foram descritas por
Octávio Brandão e transcritas por Brandão Sá:
Sob o título “A Paisagem Social”, deixou-nos o escritor Octávio Brandão, através de
correspondência particular, interessantíssimas impressões sobre Viçosa nos
primeiros anos do século atual [XX]. Dessas impressões focalizamos aqui alguns
trechos: “Em Viçosa, no começo do século XX, o ambiente, muito atrasado, estava
cheio de sobrevivências feudais. A cidade era rodeada de plantações de cana-deaçúcar, nos engenhos. Aí viviam numerosos trabalhadores rurais, especialmente
negros, entre os quais dominavam crendices e superstições”. [...] “No princípio do
século XX a sociedade viçosense já era bastante complexa. Abarcava os mais
diversos grupos, classes e tipos sociais. Quais? Os operários da construção civil e o
descaroçador de algodão. Os padeiros. Uns poucos ferroviários, os mecânicos das
máquinas a vapor nos engenhos. Muitos artesãos – trabalhadores a domicílio,
alfaiates, sapateiros, ferreiros, funileiros, estes faziam objetos de folha de flandres.
Os empregados do comércio ganhavam 30 mil réis mensais, com comida e
trabalhavam cerca de 12 horas diárias”. “Entre os tipos urbanos, destacamos:
pequenos comerciantes, funcionários públicos e elementos das profissões liberais,
grandes e médios comerciantes, compradores de algodão e cereais, fornecedores
ligados diretamente aos agentes e corretores de Maceió, principalmente em
Jaraguá”. (SÁ, 2000, p. 88, 94).
Esses informes complementares de Octávio Brandão dão uma dimensão da sociedade
viçosense, que em meio aos avanços econômicos, enfrentavam, segundo o autor, alguns
55
problemas, no que se refere às jornadas de trabalho, por exemplo. Nesse sentido, como era
exercida a administração (política) em Viçosa? Como em outras cidades do Brasil, a política
em Viçosa possuía características alusivas à política conservadora típica do período:
nepotismo, utilização do bem público em detrimento de benefícios pessoais, autoritarismo,
etc. Em consonância com esse discurso, José Evilasio Torres apresenta algumas
características da política em Viçosa:
Inda que a moralidade política dos tempos modernos faça chefismo a caput em que
se emmalhête [sic] adequadamente o capacête [sic] das desordens governamentaes
[sic], deve-se notar que tanto nos bons tempos do imperio [sic] como nos da nossa
cançada [sic] republica [sic], os chefes de partidos são de grande realce no equilíbrio
da politica [sic], mormente nos casos das convulsões intistenas [sic] que os
reclamam para organisar [sic] e dirigir os destinos dos governos municipaes [sic],
emquanto [sic] que o prefeito se mobilisa [sic] dentro do programma [sic]
administrativo. [...] O chefe politico [sic] é uma entidade complexa no municipio
[sic], é um typo [sic] de senhor de engenho, com poderes tambem [sic] complexos
que abrangem desde o cabo da policia [sic] até mesmo os negocios [sic] da egreja
[sic]. A sua palavra é a chave com que se facham todos os movimentos politicos
[sic] e administrativos do logar [sic] que chefiam. [...] Viçosa teve o seu
decemvirato [sic] politico [sic], representado por dez chefes que se succederam [sic]
obedecendo as intemperies [sic] dos partidos, quedas ou creações [sic] de gabinetes.
(ORGANIZAÇÃO SOCIEDADE DOS AMIGOS DE VIÇOSA, 2008, p. 41-42).
Foi nesse contexto (social, econômico, político) que Antonio Bernardo Canellas viveu
em sua curta passagem por Viçosa. Embora chegando em 1915 e encontrando uma cidade
com mais de 23 anos de emancipação, teve uma experiência participativa e envolvente nas
discussões políticas, econômicas, sociais e culturais.
Em relação a estes últimos aspectos, Viçosa foi marcada por uma vida cultural
fervorosa, sendo, conhecida como “Atenas das Alagoas”. Os intelectuais desenvolveram
jornais23 (entre eles Canellas), poemas, obras literárias, gêneros musicais, associações de
incentivo à educação (Liga contra o analfabetismo, Instrutora viçosense), teatro, dentre outros
exemplos.
O folclore alagoano, por exemplo, teve suas origens em Viçosa, conforme o folclorista
Simões:
23
No Álbum do Centenário de Viçosa (p.162/171) foram listados os seguintes jornais, seguindo uma ordem
cronológica: A MOCIDADE (1873); O ASSEMBLEENSE (1876); O CAMPONEZ (1888); VIÇOSENSE
(1893); O MUNICIPIO (1894); VENUS (1895); VINTE E DOIS DE ABRIL (1900); O DILUCULO (1904);
ADRIANO JORGE (1904); ECHO VIÇOSENSE (1906); A CARIDADE (1908); O JORNAL (1916);
TRIBUNA DO POVO (1916); ALBOR (1916); CORREIO DE VIÇOSA (1917); O SOL (1917); O
PROGRESSO (1918); ALMANACH DE VIÇOSA (1919-1922); O ZEPPELIN (1919); O VIÇOSENSE
(1921); O FANAL (1921); O DEVER (1921); A SERRANA (1921); A LANCÊTA (1924); O COLIBRI
(1925); O GYNASIO (1924); GAZETA DE VIÇOSA (1928); JORNAL DE VIÇOSA (1919); O PROVIR
(1930).
56
Os folcloristas admitem que os primeiros guerreiros apareceram nesta microrregião
entre os municípios de Viçosa, Chã Preta e União dos Palmares. Os senhores de
engenho promoviam as apresentações e vestiam os grupos com o garbo dos festejos
lusitanos com fitas e alforjes nas cores da bandeira portuguesa. Tem como figurantes
o mestre, a rainha, o índio Peri e seus vassalos, embaixadores, general, mateus,
palhaços, lira, caboclinho de lira, estrela de ouro, banda da lua, estrela republicana,
borboleta e sereia. O mestre traz na cabeça um chapéu em forma de igreja ricamente
decorado com contas, fitas, areia brilhante e espelhos, que servem para afugentar os
maus espíritos. [...] As comemorações religiosas também eram festejadas nas casas –
grandes, atendendo à tradição católica portuguesa de seus proprietários. [...] As
apresentações do reisado e do guerreiro eram, na época, os entretenimentos
preferidos de todas as classes sociais. (MENDONÇA, 2012, p. 433).
Muito do que se sabe atualmente acerca da cultura popular de Viçosa deve-se em parte
aos literatos que registram as festas, as motivações, enfim, registraram os acontecimentos da
cultura local. Um grupo de intelectuais desenvolveu estudos a respeito da cultura da cidade,
ficando conhecidos como grupo da “Escola de Viçosa”. O grupo era composto pelos seguintes
intelectuais, citados na citação abaixo:
Dos intelectuais de Viçosa destaca-se o quarteto formado por Théo Brandão, José
Maria de Melo, José Aloísio Vilela e José Pimentel do Amorim, que se dedicaram
ao estudo da cultura popular do município. Dividiram as áreas de pesquisa, cada um
deles dedicando as temas específicos. Théo Brandão fixava-se principalmente nos
folguedos tradicionais, guerreiros, reisados, pastoris, baianas; José Maria de Melo,
nos contos, sentinelas, advinhas e falácias; José Aloisio Vilela, na poesia popular, na
dança do coco, repentistas e cantadores; José Pimentel do Amorim, na medicina
popular, curandeirismo, rezas e benzeduras. [...] Quem denominou o quarteto de
Escola de Folcloristas de Viçosa foi Manuel Diegues Júnior. [...] Com essa escola de
estimuladores e de estudiosos das manifestações populares é natural que Viçosa
passasse a ser, entre seus outros atributos, o celeiro da cultura popular de alagoana.
(MENDONÇA, 2012, p. 434).24
Outro destaque de Viçosa corresponde à poesia de Manoel Neném e Zé do
Cavaquinho responsável pela originalidade e cadência rítmica do chorinho. O autor: “Zé do
Cavaquinho, boêmio, trovador, compositor e músico, deixou entre suas composições mais
conhecidas o Escorrego do urubu [...] Outras composições resgatadas são Tromba d‟ Água,
Dessendo [sic] a Serra e Lagartixa”. (MENDONÇA, 2012, p. 432).
É possível observar que em Viçosa houve de fato uma efervescência cultural e que a
intelectualidade foi algo imprescindível para preservação da memória do município e por que
não dizer do Estado, tendo em vista, o patrimônio cultural. A defesa pela educação foi
24
Théo Brandão deixou as seguintes obras: Folclore e educação infantil (artigo, 1931); Folclore de Alagoas
(1949); Trovas populares de Alagoas (1951); O reisado alagoano (1953); Folguedos natalinos de Alagoas
(1961); O guerreiro (1964); O pastoril (1964); Duas raras formas de poesia (1979). Uma observação em 20
de agosto de 1975, a Universidade Federal de Alagoas criou o museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore.
Com relação às obras de José Maria de Melo o mesmo deixou duas obras: Enigmas populares e o Canoés. José
Aloísio Vilela publicou entre outras obras O coco alagoano, em 2° edição O folclore de Alagoas e Aspectos da
cultura popular de Alagoas. Já José Pimentel do Amorim publicou Medicina popular em Alagoas. 2. ed.
(1964).
57
prioridade, sendo fundada uma associação, como descrito ao longo do texto, sem falar do
incentivo ao teatro e cinema como se pode observar no comentário:
De 1916 a 1922, uma intelligencia [sic] aguçada fez reviver em nosso meio o antigo
enthusiasmo [sic] pela arte dramatica [sic]. Ovidio Edgard, instituiu na sociedade
viçosense o gosto e o ensino pelo theatro [sic]. Dramaturgo, as suas peças para a
juventude, tinham a belleza [sic] e a forma das magnificas concepções do seu
espírito moço. Deixou no palco, os traços admiráveis da sua grande mestria. [...] Em
1911, Manoel Costa fundou o Cinema Edson, com séde [sic] na rua do Joazeiro
[sic], num armazém [sic]funccionando [sic] 4 vezes por semana. Em 1914, esse
cinema fechou-se por ter o seu proprietário [sic] fixado residencia [sic] na cidade de
Penedo. Em 1915 uma empreza [sic] composta do Snr. Honorato Sá e Drs. Manoel
Brandão Villela e Manoel Brandão, adquirio [sic] por compra o Cinema Edson que
passou a denominar-se Cinema Aliança. (ORGANIZAÇÃO SOCIEDADE DOS
AMIGOS DE VIÇOSA, 2008, p. 57-58).
Outras iniciativas que foram postas em prática diz respeito à sociedade Amor e
Caridade que manteve um hospital na cidade. Outras associações foram citadas como a
Instrutora viçosense, inclusive as de caráter religioso, como: a Sociedade de São Vicente de
Paulo, a Confraria do Rosário, a Associação dos santos anjos, etc. Com isso, conhecemos um
pouco da história de Viçosa, uma cidade marcada por avanços econômicos, demográficos, de
infraestrutura, mas que ao tempo vivenciou as contradições advindas do sistema capitalista.
Entretanto, é digno de nota e respeito às ações idealizadas e postas em prática pelos
intelectuais, cidadãos comuns, enfim, pessoas anônimas, que se dedicaram em seus propósitos
e ideais durante o final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX por uma cidade
que oportunizasse educação e conhecimento enquanto ideal defendido pelos que se dedicaram
a causa em Viçosa – AL.
3.2
Maceió antes da segunda década do século XX
Em 1839, a cidade de Maceió foi definida como a nova capital da província de
Alagoas25. Essa mudança ocorreu em virtude da localização do Porto do Jaraguá, local
apropriado para exportação de produtos, como madeira e algodão26 e a partir dela iniciou-se o
processo de urbanização ao longo do século XIX. Do mesmo modo, em decorrência do
fortalecimento de grupos políticos pela economia açucareira, tornou-se então a principal
municipalidade econômica e consequentemente demográfica da região.
25
BARROS. Theodyr Augusto de. O Processo de Mudança da Capital: Alagoas – Maceió. uma abordagem
histórica, 1819-1859. Maceió: EDUFAL, 1991.
26
LINDOSO, Dirceu. Ruptura e continuidade na cultura alagoana. In: ______. A interpretação da província:
estudo da cultura alagoana. Maceió: EDUFAL, 2005. p. 77-78.
58
Sobre o desenvolvimento do Estado (Alagoas) e da capital alagoana são discutidas
algumas possibilidades pelos historiadores. Segundo Craveiro Costa27, o desenvolvimento do
município de Maceió é iniciado a partir da implantação da República em 1889, pois foi com a
implantação deste regime que o município passou a ter autonomia administrativa e financeira.
O município passou a receber consequentemente, investimentos do poder público, como
também novos olhares acerca da potencialidade local são incentivados e postos em prática.
Segundo o autor, a modernização de Maceió inicia-se com o advento da República e, nesse
sentido, Costa argumenta:
Assim, muito teriam que fazer como tiveram as administrações municipais
inauguradas com a República. O necessário era fazer a cidade; urbanizá-la como que
para lhe tirar os ares passadistas que tinha. Abrem-se e alargam-se ruas; constroemse praças. O alinhamento é uma coisa necessária, e embora já a ele se referissem
jornais dos meados do século XIX (o Diário das Alagoas, por exemplo), o certo é
que nunca foi cumprido. Os intendentes, depois denominados prefeitos, procuraram
endireitar as velhas ruas da cidade, ruas cheirando a peixe frito, a tapioca, a arrozdoce, vendidos nas esquinas, em tabuleiros enfeitados com papel de seda cortado em
desenhos ou figurinhas de variadas cores-verde, amarelo, vermelho, azul; ruas cheias
de negras trajando vistosos chalés e turbantes de cores fortes na cabeça; essas ruas
transformam-se e modificam-se. (COSTA, 2001, p. 157).
O historiador Douglas Apratto Tenório28 indica outro argumento. Para ele, o
desenvolvimento do Estado e da capital iniciou-se a partir da segunda metade do século XIX,
com o processo inicial de modernização da cidade. O início foi marcado com a chegada das
ferrovias, de novos hábitos sociais, com o aumento no número de jornais, inclusive, com
desenvolvimento no que se refere ao uso de novas tecnologias e aperfeiçoamento, também
comentados por Moacir Medeiros de Sant‟Ana29.
Já Manuel Diegues Júnior30 faz referência ao início do século XX como sendo um
período de expansão urbana, uma verdadeira mudança em relação à antiga cidade, e
exemplifica, referindo-se ao início do século XX, como um momento de culminância da
expansão urbanística. Surgem novas ruas, praças públicas, novos serviços, etc. Félix Lima
Júnior31, em seus relatos do passado, com um tom de nostalgia, assim, como Manuel Diegues
Júnior, fala sobre a antiga cidade e consequentemente das mudanças proporcionadas pelo
advento da República.
27
COSTA, Craveiro. Maceió. Maceió: Edições Catavento, 2001. p. 155.
TENÓRIO, Douglas Apratto. O início da modernização na província de Alagoas. Revista do CCHLA/ UFAL,
Maceió, ano 2, n. 4, p. 66-75, jun.1987.
29
SANT‟ANA, Moacir Medeiros de. História da imprensa em Alagoas. Maceió, Arquivo Público de Alagoas,
1987. p. 42-49.
30
DIEGUES JÚNIOR, Manuel. Evolução urbana e social de Maceió no período republicano. In: COSTA,
Craveiro. Maceió: Edições Catavento, 2001. p. 200-219.
31
LIMA JÚNIOR, Félix. Maceió de outrora. Organização e apresentação por Rachel Rocha. Maceió: EDUFAL,
2001. v. 2, p. 19-65.
28
59
Osvaldo Maciel (2009, p. 45-84)32, em sua pesquisa sobre os trabalhadores, apresenta
no recorte temporal de seu estudo, as modificações no espaço urbano e respectivamente as
relações trabalhistas e sociais entre o final do século XIX e início do século XX (1895-1905).
São interpretações que oferecem possibilidades para compreendermos as mudanças
correspondentes ao desenvolvimento do Estado e da capital alagoana. Independentemente de
este desenvolvimento urbano baseado no capitalismo ter iniciado desde meados do século
XIX ou apenas com o advento da República, o certo é que ele possibilitou também o
surgimento das contradições típicas do capitalismo, configurando-se de maneira mais clara as
posições das classes.
É nesse contexto que nosso tipógrafo publica seu periódico “A Semana Social”, em 30
de março de 1917. Independentemente do início do desenvolvimento de Maceió, seja ele a
partir de meados do século XIX ou com o advento da República, Canellas vivenciara
juntamente com a sociedade do período, as “mudanças”, “desenvolvimento” e os “problemas”
advindos do contexto social, político, econômico e cultural existente no Brasil em
consonância ao que acontecia internacionalmente.
3.3
A sociedade maceioense: crescimento, organização e fragilidades
No período entre 1900 e 1920, a população de Maceió era a seguinte: em 1900, 36.427
habitantes; em 1910, 45.000 e em 1920 o contingente era de 74.166 habitantes.33 Osvaldo
Maciel fez uma comparação com duas outras capitais do Nordeste, Salvador e Recife, tecendo
o seguinte comentário:
Embora Maceió, em números absolutos, esteja num patamar diferenciado em
comparação com Salvador e Recife, entre 1872 1920, ela inicia-se numa curva de
crescimento populacional semelhante às destas duas capitais nordestinas.
Aproximadamente, em 1872 a população de Maceió correspondia a quase 1/5 da
população soteropolitana e a cerca de 1 /4 da população recifense. Até 1920, esta
proporção chagará a aproximadamente menos de 1/4 em relação à primeira e 1 / 3
em relação à segunda. No que se refere às taxas de crescimento apresentadas aqui,
no entanto, as três capitais formam uma linha de crescimento muito lento numa
primeira fase (1872-1900), enquanto que numa segunda fase (1900 – 1920) tal
evolução acentua-se, principalmente para os casos de Maceió e Recife. (MACIEL,
2009, p. 48-49).
32
Para aprofundamento acerca das relações trabalhistas e identificação de classe ver: MACIEL, Osvaldo Batista
Acioly. Trabalhadores, identidade de classe e socialismo: os gráficos de Maceió (1895 – 1905). Maceió, 2009.
p. 45-84. MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. A perseverança dos caixeiros: o mutualismo dos trabalhadores do
comércio em Maceió (1879 – 1917). 2011. 275 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2011.
33
MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. Trabalhadores, identidade de classe e socialismo: os gráficos de Maceió
(1895 – 1905). Maceió, 2009 p. 48. Outras informações sobre dados de número de casas, estrangeiros etc.
encontram-se In: COSTA, Craveiro. Maceió: Edições Catavento, 2001. p. 159.
60
O autor deixa evidente que a segunda fase (1900 – 1920) correspondeu a uma
acentuada evolução populacional em Maceió e Recife. Esse fato pode estar associado ao
desenvolvimento de investimentos econômicos em Maceió iniciados desde a primeira metade
do século XIX. Com isso, a cidade tornou-se atrativa para o comércio, para o sonho de
melhores oportunidades para aqueles que viviam em condições precárias e que foram
expulsos das áreas rurais pela ampliação dos canaviais. Houve também uma migração dos
filhos dos coronéis para estudarem e obterem uma melhor educação e ascensão profissional.
No entanto, como acontece ainda hoje, nas cidades em que o crescimento demográfico
aumenta em virtude das necessidades e busca de melhores condições de vida, faz com que
apareçam os problemas advindos da falta de políticas públicas que corresponda às
expectativas sociais.
A sociedade, nesse sentido, enfrentou alguns problemas advindos do processo de
modernização de Maceió, sobretudo, os trabalhadores urbanos que segundo Alice Anabuki
Plancherel34 faziam suas reivindicações, desde o início do século XX em Alagoas:
Em Alagoas, na história das lutas da classe trabalhadora por melhores condições de
vida e trabalho, há inclusive aqueles que acumulam experiências de revoltas
organizadas desde os primeiros anos do regime republicano no Brasil (1891, 1892,
1900, 1909, 1913 e 1920); trata-se do caso, por exemplo, dos estivadores,
lancheiros, carroceiros, trapicheiros, ferroviários da Great Westem Brazil Railway e
operários da estação de Estrada de Ferro Alagoas Railway (SANT‟ANA: 1987). A
destacada posição que a organização desses trabalhadores ocupa no movimento
sindical e operário brasileiro, no início do século XX, explica-se, segundo alguns
autores, pelas atividades estratégicas da economia e às quais ligavam-se, na época,
as ferrovias e os portos. (PLANCHEREL, 1997, p. 61).
Dentre as profissões citadas pela autora, acrescentam-se vendedores, que
comercializavam os mais variados produtos e serviços. Esses serviços adentravam-se pela
noite iluminados pelos querosenes35 demostrando a necessidade que tinham os vendedores
para adquirirem os meios pecuniários necessários para sobrevivência. Uma vida nada fácil
também era a dos estivadores e trapicheiros. Além de estarem envolvidos em um duro serviço
braçal e serem mal remunerados, se encontravam em condição de subemprego, fazendo com
que enfrentassem outras funções para complementarem suas rendas. Acerca dessas
dificuldades e execuções de outros serviços, Maciel faz um comentário sobre os referidos
profissionais:
34
Alice Anabuki Plancherel apresenta em seu estudo as origens do proletariado e lutas de classe na Primeira
República em Alagoas. In: PLANCHEREL, Alice Anabuki. Memória e omissão: anarquismo e Octávio
Brandão. Maceió: EDUFAL, 1997. p. 39-59.
35
LIMA JÚNIOR, Manuel. Evolução urbana e social de Maceió no período republicano. In: COSTA,
Craveiro. Maceió: Edições Catavento, 2001. p. 206.
61
Assim, uma melhor forma de melhorar o ganho [dos estivadores e trapicheiros]
consistia em ir abaixo das pontes dos trapiches com açúcar, nas marés baixas, e
colocar „latas vazias de querosene ou de banha, para aparar o melaço que escorria [...
para depois vende-los] a donos de carroças e de vacarias, que preparavam ótima
garapa para os animais‟.
Com ganhos parcos, estes trabalhadores necessitavam complementar a renda,
mesmo que utilizassem de um artifício que os desclassificaria ainda mais enquanto
portuários. (MACIEL, 2009, p. 52-53).
Outros profissionais como os ferroviários, segundo o mesmo autor, enfrentavam entre
1895 e 1905, jornadas excessivas de trabalho, sem falar dos baixos salários e acidentes por má
conservação da linha férrea em alguns trechos. Refletindo as condições trabalhistas e sociais
dos operários das fábricas alagoanas, Maciel descreve o processo e as condições dos
trabalhadores na linha de produção da fábrica e de suas execuções no trabalho:
De forma resumida, este processo de confecção e acabamento do tecido constitui-se
de três etapas: a preparação da (e a) fiação; a tecelagem propriamente dita; e o
acabamento do tecido. Esta divisão do trabalho permitia a utilização, em
determinados setores, de mão –de – obra não especializada e de crianças, reduzindo
aos outros setores. Os homens, ao que parece, eram concentrados principalmente na
primeira seção do primeiro prédio e nas duas primeiras e na quarta do segundo
prédio, onde se exigia maior força braçal. (MACIEL, 2009, p. 85).
A respeito das características que observamos no transcorrer do texto é possível
identificar, que a sociedade alagoana e maceioense enfrentava dificuldades advindas desde o
início do século XX e que em 1917 ainda persistiam os mesmos problemas, segundo as
reportagens do periódico. No campo, a situação não era diferente, na segunda década do
século, ocorrendo inclusive campanha pela reforma agrária36, algo que Canellas se
posicionará diante de tal situação.
Dando continuidade à observação dos aspectos sociais faz–se necessário citar o alto
índice de analfabetismo37 em Maceió. Nesse sentido, a sociedade encontrava-se diante de
necessidades correspondentes à falta serviços de saúde pública, saneamento educação,
assistência social, ausência de direitos trabalhistas, infraestrutura precária da cidade, moradia,
enfim, políticas públicas que desempenhassem o papel que lhes caberia.
3.4
O cenário político em Alagoas: oligarquia e velhos costumes
Ainda hoje é possível observar que nas questões concernentes à política, o estado
alagoano mantém algumas características advindas de sua formação histórica. Como exemplo,
podemos citar a origem histórica das relações estabelecidas por laços econômicos, iniciados
36
Maiores informações disponíveis in. PLANCHEREL, Alice Anabuki. Memória e omissão: anarquismo e
Octávio Brandão. Maceió: EDUFAL, 1997. p. 68-72.
37
Os dados referentes às taxas encontram-se no tópico referente à conjuntura política.
62
no período colonial, período esse, marcado por uma sociedade senhorial. Uma sociedade
organizada em função da economia açucareira38, que manteve e mantém na política, estruturas
de dependência, troca de favores e falta de investimentos em outros setores econômicos, que
proporcionem mudanças na política, economia, cultura e sociedade. Entretanto, é necessário
acrescentar que a política nacional durante a Primeira República foi marcada pelo
coronelismo e pela política oligárquica, que segundo Edgard Carone39 “demostrou ser a base
estrutural da organização social, política e econômica da Primeira República (1889-1930)”.
A partir da implantação do regime republicano em 15 de novembro de 1889,
modificam-se as estruturas políticas e administrativas, porém são mantidas algumas atitudes
do Império, no que se refere aos antigos hábitos culturais relacionados à política, quais sejam:
indicações, manipulação nas indicações políticas, troca de favores e aristocratização política.
Nesse contexto, enquadram-se as oligarquias municipais, com forte participação e aliança
com os proprietários rurais, estruturados economicamente, onde os governantes adotavam
uma política de amizade, política esta que predominava e predomina, mantendo ligação com o
setor economicamente ativo do Estado alagoano, o setor canavieiro.
Para termos uma ideia, na primeira década do século XX, o estado de Alagoas foi
governado pela oligarquia de Euclides Malta40 (1900-1912) e essa oligarquia como as demais
precedentes, tinham ligações com bases políticas da mata açucareira. Podemos dizer, nesse
sentido, que no período em que Canellas esteve em Alagoas (1916-1917), a política tem como
característica uma hereditariedade fortemente ligada com velhos banguês41 coloniais.
O governador de Alagoas no período em que o editor d‟ A Semana Social estava no
Estado era João Baptista Accioly Júnior.42 Ele assumiu em 12 de junho de 1915 e permaneceu
até 12 de junho de 1918. Seus antecedentes, tomando como referência as duas primeiras
décadas do século XX, foram: o governo da oligarquia Malta (1900-1912), seguido pelo
38
Em relação à economia açucareira, faremos um aprofundamento no tópico referente à economia e os aspectos
culturais no transcorrer do texto. (Item 1.4).
39
CARONE, Edgard. A primeira república (1889-1930): corpo e alma do Brasil. Rio de Janeiro: Difel, 1976.
p. 67-128.
40
A oligarquia Malta governou durante o período (1900-1912). Durante esse período, os irmãos Euclides Vieira
Malta (1900-1903) e Joaquim Paulo Vieira Malta (1903-1906) revezaram-se no poder. A Era Malta foi
derrubada através de uma rebelião popular - ocorrida no contexto nacional das Salvações – que ao fim elegeu
para governador Clodoaldo da Fonseca.
41
Para uma melhor compreensão da funcionalidade e estruturação colonial do banguê ver: DIEGUES JÚNIOR,
Manuel. O bangüê nas Alagoas: traços da influência do sistema econômico do engenho de cana de açúcar na
vida e na cultura regional. 3°. ed. Maceió: EDUFAL, 2006.
42
João Baptista Accioly Júnior nasceu em Maragogi AL em 19/08/1877 faleceu em 09/08/1928. Deputado
Federal, governador, engenheiro, agropecuarista. Filho de João Batista Acióli e Antonia Vieira Acióli. Maiores
informações encontram-se disponível em: BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas:
dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. Brasília, DF: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2005. p. 31.
63
governo de Clodoaldo da Fonseca43. O que chama a atenção em todos esses governadores são
suas práticas e continuidades em relação à manutenção de uma estrutura oligárquica, ligada
economicamente à troca de favores para manutenção do status quo. Nesse sentido, Douglas
Apratto Tenório44 tece o seguinte comentário:
O ruir dos alicerces do alongado governo maltino em 1912 é erroneamente
considerado pelos historiadores como o fim da era das oligarquias em Alagoas.
Nada mais falso. O governo de Clodoaldo Fonseca significa uma ponte entre as
oligarquias que acabavam e as outras que se reestruturavam sob a orientação de
Fernandes Lima, o verdadeiro cérebro da deposição de Euclides Malta. (TENÓRIO,
1997, p. 128).
Sobre João Batista Acioli Júnior, ele afirma:
Na sequência, fez o sucessor, Batista Acioli, um sisudo proprietário de terras de
Maragogi que, por não querer dar mostra de vassalagem total ao líder camaragibano,
enfrentou sérios atritos, chegando a um quase rompimento que não se consumou.
Continuou com o poder de mando intacto. Fernandes Lima foi eleito e reeleito
substituindo Euclides Malta como caudilho. (TENÓRIO, 1997, p. 128).
É nesse contexto sócio-político, que nosso tipógrafo encontra-se juntamente com a
sociedade de sua contemporaneidade, características que podem ser relacionadas a outras
esferas administrativas do poder público como, por exemplo, os chefes municipais, que
juntamente com os proprietários, por interesses pessoais aderiam às táticas e estratégias de
dominação e manutenção no poder.
As ações governamentais nesse período correspondem, respectivamente, ao
desenvolvimento que havia sido iniciado por governos antecedentes na última década do
século XIX.45 Como exemplo desses, Euclides Malta inaugurou alguns prédios como o
Palácio do Governo e o Tribunal de Contas, obras de modernização iniciadas por governos
anteriores. A conclusão e inauguração dessas obras terminaram enaltecendo sua imagem
pessoal. As obras empreendidas em certos aspectos buscavam a melhoria da cidade, ou seja,
do ordenamento urbano nas ruas, calçamentos, praças, prédios públicos46. No entanto, era
notável a falta de assistência às necessidades mais básicas das classes e camadas populares
que compunham a sociedade. O que se via era um governo elitista e que naturalmente
43
Clodoaldo da Fonseca nasceu no Rio de Janeiro12/03/1860 faleceu em 24/03/1936. Governador, militar. Filho
de Pedro Paulino da Fonseca e Francisca Catarina Francioni. Maiores informações encontram-se disponível em:
BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico
das Alagoas. Brasília, DF: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. p. 578.
44
Sobre a manutenção das oligarquias em Alagoas, ver: TENÓRIO, Douglas Apratto. A metamorfose das
oligarquias. Curitiba: Hdlivros, 1997.
45
TENÓRIO, Douglas Apratto. O início da modernização na província de Alagoas. Revista do CCHLA-UFAL,
Maceió, ano 2, n. 4, p. 66-75, jun. 1987. p. 77, 92-93.
46
TENÓRIO, ibid.
64
trabalhava em benefício dos membros da pequena e grande burguesia. Observaremos mais
adiante os problemas existentes em Maceió e no Estado nas reportagens do periódico A
Semana Social.
Em relação à educação, não houve mudanças significativas, Carvalho 47 (1982, p. 279)
diz em seu estudo que “Em 1900, Alagoas tinha uma população de 649.273 habitantes e
apenas 129.563 sabiam ler e escrever e 519.710 eram analfabetos. Em 1920, para uma
população de 978.055 pessoas apenas 144.535 sabiam ler e 834.213 eram analfabetos”. O
autor apresenta ainda uma mensagem de 1916 do governador Baptista Accioly sobre a
questão acima: “Reflete infelizmente ainda os efeitos de sua longa desorganização este
importante ramo do serviço público. Apesar dos louváveis esforços do governo passado em
melhorar a instrução pública do Estado, a sua situação é, todavia precária”. (apud
CARVALHO, 1982, p. 279).
Se fizermos um cálculo, o número de analfabetos fica em uma média de mais de 80%
da população. Isso demonstra a falta de investimentos e acesso à escolaridade. Para Maceió,
não temos um número exato, porém em se tratando de uma capital acredita-se que o
percentual era menor.
O que se percebe é que a conjuntura política do período correspondente à atuação
político–ideológica de Canellas é marcada por aspectos que não são necessariamente
exclusivos de Alagoas, sendo possível enquadrar algumas peculiaridades a outros estados da
federação.
Em relação à conjuntura nacional e internacional, a política apresentava elementos que
contribuíram para as militâncias, questionamentos, reivindicações, direitos trabalhistas, enfim
para debates e observações em vários estados do Brasil, contribuindo para o surgimento de
jornais operários em vários estados do país. Nesse sentido, durante as duas primeiras décadas
surgem vários jornais operários, segundo Maria Nazareth Ferreira48. Não somente jornais
operários, greves e uma onda de conscientizações, pelas vias do discurso de intelectuais
47
Para maiores dados referentes à República Velha em Alagoas ver: CARVALHO, Cícero Péricles de.
Formação histórica de Alagoas. Maceió: Grafitex, 1982. p. 269-82.
48
FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis: Vozes, 1978. A autora
apresenta seu estudo uma relação de jornais e revistas da imprensa operária. Interessante observar os Estados e
cidades citados no período de (1900-1920): São Paulo, SP; Recife, PE; Curitiba, PR; Rio de Janeiro, RJ; Belém,
PA; Maceió, AL; Salvador, BA; Ponta Grossa, PR; Franca, SP; Santos, SP; São José do Rio Pardo, SP; Juiz de
Fora, MG; Campinas, SP; Morro Velho, MG; Taboleiro Grande, MG; Campos, RJ; Fortaleza, CE; Porto Alegre,
RS; São Luiz, MA; Bauru, SP; Cuiabá, MT; Aracaju, SE; Bagé, RS; Guaratinguetá, SP; Manaus, AM; Pelotas,
RS; Poços de Caldas, MG; São Paulo do Muriaé, MG; Belo Horizonte, MG; Taubaté, SP; Teresina, PI; Uberaba,
MG; Santa Maria, RS; São José do Rio Preto, SP; Paranaguá, PR. Observa-se que sete dos nove Estados do
Nordeste tinham jornais ou revistas publicados no período, isso não quer dizer que não tenham sido publicados
nos outros estados. Essa lista faz parte da pesquisa da autora.
65
acerca da importância do despertar para a busca de uma sociedade mais justa, igualitária e
digna para todos. Um período marcado pelas questões internacionais como, por exemplo, a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa (1917), dois acontecimentos
históricos que iriam modificar radicalmente a forma como o homem pensava o mundo e a si
mesmo.
Enfim, a conjuntura política internacional e nacional influenciaram os debates e
proposições anunciadas pelos militantes Brasil afora, incluindo o nordeste, precisamente
Alagoas, inter-relacionado a outros estados. E como características da política alagoana ficam
as marcas seculares, de descaso com os menos favorecidos, uso da máquina pública em
benefício próprio, posturas oligarcas e tantas outras mazelas, que vigoraram durante a
Primeira República em Alagoas deixando de muitas maneiras, os resquícios na sociedade
alagoana à época.
3.5
Açúcar: o ouro que edificou a economia alagoana?
Desde o período colonial49, a economia alagoana teve sua formação ligada à cultura da
produção de cana de açúcar50. No Nordeste, os estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba e
Alagoas foram os que mais geraram lucros e alta produtividade. Interessante observar que este
modelo econômico trouxe algumas peculiaridades no que refere à organização política, social
e cultural de Alagoas. Nesse sentido, Carvalho apresenta um comentário do antropólogo e
historiador Manuel Diégues Júnior:
Dizia Manoel Diegues Júnior que Não se pode falar em história de Alagoas sem
referir o açúcar; não se pode escrever o passado econômico ignorando a presença do
açúcar; não se pode descrever a sociedade colonial ou imperial sem ligá–la ao
domínio do açúcar; enfim, não se pode ignorar, na história de Alagoas, qualquer
dimensão que a estude ou interprete, esta presença imperial; soberanamente
dominante, quase absorvente, como o próprio massapê da terra que alimentou os
canaviais: a do açúcar, desde a prática agrícola no que se refere a cana de açúcar, até
a industrialização ou ao comércio, no que diz respeito ao açúcar. (CARVALHO,
1982, p. 47).
A forte presença da economia açucareira perpassa o período Colonial e Imperial 51.
Esses períodos comportavam estruturas que tinham as seguintes características: sociedade
escravista, hierarquizada e senhorial que se mantiveram com a implantação da República em
49
Para uma melhor compreensão e entendimento acerca da história do Brasil e do período colonial ver: MOTA,
Dantas Lourenço (Org.). .Introdução ao Brasil: um banquete no tópico. 3. ed. São Paulo: [s.n.], 2001.
50
Originária da Ásia, a cana – de – açúcar (Saccharum offcinarum) é cultivada em regiões tropicais e
subtropicais do mundo para produção de cana e outros produtos.
51
Sobre o período Imperial alagoano ver: Osvaldo Maciel(Org.).Pesquisando (n) a província: economia,
trabalho e cultura numa sociedade escravista (Alagoas, século XIX). Maceió: Q Gráfica, 2011.
66
certos aspectos. Nesses períodos, existiam outras atividades econômicas como a pecuária,
cotonicultura, a agricultura de subsistência, entre outras, mas o que chama a atenção é que
todas essas atividades se organizavam em torno da economia açucareira. O fato é que a
concentração dava-se na produção açucareira, e isso possibilitou e possibilita aos seus
dirigentes desfrutarem do poder e de privilégios na ocupação de cargos públicos nas esferas
políticas administrativas.
Para termos uma ideia da magnitude da economia açucareira, as principais cidades
alagoanas surgiram e se desenvolveram em torno da produção do referido produto. A própria
cidade de Maceió, além das cidades de Santa Luzia do Norte, Pilar, São Miguel dos Campos,
Porto Calvo e Atalaia, entre outras52, todas são exemplos de cidades que viviam basicamente
da monocultura da cana-de-açúcar, salvo algumas exceções como Penedo, que se desenvolveu
a partir da pecuária, embora contasse também, com a existência de alguns engenhos ao seu
redor.
Ao longo do século XIX53 e início do XX, destacando as duas primeiras décadas,
observam-se alguns desdobramentos, como as mudanças na técnica de produção, que segundo
Cícero Péricles de Carvalho54, ocorreu no final do século XIX com a implantação da técnica
industrial na produção do açúcar. Entre os fins do século XIX e segundo decênio do XX,
algumas dificuldades, mas também melhorias ocorreram no setor canavieiro. Segundo Manuel
Diégues Júnior:
Foi essa situação, mais agravada com o 13 de maio, que perdurou na agricultura e na
indústria do açúcar. Entrou o período republicano e chegou a conhecer os anos do
novo século. [...] A crise que era praticamente da lavoura, refletindo sobremodo no
bangüê, ocorria justamente quando começava o incremento, no Estado, da criação de
usinas. [...] A baixa do açúcar, acarretou as dificuldades sofridas pelo engenho,
havendo mesmo alguns que deixaram de fabricar açúcar na safra de 1903 para 1904
a fim de vender mel às usinas. É curioso notar, aliás – com já fez o Sr. Gileno Dé
Carli – que a exportação alagoana de açúcar decaiu a partir de 1893. Os dados
estatísticos arrolados por aquele publicista mostram que tanto a produção como a
exportação de açúcar, no período de 1893 a 1916, raras vezes alcançaram suplantar
os elementos do primeiro ano da série apontada. (DIÉGUES JÚNIOR, 2006, p. 157158).
Em relação aos anos subsequentes a 1916, Alagoas e os demais estados do Brasil
enfrentaram as dificuldades econômicas em decorrência da Primeira Guerra Mundial, ocorrida
52
Para aprofundamento do início das ocupações e da formação dos municípios alagoanos ver: LINDOSO,
Dirceu. Formação de Alagoas boreal. Maceió: Edições Catavento, 2000.
53
Informações referentes aos séculos antecedentes e ao período colonial. In: CAETANO, Antônio Filipe Pereira
(Org.). Alagoas colonial: construindo economias, tecendo redes de poder e fundando administrações (séculos
XVII – XVIII). Ed. Universitária de UFPE, 2012. CAETANO, Antônio Filipe Pereira; ROLIM, Alex (Org.).
Alagoas e o império colonial português: ensaios sobre o poder e administração (Século XVII- XVIII). [et al]
CEPAL, 2010.
54
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. Maceió: Grafitex, 1982. p. 55-6.
67
entre os anos de 1914 a 1918. A guerra imperialista enriquecia a classe dominante. Já os
trabalhadores, pelo contrário, enfrentavam duras condições de vida, com a carestia dos preços
de produtos de primeira necessidade, além de salários baixos, jornadas excessivas de trabalho,
escassez de mercadorias etc. Em Maceió, ocorreram inclusive manifestações contra os
problemas econômicos gerados pelo contexto internacional decorrente da Primeira Guerra
Mundial.
Plancherel, em seu estudo, tece o comentário abaixo, com uma observação de Maria
Nazareth acerca dos Comitês criados pela Confederação Operária Brasileira em prol da luta
contra a guerra. Essa parece ser uma deixa importante, tendo em vista, nosso tipógrafo ter
vivenciado em Maceió uma campanha contra a guerra. Isso é um indício de uma articulação a
nível nacional dos militantes, pois o comentário da autora é em relação a toda imprensa
operária. Observemos o comentário em consonância com a observação citada:
Emergindo dos locais de trabalho, ruas e praças de Maceió, os movimentos
populares e da classe trabalhadora organizam-se contra a adesão do Brasil à guerra
de 1914-1918 contra a Alemanha; estudantes e empregados do comércio, por
exemplo, realizam numa praça de Maceió, em 1917, um comício contra aquela
adesão. Após a crise de 1913-1914, o problema da guerra incluía-se, aliás, na pauta
de qualquer discussão da organização dos trabalhadores e na sua perspectiva, “a
atuação da Confederação Operária Brasileira, na luta contra a guerra, a
arregimentação da classe trabalhadora, criação de comitês e comissões, passeatas e
intensa propaganda contra a guerra, está registrada em toda a imprensa operária da
época”. (PLANCHEREL, 1997, p. 65).
A situação econômica vigente durante a segunda década do século XX oportunizou as
manifestações em prol de melhores condições sociais e trabalhistas. Alagoas não ficou de fora
dessa conjuntura como exposto anteriormente. Portanto, a economia alagoana durante o
período em que o editor d‟A Semana Social se instalou em Maceió, é marcada pelas
características de desigualdade social, abuso de poder, exploração dos trabalhadores e toda
uma sorte de adversidades que, se por um lado contribuíram para que ele iniciasse a
disseminação dos conceitos político–ideológicos, com os quais comungava, por outro
dificultou sua recepção no conjunto mais amplo da sociedade.
Com relação aos aspectos culturais55 do período, correspondente às décadas iniciais do
século XX, podemos dizer que foi marcado por algumas características influenciadas pela
política e pela economia. Nessa época, um forte elemento cultural tomava corpo: as crenças
religiosas da cultura afro-brasileira. Um fato marcante do período estudado ocorreu em
fevereiro de 1912, quando aconteceram as perseguições a líderes religiosos dos terreiros de
55
Para uma discussão ampliada sobre a cultura em Alagoas ver: LINDOSO, Dirceu. Interpretação da
província: estudo da cultura alagoana. 2. ed. rev. e ampl. Maceió: EDUFAL, 2005.
68
umbanda, inclusive com agressões físicas no intuito de dificultar a afirmação da matriz
cultural afro–religiosa em Maceió. É necessário perceber as intenções contidas neste ato,
como ressalta Douglas Apratto Tenório:
A realidade, porém, é que a vandálica destruição dos xangôs de Maceió por parte da
Liga dos Combatentes, o famoso quebra-quebra de 7 de fevereiro de 1912, mais
parecido com um auto de fé, foi inquestionavelmente um ardiloso plano político. A
pretexto de que Euclides Malta e seus correligionários do Partido Republicano
Conservador afrontavam a elite branca, protegendo a prática do candomblé, os seus
inimigos políticos deram um passo decisivo na sua destituição, silenciando os
terreiros, acusando os euclidistas da prática de feitiçaria e jogando contra eles a
população, principalmente a poderosa opinião da Igreja e do segmento mais
influente da sociedade. (TENÓRIO, 1997, p. 122-123).
Tenório56 completa, comparando estas atrocidades, como a perseguição e ostracismo
da cultura afro-religiosa em Maceió, aos moldes medievais. Os fatos ocorridos na noite de 07
de fevereiro de 1912 foram também descritos por Félix Lima Júnior57 em suas crônicas
memorialísticas.
Ulisses Neves Rafael58 chama a atenção para o fato de que a quebra dos terreiros não
foi tão somente movida por questões políticas. Segundo o autor, existiam outras questões,
como por exemplo, a questão da discriminação dessa categoria social. Neste contexto, os
componentes da Liga dos Republicanos Combatentes antepunham-se a algumas
características sociológicas que se aproximavam dos traços associados à cor. Havia ainda um
interesse por parte dos membros dessa Liga em sustar a competência e eficácia das práticas
desenvolvidas nos terreiros. O episódio acima citado e as disputas políticas, segundo Craveiro
Costa, não atrapalharam outras manifestações culturais:
A vida social [que não foi morta pelas disputas e perseguições políticas] era ativa;
festas de arte, saraus familiares, com números de música e farta mesa de doces –
sequilhos, bolos de goma, cremes, além dos refrescos de maracujá, vinho de
jenipapo, licor de cacau. Os festivais sucediam-se. Nos programas de música a moda
era cantar os autores italianos: Denza, com a Giulia, Tito Matei, com Non torno,
eram números constantes. Nos conjuntos musicais se faziam ouvir d. Edite
Camerino, no piano, dr. Manuel Lopes, com seu violino, prof. João Ulisses, na
flauta, Narciso Maia, no saxofone, e ainda Hipólito Paurílio, Júlio Lopes, etc.
(COSTA, 2001, p. 165).
O autor cita em seu estudo o surgimento de clubes esportivos (Clube de Regatas
Brasil, Clube Alagoano de Regatas, Centro Esportivo Alagoano), associações culturais e em
56
TENÓRIO, Douglas Apratto. O início da modernização na província de Alagoas. Revista do CCHLA-UFAL,
Maceió, ano 2, n. 4, p. 66-75, jun. 1987. p. 123.
57
LIMA JÚNIOR, Félix. Maceió de outrora. Organização e apresentação Rachel Rocha. Maceió: EDUFAL,
2001. v. 2, p. 155.
58
RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô rezado baixo: religião e política na primeira República. Maceió: Editora da
UFS, 2012. p. 242-243.
69
1919 são fundadas a Academia Alagoana de Letras, Academia dos Dez Unidos e grêmios
(Grêmio Literário Guimarães Passos). Outros detalhes são referenciados em relação às
festividades Natal, carnaval, cinema entre outros exemplos59 que fizeram e fazem parte do
legado cultural de Maceió e automaticamente do estado.
Em linhas gerais, podemos dizer que as características de ambas as cidades tem
respectivamente suas peculiaridades, sobretudo no que se refere à política oligárquica,
mencionando, ainda, aspectos relacionados à sociedade, como: analfabetismo, exploração
trabalhista, baixos salários, jornadas excessivas de trabalho, entre outros exemplos.
Com isso, é possível entender o contexto histórico em que Canellas viveu, quando
estivera em Viçosa conhecida como “Atenas de Alagoas”, encontrando uma cidade marcada
pela intelectualidade, acrescentando a cultura e espaços abertos para oportunizarem melhorias
sociais para sociedade viçosense.
Em Maceió, destaca-se um grande centro econômico, marcado pelas oligarquias, mas
com a ausência de políticas públicas, etc. Em consonância com os acontecimentos nacionais e
internacionais, como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e Revolução Russa (1917), que
influenciaram os estados, incluindo Alagoas, assolados pelo fantasma da carestia de vida,
exploração das classes trabalhistas, incluindo, os trabalhadores do meio rural, que lutavam
pela reforma agrária, em um estado marcado por uma sociedade senhorial e “açucareira”.
As contrariedades do sistema capitalista ficaram evidentes, sendo possível perceber
seus tentáculos na cultura, “ignorância”, em detrimento da pessoalidade encarnada no Estado,
com perseguições e proibições de manifestações culturais, como a quebra de terreiros, numa
tentativa de acabar com as manifestações afro religiosas.
Diante de tantas arbitrariedades, dificuldades, explorações e tentativas de cooptações,
existiram homens como Canellas, Octávio Brandão, entre outros, muitas vezes anônimos que
se manifestaram e protestaram contra as maleficências das quais eram vítimas e que não
cruzaram os braços diante do Estado, cidades e sociedades em que se encontravam no período
foco da pesquisa.
59
COSTA, Craveiro. Maceió. Maceió: Edições Catavento, 2001. p. 158-68.
70
4
ANTONIO BERNARDO CANELLAS E A EXPERIÊNCIA DO JORNAL
TRIBUNA DO POVO (VIÇOSA, 1916).
4.1
Tribuna do Povo (Viçosa, 1916) - caracterização, propaganda, informação e
repercussão.
O periódico Tribuna do Povo (1916) foi o primeiro jornal editado por Canellas no
Norte do país, precisamente em Viçosa-Alagoas, onde o militante inicia sua jornada
reivindicatória. O tipógrafo chegou a Viçosa, provavelmente no final de 1915, segundo Iza
Salles (2005, p. 42): “A circunstância de estar, no final de 1915, com 17 anos (completaria no
mês de abril), preparando a primeira edição da Tribuna do Povo de Viçosa, permite concluir
que Canellas era quase um adolescente quando começou na luta política”.
Os motivos da vinda de Canellas da cidade de Niterói–RJ para Viçosa em Alagoas,
não são precisamente conhecidos, entretanto, são apresentadas algumas hipóteses. De acordo
com Iza Sales, é provável que a migração de Canellas para Alagoas tenha sido motivada em
face da campanha dos Libertários contra a Guerra. A autora comenta ainda que em seu livro
de memórias Everardo Dias, amigo de Canellas, relata que o redator d’ A Semana Social
migrara para Alagoas a fim de participar da organização sindical naquele estado e em
Pernambuco. Já Sílvia Petersen lança o argumento, sem se deter necessariamente em
Canellas, que eram comuns os militantes do movimento operário migrarem para outras
regiões e estados em virtude de perseguições.
A primeira publicação da Tribuna do Povo em Viçosa saiu em 17 de agosto de 1916.
Ao todo, foram publicadas 18 edições60, sendo a última no dia 8 de janeiro de 1917. No
primeiro número, Canellas publica no editorial a seguinte mensagem61: “A „Tribuna do Povo‟
o que somos e ao que vimos”. No artigo, o autor apresenta o objetivo do jornal, com as
seguintes palavras:
Inicia hoje a publicação deste periódico. A imprensa, em Viçosa, é uma necessidade
que se lmo [sic]. Não devemos cr o [sic] ou nnas [sic] deste periódico, as denúncias
infundadas e ataques contra partidos ou personalidades. Partiremos a nossa conduta
pela evolução política, moral e social da terra viçosense. Ocupar-nos-emos de todos
os assuntos econômicos que possam late [sic] essar [sic] à vida e propriedade das
classes laboriosas. E tais, sempre encontrarão na “Tribuna do Povo” um apoio
decidido e incondicional. As classes laboriosas vivem de um regime tirânico e
antinatural. Não se eleva uma única voz em sua defesa, nem no seio do congresso,
60
Das 18 edições publicadas, 16 encontram-se disponíveis no Centro de Documentação e Memória da UNESP
(CEDEM).
61
Visando oferecer uma melhor compreensão, achamos por bem atualizar a grafia das palavras, mantendo a
escrita fiel somente dos títulos dos artigos.
71
nem nas colunas da imprensa burguesa. O seu sofrimento intiffanne [sic] àqueles
que deveriam, por efeito das doutrinas que pregam, interessar-se em descobrir as
causas do aviltamento encabrulhador em que faz o que tudo produzem. Somo
socialistas, amigos da liberdade e filhos do povo; vimos a pugnar pelos direitos dos
oprimidos e assumir um posto de sacrifício. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 17 ago.
1916, grifo nosso).
Nessa explanação, fica claro o posicionamento do redator, em relação à defesa das
classes menos favorecidas, as quais poderão ser acompanhadas nas publicações das páginas
do referido jornal. O redator deixou em evidência nos editoriais, seu posicionamento de não
envoltura com partidos políticos, no sentido de apoiar ou fazer bajulações. Isso ficou evidente,
na publicação de 16 de dezembro, com a seguinte matéria, “Uma explicação que se impõe”:
Alguém poderá ter percebido que na atitude desde periódico hajam predisposições
de se immctir [sic] na escura, violenta e subterrânea luta dos partidos que aspiram á
supremacia na política dirigente local. [...] Portanto, não nos comprometemos a
noticiar os fatos referentes á luta dos partidos locais. Não obstante isso,
publicaremos na seção “Inedictoriaes”, a 160 réis a linha, as comunicações dos
“comitês” político-dirigentes aos seus comitentes. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 16
dez. 1916).
Como descrito, Canellas não toma partido e estipula um preço alto, de 160 réis a linha,
para anúncios no jornal (o preço de um anúncio básico era 60 réis a linha), motivo esse talvez,
de não ser visualizada nenhuma publicação de anúncios ou comerciais dos comitês políticos
dirigentes e respectivamente de seus comitentes.
O periódico foi publicado em formato tabloide, com quatro páginas, e custavam 100
réis, avulso, sendo que a partir de 7 de setembro (1916), passou a custar 200 réis62. A
publicação era semanal, com algumas irregularidades no cumprimento das publicações, que
saíram, algumas vezes, com atrasos, devido aos contratempos que faziam com que o jornal
saísse com quinze dias63, por exemplo.
O jornal era vendido em Maceió, sendo possível fazer essa afirmação tendo em vista
Canellas fazer o seguinte comentário: “Os nossos assinantes de Maceió, para pagamento de
anúncios e assinaturas, poderão dirigir-se a Gracindo Alves – Rua do Comércio, n°1
(Alfaiataria)” 64. Outro comentário65 é feito, na verdade, uma retificação de um nome de um
62
O valor correspondente à assinatura anual foi de 8000 mil réis e semestral 4000 mil réis.
Os motivos podiam ser variados, tendo em vista, as atribuições do redator, que desempenhava todas as funções,
como: cobrança, repórter, redator de propagandas, revisão, enfim, tudo o que envolvia o processo de composição
do jornal. Sendo assim, às vezes era necessário cumprir alguma função, que não permitia a efetiva saída semanal
do periódico. Na publicação do dia 16/10/1916 ele informa que a Tribuna, que saía regularmente a cada sete ou
quinze dias, passaria a ser mensal, devido a situações financeiras, que o obrigava a conseguir outro trabalho.
64
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 4, 14 set. 1916.
65
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 3, 28 de setembro de 1916.
63
72
vendedor correspondente do jornal, em União dos Palmares. Outro detalhe interessante é um
elogio, feito por Canellas, ao jornal, O Imparcial, segundo ele:
É digna de reparo, a nobre atitude do “O Imparcial” o valente diário vespertino que
se publica em Maceió. Enquanto os outros jornais (à exceção do “Semeador”)
ocupam-se única e exclusivamente de intrigas políticas, o “Imparcial” trata de
defender com algum interesse a causa do povo. Tem sustentado uma campanha
tenaz contra a extorsão que a ambiciosa empresa de Luz Elétrica pretende fazer às
classes consumidoras, e é em Maceió o representante único da imprensa popular.
Que o “Imparcial” progrida e termine, assim, os aplausos dos amigos do povo.
Avante! (TRIBUNA DO POVO, p. 1-2, 14 set. 1916).
Com isso, é possível afirmar que o jornal circulava em outras cidades e que havia
entrelaçamento, com outros jornais, podendo, ser observado, na seguinte passagem: “A
modesta redação da “Tribuna do Povo” tem recebido cartas e visitas exprimindo solidariedade
e simpatia. Os jornais da capital também dedicaram algumas linhas a este periódico. Somos
gratos a todos. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 24 ago. 1916).
Para manutenção do jornal, no que se refere aos ganhos pecuniários, ele tinha como
receita, além dos assinantes, os compradores do dia-a-dia e os comerciais publicitários,
anunciados, pelos seguintes patrocinadores: Farmácia Globo, de Maceió, propriedade do Dr.
Manoel Brandão, pai de Octávio Brandão66, e no comercial da farmácia era anunciada a venda
d‟ O Elixir do Guardião, um remédio para “cura” do reumatismo e sífilis. Outros exemplos
são: o Atelier Royal, o Cinema Aliança, a Typographia Loureiro, a Fábrica de bebidas
Medeiros e Campos, o Depurativo Elitch, a Loja Attractiva, o Armazém Carnaúba e o Bazar
Dois Irmãos.
As informações no jornal eram variadas: foram publicadas reportagens acerca de
esportes, como na matéria, “O SPORTE” 67, incentivando os jovens a praticarem esportes,
mencionando os benefícios e vantagens, citando como exemplo, solidariedade, amor,
associação, camaradagem, etc. Foram publicadas também reportagens referentes ao preço dos
alimentos em Viçosa, como na matéria, “O BIFE” 68, que em tom de ironia Canellas informa,
66
Octávio Brandão Rego nasceu em Viçosa no dia 12 de setembro de 1896 e faleceu no Rio de Janeiro em 15 de
março de 1980. Foi amigo de Canellas, colaborador do periódico A Semana Social, de Maceió. Destacou-se
como político, ativista e militante. Participou da fundação do Partido Comunista Brasileiro. Publicou as
seguintes obras: Canais e Lagoas; Agrarismo e industrialismo. Sobre Octávio Brandão ver: ARQUIVO
EDGARD LEUENROTH. Inventário analítico do acervo de Octávio Brandão. Campinas, IFCH/Unicamp,
1985; AMARAL, Roberto Mansilla. Uma memória silenciada: idéias, lutas e desilusões na vida do
revolucionário Octávio Brandão (1917-1980). 2003. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2003. BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Octávio Brandão centenário de um
militante na memória do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, Cultural – SR3; Arquivo Público, 1996 e
SILVA, Shuellen Sablyne Peixoto da. A trajetória política e intelectual de Octávio Brandão (1916-1922).
Maceió, 2014, Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Alagoas.
67
TRIBUNA DO POVO, VIÇOSA, p. 3, 17 ago. 1916.
68
TRIBUNA DO POVO, VIÇOSA, 17 ago. 1916.
73
“Comedores de bifes, ficai apreensivos” 69. Existiram também anúncios de falecimento como
na nota, “FALECIMENTO” 70, mencionando ainda, a seção de agradecimentos, de informes
gerais; a respeito do clima, das feiras, das ações da prefeitura, como a retirada de entulhos,
lixo, etc. Foram divulgadas, também, informações acerca de nomeações de comissários de
polícia, cobranças, resultados de julgamentos (Fórum), notícia da “Sociedade Amor e
Caridade” 71 e do hospital Nossa Senhora da Conceição.
Matérias de incentivo culturais72 como divulgação de peças de teatro e cinema (cinema
Aliança), também fizeram parte das páginas do periódico, assim como as seções charadísticas,
espaço para os aniversariantes, divulgação de corridas de prado, versos, referência às
mulheres -“PERFIL FEMININO”-, „De ternura é um tesouro, De pureza e amor, crisol; Os
cabelos cor de ouro, As faces cor de arrebol‟. E aos homens também como - “PERFIS
MASCULINO” 73, „O Barbosa é um moço lorde e também muito indolente. Vai à casa do
dentista para chumbar esse dente‟.
Os artigos publicados eram diversificados, como se observa, a partir dos comentários
que seguem. Na primeira edição, Canellas chama a atenção em relação ao regime republicano,
segundo ele falido, onde os representantes do congresso, em vez de cuidar da “salvação” do
país, preocupam-se, tão somente, em aumentar impostos. No artigo: “SURSUM CORDA!”, o
autor faz as seguintes ponderações:
Está proclamada a falência do regime republicano![...] Os homens do congresso não
acham outro meio de salvar o país, além do odioso recurso de lançar novos impostos
e de bater moeda falsa. [...] Resta, portanto às classes produtoras apelarem para a
ação direta – arma que torna inevitável um povo consciente – não confiando a defesa
dos seus interesses a deputações de espécie alguma. Deverão as classes produtoras,
gritar bem alto as suas necessidades, apontar as causas da mesma e exigir uma
atitude mais benévola da parte dos dirigentes. Para que a agricultura progrida basta
que os dirigentes moderem os seus apetites, não criando novos impostos que são
pesos de chumbo amarrados à iniciativa particular. Quanto às providências dos
homens do congresso, os agricultores devem ficar precavidos porquanto a
ineficiência dos ditos está comprovada. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 17 ago.
1916).
No artigo é possível identificar que Canellas inicia sua publicação chamando a atenção
e incentivando a classe trabalhadora, a utilizarem a tática da “ação direta” 74, ao mesmo
69
A referida frase foi editada na publicação de 23 de setembro de 1916, p. 2.
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 3, ago. 1916.
71
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 1, 14 set. 1916.
72
As informações no periódico revelam um pouco da cultura em Viçosa – AL que teve concertos musicais,
conferências, peças teatrais e cinema com apresentação de filmes nacionais como: Os Sertões de Mato Grosso.
73
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 4, 7 dez. 1916.
74
A tática da ação direta foi adotada como um meio de reivindicação e luta utilizada pelos anarquistas, sendo,
inclusive, um dos princípios básicos do anarquismo, juntamente com: a valorização da individualidade, a
70
74
tempo, tece o comentário observando as atitudes dos congressistas, mencionando, a falta de
apoio aos trabalhadores do meio rural, acrescentando os casos de denúncia de desvio de
verbas e ações dos congressistas voltadas para a criação e aumento de impostos. Na mesma
edição, p.3, Canellas faz referência às fraudes nas eleições e menciona um telegrama que
chega da capital (Rio de Janeiro), informando que os congressistas vão “resolver” o problema
nacional (fraudes nas eleições), o que é questionado pelo tipógrafo.
Em outra reportagem é mencionada a questão da legislação eleitoral (elaboração de
uma nova lei), com o seguinte título, “EVOLUIR OU RETROGRADAR?”, o redator fez os
seguintes comentários:
A nova lei eleitoral define a sorte futura da nossa Constituição. A República
brasileira foi fundada por homens alguns tantos clarividentes e bastantes animados
pelo espírito do progresso. Tinham em vista fundar um regime democrático que
fosse um campo aberto à evolução política moral e social dos povos que vivem
dentro dos limites geográficos conhecidos pelo nome de Brasil.[...] A nova lei
eleitoral vem colocar, embora fingidamente, toda a força na mãos das classes
conservadores e reacionárias e era uma vez uma república![...] A evolução
retrograda do nosso regime político atual, deve ser combatida por uma agitação
extra-parlamentar que oponha um dique intransponível à onda reacionária e antiprogressista que ameaça transformar a República dos Benjamin Constant em bárbaro
Khanato da Ásia Central. [...] A lei do sorteio militar obrigatório, os novos impostos,
a nova lei eleitoral, são outros tantos aríetes arremessados contra os restos, já
incalculavelmente reduzidos, da nossa independência individual, econômica e
política. [...] O povo deve estar sempre alerta e pronto a defender os seus direitos.
Todos têm visto que as medidas da economia, da parte dos dirigentes, não passam de
uma descabelada mentira e de uma horrível brincadeira. Os operários, os
agricultores, as classes pobres em geral, é que sentem dia a dia, o aperto cruel da
miséria a infelicitar - lhes a existência. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 24 ago. 1916).
Interessante observar, nessa passagem, o posicionamento de Canellas ao indicar que a
classe trabalhadora deve utilizar uma agitação extra parlamentar (princípio anarquista) para
conseguir mudanças efetivas na luta contra a exploração capitalista.
Nesse sentido, Canellas cita um exemplo de ações do Congresso uruguaio, no artigo,
“CONFRONTO ENTRISTECEDOR”, vejamos:
O Congresso uruguaio acaba de votar uma lei obrigando o governo de seu país a
sustentar todos os uruguaios que padecem de fome. As conclusões tiradas do
confronto entre a ação dos dirigentes do Brasil e do Uruguai são claras e eloquentes:
No Uruguai há um forte partido extraparlamentar – o partido sindicalista – que vigia
a ação dos dirigentes e que está sempre pronto a agir contra a capacidade da aliança
político-capitalista. [...] o presidente [do Uruguai] num gesto liberal, veio a uma
sacada do palácio e falou aos operários aconselhando-os a prosseguirem na greve e
acrescentando que só por meio da “ação direta” as classes trabalhadoras poderiam
conquistar as seus direitos e assegurar a sua vida livre e feliz; no Brasil, ao contrário
do que se dá no Uruguai, o Congresso age com a maior liberdade – sem que o povo
necessidade de abolição do Estado, como a recusa de tática eleitoral e parlamentar (principal oposição em
relação ao socialismo) e combate aos partidos centralizados.
75
lhe grite um ALTO LÁ! Ah! O povo brasileiro[...] Pobre povo! Só cuida do carnaval
e acompanha com risotas e comentários lôrpas o desenrolar do “fim” tragicômico
que é a vida política do Brasil. Brasil – Uruguai[...] Triste confronto![...]
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, ago.1916).
É possível observar no artigo que o tipógrafo mantém uma postura em relação à
necessidade de uma agitação social (ação direta) ao mesmo tempo não parlamentar, fazendo
menção às ações sindicalistas no Uruguai. Em outro artigo, “A CRISE ECONOMICA”, ele
reforça sua posição, chamando a atenção para a necessidade de uma organização do povo:
Mas, como a receita é extraída das classes produtoras e a despesa é feita, na sua
quase totalidade, pelas classes dirigentes, é lógico concluir-se que a solução da crise
não parte da ação do governo e sim de um movimento do povo – movimento este,
dirigido no sentido de obrigar, pela força da razão ou pela razão da força, os
dirigentes da República a tomarem as medidas requeridas pelos interesses da
coletividade. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 7 set. 1916).
Outro assunto, que o redator chama a atenção é em relação à Primeira Guerra
Mundial75, fazendo comentários acerca dos interesses e objetivos da guerra, como a utilização
e propagação do patriotismo, fazendo uma observação em relação a Olavo Bilac76 na matéria
“ECONOMISEMOS...”, tecendo a seguinte observação, em relação às questões “patrióticas”:
Consta (é quase certo) que o poeta Olavo Bilac irá à Argentina chefiando uma
“utilíssima” missão. O poeta, que ultimamente se tem salientado pelos seus arroubos
patrióticos, receberá, provavelmente, uma gorda quantia para levar a cabo tão frívola
quão onerosa embaixada. Ah! O patriotismo das classes dirigentes... (TRIBUNA DO
POVO, p. 3, 17 ago. 1916).
Em 24 de agosto de 1916, o redator fez novamente um comentário acerca do
patriotismo: “Diz o „Correio da Manhã‟, do Rio de Janeiro, que enquanto o governo faz
economias, um filho do conhecido patriota Graça Aranha ganha 4500 libras para se divertir
em Paris” enfocando ainda mais esse assunto, publica “ELLES, PATRIOTAS”:
A imprensa carioca anunciou, com grande escândalo, que grandes números de
militares preferem intimidar o presidente da República e as casas do Congresso,
tendo para este fim convocado uma reunião no Clube Militar. Acrescentaram os
jornais que os irrequietos militares já realizaram várias reuniões na casa do
ambicioso general Dantas Barreto. Os motivos dessas manobras dos militares é a
redução que, em virtude das últimas determinações do Congresso, virá sofrer os seus
75
Foi comum durante o período em foco de nossa pesquisa, a realização de campanhas contra a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Os militantes adotaram meios para fazer denúncias, críticas e, sobretudo fizeram
campanhas como “libertários” através das páginas dos jornais operários, sendo, um meio de maior alcance nas
divulgações de informações.
76
Canellas fez alguns comentários em relação ao jornalista e poeta Olavo Bilac (1865- 1918), que defendeu o
serviço militar obrigatório e fez campanhas em prol da participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial. As
observações do redator em relação ao poeta foram no sentido de chamar a atenção para as consequências do
“patriotismo” e da declaração de guerra por parte do Brasil.
76
vencimentos. Mas, onde está o patriotismo desses homens? (TRIBUNA DO POVO,
p. 3, 24 ago.1916).
Outro assunto abordado por Canellas e relacionado à guerra foi a contrariedade em
relação à lei do sorteio militar e do serviço militar obrigatório. Assim, por exemplo, no artigo,
“SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO LEI INOPORTUNA CONTRAPRODUCENTE E
MA”, nosso autor faz a seguinte observação:
Se o Brasil seguir o caminho perigoso da expansão militar, o seu exemplo será
imediatamente seguido pelas nações irmãs do Continente. Será, então, a voragem
infernal dos armamentos, a sobrecarga de novos impostos, o terror de um conflito
armado a pairar, constantemente, sobre o puro firmamento da América! Rivalidades
surgirão, a desconfiança reinará, soberana; as ameaças de um cataclyisma [sic] fatal
e inevitável [sic], sacudirão os alicerces do Novo Mundo! [...] Além disso, a lei do
sorteio militar vem obrigar muitos indivíduos a seguir um gênero de vida que lhes
repugna; e o Estado não tem o direito de interromper o curso da vida útil do cidadão,
mormente quando se trata de um Estado republicano e de Constituição liberal.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 17 ago.1916).
Ainda sobre o sorteio militar, fez as seguintes observações no artigo, “SOBRE O
SORTEIO”:
A aplicação da lei do sorteio militar representará uma afronta lançada à face do
povo; constituirá uma vitória do Estado: prejuízo, pois, para os indivíduos, já que o
desenvolvimento daquele é resultado da coerção da liberdade destes. [...] Que
utilidade trará a referida lei? (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 12 out. 1916).
Em outro artigo relacionado à guerra, “A CONFLAGRAÇÃO DA EUROPA A
GUERRA ESTENDE-SE!”, chama a atenção para a necessidade de levantar a “bandeira”
contra a burguesia, citando Sebastien Faure, vejamos:
Povos, despertai! Porque não ouvis o apelo generoso de Sebastien Faure? Sebastien
Fure, o grande anarquista francês, dirigiu um apelo a todos os homens livres do
mundo, concitando-os a se unirem para levantar um protesto universal contra o
monstruoso crime da burguesia europeia. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 7 set. 1916).
Em outra matéria, “A CONFLAGRAÇÃO DA EUROPA COMO E QUANDO
„AQUILO‟ ACABARÁ?” 77, apresenta os motivos da guerra, deixando claro que por traz
estava em jogo o interesse da burguesia de ambas as partes envolvidas no conflito. Na mesma
edição, escreve na pág. 4 “A que conduz a caserna”, segundo ele: “o militarismo é que conduz
à selvageria os milhões de filhos do povo e que os faz massacrar os seus irmãos eslavos.
Moços, fugi da caserna! A caserna transforma um ser humano numa besta inconsciente”.
Ainda sobre a guerra, informa os acontecimentos relacionados à ofensiva dos alemães frente à
77
A TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 2, 14 set. 1916.
77
Romênia, no artigo78, “A CONFLAGRAÇÃO DA EUROPA A OFENSIVA ALEMÃ NA
ROMENIA”.
Ainda em contrariedade à declaração de guerra, argumenta no tópico, “A TRINDADE
MALÉFICA: PÁTRIA, GUERRA E CASERNA AFASTEMOS ESSES MALES!”:
Moços! Não vos deixei iludir pelo vibrar dos clarins, pelo rufar dos tambores, pela
beleza marcial das marchas cadenciadas, pela simetria das formas rígidas, e por todo
esse culto de que cercam o ídolo bebedor de sangue a que se chama Pátria. Sabeis o
que é a Pátria? A pátria é uma espécie de “vírus” que contamina vossos cérebros e
vos leva, loucamente, ao extermínio de vossos semelhantes. (TRIBUNA DO POVO,
p. 1, 7 dez.1916).
Cita uma experiência na matéria, “O EXEMPLO DA EUROPA”, segundo ele um
exemplo que o povo “deveria compreender”:
A Alemanha fez propostas de paz. Os aliados, provavelmente, se resolverão a
discutir a proposta alemã, mesmo porque hão de estar convencidos de que a “sorte
das armas” jamais decidirá a presente guerra. Se o povo brasileiro compreendesse o
exemplo que a Europa nos oferece agora, repeliria com horror o projeto tresloucado
desses aventureiros sanguinários que querem militarizar e embrutecer o povo
brasileiro para depois fazê-lo instrumento passivo de todas as ambições militares.
(TRIBUNA DO POVO, p. 4, 23 dez. 1916).
Esta postura antibelicista será notada em artigos e referências à Primeira Guerra
Mundial que continuarão nas páginas do periódico d‟ A Semana Social em Maceió e serão
descritos na análise do aludido jornal, na quarta sessão para uma melhor compreensão em
relação à continuidade do posicionamento do militante, frente aos horrores da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918).
Dentre as diversas matérias divulgadas no periódico, aquelas correspondentes aos
posicionamentos ideológicos ou que revelam indícios de seu posicionamento foram
apresentadas com as seguintes proposições: na matéria publicada, “A DOR UNIVERSAL A
INIQUIDADE POLITICA”, Canellas apresenta referências a autores anarquistas79, como se
observa, na seguinte transcrição:
A iniquidade política é um dos mais rigorosos ramos da árvore fundada por
Sebastien Faure. [...] Em todos os séculos a humanidade tem sido influenciada pela
opressão dos regimes políticos. [...] Os regimes senhoriais absolutos e autocratas,
alimentam-se de violência. Os regimes liberais alimentam-se de escândalos. Todas
as formas de governo são baseadas no domínio do homem sobre o homem d`ahi
[sic] provem [sic] a iniquidade – pois, como diz Kropotkine, os homens são homens
78
A TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 2, 28 set. 1916.
Durante a Primeira República foi forte a influência de teóricos anarquistas no Brasil. Os imigrantes trouxeram
e contribuíram com a disseminação das ideias do anarquismo e, respectivamente, a divulgação de autores como:
Bakunin, Malatesta, Kropotkin, Sebastien Faure, Jean Grave, etc. Teóricos citados ao longo das publicações d‟
Tribuna do Povo as quais serão acompanhadas ao longo do texto.
79
78
e vós não podeis dar ao indivíduo uma parcela de autoridade sem o corromper. [...]
Quando os povos despertarem para a “socialização dos meios de produção e de
consumo”, o bando de timoratos se transformará em uma comunhão de seres livres e
pensantes; o deserto se metamorphoseará [sic] em um campo aberto a todas as
iniciativas e a ninguém desaparecera para dar lugar aos horizontes novos – a
TERRA e LIBERDADE. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 28 set. 1916).
Em outro artigo, “A REPUBLICA SALVE REPÚBLICA! E VIVAM OS NOVOS
IDEIAIS!”, o autor, novamente, cita autores anarquistas:
Nós, os amigos do progresso da libertação humana, saudamos a República! [...] A
República foi uma grande ideia. [...] Hoje, a República, é um ideal falido. Mas não
seja isso pretexto para que muitos indivíduos alimentem o sonho insensato da volta
aos corrompidos tempos do Império. [...] A “socialização dos meios de produção e
consumo” e o “comunismo anárquico” são os grandes ideais do século, são a mé a
[sic] da evolução humana em regimes políticos. [...] E, si [sic] é necessária mesma
dose de propaganda doutrinaria e de ação revolucionária para implantar a República
que alguns sonhada [sic] e o Socialismo radical que prega Kropotkin, não serão mais
expedito, mais lógico e, sobretudo, mais conveniente batalharmos em favor do ideal
mais novo, mais perfeito e de maior alcance social? Está claro, que é. Diante da
reação monárquica a República se nos apresenta como uma conquista preciosa no
caminho do ideal político. Mas, ante os sublimes ideais de Faure, Tolstoi e muitos
outros, a República se eclipsa. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 15 nov. 1916).
Em
outra
oportunidade,
nosso
redator-tipógrafo
enfatiza
ainda
mais
seu
posicionamento ideológico correspondente ao anarquismo, no artigo “O GRANDE IDEAL”,
apresentando suas observações dizendo:
Uma nova aurora começa a raiar nos horizontes do progresso! Uma era de paz e de
confraternização se aproxima da humanidade. Um novo ideal começa a purificar o
coração dos homens. [...] Esse novo ideal é o Comunismo Anárquico! [...] O
Comunismo Anárquico não é invenção de alguns filósofos e é, sim, a conclusão
lógica dos exemplos da História, a afirmação da lei e do progresso. [...] O novo ideal
baseia-se na igualdade completa entre todos os homens, na comunidade de interesses
e no internacionalismo. Portanto, só poderá produzir amor, harmonia e paz. [...] A
comunidade de interesses só poderá existir dentro de um regime econômico onde
cada indivíduo produza segundo as suas forças e consuma segundo as suas
necessidades – e esse é o lema do Comunismo Anárquico! [...] O Comunismo
Anárquico é a afirmação da liberdade completa do pensamento e da ação individual.
[...] Compenetremo-nos de que fazendo-se desaparecer a causa de todas as
iniquidades – que é a autoridade ou domínio do homem sobre o homem – e
adaptando-se a vida normal, a vida natural – que é o Comunismo Anárquico – um
amor imenso penetrará no coração de todos os homens unindo-os por uma
solidariedade generosa – e todos viverão vida integral. (TRIBUNA DO POVO, p. 1,
23 dez. 1916).
Acrescenta ainda indicações de livros referentes ao anarquismo no artigo intitulado:
“LIVROS QUE SE DEVE LER” 80. Nesse sentido, e talvez com o objetivo de deixar claro
80
A TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 2, 23 dez. 1916. Os livros indicados foram: A. Hamo. – Psicologia do
Militar Profissional; A Sociedade Moribunda e a Anarquia de Jean Grave. Nesta obra, o autor, tenta desmistificar
a visão do anarquismo, como sinônimo de terrorismo. A Sociedade Futura de Sebastien Faure. A Dor Universal
e A Conquista do Pão, de Pedro Kropotkin e a Evolução, Revolução e Ideal Anarquista de Elisée Reclus.
79
para o público leitor, Canellas apresenta na última edição do periódico, as definições e
propósitos do socialismo, anarquismo, da anarquia e do socialismo anarquista, segundo Neno
Vasco81. No artigo, “DEFINIÇÕES”, apresentou os seguintes conceitos:
Podemos assim definir: SOCIALISMO – doutrina e movimento tendo em vista a
“socialização” da terra e dos meios de produção (máquinas, matérias primas,
sementes, etc.) e transporte, repartindo-se os produtos segundo suas necessidades
(comunismo) ou segundo as obras de cada um (coletivismo). “Socialização” quer
dizer expropriação da atual classe proprietária de modo que a riqueza existente que
em sua origem é social (obra de todos) passe a ser também social no seu destino,
passe a ser de todos e para todos. ANARQUIA – ausência de governo e de leis
impostas pela violência; sociedade regida pelo acordo livre e voluntário. A palavra
“Anarquia”, de origem grega, significa simplesmente “sem governo”, e é crença
errônea de não poder haver ordem sem governo que lhe deu o sentido de
“desordem”, A mesma sorte teve por muito tempo a palavra “república”. A ordem é
inerente à sociedade e às suas condições de existência – e não é um governo que a
poderá garantir, antes pelo contrário. ANARQUISMO – “doutrina” segundo a qual
todas as formas de governo assentam sobre a violência e são desnecessárias e
nocivas; “método” de ação e de organização baseado sobre a autonomia e a livre
iniciativa dos indivíduos e dos grupos, excluindo a delegação de poder (eleição de
qualquer autoridade ou fator de leis obrigatórias). SOCIALISMO ANARQUISTA doutrina segundo a qual “anarquia” é a forma política necessária da sociedade
socialista, o “anarquismo” é o método de ação e o indispensável instrumento de
realização do socialismo, tanto no presente como na expropriação final, assim como
a socialização é a condição essencial para a possibilidade da “anarquia”; teoria que
defende a organização livre e a livre experimentação social, abolida toda a coação,
quer “direta” (a que é exercida pelo poder político) quer “indireta” (a que resulta da
privação dos meios de produzir, sujeitando-nos ao patrão). A livre federação dos
grupos livres de produtores e consumidores, dispondo em comum e livremente da
terra e instrumentos de trabalho seria uma “sociedade socialista – anarquista”. (Da
“Porta da Europa”) NENO VASCO. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, jan. 1917, grifo
nosso).
Outro detalhe interessante do jornal se faz presente no tópico: “Trechos Escolhidos”,
que indicam, também, o perfil das ideias e ideologias de Canellas divulgado por militantes
que contribuíam com o periódico, ou seja, trechos, na maioria das vezes condizentes com os
posicionamentos ideológicos adotados por Canellas, sem falar dos trechos de autores
escolhidos pelo mesmo, evidenciando, ainda mais seu pensamento político e ideológico. O
primeiro, identificado no periódico, foi de José Oiticica82 e que continha a seguinte
mensagem, onde fica clara a importância da educação enquanto meio de organização social e
familiar:
Basta considerar a educação dos filhos para medir o alcance da educação intelectual
da mulher. Criar um filho, educar um filho é um problema que exige uma instrução
81
Neno Vasco nasceu em Portugal em 1878 e faleceu em 1923. Foi jornalista, escritor, poeta, advogado e
militante anarco – sindicalista. Viveu no Brasil e durante o período de sua trajetória estabeleceu contato com
anarquistas, participando e contribuindo no movimento libertário, junto aos meios operários em nosso país e em
Portugal.
82
José Rodrigues Leite Oiticica nasceu no dia 22 de julho de 1882 no Rio de Janeiro, faleceu em 30 de junho de
1957. Foi professor, poeta parnasiano, dramaturgo, filólogo e anarquista.
80
vasta e variada. [...] Ninguém deveria ser mais enciclopédico do que a mãe de
família, e, portanto, do que a mulher. Uma sociedade bem constituída seria aquela
em que todas as mulheres pudessem ser amplamente instruídas. (TRIBUNA DO
POVO, p. 3, 28 set.1916).
Na mesma edição outros “Trechos Escolhidos” pelo redator ensejavam reflexões sobre
a guerra e seus horrores, como o de autoria de José Arranz83, que segundo o mesmo, a guerra
gerava total falta de respeito, entre os indivíduos e a pátria, proporcionando, tão somente,
destruições irreparáveis e o de autoria de Jean Grave, que escreveu em seu artigo “O
indivíduo e a pátria”, uma reflexão acerca do verdadeiro interesse na divulgação e propagação
do patriotismo, garantir a autoridade e o capital para os detentores do poder, deixando claro
que a guerra era em detrimento do capital. Ainda sobre a guerra e suas atrocidades, foi
publicado84 um trecho de autoria de Cair, um possível pseudônimo, e nele o autor teceu
comentários referentes aos crimes advindos da guerra, informando que a mesma era contrária
à civilização.
Outros trechos escolhidos foram referentes aos homens e aos seus esclarecimentos,
como o de Anatole France85. Nesse mesma edição foi publicado um trecho de A. Pelicer
Paraire tecendo um argumento acerca do serviço militar e das consequências advindas da
retirada dos jovens da produtividade social para o referido serviço. Foram publicados
também, trechos de Raimundo Teixeira Mendes, que podem ser resumidos na seguinte
pergunta: “quem queria a guerra” 86? Respondendo “ninguém”. Na mesma edição, foi citado
um texto de Nicolau Maquiavel sobre a guerra e o círculo vicioso proveniente da mesma.
Interessante se faz no momento, citar e transcrever um trecho escolhido, que faz
referência ao anarquismo, na verdade, uma alusão. Observemos:
Poderemos dizer a nós próprios toda a verdade? Si a podemos dizer, eu abalanço-me
a afirmar que a única forma heroica da ciência e da vida moderna é o Anarquismo.
[...] O Anarquismo tem os seus filósofos, os seus poetas, os seus jornalistas, seus
críticos e os seus heróis. [...] O Anarquismo não é uma causa: é uma conseqeuência.
[...] O Anarquismo contém: a afirmação da CONCIENCIA [sic] INDIVIDUAL,
contra o vil predomínio das maiorias eleitorais e parlamentares; a afirmação das
VONTADES RENOVADAS, contra a inércia moral das classes chamadas
conservadoras e a afirmação LÓGICA do pensamento e da ação, contra a
incoerência de um e de outra... Da “Tribuna” – Roma, 28 de agosto de 1897. Vicente
MORLLÓ. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 16 dez.1916).
83
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 4, 12 out. 1916.
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 4, 19 dout. 1916.
85
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 1, 28 out. 1916.
86
TRIBUNA DO POVO, Viçosa, p. 4, 15 nov. 1916.
84
81
O que se pode observar nas publicações dos artigos, das colaborações e dos trechos
escolhidos, nessa caracterização (análise), é a receptividade aos ideais anarquistas pelo redator
tipógrafo, embora algumas vezes não fique claro em sua escrita. Todavia, pelos argumentos,
colocações de frases, referências aos teóricos (Neno Vasco, Kropotkin, Elisée Reclus,
Sebastien Faure, Proudhon, etc.) fica evidente os vestígios e posicionamentos adotados por
Canellas em Viçosa, em idos de 1916, quando ele se posicionou em defesa das classes menos
favorecidas, não se envolvendo na política partidária. Pelo contrário, incentivou a tática da
ação direta, tanto para os trabalhadores rurais, como para os operários e demais classes, crítico
do regime republicano e do sistema parlamentar, oposicionista à participação do Brasil na
Primeira Guerra Mundial, divulgou os acontecimentos internacionais, como os ocorridos no
Uruguai, através das ações sindicalistas e dos motivos e interesses por trás da burguesia no
envolvimento com a guerra e consequentemente os efeitos sociais advindos no Brasil e em
outros países do globo.
A partir da experiência do militante, indagam-se os seguintes questionamentos: O
tipógrafo participa, idealiza, contribui com mobilizações operárias ou classistas em Viçosa?
Existiu movimento operário na mencionada cidade? O que é factível na ação de Canellas? Até
que ponto Canellas sai da importante arena das disputas ideológicas através do jornal e
assume a tarefa de concretizar seus projetos junto a grupos e classes da sociedade? Essas e
outras questões serão debatidas a partir das informações que seguem.
Na preambular publicação do periódico, Canellas cita um problema social relacionado
às crianças que não estão na escola e viviam no mercado público, cometendo infrações. No
artigo, “OS PEQUENOS LARAPIOS”, ele faz a seguinte observação:
É verdadeiramente notável a quantidade de pequenos larápios que, tem operado no
mercado desta cidade. [...] Constantemente a polícia anda as voltas com essas
incomodadas criaturinhas, não dispondo, porém, de meios que a habilitem [sic] a
fazer com que essas crianças entrem no caminho do bem. Não seria possível educar
esses meninos numa escola que não fosse o vício? Sobre esse assunto, pedimos a
atenção dos caridosos. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 17 ago. 1916).
Nessa passagem, é possível perceber o início das pontuações colocadas e de meios que
oportunizem “soluções” para as vicissitudes apresentadas. Na mesma edição, o tipógrafo
menciona aspectos relacionados à economia do município e adverte o governo estadual para
não baixa de lucros advindos do momento positivo. Canellas indica a exportação para outros
estados, para escoação dos produtos e respectivamente absorção de lucros e não desperdício
dos produtos colhidos. Vejamos suas observações:
82
Promete ser riquíssima, este ano, a safra dos produtos agrícolas do município de
Viçosa. As feiras bissemanais já estão adquirindo um aspecto animado,
prenunciador de uma colheita colossal. O açúcar, o algodão, e a aguardente,
continuam obtendo preços remuneradores. O governo estadual deve providenciar no
sentido de impedir que haja baixa nos preços dos cereais. Para isso, o governo deve
encaminhar a exportação dos cereais, para os estados vizinhos e, até se preciso for
para o exterior. Desta maneira, o governo animará à lavoura – proporcionando à
infeliz e desamparada população rural um relativo conforto que só pode ser
conseguido pela venda renumerada dos produtos do seu trabalho. (TRIBUNA DO
POVO, p. 2, 17 ago. 1916).
O redator continua fazendo observações no tocante aos problemas sociais da
municipalidade. Na matéria, “Regulamentar a mendicidade?”, faz as seguintes ressalvas:
A regulamentação da mendicidade é um dos problemas mais debatidos no mundo
burguês. A questão é complexa (quando tem de ser resolvida dentro das normas e
das conveniências da sociedade burguesa) e ainda não foi solucionada pelos
“sociólogos” de todos os grandes e pequenos centros populosos. [...] Em Viçosa, por
exemplo, agita-se atualmente a questão da mendicidade. Existem, é fato, nesta
cidade, muitos falsos indigentes e até é curioso citar aqui o fato de existir, nesta
cidade, uma mendiga que o exerce a mendicância por efeito de uma promessa feita
ao padre Cícero (!). [...] Não são precisos muitos conhecimento de sociologia para se
perceber que a miséria é um produto da má organização social – concluindo-se que
para extinguir a mendicidade é necessário remodelar a atual organização da
sociedade. [...] Além das razões de ordem sociológica, existem formidáveis razões
de ordem moral, política e religiosa que se opõe à regulamentação da mendicidade.
(TRIBUNA DO POVO, p. 1-4, set. 1916).
Esse assunto, segundo o autor, seria revisto na próxima edição87. Antes, porém, se faz
necessário citar uma referência a uma associação, a Sociedade Recreativa Instrutora
Viçosense. Canellas publicou uma nota referente a um evento promovido por esta Sociedade
realizado no dia 19 de setembro de 1916. As informações publicadas foram as seguintes:
Sábado, 19 do corrente, teve lugar a anunciada sessão magna da S. R. Instrutora
Viçosense. [...] ABERTURA DA SESSÃO. A sessão foi presidida pelo Snr. Motta
Lima, secretariado pelo Snr. TiburcioNemezio, Esperidião Macêdo e Saturnino
Acioly. [...] ORADOR OFICIAL Dr. Antonio Vasconcelos, que presidiu um belo
discurso [...] DISCURSO no qual abordou, com muita inteligência e com uma
linguagem acertadíssima, vários assuntos de alto estudo social e científico que
revelaram, no discursante, vastos e profundos conhecimentos de filosofia e ciência.
O orador referiu-se à “Tribuna do Povo” na pessoa de seus redator-tipógrafo e
elogiou neste a sua qualidade de operário e a sua missão de socialista militante. O
erudito dissertante não concorda com a “pressa” dos propagandistas da remodelação
social... O ilustrado prelecionista talvez sentisse a nossa “pressa”, si tivesse sofrido,
desde a infância, aperto cruel da iniquidade econômica... Ele precisa temperar-se nas
lutas das reivindicações para adquirir a fortaleza dos apóstolos para não desanimar
ante o caminho a percorrer, para não enfraquecer ante a imensidade do edifício a
remodelar. [...] AS NOVAS ASSOCIADAS. Foi um gesto louvável o de suas 12
moças viçosenses em entrando para o número de associados da “Instrutora” A
“instrutora” é uma sociedade recreativa e literária que tem prestado e ainda
continuará a prestar valiosos serviços ao progresso intelectual desta rica e
87
Ao final da discussão sobre a mendicância o autor deixa em evidência que ela existe em consequência da
miséria e que só pode ser extinguida quando acabar com a sua origem (pobreza e falta de políticas públicas, fruto
do sistema excludente (capitalista ).
83
desanimada terra. Nós, os da “Tribuna do Povo” nutrimos a esperança (somos
socialistas e, por isso, depositários e alimentadores de muitas utopias e de muitas
esperanças que vagueiam pelo mundo e naufragam no infinito...) de ver, um ia
próximo ou longínquo, reunidos sob o trecho bendito daquele tempo da Luz, todos
os representantes da cultura de Viçosa, toda a mocidade, desta terra, faminta de pão
espiritual de que nos falou o genial parabolista e todos o que querem chegar á justiça
pelo caminho da luz e da luta – e, visto que “as harmonias celestiais derramam suas
prestigiosas vibrações sempre que os homens se reúnem sob o tempo da luz”
sonharmos que neste momento sagrado os corações de TODOS se unifiquem no
sentimento indefinível de amor fraternal (de um amor fraternal que alguns “loucos”
sonham nos tempos bárbaros de hoje) e as nossas almas desabrochem, qual a flor de
nova espécie, para receber o pólen fecundador dos ideais sublimes e heroicos, que
fará germinar nas almas em flor a realidade generosa da vida integral. [...] Orgulhoso
me sinto [fala do presidente da associação, Mota Lima] neste momento de alegria
em que comemora o 18° aniversário da inauguração das aulas e da biblioteca da
“Instrutora”. Orgulhoso meus senhores, digo, porque há 22 anos que “Instrutora”
trabalha em prol da luz procurando derrubar a seita maldita do analfabetismo. [...]
Trabalhai, amigos, combatei em prol da instrução. As nossas armas são os livros, o
regimento é a escola, o campo de batalha é o mundo inteiro e a vitória é a
civilização. (TRIBUNA DO POVO, p. 2-3, 2 set. 1916).
As informações descritas são ilustrativas, no sentido de elencar aspectos idealizadores
de Canellas frente à associação, com seu apoio e incentivo à educação e a ações voltadas para
a emancipação social. No texto divulgado pelo redator, é notória a organização da associação
fundada em 1894, com a presença de mulheres associadas (12 ao todo), sem falar dos outros
associados, com a presença do governador Batista Acioly, que segundo a transcrição, em seu
discurso, parabenizou as ações da associação e que iria dar apoio e investir na educação do
município de Viçosa. Na mesma edição cita ações de outra sociedade chamada:
“SOCIEDADE AMOR E CARIDADE”, apresentando um balancete anual:
Do mapa demonstrativo do movimento do “Hospital Nossa Senhora da Conceição”,
relativo ao ano social de Setembro de 1915 a Setembro de 1916, consta o seguinte:
Vieram do ano anterior 20 indigentes; entraram... 184; saíram curados 86,
melhorados 58; por falecimento 37; transferido para isolamento 3; conveniência
pessoal, 2; conveniência de serviço interno, 1; operações cirúrgicas 8; consulta na
sala do banco 39, existem em tratamento 17. Do balancete procedido a contar da
mesma data consta o seguinte movimento: Saldo que vem do ano anterior,
rs.1:399$550; subvenção do Estado, 1:193$700; mensalidade do sócio, 402$500;
oferta de consórcio Walverde Brandão, 20$000; total, 9:015$750. A despesa foi de
7:392$660, conforme os documentos da tesouraria. O saldo existente é de
1:625$090 réis.( Do relatório de 8 de setembro de 1916). (TRIBUNA DO POVO, p.
4, 21 set. 1916).
Nesse sentido, Canellas menciona outra sociedade, tecendo as seguintes observações:
Foi adiada para domingo, 15 do corrente, ás 12 horas, a inauguração do “Círculo
Católico de Viçosa” que se devia realizar hoje. A solenidade efetuar-se-á no recinto
do teatro “Carlos Gomes” e é de presumir-se que, em virtude da religiosidade e do
amor á igreja da população viçosense, a inauguração do “Círculo” seja uma brilhante
festa. Falará, como orador oficial, o Dr. Izidro Vasconcellos. [...] Do “Círculo
Católico” fazem parte todas as classes conservadoras deste rico município. A criação
84
desta sociedade religiosa, foi ideia e iniciativa do falecido Dr. Miranda d‟ Azevedo.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 12 out.1916).
Nessa perspectiva de incentivo, de ações, incitações e demonstrações dos feitos das
associações, o tipógrafo não deixa de fora questões relacionadas a atuações da classe
trabalhadora para conseguirem mudanças sociais. No artigo, “BASTA DE SERVIDÃO!”,
Canellas chama a atenção dos trabalhadores do meio rural para conseguirem emancipar-se
diante da exploração da qual eram vítimas. Vejamos:
Desde os tempos primitivos até á época atual, a agricultura tem ocupado papel
preponderante, sendo principal, na vida do homem. [...] Por isso, é forçoso
reconhecer que o homem do século XX pode emancipar-se, viver livremente, visto
que possui, para si e para dirigir os atos de sua vida, os conhecimentos adquiridos
pelas passadas gerações e os exemplos contidos na História. A vida agrícola é a vida
natural. O agricultor de ser livre. [...] O agricultor para viver e progredir, não
necessita de “proteção” estatal e de leis determinantes. Sob o pretexto de proteger a
lavoura, uma certa casta de ambiciosos e de intrujões denominada Estado extorque
ao agricultor o máximo de impostos e o que lhe dá em retribuição, em “benefícios?”
Muito pouco e ordinariamente, nada. [...] Camponeses, despertai e vivei! Vida do
campo: porque não sois livres? O vosso labutar dignificante é suficiente para vos dar
o direito de tomar parte no banquete da vida. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 19 out.
1916).
Na mesma edição, faz referência aos operários de Rio Largo, mencionando um
incêndio, uma greve e questionamentos acerca do posicionamento dos donos da fábrica.
Vejamos, “Um incêndio em Rio Largo”:
Um pavoroso incêndio destruiu a fábrica de tecidos Progresso Alagoano. Em
consequência do desastre centenas de operários estão reduzidos a desesperador
estado de miséria. [...] Durante uma greve, em 1915, a comissão da Federação
Operária, de Maceió, encontrou os operários de Rio Largo numa miséria
pungentíssima e dolorosa. Os salários eram tão insignificativos que, mesmo usandose da mais rigorosa economia, se tornavam insuficientes para a alimentação dos
operários durante SEIS DIAS APENAS de semana. De 1915 para cá, os operários
têxteis têm vivido em um estado crônico de miséria. E agora, o martirológico dessas
criaturas foi espinhosamente coroado pelas consequências de um incêndio fatal.
Agora, seja-nos lícito como seres humanos humanizados e como defensores dos
interesses do povo trabalhador fazer uma pergunta e algumas censuras aos
ventripotente capitalistas da “Progresso Alagoano”. Vós, os homens do dinheiro não
sabem que a fortuna que possuis é produto da colaboração dos obreiros: dos
esforços, dos sacrifícios, do martírio dos infelizes que trazei acorrentados ao poder
de vosso dinheiro? Sim sabeis. E admitida esta verdade evidente, não será um ato
de justiça e um dever de consciência de vossa parte amparar os operários nesta
emergência? Sim é. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 19 out. 1916).
Continuamos nos posicionamentos do redator-tipógrafo e suas defesas pessoais, mas
também denúncias, incentivos e cobranças em geral. No artigo “O que quer o Sr. Macedo”,
apresenta-se como libertário militante, algo vislumbrado em seus posicionamentos e atuações
acima descritas. Na matéria citada, o redator posiciona-se e defende as publicações do jornal,
Albor, cujo diretor, foi Pedro Mota Lima. Vejamos:
85
Temos lido no “Albor” os nebulosos artigos do Sr. Rodrigues de Macedo. Nada
sucederia, se os referidos artigos não ostentassem vasta epigrafe – de Questões
Sociais. Nós, militantes do movimento libertário, observamos o desenvolvimento
dos assuntos que se prendem á Questão Social e por isso pedimos Sr. Macedo para
se definir claramente – pois os seus artigos não deixam transparecer a sua opinião
sobre o método de ação que devem adaptar os interessados na solução dos
problemas criados pela Questão Social. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 15 nov.
1916).
Outra defesa de Canellas em suas publicações foi referente ao direito do descanso
dominical88 para os trabalhadores dos armazéns, etc. Ele posicionou-se conclamando os
trabalhadores a utilizarem a ação direta como um meio e fim para as conquistas sociais. Na
matéria, “ALERTA! UM DIREITO A DEFENDER”, informa:
Em todos os lugares onde penetra a civilização, estabeleceram-se acordos tendentes
a melhorar a situação dos empregados do comércio. Uma das primeiras conquistas
foi o descanso dominical. É uma das formas mais injustificáveis do “carrancismo” o
espetáculo que apresentam os armazéns abertos aos domingos, estiolando na chateza
monótona dos balcões uma mocidade que quer viver. [...] Hoje os empregados do
comércio são a “elite” da mocidade e como tal devem tomar parte em todas as
manifestações da vida civilizada tais como a política, a arte, o esporte, as diversões e
etc. O descanso dominical torna-se, pois, uma medida racional. Em todos os lugares
a legislação tem dado à garantia oficial a tão útil medida. Em Viçosa, porém, não
existe uma lei que dê cunho oficial do fechamento das portas. Que belo triunfo da
“ação direta!” Se houvesse mais audácia, poder-se-ia resolver por meio da “ação
direta” todos os problemas resultantes das relações sociais entre os homens. [...] Aos
patrões e empregados, de comum acordo, cumpre desenvolver a ação que for
necessária á manutenção dos seus direitos. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 23 nov.
1916).
Outro posicionamento e que ao mesmo tempo indica as atuações do redator estão
presentes no artigo “O MOMENTO POLÍTICO”. Os candidatos prometem coisas “belas e
sedutoras” na referenciada publicação. Canellas apresenta as propostas de ambos os partidos
que disputavam o pleito, sendo que ao final posiciona-se deixando claros seus objetivos:
Está prestes a ferir-se neste Estado o pleito eleitoral. Em Viçosa, o que mais
interessa aos políticos são as eleições municipais. [...] O partido Democrata
(situacionista) apresentou candidato á Intendência o Dr. Frederico N. Rebelo Maia –
que é geralmente estimado nesta cidade e cujos dotes de probidade são por todos
conhecidos. [...] O partido Conservador (oposicionista) apresentou o candidato a
Intendente o Dr. Manoel Brandão Vilela. Essa escolha foi toda acertada, pois o
município precisa ser administrado por quem compreenda inteligentemente as
necessidades do progresso local – e essa compreensão tem sido evidenciada pelo Dr.
Brandão Vilela tanto na tribuna como na imprensa. [...] Os dissidentes da situação
local também apresentarão um candidato a Intendente o qual será Sr. Thomaz Soares
de Vasconcelos, comerciante. Este último candidato conta com fortes elementos
eleitorais que simpatizam com sua posição de político independente. Como os
leitores certamente já perceberam, nós não nutrimos esperança de espécie alguma
88
O problema referente ao descanso dominical era um problema a nível nacional e também, foi identificado em
Maceió. Conferir o estudo de MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. A perseverança dos caixeiros: o mutualismo
dos trabalhadores do comércio em Maceió (1879-1917). 2011. 275 f. Tese (Doutorado em História) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. (p. 208-13).
86
sobre a melhoria da situação econômica, política e moral da sociedade por meio das
urnas. Somos partidários da socialização dos meios de produção e de consumo e
contra a dominação do homem contra o homem. Portanto, só consideramos a
política dirigente como fator de ódios entre os indivíduos como causante do
desequilíbrio que se nota na sociedade atual. Desejávamos que todos os homens de
boa vontade se esforçassem no sentido de semear o amor no coração do próximo e
de implantar a liberdade e a equidade nas relações sociais entre os indivíduos, em
vez de se deixar arrastar no maelstrom político-dirigente. (TRIBUNA DO POVO,
p. 3, 7 dez. 1916, grifo nosso).
No referido artigo, é possível identificar o posicionamento de Canellas frente às
questões políticas e partidárias, onde ele indica não haver mudanças a partir do sistema das
urnas
e
respectivamente
da
representação
parlamentar,
indicando,
também,
seu
posicionamento ideológico, condizente com os princípios anarquistas.
Outros posicionamentos e incentivos no tocante a atuações concretas de Canelas são
descritas na matéria, “NO FAR–WEST ALAGOANO”, onde no artigo Canellas cita um caso
ocorrido em Anadia–AL. O fato ocorrido foi uma venda de uma propriedade que o dono não
queria vender, entretanto, foi obrigado, tendo em vista o comprador ser um grande
proprietário de terras do município. Nesse contexto, nosso redator- tipógrafo indica os meios e
ações para essas e outras situações de exploração burguesa:
É preciso que todos os homens de boa vontade cuidem da fundação de um “Centro
de Resistência” que reúna em seu seio todos os pequenos lavradores e que se destine
a defender os direitos dos fracos, escudando-se na taboa da lei ou no fragor da
dinamite – isto é, segundo a ação legal ou a ação direta, conforme os casos.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 7 dez. 1916).
Pelo que se percebe, as atuações e práticas de Canellas em Viçosa ocorreram,
sobretudo, através das denúncias e incentivos em prol da organização social, embora não
sendo encontrada alguma referência específica em relação à formação de sindicatos,
associações de lavradores, greves, etc. Todavia, ficou em evidência que existiram
organizações de sociedades, embora não idealizadas por Canellas, mas compartilhadas por
ele, nas divulgações, incentivos e participação, como na: Sociedade Amor e Caridade,
Sociedade Recreativa Instrutora Viçosense e Círculo Católico, que tinham suas atuações
voltadas para as classes menos favorecidas, mas com uma ressalva por Canellas não citar
“obra” alguma relacionada ao Círculo Católico.
Devido à atuação do tipógrafo no que se refere às denúncias, e propagação de uma
ideologia voltada para um projeto político, que ia frontalmente de encontro ao pensamento
dominante, ao senso comum hegemônico, surgiu um estopim, como a coluna de nome
87
“Canhenho Policial”, que também causou repercussão, devido às notícias publicadas 89, sendo
a mesma, uma das responsáveis pelo fim da publicação do periódico e consequentemente da
migração de Canellas para Maceió–AL. Na matéria publicada, “Não queremos mais
reportagens! ASSIM FALOU O NOSSO PEQUENO LÉPINE...”, Canellas informa aos
leitores:
A nossa seção “Canhenho Policial” deixa de sair no número de hoje. O motivo de tal
falta é forte, fortíssimo mesmo. Exponhamos, pois: Há dias fomos, como de
costume, á sede do comissariado indagar das ocorrências policiais a fim de noticialas. Ai tivemos ciência do conflito que se travara no “Engenho Bonito”. Procuramos
o sub- comissário, sr. J. Tenório, que tivera envolvido no conflito e, não o achando
deliberamos cingirmo-nos a versão partida dos presos. Publicada a notícia, os nossos
policiadores pozeram-se[sic] em sobressalto: Que! Então a “Tribuna” tivera o arrojo
de dar curso a uma versão que não fosse a proferida pelos lábios policiais?
Decididamente, isso não podia continuar! E vai d‟ahi [sic] o comissário chamou-nos
para dizer-nos muito policialmente que “não queria mais reportagens!”. Mas “seu”
comissário, explicamos nós, então, quem nos informou foram os presos, trate de
averiguar se o que eles disseram é verdade... – Que verdade! A de dar notícias assim,
é melhor ficar calado!... [...]. Nós, porém, achamos que cada notícia deveria ser
objeto de um estudo sobre a má organização da sociedade. Eis ahi [sic] alguns dos
motivos forte que determinam a suspensão do “Canhenho Policial”. (TRIBUNA DO
POVO, p. 3, 8 de janeiro dezembro de 1917).
Por esses e outros motivos (campanha contra a Primeira Guerra Mundial), Canellas
publica na última edição a seguinte nota: “A „Tribuna do Povo‟ suspende sua publicação.”,
com o seguinte comentário:
Depois de 6 meses de uma luta formidável, os que fazem a “Tribuna” confessam-se
vencidos! Vencidos pelas dificuldades materiais; vencidos pela guerra que se faz á
porta voz da imprensa livre; vencidos pela impossibilidade de vencermos. As
dificuldades materiais que nos venceram, são representadas pela indiferença que a
maioria dos viçosenses vota ao progresso geral desta terra. Dos 4000 mil [sic]
habitantes de Viçosa, apenas 80 assinaram os jornais locais. [...] Temos consciência
de que não nos afastamos do caminho que traçamos por ocasião do nosso primeiro
número. Prometemos defender os interesses do povo e isto o temos feito quando
dizemos ao povo que a defesa dos seus interesses não reside na ação eleitoral e sim
na ação direta. Desejaríamos ter podido exercer uma ação mais vasta. Mais isso não
podemos fazer dentro destes Dardanelos perigosos. Ficamos vencidos, mas não
convencidos. Continuaremos a nossa obra em outra parte. O que não podíamos, era
continuar a lutar contra uma adversidade tão tenaz. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 8
jan. 1917).
89
Na edição de 12/10/1916 Canellas publicou o artigo, “O crime do mercado ou os Frutos do Regime
autoritário”, nessa matéria ele chama a atenção para o fato de um cobrador de impostos que foi morto pelo dono
da barraca, um sargento, reformado. Ele deixou a reflexão em sua conclusão que os dois são vítimas do Estado,
um por não ter condições suficientes para sobreviver e o outro que na sua função mal remunerada faz a cobrança.
Em outra edição, 16/12/1916 cita um caso de um jovem que roubou por que estava com fome, foi preso e
cometeu suicídio, sendo que este fato não é violação do Código Civil. Na mesma edição denunciou José
Marques por ter dado chineladas no rosto de um menino que mexeu nos arreios do cavalo que lhe pertencia.
“Todos esses fatos ocorreram na quarta-feira desta semana e os heróis foram soltos na 5° feira”.
88
Com o fim da publicação da Tribuna do Povo em Viçosa, Canellas migra para Maceió,
onde editará A Semana Social (1917). Segundo Iza Salles o jornal:
[...] durou exatamente um ano, do primeiro número, em 17 de janeiro de 1916 ao
último, número 18, do dia 8 de janeiro de 1917. Mas ninguém imagine que Canellas
saiu desta batalha derrotado: no mesmo número ele anuncia que continuará sua luta
em qualquer outro lugar. Duas semanas depois está em Maceió, à frente da Semana
Social, “órgão político, literário e noticioso”. (SALLES, 2005, p. 46-47).
A trajetória política ideológica de Canellas em Viçosa foi marcada por experiências e
atuações através das páginas do periódico analisado, que teve uma repercussão evidente,
frente aos problemas existentes na municipalidade.
No que se refere ao posicionamento ideológico em seu periódico na cidade de Viçosa,
Canellas demonstra sempre em suas publicações uma afinidade com os ideais anarquistas,
podendo ser considerado anarquista pelos seus posicionamentos e observações descritas. Um
exemplo disso pode ser visualizado na última edição, onde se faz um comentário a respeito de
um companheiro de ideias, fazendo a seguinte afirmação no artigo, “ALFAIATARIA DEUSA
da MODA”:
[...] Passou a dirigir [alfaiataria deusa da moda] este afamado estabelecimento, o
nosso companheiro de ideias Olympio Sant‟ Anna. Alfaiate habilitado, exímio
cortador, o camarada Olympio Sant‟ Anna certamente merecerá a frequência da
freguesia. Folgamos muito em saber que a nossa causa não ficara desamparada aqui,
em Viçosa, porque Olímpio Sant‟ Anna é um sindicalista esforçado e ardoroso.
(TRIBUNA DO POVO, p. 2, 8 jan. 1916, p. 2, grifo nosso).
Segundo Alice Anabuki Plancherel (1997, p. 88), “Olímpio Sant‟Anna, ao lado de
Rosalvo Guedes – outra das mais destacadas lideranças regionais ácratas – tornara-se
inclusive, representante oficial da A Plebe no Estado de Alagoas90”.
Essas e outras informações deixam em evidência o posicionamento ideológico do
redator d‟ Tribuna do Povo, embora não se tenha encontrado referência a sindicatos,
organizações, processos grevistas, enfim uma atuação prática no tocante a mobilizações
classistas.
É evidente, por outro lado, as atuações instigantes, educativas e esclarecedoras frente à
realidade da sociedade de sua contemporaneidade. A divulgação de matérias de campanha
contra a guerra lhe custou perseguição e não aceitação dos poderosos locais, motivo que
também contribuiu para o fim da publicação do jornal. Outras disseminações publicadas
90
A autora acrescenta outra informação de Luís Sávio de Almeida (1988) sobre Olímpio Sant‟Anna: “informanos que o mesmo não só fora membro do núcleo ácrata de Alagoas, mas igualmente de um grupo anticlerical”.
(PLANCHEREL, 1997, p. 88).
89
foram referentes aos teóricos citados (Sebastien Faure, Kropotkin, etc.) e respectivamente as
suas ideias libertárias.
Não se pode deixar de mencionar as denúncias sociais (preços abusivos de alimentos,
como o da carne, injustiças sociais, considerações sobre os mendigos, surras injustas,
analfabetismo, etc.), sem falar de direitos trabalhistas (folga aos domingos), dos incentivos
aos trabalhadores rurais, mencionando meios de organização e ações diretas como
possibilidade de mudanças das quais eram vítimas.
A ação direta enquanto forma de luta libertária deixa claro o credo de Canellas, o qual
será acompanhado na sua experiência em Maceió, na publicação d‟A Semana Social, (1917).
Não somente o credo, a continuidade de atuação, observando uma concretização evidente, que
não fica restrita, tão somente, à divulgação de ideias. Isso não quer dizer, que as ideias não
fortifiquem a luta e resistência contra a dominação capitalista. O jovem Canellas demostrou
em Viçosa, para o que veio, quando pisou no Norte do país, e os passos que se seguem serão
trabalhados nas próximas sessões.
90
5
O TIPÓGRAFO ANTONIO BERNARDO CANELLAS E A PROPAGAÇÃO DE
IDEIAS NO PERIÓDICO A SEMANA SOCIAL (MACEIÓ, 1917).
5.1
O periódico “A Semana Social”.
A Semana Social91 foi o segundo periódico editado por Canellas no Estado de Alagoas.
Suas publicações começaram no dia 30 de março de 1917, com as seguintes informações no
seu cabeçalho: Anno I - N°1 composto em oficina própria, MACEIÓ, 30 DE MARÇO DE
1917. Redação: Rua do Araçá n° 82. Pajussara REDATOR – TIPOGRÁFO – ANTONIO
CANELLAS.
A partir de então, com as edições deste novo periódico, Canellas dá continuidade ao
que começara em Viçosa e cujas características (atuações, posicionamento político
ideológico) são observadas no transcorrer de suas vinte e seis edições, sendo a última
publicada em 03 de novembro de 1917. As publicações, segundo o redator, teriam
periodicidade semanal, com 4 páginas por edição. Na seção expediente, Canellas (1917) diz:
“Órgão dos interesses gerais, publica-se provisoriamente nos dias 10, 20 e 30 de cada mês aparecendo semanalmente, logo que o material tipográfico esteja suficientemente preparado”.
A assinatura do periódico custava mensalmente na capital 500 mil réis e no interior 800 mil
reis. Na edição de 06 de agosto, foi publicado um balancete financeiro do periódico, relativas
às vendas do mesmo em junho e julho com o saldo positivo, indicando que tinha uma boa
aceitação entre os leitores92. O jornal saiu semanalmente a partir da edição número 08. Até
esta edição o jornal saía a cada dez dias.
A boa aceitação dos leitores pode ser visualizada também através dos anunciantes do
jornal, que tinha como investidores membros de diversas classes sociais: membros da
pequena burguesia e profissionais liberais, sem falar dos artistas autônomos, como no caso
dos alfaiates. Para citar alguns dos anunciantes que utilizavam as páginas de A Semana Social,
e que foram patrocinadores do periódico Tribuna do Povo de Viçosa que se mantiveram fieis;
o Elixir Guardião e o Bilhar Ideal. Os outros anunciantes mais frequentes eram: Tipografia
Fernandes; Refinaria São José; Alfaiataria Gracindo (de Gracindo Alves) Farmácia Global e
91
A coleção completa do periódico está depositada no Centro de Documentação e Memória - CEDEM - UNESP
em São Paulo.
92
Os leitores do jornal segundo Octávio Brandão foram: os operários, os pequenos burgueses urbanos
progressistas e acrescentou que o jornal não teve mais leitores ou grandes tiragens por que era boicotado. O
mesmo não informou como o jornal chegava ao público leitor, entretanto, foi encontrado no jornal informações
de correspondentes em outras cidades (Aracaju, Pilar, União do Palmares, etc.) e de locais de venda em Maceió.
Essas informações estão disponíveis no Depoimento à Fundação Getúlio Vargas, 1977, Rio de Janeiro,
CPDOC/FGV- História Oral, 1993, (p. 8).
91
Dr. Manoel Brandão; depósito de madeiras do Sr. Francelino; Farmácia Globo; Atelier
Gráfico de Rebello & Co; Consultório Dentário do Dr. Dameão Moeda; Loja Progresso;
Alfaiataria Tombo de Maceió; Farmácia Apollo; Oscar Lobo; despachante estadual; loja de
tecidos Aurora Boreal; de Demerval Vieira & Irmão; Depósito de Cereais de Artur Macedo.
Em relação a outras características do periódico, é importante citar uma coluna que
falava do mundo jornalístico, mencionando os objetivos e missões da imprensa, visitações de
outros jornais à redação do periódico A Semana Social, comentário em relação à revista:
Pyrausta, O Álbum, lançamentos de jornais, inclusive, em São Paulo, como por exemplo, o
lançamento do jornal A Plebe.
Existia também um espaço para correspondência, onde eram informadas e trocadas
correspondências entre os assinantes e quem tivesse interesse, sem falar do espaço referente
às meditações sobre: amor, liberdade, vida e esperança, notas sociais, para agradecimentos e
relação dos parabenizados por completarem mais um ano natalício, etc. No editorial de sua
primeira publicação, o editor, sintetiza seu programa e seus ideais:
Sermos verazes informadores dos nossos leitores e assinantes; sermos dedicados
defensores da Liberdade e da Justiça; mantermos uma leal neutralidade em torno das
questões sobre as quais não tivermos força ou motivo para expender nossas
opiniões; batermo-nos pela implantação de um regime político- econômico fundado
na paz, no respeito mútuo e na igualdade perante os meios de desenvolvimento e de
ação em todas as manifestações da vida. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 30 mar.
1917).
Interessante observar a consonância, por exemplo, com alguns objetivos descritos no
editorial da Tribuna do Povo de Viçosa. Quais sejam: a defesa dos trabalhadores, a busca por
liberdade, justiça social, propagação de um sistema independente e livre de exploração,
fazendo referência ao socialismo93 e outras correntes ideológicas.
Essas e outras observações serão acompanhadas através das publicações do periódico
que contém em suas páginas, informações referentes aos limites, conquistas, rupturas,
ideologias, desafios, ações e problemas enfrentados no curto e caloroso período em que
Canellas juntamente com a sociedade vivenciaram outrora. A Semana Social foi um jornal de
grande repercussão em Maceió e nas cidades circunvizinhas sendo vendido inclusive em
93
Sobre o socialismo em Alagoas ver: MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. Trabalhadores, identidade de classe
e socialismo: os gráficos de Maceió (1895 – 1905). 2009. 207 p. Dissertação (Mestrado em História).
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. Em relação a outros estados do Nordeste In:
GONÇALVES, Adelaide (Org.). Ceará socialista. Florianópolis: Insular, 2001. BEZERRA, Aurélio Meneses;
FERREIRA, Maicon Maurício Vasconcelos; BEZERRA, Rafael Santana. (Org.). Manifestações operárias e
socialistas em Pernambuco. Recife: UFPE, Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia, 2011.
MOREIRA, Aluísio Franco. As idéias socialistas e classes sociais em Pernambuco na república velha.
Symposium: Revista da UNICAP, Recife, v. 25, n. 1, 1983.
92
Aracaju–SE,94 encaminhado aos militantes do Rio de Janeiro, enfim um jornal com circulação
em âmbito nacional.
5.2
Instrução e propaganda – a eclosão das ideias nas páginas d‟A Semana Social
Desde a primeira publicação em 30 de março de 1917, Canellas divulgava em suas
páginas, informações educativas e elucidativas a respeito dos acontecimentos internacionais,
nacionais, regionais e municipais. Em relação aos internacionais, o redator publicava
frequentemente reportagens referentes à Primeira Guerra Mundial e sobre a Revolução
Russa.95 Vejamos um de seus comentários e observações em relação à Revolução Russa, na
introdução do artigo: “A Revolução Russa suas causas e suas possíveis consequências”:
[...] A explicação desse fenômeno obtém-se analisando-se com a lente realista do
materialismo histórico os acontecimentos que a 30 meses estão se desenrolando
sanguinolentamente no solo da velha Europa. Por mais superficial que seja tal
análise, ter-se-á de constatar que a guerra da Rússia contra os impérios centrais é
fruto da política da expansão eslava. Ora, essa era feita com a oposição do povo
russo e com o sacrifício das necessidades vitais da raça eslava. Quando o czar quis
expandir-se pela Manchúria afora, o povo russo levantou-se revoltado e foi afogado
em sangue; agora, quando a expansão do político coroado se dirigiu contra a Áustria
e a Ásia Menor esse mesmo povo havia de, fatalmente, levantar-se novamente. [...]
Do que se precede conclui-se que as necessidades da evolução político- social do
povo da Santa Rússia mãe exigem um expansão por meio de conquistas guerreiras.
O povo russo precisa, sim, de um regime político- econômico equitativo e liberal
para poder, então seguir sua evolução normal até que sua cultura e a sua civilização
transbordem para além de suas fronteiras pela palavra dos seus sábios e filósofos e
pelo exemplo de sua organização social. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 30 mar.
1917).
Interessante observar o comentário de Canellas a respeito do materialismo histórico,
uma abordagem metodológica que foi utilizada pela primeira vez por Karl Marx e Friedrich
Engels. O materialismo histórico é uma abordagem metodológica acerca do estudo da
sociedade, da economia e da história. Como descrito acima, Canellas fez uma análise da
Revolução Russa (causas) a partir de pressupostos do materialismo histórico.
Para Canellas, a Rússia não necessitava tomar parte na Guerra para garantir expansão
territorial, mas sim era necessário que o povo russo adotasse um regime político econômico
baseado nos ideais da justiça e da liberdade e, de acordo com o editor d’A Semana Social, não
94
O responsável pela venda e cobrança dos assinantes era o senhor Alberto Neno Pereira e o jornal era
encontrado na agência da Companhia Singer, na Rua São Cristovam s/n Aracaju – SE. A SEMANA SOCIAL,
Maceió, p. 3, 29 set. 1917.
95
Artigos referentes à Revolução Russa e seus desdobramentos encontra-se no periódico A SEMANA SOCIAL,
Maceió, p. 1-4, 30 mar. 1917; A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1-4, 10 abr. 1917; A SEMANA SOCIAL,
Maceió, p. 1-4, 19 jun. 1917; A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 11 jul. 1917; A SEMANA SOCIAL,
Maceió, 4, 21 jul. 1917; A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 8, set. 1917.
93
seria derramando sangue que os russos chegariam a este regime96. O correto, segundo o autor,
seria lutar em prol de uma sociedade onde o imperativo fosse o respeito mútuo, a paz e a
fraternidade universal, não deixando que as mentiras burguesas e as ilusões patrióticas os
dominassem. A efervescência mundial do ano de 1917, as constantes e crescentes agitações
no campo da luta da classe operária no Brasil e o ápice da Revolução Russa causaram forte
impacto entre os militantes no Brasil. Segundo Everardo Dias:
1917 foi para nós como um arrebol anunciado uma aurora radiosa de redenção, e sob
nossos olhos estáticos, surgiam os rostos dramáticos de homens e mulheres do povo
russo acompanhando seu guia genial: - Vladimir Ilitch Ulhíanov... Lénin! A Justiça
Social era como se de repente se rasgassem as nuvens do espaço e surgisse, num
golpe mágico, a feérica encenação de um novo mundo sem sofrimentos, sem
orgulhos, sem injustiças – um mundo de homens livres e compreensivos,
fraternizados, trabalhando para apagar todas as antigas divisões de povos e raças,
todas as iniquidades... (DIAS, 1977, p. 36-37).
Nesse sentido, é interessante comentar uma observação feita por Moniz Bandeira
sobre os militantes que atuaram no movimento operário brasileiro, que independente de serem
socialistas ou anarquistas, se posicionaram, desde o primeiro momento ao lado da “República
do Sovietes”. O que chama a atenção em seu comentário é que ele diz que Canellas é
anarquista. Observemos:
Os intelectuais que atuavam no movimento operário, socialistas ou anarquistas,
estes, como Astrojildo Pereira, Evaristo de Morais, Mauricio de Lacerda, Murilo
Araújo, Domingos Ribeiro Filho, Fábio Luz, José Oiticica, Edgard Leuenroth,
Otávio Brandão, Everardo Dias (quem primeiro traduziu Dez Dias que abalaram o
Mundo, de John Reed), Antonio Canelas, Agripino Nazaré, José Martins, Carlos
Dias e muitos outros, colocavam-se desde o primeiro momento, ao lado da
República dos Sovietes. (BANDEIRA, 1980, p. 239).
Independentemente da corrente ideológica dos militantes citados, é inegável que a
Revolução Russa influenciou as ideias, o imaginário, as expectativas dos militantes quais
sejam: comunistas, anarquistas etc. As ideias, conceitos e posicionamentos dos militantes no
período de 1917 a 1922 são marcados por posicionamentos confusos e vagos inicialmente, e
por mudanças e rupturas até a fundação do Partido Comunista97.
96
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 30 mar. 1917.
Para uma melhor compreensão acerca da fundação do Partido Comunista do Brasil ver: AMARAL, Roberto
Mansilla. Astrojildo Pereira e Octávio Brandão: os precursores do comunismo nacional. In: FERREIRA, Jorge;
REIS FILHO, Daniel Aarão. (Org.). As esquerdas no Brasil: a formação das tradições (1889-1945). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; BANDEIRA, Moniz; MELO Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho:
a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980; BARTZ, Frederico Duarte. O
horizonte vermelho: o impacto da revolução russa no movimento operário do Rio Grande do Sul (1917-1920).
2008. Dissertação (Mestrado em História ) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008;
KONDER, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das idéias de Marx no Brasil, até o começo dos anos 30.
2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
97
94
Outro grande evento evidenciado por Canellas em seu periódico foi a Primeira Guerra
Mundial, da mesma forma como foi evidenciada no periódico em Viçosa. Os artigos escritos
eram didáticos, no sentido de trazer informações e de chamar a atenção para as causas,
objetivos, pretensões, manipulações, prejuízos e principalmente em relação às consequências
para a sociedade que poderiam advir com a grande guerra. Nesse sentido, ele faz uma
pergunta acerca de quem quer a guerra e ao mesmo tempo responde-a. Acompanhemos sua
elucidação:
Quem quer a guerra no Brasil? Não quer o povo em geral. O povo neste momento
está preocupado, assoberbado e atormentado com a carestia de vida e até os mais
ignorantes d‟ entre os homens do povo sabem que uma guerra viria agravar a
carestia a ponto de tornar a vida impossível, neste país. [...] Não quer a classe
operária [...] Não a quer a burguesia [...] Não a quer o conjunto do sexo feminino
[...] Não a querem muitos capitalistas e industriais [...] Não a quer o chanceler da
República [...] Não a querem os homens da ciência [...] E então, quem quer a guerra?
Querem-na certos políticos sem escrúpulos que põem as suas simpatias por um
grupo de beligerantes acima dos sagrados interesses do povo brasileiro. [...] Por isso,
si os nossos dirigentes nos arrastarem á guerra cometerão um crime social e trairão
os nossos destinos. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 10 maio, 1917).
A Primeira Guerra foi um tema recorrente nas publicações do periódico, em
consonância com a contextualização brasileira no que diz respeito aos desdobramentos e
consequências da eventual participação. Essa temática na realidade já era discutida e posta em
evidência e “coube ao proletariado, agrupado na Confederação Operária Brasileira, lançar em
1915, a luta contra a guerra. O Centro de Estudos Sociais coordenou o movimento”.
(BANDEIRA, 1980, p. 41).
Diversos textos escritos por nosso tipógrafo concentraram-se em sua maioria na
campanha contra as arbitrariedades decorrentes da Primeira Guerra Mundial, muitas vezes
clamando o povo para uma ação enérgica, no sentido de não apoiar a declaração de Guerra a
Alemanha, devendo ficar neutro, frente ao imperialismo Alemão e atento a euforia patriótica.
Desta forma, ao falar sobre a guerra, ele chama atenção sobre a implantação do patriotismo na
sociedade. Segundo Canellas, o patriotismo implantado deixa os homens cegos 98.
Observemos:
[...] E a loucura dos povos chegou a tal ponto que a causa guerreira, que deveria ser
somente a causa da casta governamental e da classe capitalista, tornou-se a causa do
povo e de cada homem do povo. De maneira que hoje se os governos e os industriais
beligerantes se quisessem reconciliar, encontrariam da parte do povo fanatizado pelo
militarismo, uma oposição cega e violenta – que se transformaria imediatamente em
98
O posicionamento de Canellas nesse artigo é contundente, no sentido, de chamar a atenção para a questão do
patriotismo, segundo ele, um mal para os homens, exemplificando o que ocorrera na Europa. O exemplo citado
pelo redator pode ser extensivo ao Brasil, talvez, tenha sido essa a proposta da matéria sem falar de sua opinião e
posicionamento acerca do patriotismo.
95
insurreição caso a paz se mantivesse. Mas os governos europeus estão longe de se
quererem reconciliar. Cada dia eles aumentam de fúria e cada vez mais procuram
aumentar o fanatismo patriótico e o ardor do povo. Porque o ardor militar e o
fanatismo patriótico do povo são obras dos dirigentes e dos seus porta- vozes da
imprensa. [...] Foi a ideia patriótica que enlouqueceu os homens e logo após o ardor
militar se apoderou deles tornando-os bestas abandonadas aos instintos da matança,
do saque e da conquista. (A SEMANA SOCIAL, p. 2, 27 out. 1917).
E continua se posicionando veementemente contra a participação do Brasil na guerra.
Quando esta é declarada, deixa claro que foi em virtude da dependência econômica e política
do Brasil em relação aos Estados Unidos. Depois de tantas publicações, reflexões sobre o
Estado, política, questões econômicas, o nosso tipógrafo analisa o posicionamento do Brasil
em sua última publicação, em 03 de novembro de 1917 com as seguintes palavras:
Esse gesto do Brasil declarando guerra à Alemanha, representa a consumação da
mais imoral canalhice da quadrilha governamental em 1889 e reformada de 4 em 4
anos. Os interesses do povo brasileiro não exigem uma guerra nem contra a
Alemanha e nem contra qualquer outra potência. Precisamos é de paz. A paz
necessária ao nosso desenvolvimento econômico e ao nosso progresso moral.
Portanto, a declaração de guerra à Alemanha foi uma traição aos interesses do povo
brasileiro e um entrave ao nosso progresso. Mas resta-nos o consolo de que a
declaração de guerra à Alemanha não representou de fato, a manifestação da opinião
nacional; não foi um gesto do Brasil e sim dos que dirigem o Brasil. [...] Por isso,
vê-se que temos razão quando dizemos que a declaração de guerra à Alemanha foi
mais imoral canalhice da quadrilha republicana. (A SEMANA SOCIAL, p. 1-4, 3
nov. 1917).
A culminância da declaração de guerra confirma o posicionamento adotado por
Canellas ao longo de seus artigos, por exemplo, no artigo: “A sistemática escravização do
povo” 99. Segundo ele, a miséria, a dependência econômica levava o povo a uma dominação
da política dirigente, fazendo-o aceitar a guerra e esta seria a chamada escravização do povo.
O autor chamava a atenção para a necessidade de uma agitação do povo contra os inimigos da
liberdade, numa referência aos políticos dirigentes do país que se posicionavam a favor da
guerra.
Ainda com relação à guerra e às questões nacionais, Canellas divulgou um artigo de
seus colaboradores, nessa oportunidade fazendo a ligação com acontecimentos internacionais.
O artigo tratava do posicionamento do governo do presidente Wenceslau Braz a respeito da
participação do Brasil na Primeira Guerra100, demonstrando que a oposição à guerra não se
99
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 20, maio 1917.
Matérias referentes à Primeira Guerra Mundial: A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3-4, 20 maio, 1917; p. 3,
30 mar. 1917; p. 1, 20 abr. 1917; p. 3, 30 abr. 1917; p. 1, 10 maio, 1917; p. 1, 10 maio 1917; p. 1 -4, 30
maio, 1917; p. 1, 9 jun. 1917; p. 1, 3 jul. 1917; p. 2, 11 jul. 1917; p. 1; 18 ago. 1917; p. 2, 25 ago, 1917; p.
3, 1 set. 1917; p. 1, 8 set. 1917; p. 3, 16 set. 1917; p. 4, 6 out. 1917; p. 1, 13 out. 1917; p. 1 -3, 27 out.
1917; p. 1-4, 3 nov. 1917.
100
96
dava apenas por conotações ideológicas, sendo também um protesto contra as consequências e
efeitos da guerra, como a carestia de vida por exemplo.
Nesse sentido, as observações do nosso tipógrafo acerca da guerra seriam no sentido
de chamar a atenção para o fato de que a guerra só geraria prejuízos, que era uma guerra
imperialista, de interesses, de partilha, sem falar, claro, das atrocidades, número de vítimas,
este último, inadmissível enquanto tratamento para com o próximo. Uma campanha educativa
e informativa, chamando a atenção e deixando claro que o posicionamento do governo e da
sociedade deveria ser de contrariedade à participação e envolvimento do Brasil na guerra101.
Contestando a “utilidade” da Guerra, o redator d‟A Semana Social publicou um artigo
intitulado “Os patriotas semeiam ódios para colher frutos de sangue” 102, um alerta para as
consequências das atitudes dos patriotas fervorosos para declaração de guerra à Alemanha.
Declaração essa, que com a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial afetou o
movimento operário, como coloca Boris Fausto:
[...] com a entrada do Brasil na guerra que pesa desfavoravelmente sobre o
movimento operário de duas formas: pela utilização por parte do governo do clima
da exaltação patriótica, com o objetivo de amortecer os conflitos; pelo emprego de
medidas repressivas e a restrição geral das liberdades públicas, facilitados com o
decreto do estado de sítio, por parte do Congresso, no mês de novembro. (FAUSTO,
1977 p. 160).
Ainda no que diz respeito à guerra, Canellas exibia em seus artigos o seu
posicionamento de contrariedade à Lei do sorteio militar obrigatório103. De acordo com o
redator, esse espetáculo (do sorteio militar obrigatório) significava a mais completa
desmoralização política, a esteriotipação da falência da política dirigente, a negação do
regime republicano. E diz ainda que muitas leis criadas apresentam dois aspectos diferentes e
discordantes: uma parte para ser aplicada ao povo e outra parte para ressalvar o conforto e a
liberdade da burguesia. Assim, é possível perceber que Canellas entendia a lei do sorteio
militar obrigatório como uma maneira de “escravizar” o povo aos interesses da burguesia.
Como se percebe, os posicionamentos de Canellas relativos à Primeira Guerra
Mundial revelam que ele participava do ambiente de circulação de informações, ideias e
argumentos que a imprensa operária realizava no país numa campanha formativa e
informativa, produzindo um contraponto à massiva leitura que a grande imprensa realizava no
período sobre o tema.
101
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 10 maio, 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 3 nov. 1917.
103
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 20 maio, 1917. Esse posicionamento, como já vimos, iniciou em Viçosa
nas publicações d‟ Tribuna do Povo.
102
97
Quanto às questões nacionais, às datas alusivas a fatos históricos eram colocadas em
evidência. Um exemplo de datas de fatos históricos foi o artigo publicado em 20 de maio de
1917 que tinha o seguinte título: “A sistemática escravização do povo”. Nesta mesma edição
há uma reflexão sobre o treze de maio, que pode ser sintetizada com o seguinte comentário do
autor:
[...] Igualaram-se politicamente os pretos aos seus senhores, mais deixou-se de pé a
desigualdade econômica que entre eles existia. Resultado: criaram-se novas formas
de escravidão (salário barato, dependência econômica, etc.) e voltou a reinar o
equilíbrio entre os interesses dos proprietários e as liberdades políticas dos que
vivem do trabalho braçal – isto é, neutralizou-se o efeito da lei e reservou-se a
propriedade da burguesia proprietária. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 20 maio, 1917.
É possível observar, neste artigo, que Canellas faz um comentário, chamando a
atenção para a falsa impressão da liberdade dos escravos, livres pela concessão da Lei, porém
acorrentados à não inserção social. Uma observação feita após quase três décadas e que
atualmente é abordado num mesmo viés, como argumenta Florestan Fernandes: “quando o
negro deixou de ser parte importante no processo produtivo, este passou a não mais estar ao
foco do Estado”. (FERNANDES, 2007, p. 68). Ou seja, o negro interessava enquanto mão-deobra, no entanto ao estar livre ele passou a ser considerado uma espécie de “estorvo” social.
Ainda no tocante às questões nacionais, uma publicação polêmica foi a respeito da
bandeira nacional, onde o colaborador José Carneiro Duarte, que usava o pseudônimo de Juca
d‟Athayde, faz referências à política e suas respectivas características alusivas na imagem do
símbolo nacional:
O meu triste pendão auriverde como és agourento e funesto: como é maldito o
cérebro que te inventou e as mãos que te fizeram! O meu triste pavilhão estrelado
que tremulas no topo dos longos mistérios alvicentos, eu vejo nesta tua agitação
satânica uns trágicos gestos de ironia e de escarnio! O meu triste pavilhão sem honra
e sem gloria que representa a nação de um povo estimado, quando deixarás de ser o
símbolo da miséria e da desordem! (A SEMANA SOCIAL, p. 2, 30 abr.1917).
Reflexões como estas fizeram com que as críticas fossem levadas a público, com o
intuito de fazer pensar sobre a imagem da bandeira nacional, sobretudo para os ditos patriotas.
Aliás, sobre o patriotismo, o colaborador Octávio Brandão publicou um artigo cujo título foi:
“O que é o patriotismo” 104 definido em suas palavras o termo patriotismo, como sendo uma
obra de paz e não de guerra. Seu comentário é consonante com o posicionamento de Canellas,
ou seja, ratificou o pensamento de serem, ambos, efetivamente contra o envolvimento e
participação do Brasil na Guerra.
104
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 27 out. 1917.
98
Embora dedicasse bastante espaço discorrendo sobre a guerra e seus malefícios, as
páginas d’A Semana Social também davam especial ênfase às causas do movimento operário,
estivessem essas ligadas a assuntos de interesse da categoria, organização em outros estados e
também, quando se tratava de dirimir algum boato ou atacar frontalmente àqueles que não
respeitassem a causa.
Tanto assim, que na edição de 09 de Agosto de 1917, o nosso redator publica o artigo:
“O movimento operário e a imprensa burguesa A CALUMNIOSA LENDA DOS
AGITADORES EXTRANGEIROS VIVE SEMPRE”, onde nega com veemência a existência
de agitadores estrangeiros dentro do movimento operário brasileiro, pois segundo o que se
diziam, os operários brasileiros seriam contrários às manifestações enérgicas e que as greves
seriam obras dos tais agitadores estrangeiros. Havia, segundo Canellas, a divulgação de um
telegrama no jornal Diário de Pernambuco no qual se dizia que, estes agitadores estrangeiros é
que eram responsáveis até mesmo pela redação dos boletins grevistas destinados aos operários
e isto também gera em nosso redator um misto de indignação e revolta. Vejamos:
[...] como se fosse ignorado que no movimento operário estão militando intelectuais
de alto valor e como se fosse impossível que entre o operariado brasileiro hajam
pessoas de alto cultivo. Para o zebroide que passou aquele telegrama, é inadmissível
que os intelectuais se dediquem desinteressada e generosamente a causa operária [...]
(A SEMANA SOCIAL, p. 1, 6 ago. 1917).
Ressaltando a existência da participação de intelectuais no movimento operário
alagoano, o redator d‟A Semana Social deixava claro que, embora fosse comum que alguns
intelectuais vivessem “acocorados debaixo das sombras protetoras das instituições
burguesas”, havia também aqueles intelectuais heroicos que se dispunham a trocar a pena
pelas ferramentas do trabalho material para defender a verdade em detrimento da mentira.
Desmentindo, pois, o boato de que haveria agitadores estrangeiros e comitês secretos de
informação, Canellas aponta para os políticos dirigentes como sendo estes os verdadeiros
inimigos do Brasil, dizendo que estes e sua “chusma de satélites” giram em torno dos dois
sóis do mundo burguês: a política e o dinheiro.
Outros assuntos eram abordados sobre o movimento operário, quais sejam assuntos de
interesse da categoria, organização em outros estados como, por exemplo, Rio de Janeiro,
Pernambuco, etc. As questões sociais também eram descritas e observaremos seus
posicionamentos e percepções referentes ao Estado de Alagoas e aos municípios
circunvizinhos a cidade de Maceió, contextualizados com os demais estados do Brasil.
Em relação ao Estado de Alagoas, na perspectiva acima citada, as reportagens e
artigos eram alocados com foco nos seguintes pontos: economia e desenvolvimento, eleições
99
estaduais, política, situações sociais como, por exemplo, aplicabilidade da Lei e não equidade
em sua execução, exploração dos trabalhadores, a carestia dos produtos de primeira
necessidade, reforma agrária, organização dos operários no que se referem à mobilização,
etc.105.
Uma das questões que comumente eram divulgadas referia-se à situação econômica do
Estado e de Maceió, englobando algumas cidades, como Viçosa por exemplo. Nesse sentido,
foi publicado um artigo falando da importância e necessidade da construção de estradas
pavimentadas que ligassem o interior à capital, facilitando o escoamento dos produtos e
respectivamente o preço, sem falar da ligação entre o porto, vilas e cidades do estado, que
significaria, segundo o autor, um avanço para o desenvolvimento econômico social106 do
Estado e respectivamente de Maceió.
No que se refere à política, é feita a seguinte observação em relação às mudanças
advindas por motivos das eleições e respectivamente da elegibilidade de novos candidatos,
que segundo o autor não representaria mudança alguma. Essa questão fica clara no seguinte
artigo: “Vai-se embora o atual presidente e depois virá outro. „Mutuais Mutantes‟ e[...] a
miséria do povo continuará[...]” 107. Em relação ao povo, é descrito o seguinte comentário a
respeito das eleições e possibilidades de mudança social decorrentes das ações políticas no
setor público. Observemos o comentário:
Ao povo, pouco ou quase nada está interessado esses ruídos de luta política. O povo
já está compreendendo que, quer seja eleito este ou aquele, terá de passar mais três
anos de miséria, de rebaixamento moral, de trabalhos forçados e de injustiça. E
assim será enquanto o povo continuar a suportar quem explore, quem rebaixe, quem
force e quem lhe desconheça os direitos[...] (A SEMANA SOCIAL, p. 4, 19 jun.
1917).
Canellas faz outra observação em relação à política mostrando sua intensa falta de
credibilidade com este tema, mencionando o Estado do Rio de Janeiro no artigo: “O „frevo‟
político está a escumar, na terra de ararigboia [sic]...” 108. Nesse artigo, o redator chama
atenção para as manobras políticas utilizadas nas campanhas, fazendo uma observação em
relação aos eleitores que eram iludidos com os falsos “protetores” do povo, uma referência à
candidatura de Matoso Maia, apoiado por Nilo Peçanha ao governo do Rio de Janeiro. Ainda
105
Embora nas publicações das páginas do periódico se sobressaiam referências aos assuntos citados, é
importante citar que matérias referentes a manifestações operárias não foram muito publicadas, entretanto, são
feitas algumas referências a greves, reuniões e associações. No tópico referente à atuação de Canellas, será
descrito informações relacionadas às manifestações operárias.
106
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 30 mar. 1917.
107
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 30 mar. 1917.
108
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 10 abr. 1917.
100
sobre a política e “politicagem”, apresenta outro artigo: “Estamos reintegrados na federação!”
109
. Deixando claro que a reintegração não muda em nada a cobiça e manutenção da estrutura
do poder vigente, reconhecendo ser uma característica política extensiva a outros estados, não
somente a Alagoas.
Em consonância com a política, eram tratados assuntos relacionados às questões
sociais. E nesse sentido, Canellas abordava juntamente com seus colaboradores questões
referente aos interesses da classe operária, mas também relativos aos agricultores e, enfim, à
sociedade maceioense e das regiões circunvizinhas em geral. Vejamos um exemplo a respeito
da situação da classe operária e da necessidade da organização desta no Estado de Alagoas.
No artigo: “Solidariedade, trabalhadores!” 110, Canellas deixa claro que os operários vivem
em condições de dependência dos patrões, sem o mínimo de justiça e bem estar social. Ele
chama a atenção, em seu artigo para necessidade de mudança, ainda segundo ele, através da
união e organização para ação e resolução dos problemas sociais, finalizando o artigo, com a
seguinte observação: “solidariedade, trabalhadores!”.
Outros trabalhadores são também elencados em suas referências, como por exemplo,
os trabalhadores rurais111 do interior do Estado, comentando os malogros que assolavam os
moradores das cidades interioranas, que viviam no meio rural apresentando as seguintes
dificuldades existentes: alta taxa de analfabetismo, misérias e exploração dos grandes
proprietários. Ainda sobre os trabalhadores rurais, o redator Canellas faz um comentário
importante sobre uma lei que garantiria a posse da terra aos trabalhadores rurais que tiveram
suas terras expropriadas. Vejamos o comentário:
No governo do coronel Clodoaldo criou-se uma lei que permitia reintegrar nas terras
os trabalhadores que delas haviam sido esbulhados. Mas essa lei não pôde produzir
efeito porque os grandes proprietários tiveram a preocupação de destruir todos os
documentos que pudessem, no futuro, habilitar os lesados a reaverem suas terras.
Hoje já não se fala nessa lei – mesmo, porque a nobreza maltina está sendo
gradualmente substituída pela aristocracia democrática e, si aquela muito
prejudicava o decreto do honrado coronel, a esta não convém de forma alguma a
aplicação rigorosa de uma lei que tem por fim garantir os direitos dos trabalhadores
corridos de suas terras[...]. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 9 jun. 1917).
No referido artigo, é denunciada a forma de expropriação de terra, o que termina por
garantir poder para os latifundiários, sendo também corroborada a necessidade de organização
109
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 20 abr. 1917.
A SEMANA SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 20 abr. 1917.
110
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 20 abr. 1917.
111
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 19 jun. 1917.
110
101
dos agricultores através da orientação e conhecimento dos meios necessários para
conseguirem o que lhes pertencia; a terra e o direito de trabalhar livremente.
Ainda sobre este assunto, é oportunizada uma reflexão acerca do sistema capitalista e
consequentemente do mundo burguês que tivera influência nas atrocidades cometidas pelos
mandatários que em nome da legalidade usurpavam o bem alheio. Nesse sentido, Canellas
publica o seguinte artigo: “Belezas do mundo burguês. Progresso atravancado” 112, fazendo
referência aos interesses dos capitalistas alagoanos, que se utilizavam do governo para
garantir suas posições e privilégios. Em outro artigo: “Ferro em brasa... O comendador, o
Jornal do Comércio e a Semana Social” 113, Canellas expõe sua indignação em relação às
bajulações do Jornal do Comércio com colocações ao favor do comendador Teixeira Bastos.
Segundo Canellas, um explorador da classe trabalhadora, recebendo imerecidamente a
definição “Basto rei do trabalho e da benemerência!” por Zé Antonio, jornalista do Jornal do
Comércio.
Outras referências são feitas ao Jornal do Comércio no mesmo sentido de que através
da bajulação, adquiria seus benefícios econômicos. No artigo: “O Jornal do Commercio e o
operariado. Os processos dele não são os nossos” 114, Canellas esmiúça com ênfase a ideia
acima exposta afirmando que o operariado não cederia de forma alguma ao expediente da
bajulação para conseguir benefícios econômicos, de quem quer que fosse. E rebate com
firmeza àqueles a quem julga serem os opressores do povo e a quem o Jornal do Commercio
trata com tanta “simpatia”, como sendo os “reis da benemerência”, “benfeitores da
humanidade”, “amigos do povo”, mas que no fundo, segundo Canellas, não passavam de
tiranos.
Mais uma vez, percebe-se o quão negativa era a avaliação que o redator d’A Semana
Social fazia da figura dos poderosos políticos, especialmente o Comendador Teixeira Basto, a
quem adjetivava uma “proverbial ruindade” e com quem amiudadamente se confrontava.
Dando continuidade aos assuntos expostos nas páginas do periódico é apresentada
uma discussão a respeito da sucessão governamental em Alagoas. Nosso tipógrafo publica o
artigo: “A sucessão governamental!” 115. A respeito do assunto deixa claro que, mesmo com a
elegibilidade de Fernandes Lima, envolta num discurso vazio de mudanças e melhorias, o que
se manteria, na verdade, era a mesma postura oligarca, que delineava a cena política desde
tempos imemoriais. Ainda no texto, Canellas dizia crer que chegaria um dia em que o povo,
112
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 26 jun. 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 3 jul. 1917.
114
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 1 set. 1917.
115
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 29 set. 1917.
113
102
ciente das más intenções dos políticos e dotados de tal conscientização, lhes aplicaria o gesto
da “banana”. Segundo o redator, um gesto que deveria ser aplicado nacionalmente. Ele cita o
gesto, tendo em vista as atuações do governador Fernandes Lima que durante a campanha e
eleição era uma “esperança” de mudanças em relação à oligarquia maltina. Na verdade,
quando eleito, não houve mudanças e o povo de novo ficou a ver navios. O redator finaliza
argumentando que o povo, dentro em breve, perceberia as manobras políticas e se
posicionaria em contrariedade com o gesto citado. Observemos o argumento citado por
Canellas:
[...] É conveniente acrescentar-se que os que se desiludiram da benemerência dos
políticos democratas não foram envolver-se em véus de ilusões sobre a
benemerência dos políticos conservadores. Não o povo está compreendendo que os
políticos – intitulem-se eles democratas ou conservadores- são uns parasitas da pior
espécie e já está principiando a envolve-los, a todos, no seu desprezo e na sua
desconfiança. Dentro em breve, quando os politicantes apelarem para a boa fé do
povo receberão a devida resposta; uma aplicação desse famoso gesto nacional, que
tão bem traduz a banana ... Que não se demore essa época bendita! (A SEMANA
SOCIAL, p. 2, 29 set. 1917).
Voltando às questões sociais, é publicado um artigo: “Um crime social” 116. No citado
artigo, é denunciada a exploração de crianças e mulheres nas fábricas com jornadas
excessivas de trabalhos, denunciando, inclusive, o nome dos proprietários:
[...] Se se fosse fazer a estimativa das mortes causadas pela ganancia industrial,
chegar-se-ia a assombrosa conclusão de que, em número de vítimas, os terríveis
personagens da galeria dos criminosos célebres estão aquém muito aquém, dos
Zagalo, dos Teixeira Bastos e dos demais donos de fábricas onde trabalham 15 horas
por dia. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 6 out.1917).
É necessário dizer que os Zagalo e os Teixeira Bastos eram duas das famílias mais
importantes do estado alagoano, pertencentes à elite, ambas ligadas ao setor têxtil. Da
primeira família, os Zagalo, não foram encontradas, até o momento, nenhuma informação,
exceto, como já se disse, que esta era ligada ao setor têxtil. Quanto ao Comendador Teixeira
Basto, este era lusitano de Cabeceira do Basto, tendo imigrado para o Brasil onde reside
durante aproximadamente meio século em terras alagoanas, onde funda e torna-se o principal
acionista da fábrica Cachoeira em Rio Largo.
Posteriormente, junto com alguns sócios, Teixeira Basto fundou outra sociedade
anônima denominada Companhia Progresso Alagoano, sediada em Maceió, mas com sua
unidade fabril situada na margem mais elevada do Rio Mundaú, com o objetivo de fiar e tecer
algodão em cores e prontos de malha, entre diversos outros empreendimentos. O sucesso
116
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 6 out. 1917.
103
nesses empreendimentos comerciais fez com que Teixeira Bastos adquirisse bastante
influência na vida comercial e política no estado alagoano, ocupando inclusive o cargo de
presidente da Junta Comercial do Estado de Alagoas, nomeado pelo governador Gabino
Besouro117.
A despeito de ser rico e poderoso, a figura do Comendador Teixeira Basto não
impunha medo a Canellas, que estava sempre denunciando os abusos deste “benemérito do
povo” e todos mais que ousassem abusar e cercear os direitos dos operários.
Retomando o artigo “Um Crime Social”, o redator d‟A Semana Social chama a
atenção para a importância dos trabalhadores unirem-se para lutarem pela implantação de um
regime de justiça e do direito à existência feliz, condições estas que seriam garantidas pelo
sistema
econômico
da
propriedade
comum
e
apoiados
pela
igualdade
política
verdadeiramente compreendida.
Em relação à cidade de Maceió e cidades circunvizinhas, foram editados artigos
mencionando aspectos relativos à infraestrutura, transporte, higiene, sobre mendigos, preços
de alimentos, problemas relacionados a outras cidades, eventos, reclamações, etc.
Uma destas reclamações foi editada a respeito da Praça Miguel Omena, localizada no
bairro de Jaraguá. Segundo a reclamação a praça estava abandonada, com bancos quebrados,
ou seja, faltando os devidos cuidados e, em função disto, solicitava providências118. Eram
divulgados também preços dos alimentos em alguns municípios do estado119, sendo
disponibilizada uma coluna: “Semana nos municípios” na mesma edição, cuja finalidade era
serem publicadas informações das cidades do interior, como por exemplo, Atalaia e Viçosa.
Curioso observar um artigo120 mencionando um concurso em Curitiba no Paraná, que
seria a 3° exposição do milho, sendo as informações disponibilizadas com o seguinte título:
“A revista Chácaras e Quintais de São Paulo, presta qualquer informação aos agricultores que
queiram concorrer à exposição do milho”. Na mesma edição do referido artigo, é destacado
outro texto sobre a não equivalência na aplicação da Lei referente a dois casos ocorridos em
Maceió acerca da cobrança na venda de peixes e da cobrança por atendimento médico.
No artigo: “A igualdade perante a Lei é uma Burla, os médicos, os peixeiros e o
código”, Canellas fez a seguinte observação: os peixeiros foram acusados de cobrarem preços
exorbitantes na venda de seus produtos nos seus respectivos pontos comerciais. Por conta das
117
Dados biográficos do Comendador Teixeira Basto encontra
http://www.politicamentealagoano.com/2013/04/comendador-teixeira-basto.html.
118
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 30 mar. 1917.
119
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 27 out. 1917.
120
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 10 abr. 1917.
-
se
Disponível
em:
104
reclamações, foram acusados de usarem de má fé, sendo para eles aplicada uma penalidade: a
cadeia. Porém, para médicos que cobraram um alto valor pelo atendimento de Manoel
Martins, não foi comentado abuso de cobrança, ou seja, os peixeiros “roubaram” e os médicos
não, pois estavam corretos amparados pelo Código Civil. Enfim uma Lei que não garantia os
mesmos direitos para classes sociais distintas.
Ainda na edição supracitada, Canellas fez um comentário irônico no artigo: “Uma
grande obra e ainda há quem diga que os conselhos são inúteis”, sobre a atuação do conselho
municipal. Acompanhemos o texto onde se pode observar de forma bem clara o tom irônico
dirigido à funcionalidade do Conselho Municipal:
Os anarquistas gostam muito de dizer que os Conselhos Municipais não servem para
nada. No entanto o nosso conselho acaba de demostrar a sua alta serventia. Vejam
só: Aqui no bairro da Pajussara, existe uma via pública denominada rua da Caridade.
Essa denominação é antiquíssima. Todo mundo está acostumado com ela. Pois bem:
o Conselho mudou o nome simples e aqui conhecido de “Caridade” para o de
Comendador Almeida Guimarães! De que servirá essa mudança? [...] O povo
continuará a usar a antiga denominação e o decreto municipal passará à posteridade
como exemplo de “alta serventia” do nosso Conselho Municipal... (A SEMANA
SOCIAL, p. 4, 10 abr. 1917).
Ainda falando sobre as publicações, foram feitas outras denúncias, sendo uma acerca
da higiene pública no bairro do Jaraguá, com certo tom preconceituoso para nossos dias.
Vejamos: “A higiene pública deve olhar para os mendigos que infestam nossa capital
diariamente, apresentando várias doenças infecciosas. Em Jaraguá anda pela rua do comércio
um deste com os pés cobertos com uma espécie de lepra” 121.
É citado outro caso referente à higiene em Maceió: “O caso das febres. Seja o que for
precisa-se é de higiene!” 122. Nesse artigo, é citada a necessidade de saneamento na cidade,
como um meio para combater a febre amarela. No decorrer do breve artigo, Canellas revela
que as autoridades estavam muito mais preocupadas em distinguir a nomenclatura das febres
do que em diagnosticar-lhe as causas, o que segundo ele não era um erro total, porém bem
mais importante seria agir em prevenção das tais febres fossem elas amarela ou biliosa.
Para o nosso redator, a solução essencial para esse caso seria o combate à falta de
higiene que assolava a cidade, ou seja, para ele, o saneamento, a extinção de mosquitos e
outras pragas é que possibilitaria à população uma saúde melhor. O redator d‟A Semana
Social chama à atenção para a falta de políticas públicas, referentes a ações concretas de
saneamento, que, ainda hoje, não foi resolvido em sua totalidade.
121
122
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 20 abr. 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 19 jun. 1917.
105
Falando em cidade, um assunto que era abordado com frequência nas páginas d‟A
Semana Social foi em relação à carestia dos alimentos no estado de Alagoas. Na edição de 30
de maio, foi publicado um artigo de autoria de Zé Patriota, intitulado “A CARESTIA”, no
qual se pode perceber o quanto a carestia afetava a vida do povo e, como era necessário que
esse mesmo povo se mobilizasse para agir contra esse abuso:
[...] a ganância capitalista em exportar esses produtos para a Europa, os estão
escasseando e encarecendo, de forma que o povo está sentenciado à fome se não
sacudir o jugo dessa ignóbil exploração capitalista – governamental. Só o povo
poderá fazer cessar essa situação. (A SEMANA SOCIAL, p. 3, 30 maio, 1917).
Na edição de 18 de Agosto, o assunto da carestia volta novamente à cena com a
publicação da moção do Comitê de Defesa Proletária, endereçada ao Governador do Estado
de Alagoas. Esta moção informava ao governador de que os membros do Comitê estavam
cientes da condição vexaminosa em que se encontravam as classes pobres devido aos
exorbitantes preços dos gêneros de primeira necessidade e que, portanto, os membros daquele
Comitê se haviam reunido a fim de apresentar ao governo algumas reivindicações para
solucionar o problema, por exemplo: organização de uma tabela com o preço dos gêneros
alimentícios atualizados e que desta tabela, fosse criada outra com o abatimento de 30% sobre
os produtos, dispensa da cobrança de impostos aos compradores de peixes, frutas, legumes no
interior do estado e nas adjacências de Maceió, desde que os produtos comprados se
destinassem à venda “a retalho” e ao povo desta capital. Ao longo do texto da moção, ainda
era solicitado ao Governador que proibisse a exportação de cocos e cereais até que esses
atingissem preços razoáveis. Apelando para a “boa vontade” do Governador, os membros do
Comitê de Defesa Proletária encerram o pedido com as seguintes palavras:
[...] Ao enviar – vos esta moção, o Comitê de Defesa Proletária e o povo trabalhador
em geral ficam na certeza de que aproveitareis esta ocasião para evidenciar a vossa
boa vontade para com o povo e o vosso interesse pela solução do magno problema
da carestia da vida – problema que se tornou de importância capital para os
trabalhadores e o povo em geral. (A SEMANA SOCIAL, p. 3, 18 ago. 1917).
Ainda discorrendo sobre a carestia, o nosso redator publicou um extenso artigo na
edição de 25 de agosto, intitulado de “O Terrível problema – A carestia de vida”, onde
abordava que a carestia era indubitavelmente o mais perfeito e genuíno fruto da civilização
burguesa. De acordo com ele, sensibilizar o povo pelo estômago era mais uma postura tirânica
dos governantes, interessados em transformar o “leão popular” num estúpido e obediente
“urso”, que tudo aceita sem rebelar-se. Para o articulista, todos os países que aderiram ao
regime capitalista sofreriam inevitavelmente com o encarecimento da vida e que só uma ação
106
popular seria eficaz para combater os abusos do governo em face da classe trabalhadora e do
povo. Finalizando o artigo, o nosso redator informa que o Comitê de Defesa Proletária
procurou junto ao governo estadual e a intendência municipal, soluções para o problema da
carestia dos gêneros alimentícios de básica necessidade e que, após um jogo de “empurra empurra” do governo, este respondeu que se os operários quisessem realmente melhorar a sua
situação que fizesse uma greve geral. No entanto, se sabia que se os operários entrassem em
greve, o governo lançaria mão de toda a sorte de leis que fossem contrárias à livre
manifestação e de reunião, em nome da “ordem”.
Em uma das edições, é posta em evidência a carestia de vida, acrescentada com a falta
de alimentos, tais como: bacalhau, peixe, sururu por motivos de exportação dos capitalistas,
que segundo o autor, priorizavam as libras inglesas, em detrimento do povo brasileiro.
Outra publicação na forma de denúncia ocorre em relação à exploração dos
pescadores123 na taxação da pesca e venda ou na cobrança do imposto Federal sobre o sal 124
em Viçosa, uma arbitrariedade segundo o autor, pois esse imposto era para ser cobrado em
Maceió e no porto, ou seja, nos grandes armazéns.
Outra observação é feita em relação ao preço das passagens do Bonde, que segundo
Canellas, a mais cara dentre as capitais do Brasil125, solicitando à nova diretoria126 uma
atenção para o caso, tendo em vista que os operários ganhavam pouco e moravam longe dos
locais de trabalho. Ainda na referida edição, é feita outra observação em relação aos
proprietários de pequenas embarcações, que devido à cobrança de impostos, migram para
Pernambuco, fazendo com que produtos como madeira e cal chegassem com preços elevados
para os comerciantes e consumidores.
Os demais temas elencados no periódico falam sobre a importância da educação e da
necessidade de revoluções sociais para mudanças sociais e estruturais, por exemplo. Para isso,
cita o caso da Sociedade Recreativa Instrutora de Viçosa127, que colocou em prática ações
para combater o analfabetismo em Viçosa, construindo escolas e incentivando a mesma
prática em outras cidades. A fundação desta Sociedade em um Estado que abrigava como já
citado, índices alarmantes de analfabetismo, já naquela época, sugere indícios de inclusão
social.
123
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 10 maio 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 30 maio 1917.
125
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 26 jun. 1917.
126
Segundo Canellas, a empresa Companhia de Trilhos Urbanos tinha sido adquirida por outro proprietário e
respectivamente passou a ser gerida por outro diretor, entretanto, Canellas não cita os nomes dos referidos
personagens.
127
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 11 jul. 1917.
124
107
A educação também foi reverenciada em um texto escrito por Guerra Junqueiro: “Uma
página de Luz” 128, que falava sobre a importância da educação, enquanto meio de prevenção
e solução para diminuição da criminalidade.
Nosso redator em suas publicações, que compreendiam temas que incluíam desde a
carestia, até assuntos relacionados à guerra e aos assuntos mais amenos como propagandas de
peças de teatro, ele desemboca para assuntos de questões ligadas à democracia, à liberdade de
direitos e isso fica evidente quando em um de seus periódicos ele comenta que os operários,
ao se organizarem em grupos, movimentos oposicionistas, acabam sendo perseguidos e
presos. E faz a seguinte indagação ao governo: E a liberdade nesse caso? Não é privada? Não
é uma atitude ditatorial?
Ainda nesse contexto, Canellas ao explorar o tema liberdade nessa mesma edição do
periódico, cita o caso de um homem, que ao esbarrar em um guarda civil é humilhado em
virtude de tal situação. Demostrando aspectos relativos à liberdade de direitos, um exemplo,
da privação democrática.
Ainda fazendo referência à liberdade, é publicado um artigo intitulado: “A
emancipação da mulher”129. O artigo foi publicado no Correio de Viçosa e editado no
periódico A Semana Social. No artigo é chamada a atenção em relação aos direitos da
emancipação da mulher, da mudança em relação aos velhos hábitos de dominação e
submissão a que eram destinadas. A solução para a emancipação seria através da educação,
oportunizando participações na política, economia e principalmente, voz ativa em suas
reivindicações.
Canellas também publicou casos referentes ao uso de jogos de azar, deixando claro
que os jogos não serviam em nada, a não ser para explorar a população com consentimento da
polícia e das autoridades municipais.
Meditações eram publicadas como, por exemplo, “A vida é um conto que já se leu.
SHAKESPEARE”, “A vida é uma luta brutal. TURGUENEFF” 130. A autoria das meditações
era de João d‟Aqui, mais um possível pseudônimo utilizado pelo redator d‟A Semana Social.
Observando as características da coluna, é possível perceber que esta era destinada para
refletir sobre questões que inquietavam a sociedade. No primeiro tema, citado acima, por
exemplo, João d‟Aqui traça um perfil negativo da vida e do amor, afirmando que apesar de se
falar muito no amor, correndo o Universo, o que se encontrará é o egoísmo, a ambição e a
128
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 25 de agosto de 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 16 set. 1917.
130
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 20 abr. 1917.
129
108
vaidade. Nas “Meditações II” 131, João D‟Aqui tece uma reflexão sobre o inverno, primeiro
fazendo uma análise romanesca do mesmo, para em seguida abordar o quanto o inverno é
desastroso e triste para aqueles que são vítimas das misérias sociais. Na última publicação de
“Meditações” 132, João D‟Aqui prega sobre o naturismo, pois segundo ele, o homem é um ser
frugívero e sacrificar animais para o consumo é um egoísmo, além de ressaltar que o consumo
de carne é o fator de muitos males.
Foram publicadas também as Conferências133 de um dos principais colaboradores do
jornal, Octávio Brandão que no depoimento sobre sua vida, feito para o Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) 134, informou também sobre
sua relação com Canellas e o periódico, descrevendo-o com as seguintes palavras:
Ele era tipógrafo, jornalista, doutor, escritor [...] acreditava demais na sua própria
intuição, mas era muito inteligente [...] pegava as coisa no ar [...] deixava de comer
para poder comprar papel [...] dormia num cantinho, junto às caixas de peças do
tipógrafo [...], sobre o jornal. [...] era boicotado. Somente grupos de operários, em
Maceió e pequenos-burgueses urbanos progressistas é que liam a Semana Social.
(BRANDÃO, 1977, p. 8).
A participação de Octávio Brandão como colaborador do jornal foi expressiva e
contou também com a publicação da conferência sobre um estudo científico mineralógico
realizado por ele mesmo que percorreu em uma canoa as lagoas Mundaú e Manguaba, além
de outros canais, descrevendo o ecossistema e suas belezas. Esta conferência tratava-se da
defesa, por sinal, uma das pioneiras, da existência de petróleo no subsolo alagoano. Da
experiência do percurso, resultou no primeiro livro de Brandão: Canais e Lagoas.
No que se refere ao posicionamento político, segundo Plancherel, Octávio Brandão se
aproximou antes de 1918 do pensamento anarquista, fazendo a seguinte observação na
conclusão de seu estudo:
Em segundo lugar, o desenredo das omissões, das „reinvenções‟ autobiográficas de
Octavio Brandão, favoreceu mais uma alternativa metodológica, através da qual
pode-se resgatar a presença do acratismo no Estado de Alagoas, no último quartel da
década de 1910; para além, contudo, destas fronteiras temporal e espacial,
possibilitou, simultaneamente, recuperar o período de 1917 a meados de 1922,
período de sua adesão e vigorosa militância libertária, no Brasil. Para tanto,
demostrou-se indispensável retirar do anonimato a natureza ideológica da imprensa
operária e da qual, embora renegada em sua autobiografia, o próprio Octavio
131
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 20 maio 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 3 jul.1917.
133
As conferências realizadas foram reunidas na primeira e importante obra de Octávio Brandão, Canais e
Lagoas, editada em 1919, no Rio de Janeiro. Nela, Octávio afirma existir indícios de petróleo em 14 lugares de
Alagoas.
134
Octávio Brandão. Depoimento à Fundação Getúlio Vargas: 1977, Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV, 1993.
(História Oral, 1)
132
109
Brandão, em Maceió, tornara-se um de seus diretores. Do mesmo modo
ideologicamente anônimos, a explicação de aspectos biográficos dos dirigentes
ácratas mais expressivos, em Alagoas, bem como sua articulação com as principais
referências libertárias, a nível nacional, impuseram-se como pistas fundamentais
para a reconstrução dos vínculos do Autobiografado com o anarquismo, inclusive
originariamente desde aquele Estado do Nordeste brasileiro, contrariamente ao que
nos faz supor em suas memórias. Tais procedimentos permitiram-nos, ainda,
reconstruir a expressão regional do anarquismo na história, tanto do movimento
operário quanto na da esquerda brasileira, durante a Primeira República.
(PLANCHEREL, 1997, p. 128).
E Roberto Amaral tece o seguinte comentário a respeito de Octávio Brandão:
Procurando atuar mais concretamente na vida dos trabalhadores alagoanos, Octávio
criou, nos fundos de sua farmácia, a Sociedade dos Irreverentes. Formada por
operários e empregados do comércio, a agremiação procurava discutir os problemas
vividos pela população pobre da região, combatendo seu misticismo e as formas de
opressão a que eram sujeitas as pessoas daqui. Sustentando greves e auxiliando na
formação de sindicatos, aos poucos Octávio Brandão se aproximou do pensamento
anarquista. Em maio de 1918, escreveu para o Jornal do Commercio, de Maceió, o
artigo „Um evadido da realidade‟, deixando clara a influência do pensamento ácrata.
Em agosto, já como militante libertário, Octávio tomou a iniciativa de - juntamente
com outros companheiros- fundar a Congregação Libertadora da Terra e do Homem,
que, em seu programa, defendia a divisão das terras, a valorização do trabalho dos
operários e lavradores, além da valorização da arte e literatura social. (AMARAL,
2007, p. 261-262).
No tocante aos aspectos culturais, é mencionada uma temporada de uma peça teatral,
da Companhia Romualdo Figueiredo que foi apresentada no Teatro Deodoro. É citada
também, a apresentação da Filarmônica S. Vicente de Paula, tecendo elogios à apresentação.
Incentivos aos esportes também eram mencionados nas modalidades: Jockey e navegação.
Eram disponibilizados também espaços para perguntas e reclamações.
Enfim, longe, muito longe, de ser um periódico frívolo, é possível afirmar que a
educação e propaganda divulgadas nas páginas do periódico A Semana Social, do jovem
Antonio Bernardo Canellas, foi um jornal que possibilitou através das suas páginas, refletir
acerca das mais variadas temáticas, relacionadas aos aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais de Alagoas inter-relacionados aos acontecimentos nacionais e internacionais.
5.3
Grupo de afinidades: o diálogo entre Canellas e seus colaboradores
Os colaboradores da imprensa operária eram voluntários e essa particularidade foi
comum nos grupos que colaboravam nas publicações dos periódicos. Não poderia ser
diferente nas publicações d‟A Semana Social. Interessante observar que, nas páginas do
periódico, havia a disponibilidade para os que tivessem interesse em publicar comentários,
artigos, etc. Apenas, com uma observação, “as colunas deste periódico ficam à disposição de
110
todos os seus leitores, desde que os trabalhos enviados não contenham ataques à vida privada
dos indivíduos ou crítica religiosa”. (A SEMANA SOCIAL, p. 2, 10 abr. 1917).
As ações de propaganda dos colaboradores concentraram-se em publicações anti
militares e anti burguesas. Nesse sentido, vejamos o posicionamento deste grupo que pode ser
entendido a partir das afinidades políticas e ideológicas que são construídas com o editor do
jornal, começando por um dos principais, Octávio Brandão135. Além de publicar trechos da
obra literária, Canais e Lagoas, publicou, também, alguns artigos, como por exemplo, “O que
é patriotismo”. Segundo Brandão:
Patriotismo é lavrar a terra, é fecunda-la, é escrever com a enxada o divino poema
que Virgílio e Hesíodo escreveram com a pena. Patriotismo é ensinar os analfabetos;
é atacar aos capitalistas mostrando-lhes as explorações. É protestar contra tudo
quanto tende a explorar o povo, é descrever as riquezas de sua terra é chamar o povo
a revolta: é cada um ensinar o pouco que sabe aos seus patrícios, é fundar asilos e
hospitais. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 27 out. 1917).
Em outro, momento, Canellas publica no periódico um trecho do livro “A Mãe”, cujo
autor é Máximo Gorki136. Nesta publicação, clama o povo para revoltar-se contra os
exploradores capitalistas. Seu último artigo publicado, “A tentação do solitário” 137, termina
concluindo que os homens precisam deixar de serem passivos e protestarem pelos seus ideais
e direitos. Octávio Brandão em suas memórias lembra de sua participação como colaborador
d‟A Semana Social:
Escrevi artigos, contra, por exemplo aquelas coisas do Olavo Bilac, o militarismo, a
defesa nacional, aquilo tudo. Escrevi um artigo de que ainda me lembro. Fui à
redação, sentei-me num canto qualquer e fui ditando, Canellas escreveu e publicou.
E um outro... Eu li “A Mãe”, de Máximo Gorki, que exerceu uma influência muito
grande em mim, porque eu vi a mãe proletária, a mãe operária, que, levada pelo
carinho e pelo amor do filho, foi-se transformando até se tornar uma revolucionária.
A mãe, de Máximo Gorki, exerceu grande influência na minha vida. E escrevi
[risos] influenciado pelo livro de Gorki, um apelo à revolta. Foi um escândalo! Saiu
em A Semana. Foi um escândalo, uma coisa terrível, chamando o povo todo à
revolta contra os comendadores, os latifundiários, a burguesia. (BRANDÃO, 1977,
p. 7).
Astrojildo Pereira (1999) 138 também contribuiu com alguns artigos em consonância
com as ideias de Canellas. No artigo “O desertor” 139 fica em evidência a oposição à
135
Octavio Brandão conviveu com Antonio Bernardo Canellas desde o período da chegada em Viçosa, tornandose amigos e defensores de seus ideais na publicação do periódico, A Semana Social. Octavio Brandão descreve
sua trajetória em sua autobiografia. In: BRANDÃO, Octavio. Combates e batalhas. São Paulo. Alfa – Omega,
1978. (Memórias, v. 1).
136
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 27 out. 1917.
137
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 3 nov. 1917.
138
Segundo KONDER, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das idéias de Marx no Brasil, até o começo
dos anos 30. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009. (p. 162-166). Astrojildo Pereira Duarte Silva foi um dos
mais destacados ativistas do anarco-comunismo. Para aprofundamento sobre sua trajetória de vida e postura
111
participação na guerra, e chama a atenção para o fato de que o desertor pode ser fuzilado, em
virtude de defender a vida e não querer desumanizar-se, pois a guerra é desumana. Pereira
continua a oposição à guerra em outro artigo: “Calhaus” 140 e finaliza sua participação com o
artigo: “A falência do Estado” 141 deixando claro que a guerra só traria, como consequência, a
falência do Estado e a não socialização universal dos bens, que deveriam ser a luta dos
patriotas.
Outros colaboradores utilizavam pseudônimos, dificultando a identificação real dos
autores. Não obstante, alguns são encontrados. Um deles foi José Carneiro Duarte142, que
utilizou os seguintes pseudônimos nas publicações: Juca d‟Athayde, Formigão e Laura
Sandes. Ao todo, foram publicados seis artigos de sua lavra143 com os seguintes
posicionamentos: Juca d‟ Athayde publicou: “A despedida para Dira”; “A esmo”, “A
bandeira”. São textos reflexivos sobre o amor entre mulher e homem, saudade na relação filho
e mãe, uma alusão à despedida do filho que vai para a guerra, uma crítica polêmica em
relação à bandeira nacional, já referida em tópicos antecedentes. Formigão publicou uma série
denominada; “Mordidelas”, fazendo referência ao artigo sobre a bandeira e suas polêmicas,
ou ao intendente da capital que mandou tirar um quiosque da Praça Jaraguá, e por fim uma
reflexão sobre a falta de esgoto na capital. E Laura Sandes, que na verdade foi uma
personagem criada para a seção de “Cartas Feminis”, traça uma fantasia romântica e feminina
entre duas almas: Noêmia e Laura Sandes.
Outro personagem que aparece bastante é Zé Patriota, acreditamos que seja um
pseudônimo, criado por Canellas, devido ao posicionamento utilizado em seus artigos144: “A
verdade chega até nós”, “Duas linhas de prosa leitor amigo”, “Livramo-nos de uma
salonicada”, “A derrocada Republicana”, “A carestia”. Posicionamentos esses de
contrariedade em relação à guerra e orientação de seus prejuízos e interesses reais de quem a
política ideológica ver: LENA JÚNIOR, Hélio de. Astrojildo Pereira: um intransigente libertário (1917-1922).
1999. 168 p. Dissertação (Mestrado em História Social do Trabalho) - Universidade Severino Sombra,
Vassouras, Rio de Janeiro, 1999; GOULARTE, Laryssa de Souza. Astrojildo Pereira e a formação do partido
comunista brasileiro. 2013. 156 f. Tese (Dissertação em História) - Universidade Estadual Paulista, Assis,
2013.
139
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 9 jun. 1917.
140
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 19 jun. 1917.
141
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 28 jul. 1917.
142
Até o presente momento da pesquisa não foram encontradas muitas informações da trajetória do personagem,
essa falta ou poucas informações estender-se-á a outros personagens. Quando não houver nota informativa é por
que segue o mesmo caso. O que vamos observar são seus posicionamentos e op
iniões referentes às afinidades que eram compartilhadas, ou não, com Antonio Bernardo Canellas.
143
Os artigos na ordem estão nos seguinte exemplares do periódico A SEMANA SOCIAL, p. 1, 3, 20 abr.; Ibid.,
p. 2, 30 abr.; Ibid., p. 2, 20 maio; Ibid., p. 2, 30 maio; Ibid., p. 2, 9 jun. 1917.
144
Os artigos na ordem estão nos seguinte exemplares do periódico A SEMANA SOCIAL p. 3-4, 30 abr.; Ibid., p.
3-4, 10 maio; Ibid., p. 3-4; Ibid., p. 3, 30 de maio. 1917.
112
apoiava. Críticas aos governantes estaduais, cobrando justiça, liberdade e soluções para a
carestia de vida.
Encontramos ainda Ferrão, mais um provável pseudônimo. Neste caso, o que chama a
atenção é que suas colocações são do Recife e todas se concentram em assuntos de interesse
dos operários como: greve, direitos, mobilizações, liberdade, verdade e mentiras, guerra,
enfim, notícias inspiradoras e inter-relacionadas entre Pernambuco e Alagoas. Os artigos
publicados por ele foram145 “Traços e ideias”, [seis ao todo] e “A greve de tury-assú”.
Os compartilhamentos de ideias também eram por parte de outros colaboradores,
como: Lovasor Deuges que publicou o artigo: “A margem dos factos paz ou guerra?” 146,
deixando claro que a guerra é somente interesse da burguesia. Bazilio Torrezão 147 foi um
pseudônimo utilizado por Astrojildo Pereira, que publicou o texto “Pela desordem” 148, um
texto incentivando as mobilizações, greves, revoluções, citando as greves nas fábricas de
munição da Inglaterra, entre outros países. Sobre a guerra foi publicado: “A guerra analisada
por um internacionalista” 149, de autoria de Juan C. Carulla, finalizando suas palavras sobre as
consequências para as gerações futuras e precedentes que pagaram e pagam os horrores de
uma guerra.
Contra o sistema capitalista, F. Xavier Merlino publica “O que falta” 150 deixando
evidente que através da revolução é possível sucumbir o sistema vigente. Temáticas referentes
à atualidade na Europa e às más intenções de alguns jornalistas que divulgavam falsas
informações foram publicadas também por Merlino151.
Foi publicada ainda a coluna “Opiniões”, uma reflexão sobre a posição do Brasil na
Guerra e “opiniões do momento” por Flavio de Oliveira Leite152, que se posicionou contrário
à participação do Brasil na guerra. Posição defendida também por Falcão D‟Alencar em seu
artigo: “Opiniões sobre o Brasil” 153. É publicada uma opinião sobre o roubo, feita por
145
Os artigos na ordem estão nos seguinte exemplares do periódico A SEMANA SOCIAL: p. 3-4, 30 maio; A
SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 19 jun.; A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 3 jul; A SEMANA SOCIAL,
Maceió, p. 3, 21 jul.; A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 28 jul.; A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 6
ago. 1917.
146
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 30 mar. 1917.
147
Disponível em: www.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/ColoquioLetras/henriquesergio.pdf.
148
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 26 jun. 1917.
149
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 25 ago.1917.
150
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 25 ago. 1917.
151
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 30 abr.1917.
152
Os artigos encontram-se nos exemplares p. 2, 26 jun., p. 4 3 jul.
153
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 11 jul. 1917.
113
Francisco P. Margall154, que fez a seguinte observação “[...] a lei não castiga o que rouba
legalmente e com arte, mas sim aquele que rouba ilegalmente e sem arte”.
Enfim, é possível perceber que os colaboradores compartilhavam de posicionamentos
correlatos, sobretudo, nos assuntos relacionados à guerra, às questões econômicas, sociais,
políticas e culturais155.
5.4
Posicionamentos ideológicos: a identidade “d‟A Semana Social”
As posturas apresentadas por Canellas e seus colaboradores de renome nacional, entre
eles, Astrojildo Pereira, Octavio Brandão, Neno Vasco, entre outros, geraram algumas
discussões historiográficas, referentes ao posicionamento político ideológico do periódico e
de Canellas. Os colaboradores citados e o próprio Canellas não apresentavam
posicionamentos homogêneos em relação ao anarquismo, por exemplo. A partir, dessa
heterogeneidade, no que se refere à ideologia política do jornal e de Canellas, alguns
historiadores, sociólogos, pesquisadores posicionaram-se.
Para Alice Anabuki Plancherel156, em sua pesquisa, o periódico e Antonio Bernardo
Canellas possuíam orientação anarquista. Já Moacir Sant‟ Ana157, em sua pesquisa acerca da
imprensa de Alagoas, deixa claro que Canellas era socialista. Francisco Foot Hardman e
Victor Leonardi158 alocam Canellas e seu jornal como sendo anarquista com algumas
particularidades de aproximação ou coincidência com o anarcossindicalismo, com o
“socialismo revolucionário”, e ainda com o “socialismo libertário”. O historiador Osvaldo
Maciel159 argumenta que em sua pesquisa, que vai até 1905, não encontrou indícios de
penetração anarquista em terras alagoanas, sugerindo que para o período posterior esta
situação provavelmente permanecia e de toda forma deixa claro que é um campo aberto de
pesquisa para encontrar essa tendência em outros jornais.
154
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 29 set. 1917.
Temáticas referentes à cultura literária foram divulgadas como: “As seis fases da mulher” de Monteiro D‟
Emeres. Jayme Cooper fez uma homenagem a Maria referente ao mês mariano. Publicou: “Fim de maio à
Maria”. Outra publicação que se referia à mulher foi: “Decepção” de Aury Monteiro, enviada de Niterói - Rio de
Janeiro.
156
Ver: PLANCHEREL, Alice Anabuki. Memória e omissão: anarquismo e Octávio Brandão. Maceió:
EDUFAL, 1997. p. 87-131.
157
Ver: SANT‟ANA, Moacir Medeiros de. História da imprensa em Alagoas. Maceió, Arquivo Público de
Alagoas, 1987. p. 103-4.
158
Ver: HARDMAN, Francisco Foot; LEONARDI, Victor. História da indústria e do trabalho no brasil. 2.
ed. São Paulo: Ática, 1991. p. 233-234.
159
Cf. MACIEL, Osvaldo. Trabalhadores, identidade de classe e socialismo: os gráficos de Maceió (1895 –
1905). Maceió: EDUFAL, 2009. p. 184-185.
155
114
Nesse sentido, para identificar o posicionamento e tendências exploradas no periódico
e propostas por Canellas e seus colaboradores, serão acompanhadas as observações, os
comentários, os textos, sobretudo, os posicionamentos do próprio Canellas em seus textos e
atuações práticas. Tudo isso em consonância com os debates historiográficos apresentados
pelos pesquisadores da temática.
Iniciamos fazendo referência aos “Trechos Escolhidos”, 36 no total, que foram
publicações de artigos de outros jornais, como, também, passagens de escritos de autores, que
exemplificavam e sintetizavam questões e posicionamentos políticos ideológicos adotados por
Canellas em suas reflexões. Os trechos escolhidos começaram a partir da primeira publicação
em 20 de março de 1917. Ao todo foram transcritos 36 trechos selecionados. Observar-se-á
também, alguns textos de colaboradores e outros textos escolhidos para publicação,
acrescentando-se os próprios textos de Canellas.
Os trechos selecionados publicados por Canellas foram de: Felix Pacheco, jornalista,
político, poeta e tradutor brasileiro; Saveiro Merlino, advogado italiano, ativista anarquista e
teórico do socialismo libertário; Alberto E. Carasso; Donato Luben; Justino Montalvão;
Spircs-Gay; Jayme Brossa, Giantino, desse e dos outros cinco anteriormente citados não
foram encontrados dados biográficos mais consistentes. Manuel Bonfim, sociólogo e
historiador brasileiro; Mirabeau, jornalista, escritor, político e orador; José Arranz, escritor
espanhol; Elisee Reclus, geógrafo e anarquista francês; Novicow, sociólogo russo; Latino
Coelho, militar, jornalista e político português; Condorcet, filósofo e matemático francês;
Ágostinho Hamon; Victor Hugo ativista pelos Direitos Humanos francês; Efren Lima,
anarquista e escritor pernambucano; Liev Tolstói pacifista e escritor russo; Voltaire, filósofo
iluminista francês; Gustave de Molinari, economista; Georges Renard, jurista; Errico
Malatesta, ativista anarquista italiano; Jean de La Bruyère, moralista francês; Carlo Pisacane,
patriota e revolucionário italiano; Máximo Gorki, escritor, romancista, ativista político russo;
Anatole France, escritor francês; Lino Ferriani, jurista italiano; Joaquín Dicenta, naturalista
espanhol; Sébastien Faure, ativista libertário e anticlericalista francês; Gustave Hervé,
socialista antimilitarista e pacifista; Beinot Malon, socialista e escrito francês; Luiz Buchner
médico e filósofo; Felipe Trigo, escritor e Xavier de Carvalho, poeta 160.
Os textos escolhidos pelo redator eram diversificados e foram transcritos com
informações diversificadas, desde características de governos tirânicos, a importância da
160
Informamos que os dados biográficos dos colaboradores do periódico A Semana Social são provenientes de
fontes de informações gerais, entenda-se com isto, sites de busca (Google - https://www.google.com.br/ e
Wikipédia - https://pt.wikipedia.org/ e aqueles cuja informação biográfica não está alocada, não foram
encontradas.
115
liberdade e conquista dos operários. Foram postos em evidência, assuntos referentes ao
surgimento e função do autoritarismo, instituídos pelo Estado (polícia, tribunais, etc.), enfim,
características do mundo burguês. Como exemplo disto, nos valemos de mais uma publicação
sobre a guerra, tema já discutido anteriormente. Na oportunidade desta publicação, Canellas
divulga nota de seu colaborador que chama a atenção para o fato de que quem
verdadeiramente queria a guerra era a organização burguesa, representada pelo Estado através
de seu poder.
O povo, como entendemos, o verdadeiro povo que é a coletividade dos
trabalhadores, em plena harmonia da razão, não apoia a guerra. O Estado, sim; a
organização burguesa é quem a promove, e como os defensores das posições
políticas não possuem o valor de morrer por suas ambições monetárias, procuram os
meios e as vitimas ignorantes que por ele se sacrifiquem. Efren Lima. (A
SEMANA SOCIAL, p. 1, 20 maio 1917).
No que se refere às organizações operárias, foram publicadas também pelo nosso
tipógrafo e seus colaboradores, matérias chamando a atenção para a necessidade de
organização da classe operária para mobilizarem-se e organizarem-se em prol de seus direitos
e conquistas, como podemos observar na publicação de Anatole France:
A vitória do proletariado é uma coisa certa. Poderão retarda-la, menos os esforços
desordenados dos nossos adversários que as nossa próprias divisões e as indecisões
do nosso método. E ela é certa porque são as condições de vida e a própria natureza
das coisas que a ordenam e a preparam. Ela será metódica, raciocinada e
harmoniosa. Ela já se desenha sobre o mundo com o inflexível rigor de uma
construção geométrica. Anatole France. (A SEMANA SOCIAL, p. 41, 11 jul.
1917, p. 41).
Dentro desta temática, foram citados exemplos de organizações de outros estados
como em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, sem falar das organizações
internacionais, tendo como exemplo uma referência ao que acontecia na Rússia. Nesse
sentido, abaixo segue um trecho que reforça suas observações no tocante às mudanças
advindas da organização dos trabalhadores que, unidos, implantariam um sistema de
socialização.
As novas concepções proletárias levam a este resultado final: a criação de uma pátria
de classe, a INTERNACIONAL OPERÁRIA, que por cima das fronteiras naturais
ou artificiosas, irmana os povos do trabalho de todas as raças, de todas as
nacionalidades, e contribui para fundar a sociedade de amanhã: a sociedade dos
livres e iguais. Só então desaparecerão as cruentas contendas nacionais ou de
Estado, e os agrupamentos político-sociais dos povos, espontânea e livremente
efetuados pelos próprios povos, terão por base a fraternidade universal. Giantino.
(A SEMANA SOCIAL, p. 4, 11 jul. 1917).
116
Outras referências ao posicionamento ideológico do jornal e de Canellas podem ser
apreciados nos textos apresentados por alguns colaboradores. Os textos são mais incisivos,
como o de Pedro Gori: “O nosso Ideal”, deixando evidente que o anarquismo seria o caminho
para acabar com a ordem capitalista. Vejamos a finalização do autor:
Então a Anarquia palavra tão deturpada, mas que encerra a mais esplendida
concepção filosófica e cientifica dos nossos tempos, a Anarquia que aos olhos dos
devotos da autoridade aparece como o aspecto do apocalipse, estenderá suas puras e
cândidas azas sobre a realidade do Amor e aos direitos humanos triunfantes, e que
hoje parecem utopia aos homens de pouca fé e aos defensores do descrente estado de
desigualdade. (A SEMANA SOCIAL, p. 4, 21 jul. 1917).
Sobre o problema social, o colaborador Neno Vasco escreveu o artigo intitulado: “O
problema social” 161, descrevendo a miséria e a organização social, como sendo frutos da
exploração dos ricos, que monopolizam as relações e dependências trabalhistas, que deveriam
ser ao contrário. Segundo o autor, todos deveriam viver livres e iguais. Ainda falando sobre
desigualdade, Luiz Buchner em seu artigo: “Riqueza e pobreza na sociedade atual”, comenta,
citando exemplos, como viviam os moradores de ruas, a desigualdade da partilha material e
intelectual, o egoísmo, a injustiça, as lotações das prisões, hospitais desestruturados e a falta
de ações do Estado. Conclui seu texto, falando sobre o anarquismo enquanto meio para
superação dos problemas elencados. Observemos:
[...] De forma que não se pode afirmar que a atual organização da sociedade,
baseada no egoísmo, seja ajustada pelas normas dos interesses da sociedade e
humanidade; os seus desvairamentos são em demasia conhecidos por aquele que
escutam a sã razão. Os progressos crescentes do anarquismo provam que a voz da
consciência brada cada vez mais claramente contra as imperfeiçoes do estado social
presente. E como é impossível deter o progresso, o triunfo da anarquia é fatal,
inevitável. (A SEMANA SOCIAL, p. 2, 27 out. 1917).
No artigo intitulado “O dinheiro” 162, escrito por Neno Vasco, falando dos males
universais causados pelo dinheiro, quais sejam: a dominação tirânica por parte dos que detêm,
o colaborador deixa claro que o dinheiro não pode, nem deve, substituir a natureza humana e
consequentemente os valores, como: amor, alegria, paz, e etc.
Sobre a propriedade, Saveiro Merlino chama a atenção no artigo: “A propriedade” 163.
Segundo o autor, é um meio de dominação dos ricos, que exploram os trabalhadores. Ainda
segundo o autor, a propriedade individual deveria ser abolida e em seu lugar ser implantada a
propriedade comum e societária.
161
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 18 ago.1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 4, 26 jun. 1917
163
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 3, 8 set.1917.
162
117
Raciocínio equitativo em relação à guerra, Canellas também apresenta em relação à
política no Estado de Alagoas no artigo: “Os trabalhadores e a política dirigente” 164. No
citado artigo, Canellas faz o comentário em relação à manutenção da política alagoana, em
que uma grande maioria, como nos dias atuais, na época das eleições vão atrás, comemoram e
gritam em nomes dos candidatos. Segundo o autor, uma manipulação e dominação que o povo
deveria na realidade se opor a este tipo de posição: “[...] E sentir-nos-íamos contentes se
víssemos o povo abandonar os políticos a mercê das suas ambições reciprocas, cerca-los de
indiferença, hostiliza-los quando puder e adotar uma ação direta nas lutas pelo seu bem – estar
e liberdade. Que belo seria!” (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 21 jul. 1917).
Chamando a atenção para o tema da falta de retribuição política, Canellas confirma em
outro artigo “Uma lição para o povo... como se os políticos retribuíssem a dedicação popular”
165
uma referência à monopolização da venda de carnes por parte de senhor Schimidt, rico
comerciante, que consegue concessões políticas para manutenção de preços e comércio, o
mesmo ocorrendo com Teixeira Bastos que solicita redução em 20% no preço da energia,
solicitado antes pelo povo, e negado. Os problemas de carestia de vida são postos em
evidência e as cobranças ao governo para soluções reais são escritas por Canellas, no artigo:
“O terrível problema. O governo ainda nada fez contra a carestia!” 166, citando a greve como
uma solução para que o governo resolvesse o problema da carestia, pois segundo ele Maceió
era a única de todas as capitais do país que não houve nem ao menos vontade do governo.
Se observarmos os posicionamentos ideológicos do redator d’A Semana Social e de
seus colaboradores, percebe-se que existiram afinidades nos posicionamentos e defesa de
ideias em relação aos problemas sociais, políticos e econômicos. Enfim, um viés ideológico
em suas publicações que será explorada a partir de suas atuações.
5.5
Atuação – a ideologia e a prática política de Canellas em Maceió
As 26 edições do periódico A Semana Social mostram que a atuação de Canellas em
Maceió se deu através de seus posicionamentos, opiniões, textos, afinidades com os
colaboradores, enfim, com seu empenho e reflexões, proporcionadas através do meio que
dispunha a imprensa, sobretudo operária. Os conteúdos dessas publicações permitem desde já,
afirmar que Canellas foi um intelectual orgânico, numa perspectiva gramsciana, devido aos
seus posicionamentos nos periódicos e atuação prática.
164
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 21 jul. 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 13 out. 1917.
166
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 1 set. 1917.
165
118
Embora tendo somente o curso primário, atuou como intelectual e autodidata,
chamando a atenção, para os problemas sociais, econômicos e políticos de Viçosa e MaceióAL, e, por que não dizer, pelas cidades onde passou, durante sua trajetória e experiência de
vida. Acrescentando, ainda, sua atuação voltada para a necessidade de organizações classistas,
através da divulgação de textos de militantes e intelectuais envolvidos no processo de
emancipação política social existente durante as décadas iniciais de Primeira República.
O que chama a atenção é sua atuação a partir das palavras expressas no periódico. Fica
claro que havia um propósito de mobilização, uma tentativa de conscientizar os trabalhadores
e a sociedade no que se refere a novas possibilidades políticas, econômica e social. Nesse
sentido, a atuação se deu através da publicação de seus artigos, denúncias, sugestões,
observações e divulgação de ideologias. Não somente, sua atuação política se deu também na
organização sindical, segundo seu amigo Everardo Dias, “Morou, isso sim, em Alagoas e
Pernambuco, algum tempo, onde se dedicou, com outros companheiros, à organização
sindical do proletariado nesses Estados” (DIAS, 1997, p. 188).
A atuação de Canellas em Alagoas evidenciou-se na participação da organização
operária, no incentivo a mobilizações através de greves e ações diretas sem falar da
participação em reuniões do Comitê Operário Alagoano. Esse Comitê foi provavelmente
iniciativa sua, como veremos mais adiante.
A atuação política e ideológica de nosso tipógrafo foi marcada por uma miscelânea
com relação à postura adotada em suas publicações no periódico, principalmente, n‟A Semana
Social. Ora apresenta-se com palavras que indicam princípios do posicionamento socialista,
como no editorial de 30 de março que finaliza com as seguintes palavras: “[...] batermo-nos
pela implantação do regime político econômico fundado na paz, no respeito mútuo e na
igualdade perante os meios de desenvolvimento e de ação em todas as manifestações da vida”.
No artigo: “Solidariedade, Trabalhadores!” 167, Canellas chama a atenção para necessidade de
o operariado unir-se para conseguir seus direitos e finaliza o artigo com outro indício de
princípio socialista. “[...] E para que consiga esse DESIDERATUM é preciso abolir o sistema
do salário e pôr-se em prática a SOCIALIZAÇÃO!”.
Em outro artigo, “O novo período histórico” 168 finaliza também fazendo referência a
princípios socialistas, “Os trabalhadores de todos os países, então serão impelidos à luta de
classes - luta benéfica porque visará à destruição do antagonismo de interesses atualmente
existentes entre as classes produtoras e exploradas e as classes improdutivas e exploradoras”.
167
168
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 2, 20 abr. 1917.
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 10 abr.1917.
119
No artigo intitulado: “A libertação política dos povos” 169, mantém o argumento: “Aos
trabalhadores de hoje incumbe completar a obra da Grande Revolução Francesa: conquistar a
igualdade econômica, realizando a SOCIALIZAÇÃO DO SOLO E DE QUALQUER
OUTRO MEIO DE PRODUÇÃO”.
Apesar de sua aproximação com o socialismo em alguns momentos, não foi
apresentada nenhuma referência, nas publicações ou artigos, à formação e organização
operária de partidos ou advogando a elegibilidade de operários. Na realidade ficou claro que a
atuação político-ideológica de Canellas em Alagoas foi ácrata. Talvez as generalizações de
posicionamento
ideológico
aderentes
à
postura
anarquista,
socialista,
sindicalista
revolucionário, que eventualmente ocorram em seus escritos, de forma às vezes imprecisas
possam estar relacionadas ao que Edilene Toledo comenta:
O anarquismo foi, sem dúvida, um capítulo importante da história do pensamento e
ação política da esquerda no Brasil, sobretudo nas primeiras décadas do século XX,
quando, juntamente com o socialismo e o sindicalismo revolucionário, orientou a
formação da organização dos trabalhadores em suas várias manifestações.
Entretanto, a associação exclusiva que se costuma fazer entre movimento operário
no Brasil no início do século XX e o anarquismo não é exatamente correta, pois a
experiência de operários e militantes nas primeiras décadas da República foi
bastante complexa, e o anarquismo era somente uma das correntes de um panorama
bastante variado. (TOLEDO, 2007, p. 62).
Nesse sentido, Tiago Bernardon de Oliveira170 acrescenta que as ideias anarquistas,
como outras correntes, influenciaram o movimento operário na Primeira República, uma
afirmativa condizente com o pensamento de Edilene Toledo. Em relação ao posicionamento
de Canellas na divulgação das ideias anarquistas, percebe-se que estas divulgações foram
elaboradas à luz da perspectiva de chamar a atenção e, ao mesmo tempo, deixar claro que era
uma ideologia voltada para novas possibilidades, no que se refere às mudanças políticas e
sociais. Não serão elencados todos os artigos que fazem referência ao anarquismo, pois são
muitos. Aqui, portanto, serão apresentados os que deixam mais evidências quanto ao
posicionamento político ideológico da atuação de Canellas.
No artigo: “Cartas de Viçosa”, ele comenta uma carta endereçada ao governo, escrita
por Brandão Vilela, que tinha por finalidade discutir a proteção à lavoura junto ao governo
estadual. Canellas finaliza, tecendo o seguinte argumento:
Portanto, se quisermos que as nossas relações econômicas e morais melhorem e se
aperfeiçoem, devemos primeiro abolir o governo e implantar o regime da anarquia
169
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 11 jul. 1917.
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). 2009. 267 f.
Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p. 20.
170
120
isto é, o regime político em que todos possam livres de coação, cooperar na obra da
remodelação econômica da sociedade e do enlevamento moral do homem. (A
SEMANA SOCIAL, p. 1, 30 maio 1917).
Outro artigo intitulado: “O nosso ideal” (interessante observar que o autor publicou
um artigo com o mesmo tema na Tribuna do Povo) de autoria de Pedro Gori, deixa em
evidência para os leitores uma definição de anarquia:
Então a anarquia palavra tão deturpada, mas que encerra a mais esplendida
concepção filosófica e científica dos nossos tempos, a anarquia que aos olhos dos
devotos da autoridade aparece como o espelho do apocalipse, estenderá suas puras e
cândidas asas sobre a realidade do amor e aos direitos humanos triunfantes, e que
hoje parecem utopia aos homens de pouca fé e aos defensores do presente estado de
desigualdade. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 30 maio 1917).
Em outro artigo, “A guerra analisada por um internacionalista”, finaliza com as
seguintes palavras: “Ao mesmo tempo, vimos como é humana, bela e útil e grandiosa a
sublime aspiração da internalização – da fraternização de todas as raças, de todos os povos, de
todos os indivíduos sob a égide do socialismo anarquista”. (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 30
maio1917).
Interessante observar que neste artigo é mencionado o socialismo anarquista171. Aqui,
na verdade, temos a junção de duas correntes políticas e ideológicas diferentes, embora,
mencione uma postura de internacionalização das mesmas, uma postura tanto do socialismo
quanto do anarquismo. Todavia, existe um ponto de divergência central entre ambas, qual seja
a abolição do Estado e das classes sociais. Nesse sentido, observemos o comentário sobre a
posição político ideológica dos anarquistas de Woodcock: “Os anarquistas sempre repudiam a
ação política, afirmando que a máquina do Estado não deve ser tomada, mas abolida; que a
revolução social não deve levar à ditadura de qualquer classe, mesmo do proletariado, mas à
abolição de todas as classes.” (WOODCOCK, 2002, p. 32).
Constam ainda as observações na publicação do artigo: “Abaixo a farsa política! O
que o povo deve seguir”, terminando o artigo com as seguintes palavras: “O socialismo
anárquico ou pelo menos, a social – democracia deverá substituir a farça [sic] politica que
171
É importante lembrar que Canellas pode ter compartilhado da definição de Neno Vasco publicada na edição de
8 de janeiro de 1917 no artigo, “DEFINIÇÕES”. Na publicação é definido o que é socialismo anarquista,
segundo o autor: SOCIALISMO ANARQUISTA - doutrina segundo a qual “anarquia” é a forma política
necessária da sociedade socialista, o “anarquismo” é o método de ação e o indispensável instrumento de
realização do socialismo, tanto no presente como na expropriação final, assim como a socialização é a condição
essencial para a possibilidade da “anarquia”; teoria que defende a organização livre e a livre experimentação
social, abolida toda a coação, quer “direta” (a que é exercida pelo poder político) quer “indireta” (a que resulta
da privação dos meios de produzir, sujeitando-nos ao patrão). A livre federação dos grupos livres de produtores
e consumidores, dispondo em comum e livremente da terra e instrumentos de trabalho seria uma “sociedade
socialista – anarquista”. (Da “Porta da Europa”) NENO VASCO. (TRIBUNA DO POVO, Viçosa, 8 jan. 1917).
121
ainda se representa. [...] Fora a politica! Abaixo a velha farça! Viva a ação direta e os novos
ideais!” (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 30 maio 1917).
No artigo: “Riqueza e pobreza na sociedade atual”, de Luiz Buchner, é possível ao
leitor observar o avanço e vantagens do anarquismo: “Os progressos crescentes do
anarquismo provam que a voz da consciência brada cada vez mais claramente contra as
imperfeições do estado social presente. E como é impossível deter o progresso, o triunfo da
anarquia é fatal, inevitável [...]” (A SEMANA SOCIAL, p. 1, 30 maio 1917).
Em diversos trechos, vários autores traziam posições de contrariedade à guerra, tirania,
luta contra o capital, enfim, posições de princípios anarquistas, posições essas que foram
cobradas em edição do jornal O Semeador, órgão conservador vinculado à Igreja, e transcrita
no periódico A Semana Social:
O Semeador, órgão defensor, católico, disse, em sua edição de segunda-feira
passada, que nos, defensores como nos apresentávamos do socialismo anarquista,
não podíamos deixar de odiar a quantos pudessem, porventura, embargar-nos os
passos, zelando pela estabilidade dos sãos princípios da ordem e respeito aos
poderes constituídos. Em primeiro lugar, temos a declarar que ainda não tivemos a
subida honra de nos apresentarmos como defensores do socialismo anarquista a
organização ideal da verdade. Mas não temos forças para nos apresentarmos como
defensores do socialismo anarquista. (A SEMANA SOCIAL, p. 4, 25 ago. 1917, p.
4, grifo nosso).
Interessante observar a resposta, pois ela pode ter sido dada para evitar perseguição
(embora afirme que o socialismo anarquista é a organização ideal da verdade), desde o início
Canellas deixava claro que não aceitava publicações ofensivas à Igreja. A atuação política
doutrinária de Canellas nesse sentido, pelo que se apresenta em suas publicações, era um
caminho de chamar a atenção para uma noção de revolução social, baseada na transformação
das instituições (Estado e propriedade privada) combatendo através do antimilitarismo e
anticapitalismo. Portanto, é possível que o posicionamento de Canellas enquadre-se na
observação de Edilene Toledo:
Na experiência brasileira também florescia uma característica de toda a imprensa
libertária: uma despreocupação com a coerência doutrinária e com as implicações
teóricas gerais das afirmações particulares. De qualquer modo, foi muito grande
entre os anarquistas do Brasil na Primeira República a influência do
anarcocomunismo de Kropotkin e Malatesta, além dos anarquistas franceses do
período, como Reclus, Faure e Grave. (TOLEDO, 2007, p. 69).
Canellas transcreve, inclusive, textos dos autores citados e continua com publicações
que permeiam outra observação de Edilene Toledo. Segundo ela “o movimento operário foi,
em vários momentos, muito mais sindicalista revolucionário que anarquista e, às vezes, mais
sindicalista que revolucionário”. Embora frisemos que a atuação de Canellas em Alagoas foi
122
de posicionamentos do ideal anarquista, as alusões ao sindicalismo revolucionário, ou a
alguns princípios, podem ter sido utilizadas no sentido de alcançar em curto prazo as
necessidades vitais que eram importantes para iniciação e atuação junto da classe operária.
Acerca da organização da Classe trabalhadora em Alagoas, precisamente em Maceió,
Osvaldo Maciel realiza a análise mais ampla da conjuntura em relação à atuação e
composição sindical das organizações classistas:
Não obstante a crítica que já é realizada ao mutualismo operário nesta primeira
conjuntura, é na vaga ocorrida entre o final de 1911 e 1917 que a hegemonia
mutualista dos trabalhadores organizados em Maceió passou por um questionar
organicamente articulado a partir de fatores que operam no seio do próprio conjunto
mais amplo dos que eram chamados de filhos do trabalho. Dentre tais fatores
destacamos a presença da Confederação Operária Brasileira e a guerra mundial, que
inclusive põe fim a uma era, segundo Hobsbawm. Junta-se a esses fatores, a própria
dinâmica da sociabilidade maceioense/alagoana, como pode ser percebido a partir do
fim traumático de uma oligarquia e o surgimento de uma outra (fins de 1911/meados
de 1912), verdadeiro acontecimento político-administrativo para o Estado que leva a
pensarmos na clássica idéia de que, quando os de cima brigam, os de baixo
aproveitam para ampliar suas condições de barganha, avançando em suas demandas
no que é possível. Neste período observa-se a presença de frações de trabalhadores
organizados em mutuais no Quebra dos terreiros de Xangô em fevereiro de 1912,
gerando uma cisão no nível do espaço público entre camadas populares e
trabalhadores organizados, e promovendo uma crise de legitimidade entre artistas e
operários, junto ao conjunto dos grupos subalternizados, que não mais será
contornada. Alia-se a isto o surgimento do primeiro sindicato em outubro de 1911 (o
Sindicato Gráfico Alagoano), e a leva corrente de surgimento de outros sindicatos
articulados em torno da Federação Operária Alagoana, que é fundada em 1º de maio
de 1913. Entre tais sindicatos, encontramos não só o Sindicato Gráfico, mas também
o dos Alfaiates, dos Sapateiros, dos estivadores, dos Marceneiros, dos tecelões das
fábricas localizadas na Cachoeira e em Rio Largo, além dos Sindicatos dos padeiros,
dos trapicheiros e dos pedreiros172.
Foi possível identificar artigos publicados por Canellas condizentes com algumas
características citadas por Toledo. Por exemplo, no artigo: “Uma obra urgente
desprestigiemos os políticos”, Canellas chama a atenção para uma ação sindicalista.
Observemos: “Desprestigiemos, pois os políticos. Essa tarefa é mais importante do que
muitos julgam; diremos até que do desprestigiamento dos políticos depende o fortalecimento
da solidariedade obreira e o êxito da ação sindicalista”. (A SEMANA SOCIAL, p.4, 25 ago.
1917).
172
O texto referente à citação do autor faz parte de um manuscrito de sua autoria cujo título é: Para o estudo das
origens da organização dos trabalhadores em Alagoas: periodizando o mutualismo. Agradeço a autorização
pela utilização do texto. As informações acerca da Federação Operária de Alagoas estão disponíveis em um
relatório da Federação Operária de Alagoas. No relatório são citadas informações referentes a uma greve em Rio
Largo, dentre outros assuntos. As informações estão disponíveis no: [IHGA] Federação Operária. JORNAL DE
ALAGOAS, Maceió, p. 2, 9 maio 1913; [Cedem-Unesp] Relatório da „Federação Operária de Alagoas‟, enviado
ao Centro Libertário de S. Paulo para ser apresentado no congresso Internacional Anarquista de Londres (1915)
[29/ago a 6/set próximo [1915?].
123
A partir dos posicionamentos políticos ideológicos de Canellas, sua atuação prática
concentra-se no engajamento voltado para a necessidade de organização e associação de
classe. O artigo: “Agitação obreira uma grande manifestação em perspectiva”, argumenta:
As reuniões do COMITÊ DE DEFEZA [sic] PROLETÁRIA continuam a realizar-se
sempre e nota-se entre os operários um firme proposito de levar adiante uma ação
que lhes traga um pouco de bem estar e que levante o moral da classe operária de
Alagoas. [...] Nas reuniões do Comitê tem sido lembrada a necessidade real e
imperiosa de organizarem associações de classe e é bem provável que elas surjam
dentro em breve. (A SEMANA SOCIAL, p. 4, 25 ago. 1917).
Na edição de 20 de outubro, é feita uma convocatória, indicando o lugar de um Comitê
Operário em Maceió. O anúncio está descrito da seguinte forma: “PELA CLASSE
OPERARIA”, „Reúne-se amanhã, às horas da tarde, na Rua Voluntários da Pátria n° 63, o
COMITÊ DE DEFEZA PROLETARIA. Interesses da classe‟.
Curiosamente observa-se que na edição de 06 de agosto, Canellas desculpava -se com
os leitores do periódico pelas irregularidades da sua distribuição e informava que a sede de A
Semana Social mudar-se-ia para a Rua Voluntários da Pátria, o que pode ser um possível
indício de que este novo endereço abrigaria a fundação do Comitê de Defeza Proletária
alagoano, reforçando essa afirmativa, Canellas faz o seguinte comentário:
[...] Prosseguiremos sempre. Havemos de consolidar este porta – voz do povo
oprimido, a nossa querida SEMANA SOCIAL. A tiragem, que no início da nossa
publicação era 350 exemplares, acha – se hoje fixada em 740. Para melhor
correspondermos à nossa missão, vamos mudar a nossa tenda para uma casa mais
ampla do que hoje ela ocupa e situada em uma rua central de Maceió. A nossa tenda,
depois de mudada para nova casa, ficará à disposição das classes trabalhadoras para
se reunirem assembleias e tratar – se dos interesses do operariado. (A SEMANA
SOCIAL, p. 4, 6 de ago. 1917).
Dentro da atuação contestatória e prática, Canellas cita a visita da Federação Operária
Alagoana à Rio Largo que denuncia de forma combativa as atitudes e posicionamentos
cometidos pelo comendador Teixeira Bastos, segundo ele, “ventripotente capitalista e
industrial”. Canellas faz inclusive uma denúncia contra as desumanidades, cometidas por
Teixeira Bastos. Vejamos:
[...] De fato, fica-se indignado ao ver tratar tal personagem [Teixeira Bastos] de
“benemérito” quando é certo que ele tem sido um energúmeno da classe operária.
Quando uma comissão da Federação Operária foi a Rio Largo, onde o comendador
exerce a sua benemerência, souberam-se coisas horrorosas. Os operários não podiam
alojar um visitante e até mesmo um parente em suas casas sem ir perguntar a
gerência se o visitante era ou não pessoa grata: sofriam-se castigos corporais dentro
da fábrica; em forma de multas, o benemérito industrial extorquia somas elevadas
dos operários; os ordenados eram tão mesquinhos que só davam para o alimento de
cinco dias de semana; as ruas em que habitavam os operários ofereciam uma cena de
124
miséria tão tocante que nem um Máximo Gorki ou Zola saberia descreve-la; e a par
disso distribuídos dividendos fabulosos – dividendos tão altos que até no Parlamento
Inglês provocaram escândalo! Por isso, a sabujice de uma parte da imprensa
maceioense provocou asco e indignação... (A SEMANA SOCIAL, p. 3, 30 abr.
1917).
Nesse contexto, Canellas cita avanços em relação à mobilização operária em Alagoas,
como se observa no artigo: “Solidariedade, trabalhadores! O momento é propicio!”:
Felizmente, a plebe começa a despertar. Varias reuniões operarias se tem realizado,
notando-se entre os operários o mais firme proposito no sentido de se fazerem valer,
pela força da razão ou pela razão da força, os direitos dos trabalhadores à vida e ao
conforto. Solidariedade, trabalhadores o momento é propicio! (A SEMANA
SOCIAL, p. 1, 18 ago. 1917).
Continuando a sua militância, é feita outra convocatória através do artigo intitulado:
“A necessidade de associação”, que fala da exploração do proletariado sujeito a exaustivas
15/18 horas de jornada de trabalho por dia, estendendo-se aos domingos, noite adentro. A
finalidade era conclamar o proletariado a organizar–se em associações. Por fim, é feita a
seguinte observação:
[...] Uma vez associados seremos uma força respeitada pelos governos e temidas
pelos industriais. Associados falaremos com voz forte ao Capital e ao Estado e
conseguiremos realizar as nossas justas aspirações. Essas palavras são um convite à
classe dos trabalhadores em fábricas de tecidos para associarem. Que os
trabalhadores meditem e compreendam estas palavras! (A SEMANA SOCIAL, p. 3,
16 set. 1917).
A atuação frente à necessidade de associações continua sempre com observações aos
acontecimentos em outros estados, a exemplo de São Paulo, como no artigo: “Em São Paulo o
regime do terror”. No artigo há referência às ações da polícia frente às greves. Interessante
observar que Canellas faz uma alusão à Revolução Russa, como inspiração a não desistência
da luta operária. Vejamos: “E os operários conseguirão a vitória? Porque não? O czar da
Rússia, que era um tirano autentico, foi corrido para a Sibéria e como não há de correr
também o sátrapa Altino Arantes que é um tirano arremedado?” (A SEMANA SOCIAL, p. 2,
6 out. 1917).
A iniciativa de atuação não era somente para os operários e se estendeu também aos
trabalhadores rurais173 (lembrando que em Viçosa deu início ao apoio e incentivo a classe
trabalhadora do meio rural). A publicação do artigo: “A liberdade dos trabalhadores rurais é
preciso que pelos campos também se agite o vento da liberdade”, descreve a situação dos
173
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 9 jun. 1917.
125
trabalhadores rurais do interior, e ao término, Canellas sugere uma opção de atuação para os
homens do campo:
Por isso é que se torna urgente que os trabalhadores rurais de Alagoas tomem parte
no movimento reivindicador que atualmente se produz desde as estepes geladas da
Rússia até aos pampas da Argentina. E nesse sentido apelamos para os homens de
boa vontade mais os idealistas de bem afim de que pelo livro, pela palavra e pela
ação façam interessar a todos o problema da libertação dos trabalhadores rurais e de
todos o problema da libertação tornem conhecida a miserável e atrofiada situação
em que se encontram a população pobre do interior de Alagoas. (A SEMANA
SOCIAL, p. 3, 18 ago. 1917, p. 3).
Em virtude desses posicionamentos, Canellas chegou a ser acusado de espião. Outra
atuação presente desde o início de suas publicações foi contra a participação do Brasil na
Primeira Guerra, como observado anteriormente. Um artigo publicado pelo colaborador Juca
d‟Athayde sobre a bandeira nacional gera polêmicas e acusações e um colaborador do Jornal
de Alagoas com o pseudônimo de Jota acusou Canellas da seguinte forma:
Esse caso da bandeira brasileira tem despertado berrantes comentários em Maceió.
O periódico A Semana ficou celebre, o sr. Juca d‟Athayde celebre e a revolta
produzida em face do caso também ficou celebre. Estamos que esse moço não agiu
bem, isto é: não pensou demoradamente ao escrever as linhas indignas do seu
artiguete. E a prova é que Juca d‟ Athayde está arrependido. [...] O sr. Juca de
Athayde é, pois uma antítese do herói nacional. Por isto se depreende [sic] que o
redator de A Semana daria um excelente espião boche. 174 (JORNAL DE
ALAGOAS, p. 3, 5 maio 1917).
O posicionamento de Canellas contra a acusação foi publicado com as seguintes
palavras:
A criatura que, sob o pseudônimo breve de Jota, colabora no Jornal de Alagoas, ao
comentar o *caso da bandeira*, achou que era de fino espirito dizer que o redator da
SEMANA SOCIAL „daria um excelente espião boche‟. Não sabíamos que
possuímos essa rendosa e perigosa vocação, assim como não atinamos com os
indícios públicos ou secretos que levaram o sr. Jota a fazer tão importante afirmativa
. Não temos dado provas de argucia que nos habilite a ser um excelente espião, não
usamos barbas postiças, não sabemos desenhar cousa alguma, não temos em casa
antenas radio – telegráficas nem objeto que com tal se pareça: de maneira que o sr.
Jota, descobrindo em nós um excelente , demonstrou que possuía uma argucia ultra
– superior ou, senão ,(o que é mais provável) patenteou uma hipópotamica [sic]
estupidez aliada a um descomunal desejo de servir graciosamente a causa da
ENTENTE. (A SEMANA SOCIAL, p. 3, 10 maio 1917).
Um dos assuntos mais explorados no periódico foi o primeiro grande conflito
internacional do século XX, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em publicações feitas
por Canellas e seus colaboradores, como Octávio Brandão, posicionamentos estes que
174
Boché é uma expressão pejorativa francesa que significa “alemão”, vulgarmente seria algo como “espião
fajuto”, “espião ruim”.
126
geraram polêmicas e perseguições, culminando com a publicação da edição número 26, de 03
de novembro de 1917, que trazia o seguinte título: “O atentado governamental contra a vida e
o sossego do povo”, e subtítulo “bruscamente e contra a vontade quase unanime da nação, os
dirigentes levam o país a guerra” 175.
O referido artigo gerou uma série de manifestações dos patriotas, que resultou na
perseguição de Canellas e no apedrejamento da sede do Jornal “A Semana Social”. Octavio
Brandão176 narra a perseguição e o fechamento da sede do periódico “A Semana Social” pelo
governo, motivo pela qual Canellas migra para o Recife. Moacir Medeiros de Sant‟Ana177
informa que os acontecimentos descritos ocorreram provavelmente na noite de 6 de novembro
de 1917. É possível dizer que Canellas não tenha sido perseguido, em solo alagoano,
unicamente, por questões patrióticas. É importante lembrar que em seu periódico, o redator
atacava vorazmente os poderosos da elite local, podendo esse ser um fator decisivo para que
estes lhes desejassem longe das terras que estavam acostumados a dominar.
Ao migrar para Recife, Canellas em sua trajetória política e intelectual em Alagoas
demonstrou sua afinidade pelo anarquismo (na verdade foi um anarquista) e teve uma atuação
prática, como descrita ao longo das sessões. Sendo mais visível no comentário de Octávio
Brandão sobre sua participação e envolvimento, dentre outras exemplos, na fundação de
sindicatos, como: a Congregação Libertadora da Terra e do Homem, entre 1918-1919.
Todavia, Octávio Brandão em uma resposta a um depoimento, publicado pela (CPDOC)
Fundação Getúlio Vargas, que segue, informou que ambos tiveram uma atuação prática (no
que se refere a conquistas, antes da fundação dos sindicatos) desde a publicação d‟A Semana
Social. Vejamos:
Em quais foram os resultados práticos da ação desenvolvida pela Congregação?
O.B. – Bem; melhor dizer sobre todo esse processo... como A Semana Social e tudo
isso. O resultado prático foi o seguinte: em certas fábricas, conquistamos o dia de
oito horas e aumento dos salários. Trabalhavam 12, 14, 16 horas! Conseguimos
aumento dos salários e liberdades sindicais e essas idéias todas foram sendo
espalhadas entre aqueles intelectuais. (BRANDÃO, 1977, p. 12).
As afinidades com atuação prática através de sindicatos são visíveis no final dos meses
que antecederiam sua ida para Recife, Canellas atua divulgando e pondo em prática ideias
voltadas para o sindicalismo revolucionário. Os desdobramentos de sua atuação e trajetória
175
A SEMANA SOCIAL, Maceió, p. 1, 3 nov. 1917.
BRANDÃO, Octávio. Combates e batalhas. São Paulo: Alfa – Omega, 1978. p. 114-115. (Memórias, v.1).
177
SANT‟ANA, Moacir Medeiros de. História da imprensa em Alagoas. Maceió, Arquivo Público de Alagoas,
1987. p. 103-104.
176
127
política intelectual continuam em Recife-PE, com a publicação da Tribuna do Povo, cuja
trajetória será discorrida na próxima sessão.
128
6
TRIBUNA
DO
POVO
(RECIFE,
1918-1919):
AMADURECIMENTO
E
COMBATIVIDADE NO PERIÓDICO RECIFENSE
6.1
O Movimento Operário em Pernambuco na segunda década do século XX:
contexto sócio político da publicação da Tribuna do Povo em Recife – Pernambuco
Desde o final do século XIX, a cidade do Recife era uma das mais importantes do país,
juntamente com São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. Segundo Antonio Paulo de Morais
Rezende, nas duas primeiras décadas do século XX, a cidade apresentava os seguintes dados
referentes à população e estabelecimentos industriais: “Em 1900 [Recife], tinha uma
população de 113.106 pessoas, passando para 238. 843 em 1920, haviam sido instaladas cerca
de 113 estabelecimentos industriais, enquanto entre 1900 e 1909, mais de 33 iniciaram suas
atividades”. (REZENDE, 1981, p. 42-43).
Recife, na verdade, destacou-se economicamente desde o período colonial, através da
produção açucareira, algodoeira, suplantada posteriormente pela cafeicultura, na região
sudeste do país. Em virtude dessas atividades econômicas, Recife manteve uma projeção
política e econômica a nível nacional. Para termos uma ideia, entre fins do século XIX e
início do século XX, as ferrovias pernambucanas cobriam quase todo o território do estado,
chegando aos limites com Alagoas e Paraíba. Em virtude do crescimento e desenvolvimento
das indústrias, da economia, das exportações, do crescimento demográfico, das relações
trabalhistas, enfim, das relações sociais, surgiram inevitavelmente reivindicações das classes
trabalhadoras178 como a de 1903179. Segundo Rubim Santos Leão de Aquino:
Em 1903, os operários da The Great Western of Brazil Railway Company Limited
paralisaram os trens exigindo melhores salários e chegaram a ser ameaçados pelo
cônsul inglês. O mesmo tipo de greve se repetiu em janeiro de 1909, quando os trens
ficaram paralisados por 12 dias. Devemos considerar que a classe trabalhadora
pernambucana tinha pequena presença de estrangeiros, diferentemente dos estados
do sudeste. [...] Apesar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) absorver as
atenções políticas do país, os trabalhadores pernambucanos não deixaram de
reivindicar. Já no final do governo de general Emídio Dantas Barreto (1911-1915),
surgiram greves. Os trabalhadores, sem terem perspectivas ou direitos,
178
As reivindicações começaram desde o período Imperial, segundo Antonio Paulo de Morais Rezende, o autor
cita uma greve dos trabalhadores do porto em 1812, outra em 1880 dos tecelões da fábrica de Madalena, em
1902 ocorreu à greve dos ferroviários e remadores, sem falar da Instituição da Imperial Sociedade dos Artistas
mecânicos e Liberais de Pernambuco, fundada em 1836. Para aprofundamento ver: REZENDE, Antonio Paulo
de Morais. A classe operária em Pernambuco: cooptação e resistência (1900/1922). 1981. 270 f. Dissertação
(Mestrado em História) - Universidade Estadual de Campinas, 1981, p. 16-17.
179
Com relação à organização da classe operária em Pernambuco no início do século XX, José Francisco afirma
que em 1906 surgiu o movimento sindical no Recife, ao mesmo tempo descreve a situação em que vivia a classe
operária. Ver: BEZERRA, Aurélio Meneses; FERREIRA, Maicon Maurício Vasconcelos; BEZERRA, Rafael
Santana. (Org.). Manifestações operárias e socialistas em Pernambuco. Recife: UFPE, Núcleo de Estudos
Eleitorais, Partidários e da Democracia, 2011. p. 104-105.
129
demonstravam insatisfação com a jornada de trabalho, que variava de 10 a 14 horas
e com baixos salários arbitrados pelos patrões, aumentavam suas reivindicações.
Logo depois, assumiu o governo Manoel Antônio Pereira Borba (1915-1919) que,
no período 1916-1919, enfrentou novas ondas de greves e de outras manifestações,
devido à situação econômica. (AQUINO, 2009, p. 210).
Como se pode observar, o movimento operário no Recife fora principiado no início do
século XX180. Em 1910, segundo Luiz Otavio Cavalcante, três episódios marcaram a segunda
década do século XX em Pernambuco, atingindo seu ápice no final da segunda década (19191920). Segundo o autor:
Os anos de 1910 em Pernambuco foram marcados por intensa agitação política e
social. Três episódios acentuaram a instabilidade que afetou a sociedade naquela
época. O primeiro, em 1914, foi a criação da Federação Operária de Pernambuco,
animada por incansável militante social, o estivador José Elias. Ele era enviado
especial ao Segundo Congresso Operário Brasileiro. O segundo episódio, ocorrido
no interior do Estado, constituiu grave ocorrência política conhecida como
“hecatombe de Garanhuns”. Tratou-se de violenta briga entre famílias com violentas
mortes. Na verdade, configurava-se dolorosa transição do patriarcado rural da região
para um patriarcado urbano emergente. O terceiro episódio, acontecimento de
repercussão no Estado, foi a greve de operários da Pernambuco Tramways. A
paralização, iniciada com mera disputa corporativa entre empresas e funcionários,
assumiu maior dimensão e imobilizou a economia estadual durante vários dias.
Pernambuco operário começava a participar da grande política. [...] Em
Pernambuco, política sempre teve três nomes: federalismo, alternância de poder e
voto. Com breves interrupções, feitas de arbítrio e exceção extra legal. Nos anos 20,
a história e Pernambuco é marcada por movimentos sociais e transformações
importantes: a fundação do Partido Comunista Brasileiro – PCB, o Movimento
Regionalista e as reformas do governador Sérgio Loreto. A agonia da República
Velha talvez tenha começado em Pernambuco. (CAVALCANTI, 2013, p. 95).
Em 1917181, assim como em outras cidades do país, ocorreram alguns acontecimentos
que influenciaram as mobilizações classistas, tais como: a greve de 1917, iniciada em São
Paulo, da qual participaram mais de 70 mil pessoas, influenciando outros estados como o Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul e mais alguns outros que se mobilizaram através de
manifestações de repúdio à guerra imperialista, etc. Acrescente-se ainda, a estes
180
GOULART, Laryssa de Souza. Astrojildo Pereira e a formação do Partido Comunista Brasileiro.
(Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Assis, 2013 p. 34. A autora faz uma referência a
mobilizações operárias em 1910, segundo a autora: “a classe operária esteve envolvida na luta antioligárquica,
juntamente com as camadas médias, herdeiras de uma tradição jacobina, sendo reforçada com o positivismo do
movimento republicano. Assim, o anarcossindicalismo esteve submetido culturalmente ao positivismo. A partir
de 1919, Antônio Canellas, porta voz do movimento grevista daquele ano, percebera a necessidade da cisão
teórico – prática com o reformismo; aceitava, dessa forma, o princípio da ditadura do proletariado.”
181
Em 15 de janeiro 1917, foi assassinado Júlio Euthímio Brasileiro, ex-prefeito de Garanhuns - PE e deputado
estadual. Em virtude do acontecimento ocorreu uma revolta popular que manteve o comércio da cidade fechado
por vários dias, devido à popularidade do político. Para uma melhor compreensão dos fatos ocorridos ver:
LIMA, José Cláudio Gonçalves de. Os sitiados: a hecatombe de Garanhuns: romance histórico. Recife: Ed. do
autor, 2009; PORTO, José da Costa. Os tempos de Dantas Barreto. Recife. Editora Universitária, 1973. p. 11720).
130
acontecimentos, a Revolução Russa que influenciou também o movimento operário
brasileiro182.
Ainda em 1917, ocorreu uma importante greve no Recife183, um movimento
organizado e articulado entre várias categorias (carpinteiros, operários da construção civil,
tecelões, etc.), havendo, portanto, a tentativa de uma organização classista. Devido à
repressão, à perseguição política dos detentores dos meios de produção, este movimento,
assim como em outras cidades do país, foi sufocado. Entretanto, é importante frisar sua
repercussão e consolidação no que se referem aos propósitos, objetivos e organização.
Segundo Antonio Paulo de Morais Rezende:
A greve de 1917 representou, comparada com as anteriores, um verdadeiro salto em
termos de organização, embora não conseguisse o atendimento de suas exigências.
A atuação repressiva da polícia, o desempenho de seu chefe, Antônio Guimarães,
com a colaboração da COP [Confederação Operária Pernambucana], deixaram
pouco espaço de manobra para os grevistas. [...] Na verdade, ao mesmo tempo em
que essas determinações dificultavam a própria organização da classe, também deixa
mais claro o caráter explorador do sistema e serviam como ponto de partida para
formular suas reivindicações e motivá-los para a luta. (REZENDE, 1981, p. 82).
Ainda sobre a organização, Aluizio Franco Moreira tece um interessante comentário
acerca dos participantes das organizações operárias de 1917 em Recife, no que se refere aos
sindicatos e ao anarquismo. Vejamos:
Das organizações operárias que, de uma ou outra forma, como vimos, participaram
do movimento grevista de 1917, registramos Sindicatos de Ofícios Vários, União
Operária de Afogados, Sociedade de Alfaiates, Sociedade dos Marceneiros e Classes
Anexas, Associação dos Artistas Civis, Sociedade dos carpinteiros [sic], Sociedade
dos Estivadores, Sindicato da Construção Civil da Várzea, União dos Estivadores.
Assim constatamos que das 9 organizações citadas, 4 eram Sociedades, 2 Uniões, 2
Sindicatos e 1 Associação. Deste modo, a maioria das organizações refletia formas
embrionárias de luta mais assistencial. Os Sindicatos que representam um tipo de
organização operária mais combativa eram insignificantes em número. E só o setor
182
A influência da Revolução Russa no movimento operário brasileiro foi grande, resultando, inclusive, na
fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922. Antonio Paulo de Morais Rezende em sua pesquisa
apresentou um argumento de Edgar Rodrigues em relação às greves ocorridas no Brasil em 1917, segundo o
autor, as mesmas não surgiram efetivamente influenciadas pela Revolução Russa. Na verdade, os problemas
advindos da conjuntura internacional (Primeira Guerra e a Revolução Soviética) foram utilizados como principal
motivo do encarecimento dos gêneros de primeira necessidade entre outros exemplos extensivos a crise
econômica. De acordo com Edgar Rodrigues, os motivos foram os seguintes: “o ano de 1917 foi sacudido por
um enorme vendaval de protestos, greves e revolta, não em função da Revolução Russa, mas porque
governantes, políticos e comerciantes se dispuseram a transformar o povo num rebanho de famintos”.
183
O ano de 1917 foi marcado também no Recife, por disputas políticas entre os dantistas e borbistas. José da
Costa Porto em sua pesquisa acerca da participação de Dantas Barreto na política pernambucana deixa em
evidência as questões, disputas, organizações e manobras de ambos os políticos envolvidos nas disputas
eleitorais, deixando claro que suas participações foram condizentes com a política conservadora do Brasil da
Primeira República. Para maiores informações acerca da política das duas primeiras décadas do século XX em
Pernambuco ver: PORTO, Costa. Os tempos de Rosa e Silva. Recife: UFPE, 1970; PORTO, Costa. Os tempos
de Dantas Barreto. Recife: UFPE, 1973; CASTRO, Eduardo de Lima. Memórias de um político
pernambucano: revivendo o passado aos oitenta anos. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1955.
131
da Construção Civil era organizado desse modo. Talvez aí se explique a
combatividade do Sindicato de Ofícios Vários e sua clara liderança em todo
desenrolar do movimento. O que não existe nesta época (pelo menos não
conseguimos registrá-las), são as chamadas Resistências Operárias, cujo
aparecimento, segundo José Albertino Rodrigues, corresponde a um período de
efervescência, de agitação social e do anarquismo que cobre os anos de 1889 – 1919.
Por outro lado temos a Confederação Operária de Pernambuco, criada naturalmente
com o objetivo de congregar todas as organizações operárias no Estado.
(MOREIRA, apud, VV.AA. 1912, p. 96-97).
Nesse sentido, as organizações operárias vão se fortalecendo, sendo notórias suas
atuações nos anos de 1919-1920 devido à própria maturidade e experiência vivenciadas desde
o início do século XX em Pernambuco. Sendo assim, o ano de 1919 foi expressivo para a
organização operária em Pernambuco. Vejamos:
A segunda metade do ano de 1919 representou um momento significativo para o
operariado pernambucano. Em agosto viveu-se o episódio da Encruzilhada: os
operários da Pernambuco Tramwayand Power Company estavam em greve e
invadiram as instalações da usina elétrica e do gasômetro do Recife. A cidade ficou
sem luz e sem gás. As reivindicações por melhores salários e menor jornada de
trabalho estavam presentes. Os grevistas marcaram um comício em frente ao quartel
da Encruzilhada, mas foram recebidos com disparos. Não realizaram, então, o
comício e logo terminaram a greve. Em novembro houve a primeira greve geral em
Pernambuco. (AQUINO, 2009, p. 210).
Os movimentos operários eclodiram em virtude de reivindicações por melhores
salários, por condições dignas de higiene no trabalho, inconformidade com o sistema
oligárquico (controle dos usineiros na representação política de Pernambuco), condições subhumanas de vida, entre outros exemplos. Em Recife, os anos de 1919-1920184 foram marcados
por grandes manifestações advindas do movimento operário organizado, mas com pequeno
declínio a partir das greves de 1920, segundo Frederico Duarte Bartz185.
A organização operária em Pernambuco na década de 20 teve como partícipes alguns
personagens de destaque, como José Elias da Silva186 e Joaquim Pimenta187. Ambos
exerceram significativa influência nas mobilizações. José Elias da Silva atuou como
sindicalista radicado no Rio de Janeiro tendo participado de eventos importantes, como os
Congressos Operários organizados pela Confederação Operária Nacional. Ao chegar a Recife
em 1914, sua principal incumbência era divulgar no Nordeste, as resoluções do II Congresso
184
O período de 1919-1922 foi marcado por agitações sociais, principalmente na área trabalhista. O Presidente
da República nesse período foi Epitácio Pessoa.
185
BARTZ, Frederico Duarte. O horizonte vermelho: o impacto da revolução russa no movimento operário do
Rio Grande do Sul, 1917-1920. (Dissertação de Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, porto
Alegre, 2008. p. 43-45.
186
José Elias da Silva foi um autodidata. Participou das mobilizações operárias, anarcossindicalista e
posteriormente em 1922 ingressa no Partido Comunista. Destacou-se pela oratória e militância.
187
Devido ao papel desempenhado por Joaquim Pimenta em defesa do operariado pernambucano, o período
correspondente aos idos de 1919-1922 ficou conhecido como Pimentismo.
132
Operário e dar início à sindicalização dos trabalhadores 188, sinalizando a organização dos
anarco-sindicalistas em Pernambuco, com a formação de associações de resistência, como
observa Souza Barros:
De qualquer forma, só a partir da presença em Pernambuco do sindicalista e líder
operário José Elias, natural de nosso Estado mas radicado no Rio, é que começou
realmente uma fase de organização e a formação de diversas associações, com uma
política de resistência e de reivindicações de caráter econômico, cujas diretivas eram
originárias dos I e II Congresso Operários, de 1906 e 1913, mas cujos ecos somente
nos atingiram, de forma efetiva, através da ação consciente daquele extraordinário
homem que foi, sem dúvida, uma das grandes figuras saídas da massa operária para
a luta em favor dos seus humildes companheiros. (BARROS, 1972, p. 83).
As associações representaram seus respectivos papéis como se pode observar na
seguinte passagem:
Seguidora do Congresso de 1913 [Federação de Resistência das Classes
Trabalhadoras de Pernambuco, União dos Operários Estivadores, Sociedade
Defensora dos Padeiros, Liga dos Pedreiros, Carpina e Serventes, Sindicato de
Ofícios vários, Sociedade União de Resistência dos Trabalhadores em Armazéns e
Carregadores] alegava que “em política não são contra nem a favor de qualquer
político governista ou oposicionista e sim fazem esta declaração a fim de que seja,
amplamente conhecida a orientação que a Federação de Resistência adota na questão
operária: o sindicalismo operário lutando diretamente contra o capitalismo,
procurando assim concretizar na ação direta, a verdade conhecida e apreendida nas
desilusões políticas democráticas e na prática de luta operária: a emancipação dos
trabalhadores só pode ser conseguida pelos próprios trabalhadores”. A importância
da negativa dos anarco-sindicalistas, com uma verdadeira declaração de princípios, é
inegável. Inicia-se um período em que ficará bem nítida a oposição entre dois tipos
de propostas e de condução de luta: os socialistas, cooptados pela classe dominante,
e os anarco-sindicalistas, lutando contra a exploração, resistindo, fazendo
contraponto ao reformismo sem limites de Ezequiel e seus companheiros. Agora,
esses últimos não falariam mais arbitrariamente em nome da classe operária, como
seus interlocutores solitários. A sua prática mediadora de conflitos confrontava-se
com a ação direta defendida pela Federação. Tudo isso ficará bem claro no concreto
da greve de 1917. (REZENDE, apud, VV.AA. 1912, p. 11-12).
Ainda acerca da atuação de José Elias no movimento operário, é importante frisar suas
repercussões no que se refere às organizações classistas na greve de 1919. Vejamos:
Resultado da orientação e do plano de organização trazido a Pernambuco pelo
emissário José Elias, surgiria em 1919 o primeiro embate sério entre trabalhadores e
patrões. Dada as péssimas condições de higiene no trabalho, salários reduzidos e
horários excessivos, rebentou a primeira Greve Geral de Pernambuco, talvez, pela
sua extensão, o primeiro grande movimento paredista do Brasil. [... ] A greve de
1919 foi um importante movimento operário, respeitado pelas autoridades, e que
terminou com um acordo sancionando as reivindicações principais apresentadas. Foi
nessa oportunidade que o Comando da Greve convocou um jovem professor de
Direito para acompanhar o aspecto jurídico do acordo. [...] Na década de 20, mais
188
Essa informação é confirmada pelo professor Antonio Paulo de Morais Resende na seguinte obra: BEZERRA,
Aurélio Meneses; FERREIRA, Maicon Maurício Vasconcelos; BEZERRA, Rafael Santana. (Org.).
Manifestações operárias e socialistas em Pernambuco. Recife: UFPE, Núcleo de Estudos Eleitorais,
Partidários e da Democracia, 2011. p. 8.
133
duas greves gerais explodiram em Pernambuco, agora sob a batuta do Professor
Pimenta, de âmbito mais político, que corporativo, fugindo aos lídimos interesses do
trabalhador. A primeira greve geral surgida nos princípios da década não obedeceria
assim aos critérios de uma ação trabalhista. Joaquim Pimenta estava em pleno
apogeu de liderança sindical e agia como que dispusesse de um Exército e se
empenhasse em por à prova a sua força de ação. Ao saber do conflito existente entre
associações do Comércio e o Governo, estabeleceu imediatamente os contatos para
um movimento de rua, no qual esperava lançar todo o poderio da classe trabalhadora
ainda bem arregimentada e coesa. Não ouviu o Sr. Pimenta as ponderações de
alguns líderes sindicais que o preveniram cautelosamente do perigo de se meter o
proletariado em tal campanha e usou, assim, de todos os meios e modos para levar
adiante aquele movimento sem nada mais a aspirar que o sucesso de sua liderança
pessoal. [...] Ainda na Década de 20, as organizações operárias existentes, e que
estiveram, antes no controle de Joaquim Pimenta, sob uma orientação mais firme de
classe, eram quase as mesmas criadas em 1914 por José Elias. (BARROS, 1972, p.
85-86).
O autor comenta acerca da atuação de Joaquim Pimenta, o professor de Direito que
iniciou sua participação antes da greve (1919), defendendo causas trabalhistas, atuando junto
aos sindicatos. Interessante se faz, nesse momento, deixar claro que houve também a
participação de membros de outros estratos sociais junto aos proletários, a exemplos do
senador Manuel Borba e do coronel Virgílio de Medeiros. Assim como Joaquim Pimenta,
ambos envolveram-se nas causas trabalhistas, mas tinham interesses apenas políticos, se
distanciando das causas específicas, quais eram os direitos dos trabalhadores. Vejamos:
Assim, por duas vezes, conseguiria o Dr. Pimenta arrastar o proletariado para o
campo dos seus interesses políticos: na campanha do “orçamento – monstro” [1921]
e na chamada “luta pela autonomia” [luta pela autonomia política 1922]. Nesta
última, empenhar-se-ia também o Senador Borba, sob a batuta técnico – carbonária
do professor de Direito. Sim, porque sem Pimenta o Senador não teria arriscado à
campanha. É um “retalho” das memórias de Pimenta que comprova isso: convocado
pelo Senador Manuel Borba, levou para o encontro um arsenal de bombas e dois ou
três trabalhadores que já dividiam o seu tempo entre a faina profissional e a
assistência pessoal ao chamado líder do proletariado. (BARROS, 1972, p. 98).
Na verdade, Joaquim Pimenta adotou um comportamento que o conduzia às lutas
sociais em alguns momentos e, em outros, utilizava de seu discurso para se promover a partir
de sua inserção junto às camadas populares. Por mais que Joaquim Pimenta tenha participado
das organizações operárias, não foi pioneiro na organização do movimento operário em
Pernambuco, como fica claro na seguinte observação: “Vê-se, dessa forma, que o Dr. Joaquim
Pimenta não foi o organizador da Confederação Operária nem iniciou (em Pernambuco) os
movimentos grevistas que se alastravam por todo o Brasil à época da sua adesão às lutas
trabalhistas”. (BARROS, 1972, p. 98).
No entanto, é inegável a liderança de Joaquim Pimenta nas campanhas, como na do
Orçamento Monstro. Todavia, como exposto, utilizou-se de sua oratória e articulação
134
enquanto “representante” da classe operária, com a ressalva de agradar “gregos e troianos”,
como observa Antonio Paulo de Morais Rezende:
Na verdade, a conjuntura política lhe favorecia [Joaquim Pimenta] em parte, pois era
nos espaços abertos pelas dissidências internas na classe dominante que Pimenta se
lançava ao lado das duas facções, quase sempre a mais desfavorecida, e procurava
reforçar seu prestígio político e popular, transformando ou tentando transformar os
seus interesses pessoais em um reflexo dos interesses dos grupos dominados da
sociedade. Esse era o comportamento de Pimenta, sem que se deixe de lado seu
carisma pessoal e sua inflamada oratória. (REZENDE, 1981, p. 82).
Independentemente das participações dos líderes, as organizações autônomas dos
proletários surgiram a partir de suas convicções e conscientização acerca das condições a que
eram submetidos e que influenciou as mobilizações em busca de melhores condições de
trabalho e respectivamente de vida. Todavia, os patrões e o poder público através do
autoritarismo intervinham no sentido de proibir as organizações, reuniões, etc. A força
repressiva da polícia, por exemplo, foi empregada nas perseguições, agressões e prisões de
suspeitos de estarem envolvidos propagando ideias ou em atividades no movimento operário,
mesmo posteriormente a 1919. O artigo, “A Agitação Operária Está em franco declínio”,
evidencia a questão:
Felizmente apresenta-se em franco declínio a agitação operária que se vinha notando
nesta capital, ameaçando generalizar-se e tomar proporções. [...] Diversas fábricas
que haviam paralisados seus serviços já começaram a funcionar regularmente.
Convém agora que a polícia não se exceda nas violências, querendo descobrir
anarquistas, onde eles não existem. [...] A força pública ainda continua de prontidão
para qualquer eventualidade. (A NOITE, p. 1, 30 set. 1920).
Esse é um exemplo, dentre outros189, na verdade a violência foi empregada de diversas
formas: castigos, espancamentos, etc. Com o apoio do senador Manoel Borba, o comandante
da polícia Antônio Guimarães190 era acobertado em suas atividades “opressoras” a serviço do
189
Ao longo do jornal são apresentadas matérias referentes às ações dos operários e respectivamente as ações do
poder público. Segue uma lista com os nomes das matérias publicadas em 1920 pelo jornal A NOITE: “Seção
operária os inimigos da Lei”, publicado em 9 de abril de 1920; “Chronica operária”, 12, 16 de abril, 23, 30
de maio, 2, 5, 12 de junho; “Vida proletária A Noite no seio do Operariado de Pernambuco UMA
PALESTRA EM TORNO DO MOVIMENTO OPERÁRIO”, 14 de abril; “Vida proletária como será
comemorado o 1° de maio”, 22 de abril; “Movimento proletário Recepção do delegado ao 3° Congresso
Operário Nacional”, 18 de maio; “Em torno de „um protesto inflamado‟ o Dr. Joaquim Pimenta e os
católicos de Vitória uma carta do padre desse município”, 22 de maio; “Em defesa da anarquia”, “A
carestia de vida tem provocado a grita do povo que todas as tardes clama na praça pública contra a
exploração comercial‟, 4 de junho; „Agitação operária‟”, 27 de setembro; “A agitação operária As medidas
da polícia . As declarações do Sr. Luiz Correia. O que se tem passado e o que se passa. Protestos contra a
polícia. O que tem feito os operários. Os gráficos não trabalham. Nas sedes das sociedades e ruas. Atos
reprováveis. Teremos uma greve geral?”, 28 de setembro; “A situação da Rússia”, 1 de dezembro de 1920.
190
Antônio Guimarães atuou também em outras cidades, como Jaboatão dos Guararapes. Sua atuação na referida
cidade foi de perseguição e proibição de mobilizações classistas de trabalhadores da Great Western que
mobilizaram uma greve em 1917. Para melhor compreensão ver: BEZERRA, Aurélio Meneses; FERREIRA,
135
coronelismo local. Com isso, a falta de garantias nas indústrias, na própria vida social, no que
se refere à cidadania e as dificuldades sociais, culminaram em mobilizações com propostas
diferentes do sistema capitalista vigente, segundo Boris Fausto:
As condições gerais do trabalho urbano no Brasil nos trinta primeiros anos deste
século [XX] são conhecidas correspondendo, nas empresas maiores, ao modelo de
acumulação da primeira fase do capitalismo industrial. Por toda parte, impera o
reino da liberdade; a legislação fabril, esta “primeira reação consciente e sistemática
da sociedade contra a marcha elementar do processo produtivo”, é muito restrita e
ineficaz. Sobre o trabalhador recai não só a forma absoluta de extração do excedente
como ainda a contínua insegurança. Em regra, nada impede a despedida imediata
após longos anos de serviço, os freqüentes [sic] acidentes não são indenizados,
inexiste a previdência social; no horizonte, não se desenha a expectativa da
aposentadoria, por magra que seja. (FAUSTO, 1977, p. 105).
A greve de 1919 ocorrida no Recife foi uma mobilização de resposta do proletariado
contra as arbitrariedades dos donos dos meios de produção. É importante frisar a significância
da autonomia com que os proletários atuavam dentro do movimento, pois apesar de muitos
estarem diretamente ligados aos sindicatos, outros tinham a liberdade de agir e participar das
mobilizações operárias conforme suas convicções, que culminou como observa Rezende
(1981, p. 107), numa greve, “„em proporções como até hoje jamais se verificou em todo
Brasil, isolando o Recife do interior do Estado por um controle de rede ferroviária segundo
salienta Pimenta em suas memórias”.
É nesse contexto histórico, nesse ambiente de efervescência e expansão da luta
operária em Pernambuco, que Antonio Bernardo Canellas redige e divulga o periódico
Tribuna do Povo, através do qual se discute e se propagam os ideais da classe proletária, as
arbitrariedades dos donos do poder, bem como os acontecimentos mundiais.
6.2
Tribuna do Povo (Recife 1918-1919): atuação de Canellas no Movimento Operário
em Pernambuco através das publicações do periódico
Ao migrar para Recife-PE, provavelmente191 no final de 1917, Canellas prossegue sua
militância através da publicação do periódico Tribuna do Povo. O referido jornal foi lançado
em 1° de março de 1918 e nesta publicação nosso redator expõe através do artigo “O que
somos e ao que vimos”, aquilo que seria a essência fundamental da causa por que lutava e que
já estivera a propagar nos periódicos publicados em Alagoas e já analisados. Vejamos:
Maicon Maurício Vasconcelos; BEZERRA, Rafael Santana. (Org.). Manifestações operárias e socialistas em
Pernambuco. Recife: UFPE, Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia, 2011. p. 91-94.
191
Não foram encontrados registros exatos até o presente momento que deem conta da data de migração de
Canellas para Recife, o que se sabe, é que de acordo com Octávio Brandão, Canellas foi embora logo após uma
perseguição que sofrera no final de 1917 em Maceió – AL e que se encontra descrito na 4° sessão.
136
Nós vimos continuar a obra que encerámos[sic] em Viçosa (Alagoas) no ano de
1916 e que desenvolvemos mais amplamente em Maceió n‟ A SEMANA SOCIAL.
Somos socialistas revolucionários e vimos espalhar a semente de nossos ideais no
solo fecundo do Pernambuco glorioso. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 1 mar. 1918).
Canellas deixa em evidência a continuidade de seus objetivos, quais sejam continuar o
que iniciou em Viçosa e Maceió-Alagoas, e inflama o discurso ao expor a intenção de
espalhar seus ideais socialistas revolucionários no “fecundo solo pernambucano”. Para isso,
fixa o logradouro da redação do jornal, à Rua Dr. Feitosa (antiga Estreita do Rosário) n° 227,
no 2° andar. O jornal foi divulgado a cada dez dias com algumas irregularidades, devido às
dificuldades financeiras e a regularização das cobranças na etapa inicial da publicação192.
O periódico custava mensalmente 500 réis para os assinantes. Um detalhe interessante
é em relação aos patrocinadores, pois não foi identificado nenhum nas publicações de 1918193,
porém, em 1919, os primeiros comerciais foram publicados em 10 de março (Padaria Polaca,
Livraria Americana, Máquinas de Escrever Underwood, Fábrica de Artigo de Vime, Loja dos
Aliados, Mara Paulista A Marca do Povo Forte e Barato, As Gasosas de Fratelli Vita, Puritol
de A. Gusmão, Tinturaria e Alfaiataria Pavão de Manoel José Monteiro, Ultima Hora
Tinturaria e Lavanderia União Tavares e Filhos, Tipografia Minerva, A Sandália Brasileira,
de Elísio e Cia, Licor da Vida, Botequim Popular, Relógios Omega, Pneumáticos Cordon). O
periódico foi vendido em Pernambuco (Recife, Jaboatão, Timbaúba, Gameleira, Cabo,
Garanhuns, etc.), Alagoas (Pilar, Maceió e Viçosa) e Paraíba (João Pessoa, Santa Rita e
Cabedelo), conforme consta no anúncio “A TRIBUNA DO POVO” 194. Sem falar da
distribuição em outros estados como: Rio de Janeiro, Minas Gerais, etc.
Antonio Canellas, já na primeira publicação, deixa indícios que teria uma atuação
firme e forte, e nesse sentido seus artigos e publicações assumem posicionamentos voltados
para atuação e mobilizações classistas, conforme consta no artigo “A nossa política”:
Somos sistematicamente contra todos os políticos dirigentes. A nossa missão
consiste principalmente expor e agitar as novas ideias de remodelação social,
formando o ambiente idealístico favorável à aplicação das mesmas. [...] Por todo
mundo o proletariado se encontra preparado para tomar a direção das coisas públicas
a fim de dispô-las conforme os seus direitos e é vergonhoso que em Pernambuco os
trabalhadores se encontrem ainda tão aquém desse estado de preparação.
(TRIBUNA DO POVO, p. 2, 1 mar. 1918).
Nesse sentido, para deixar mais em evidência, tece observações e reflexões não
restritas, tão somente a Recife. Na matéria, “O que vae pela Parahyba”, Canellas comenta a
192
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 1 mar. 1918.
Na verdade foi publicado um anúncio “Para os que querem anunciar”, uma chamada que deixava claro que o
jornal estava aberto para publicações, todavia, ao longo das publicações não verificadas nenhuma.
194
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 2, 1 abr. 1918.
193
137
situação e envolvimento do operariado na luta classista, acrescentando os métodos que os
mesmos deveriam adotar:
No vizinho Estado da Paraíba desenvolveu-se muito o gosto pela associação, sendo
de espera que nessa terra haja dentro em breve uma força operária respeitável e
consciente. [...] O sindicalismo é o método de ação completamente independente da
velha ilusão política tendo por fim conquistar tono [sic] ao Capital, sempre e
sempre, até firmar a completa supremacia do trabalho. [...] Enfim, temos fé em que
os obreiros da Paraíba saibam despir-se de todas as ilusões, livrar-se de todos os
pastores, dispensar os <srs.drs. Advogados > e caminharem fortes e conscientes pela
estrada laminosa e reta do sindicalismo revolucionário. (TRIBUNA DO POVO, p. 3,
1 mar.1918, grifo nosso).
É possível observar no posicionamento ideológico de Canellas uma clara indicação de
tendência ao sindicalismo revolucionário, como meio tático, um posicionamento que já havia
sido evidenciado no final de 1917 em Maceió. Nosso tipógrafo dá continuidade a suas
críticas, principalmente, relacionadas à política195, aos acontecimentos internacionais, como o
fim da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa196, acrescentando críticas ao sistema
capitalista, bem como ao antimilitarismo197.
Nesse sentido, Canellas chama a atenção para a necessidade de organização e
mobilizações das classes trabalhadoras, sendo importante citar que o mesmo mantém uma
preocupação com a classe do meio rural, desde Viçosa em Alagoas, ao destacar a vida difícil
no campo, mencionando o descaso dos detentores dos meios de produção e dos representantes
políticos a nível nacional. No artigo, “A margem de um grande assunto” 198, Canellas faz uma
observação para a urgência na revisão das propriedades, conclamando pela necessidade de
instrução, higiene e condições dignas de vida para os moradores do sertão e interior de
Pernambuco.
195
Com relação à política, o redator continua chamando a atenção para a “farça” que eram as eleições, onde, na
verdade, o que se tinha eram candidatos (fez referência direta a Rodrigues Alves) conservadores, oligarcas,
escravocratas, enfim, “múmias” do passado. Canellas fez apelos para a não votação em qualquer candidato, isso
a nível, Federal, Estadual e Municipal.
196
A repercussão da Revolução Russa, as notícias, entre outras peculiaridades, eram divulgadas pela “grande
imprensa” e pela imprensa operária. Como descrito por Canellas e atualmente conhecido, muitas informações
eram distorcidas ou falsas. Isso para impedir a adesão e consequentemente expansão para outros países,
acrescentando o Brasil. Na verdade, ao longo das matérias publicadas, Canellas transmitia a repercussão e ao
mesmo tempo, uma “imprecisão” do que acontecia na Rússia, isso, devido a seu posicionamento ideológico
(anarquista). Para ele a Revolução deveria ser seguida por todos e que os maximalistas eram exemplos a ser
seguido. Em suas palavras, fica claro, que a Revolução Russa seria um exemplo de socialismo anarquista, que
com o tempo, os sovietes iriam adotar os princípios anarquistas na condução e consolidação do processo
revolucionário. Os artigos referentes à Revolução Soviética e seus desdobramentos encontram-se nas seguintes
edições: TRIBUNA DO POVO, p. 2, 1 mar. 1918. In: p. , 10 mar. 1918; p. 2, 20 mar. 1918; p. 2, 10 abr. 1918;
p. 1, 20 abr. 1918; p. 3, 10 maio 1918; p. 2, 20 maio 1918; p. 2, 10 jun. 1918; p. 2, 10 ago. 1918; p. 3, 10 nov.
1918; p. 3, 1 dez. 1918; p. 1-4, 10 dez. 1918; p. 1, 20 dez. 1918 e p. 1, 1 jan. 1919.
197
Canellas mantém o argumento contrário ao uso da força militar, no artigo, “A investida alemã contra a Rússia
É preciso desarmar a Rússia.” Termina o mesmo dizendo que o militarismo é o mal do mundo que deve acabar.
TRIBUNA DO POVO, p. 1, 1 mar. 1918).
198
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 10 mar. 1918.
138
Com relação aos operários, o militante divulgou as arbitrariedades a que os mesmos
eram submetidos no regime de exclusão e exploração em que viviam, sendo extensivos para
outras cidades do país. As matérias que serão acompanhadas não dão margem a ceticismo,
quando tratam dos assuntos posteriormente elencados. Matérias como: “Como se pode viver
assim”199, expõe os contíguos dados: os operários vivem como animais, sem cultura,
liberdade e envoltos em superstições, sendo necessário fazer-se uma revolução social.
Outras informações foram divulgadas acerca das perseguições e deportações de
militantes. No artigo “As infâmias burguesas: Passou pelo Recife mais um dos operários
deportados”200, é citado o caso de deportação do Sr. Francisco Aroca, em virtude de seus
posicionamentos ideológicos e combatividades em prol da classe operária.
Nesse sentido, Canellas divulga informes referentes à necessidade de organização
classista e sindical. Na matéria “O „Centro Auxiliador de Classes Varias‟ ao operariado” é
feita a seguinte convocação:
[...] Camaradas, nós estamos nesta triste situação porque o burguês conhece o estado
de fraqueza em que nos achamos, porque ele sabe estarmos nós desorganizados.
Porque se nós fossemos uma força decisiva na vida social desta terra não nós
acharíamos nesse estado, pois todos teriam medo do nosso protesto e da nossa ação.
No dia em que um certo número de trabalhadores forem uma força ativa e
consciente, pioneiros irredutíveis da sua causa, então sim, melhoraremos de vida...
Porque nesse dia o mundo será nosso. Formemos, pois entre a classe trabalhadora
um número necessário de combatentes, de homens que saibam o que querem e o que
devem fazerem. E saiba-se que a associação de classe é a incubadora dos novos
ideais, a Academia dos novos idealistas, e, portanto, é no sentido de fundar
organizações que se devem dirigir os esforços de todos os trabalhadores que não
estão de todo tapados pela inconsciência e que anseiam por uma vida feliz. Este
pequeno manifesto vão ser por estes dias distribuídos as várias classes trabalhadoras
pelos camaradas do CENTRO. Parece que vão tornar-se um fato a organização do
operariado pernambucano. (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 10 mar. 1918).
Pelo exposto, torna-se evidente os passos iniciais da organização classista, inclusive,
com a divulgação de panfletos. Outra observação interessante é relacionada à matéria “O
envenenamento dos estivadores” 201, onde Canellas expõe a importância do sindicato nos
casos de envenenamento, pois através deste, haveria a “garantia” do pagamento de
indenizações.
199
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 1 mar. 1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 10 mar. 1918.
201
O caso do envenenamento foi um fato relacionado à viagem em um navio Sueco, “Anglia”. Alguns
tripulantes foram envenenados devido a falta de higiene de uma carga tóxica, ocasionando a morte de um
tripulante, na edição subsequente, Canellas faz uma denúncia, informando que fora enviado um telegrama ao Rio
de Janeiro informando os motivos e consequentemente a necessidade da limpeza para evitar outros casos,
entretanto, não foi repassado, ocasionando outros envenenamentos na referida cidade. Ver: TRIBUNA DO
POVO, Recife, p. 4, 10 de março de 1918.
200
139
No mesmo artigo, ele descreve as longas jornadas de trabalho nas fábricas, de 15 a 18
horas diárias e ressalta a necessidade da organização sindical para acabar com a referida
exploração, concluindo com as seguintes palavras: “só os anarquistas, os chamados
„elementos perniciosos‟ é que são tocados pelo sentimento de humanidade e protestam contra
esse lento envenenamento dos que trabalham em fábrica de tecido”.
Os resultados advindos de suas publicações tiveram repercussão nas edições seguintes.
Canellas publicou uma matéria acerca de reuniões que ocorreram no Centro Auxiliar de
Classes Várias, apontando os seguintes resultados:
Discutimos os vários assuntos referentes à organização e ficou resolvido o
funcionamento regular do C. DE CLASSES VÁRIAS. Vários camaradas residentes
na Torre aventaram a ideia da fundação de um sindicato neste local, sendo esta
proposta aceita e nomeada a comissão encarregada de por em prática. (TRIBUNA
DO POVO, p. 4, 20 mar. 1918).
Seria o início da atuação sindicalista de Canellas em Recife? Qual foi o papel
desempenhado por Canellas nesse processo? Essas e outras questões serão debatidas e
esperamos com elas, obter uma noção da articulação concreta do nosso tipógrafo no
movimento operário do Nordeste.
Ainda na mesma edição de 20 de março, é citada uma greve dos Calafates202, que tinha
como meta o aumento salarial, todavia, não concretizado, porém incentivado. Outro informe
diz respeito à União de Resistência dos Trabalhadores em Armazéns e Carregadores, que
debateram acerca da associação dos Agulheiros ao sindicato, chegando a seguinte conclusão:
a classe dos Agulheiros, 190 membros ao total, tornar-se-ia uma organização independente,
porém, com as mesmas bases da União de Resistência.
É possível perceber a atuação de Canellas voltada para a organização sindical, ao
mesmo tempo, articulada com as mobilizações internacionais, sobretudo, com a Revolução
Russa, embora com indícios ideológicos voltados para o anarquismo. O redator incentiva as
mobilizações, informando que o momento é propício. Na matéria “As responsabilidades do
momento atual”, evidencia as possibilidades de emancipação, a exemplo do proletariado
europeu:
[...] O operariado europeu já está compenetrado dessa verdade e é preciso que os
trabalhadores do Brasil – especialmente os de Pernambuco porque é as estes que nos
dirigimos – também se convençam de que chegou o momento de se pôr abaixo essa
bastilha de iniquidades que entre nós se ostenta arrogantemente sob o nome de
“Estado” e de “Capital”. [...] Toda a boa vontade de que poderemos dispor, toda a
coragem que conseguimos reunir deverá ser empregada no sentido de nos
202
Calafate é um operário especializado na construção naval, trabalha nos estaleiros.
140
organizarmos em associações como o fito de nos prepararmos para desempenhar o
papel que nos está reservado para o futuro; fazendo da associação o nosso
pensamento dominante, o ponto convergente dos nossos esforços. (TRIBUNA DO
POVO, p. 3, 1 abr. 1918).
Os efeitos começam a aparecer, e então é sugerida a fundação de uma Casa Sindical,
para concentração de todas as classes sindicais. No artigo “Vida operária” é descrita a
funcionalidade e objetivo da referida Casa. Vejamos:
Ocorreu-nos a ideia da fundação de uma Casa Sindical do Recife. Achamos
incalculável utilidade o funcionamento, em um só local, de todas as organizações
operárias aqui existentes. [...] Essa circunstância de funcionarem todas as
associações n‟um só edifício provocaria entre elas um estímulo recíproco que seria
bastante fecundo. Sobretudo, daria animação nas reuniões operárias hoje tão frias e
estéreis. Além disso, havendo uma Casa Sindical desapareceria essa dificuldade hoje
existente em se obterem locais para o funcionamento de associações decadentes ou
em formação. Pode - se até dizer que essa dificuldade de se obterem locais é o que
mais entrava a ação operária em Pernambuco. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 1 abr.
1918).
Com isso, Canellas dá continuidade à divulgação de suas ideias e propostas, exemplo
esse, confirmado no anúncio “SYNDICATO DE OFFICIOS VARIOS DA VARZEA”:
Continua este núcleo de propaganda sindicalista. Os rapazes do sindicato preparam
um manifesto para ser espalhado entre os trabalhadores das fábricas usinas[sic]. O
dito manifesto será publicado na TRIBUNA. (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 1 abr.
1918).
Finaliza a edição do jornal com a matéria “Do que se precisa”:
De duas coisas, principalmente, necessita o proletariado de Pernambuco: instrução e
educação revolucionária. A primeira tornará os homens capazes de compreenderem
um ideal em toda sua extensão; a segunda os tornará capazes de realizarem esse
ideal. Infelizmente, essas coisas tão necessárias à emancipação dos operários
existem aqui na mais ínfima deficiência. [...] Ora vamos lá! Acabemos com esta
pasmaceira! (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 1 abr. 1918).
É perceptível a atuação enérgica do nosso redator, que, assim como em Alagoas,
mantém seu posicionamento ideológico voltado para o anarquismo203, evidenciado no artigo
“Sobre a questão operária”, tecendo o seguinte comentário:
203
Nas edições da Tribuna do Povo – Recife de 1918 é mais perceptível à defesa e declaração do próprio
Canellas, em relação ao seu posicionamento ideológico, voltado para o anarquismo, adotando o sindicalismo
revolucionário como pratica de atuação sindical. Nas edições foram transcritos e escolhidos trechos dos
seguintes autores: Errico Malatesta, Élisée Reclus; João Cebola; Mikhail Bakunin; Alcides Rosa; Emilio Zola;
Francisco Aroca; F. Domela Nieuwenhuis; Máximo Gorki; Rafhael Neves; Latino Coelho; Lambda; Magalhães
Lima; Sebastien Faure; Astper; Eça de Queiroz; Neno Vasco; Piotr Kropotkin; Leão Tolstoi; F. Tarrida Del
Marmol; Livio V. Cunha; Fialho D‟ Almeida; Guilhaume Apolinaire; Ariel; Ramalho Ortigão; Luiz Buchner;
Saveiro Merlino; Zeferino; Oscar Wilde; Eduardo Granja; Vargas Villa; Pedro; Balzac; Silvestre Costa;
Euphrosino Manoel Carneiro; Andrade Lira; João Escorel; Braz; Dionísio Garcia; Anatole France; Sobral de
Campos; J. Alves; Etievant; João Mafra; Huxley; Tacito; Alberto Thomas; Chateaubriand; Santo Agostinho;
141
A nossa questão – a questão operária – não é tão somente de ordem econômica
como muitos pensam e, sim, encerra também assuntos de ordem política e moral.
[...] Quanto ao sindicalismo, achamo-lo insuficiente como ideal, mas excelente
como meio de se prepararem os espíritos para compreensão das teorias avançadas.
[...] Ora, o regime político que corresponde ao sistema socialista é o regime
anárquico, o da não existência do governo. [...] Nas linhas precedentes deixamos
provado que a Questão operária tem como solução o Socialismo e Anarquia.
(TRIBUNA DO POVO, p. 1, 10 abr.1918).
Em defesa de suas ideias e atuação com o movimento classista, nosso redator mantém
contatos com outros militantes de Alagoas, da Paraíba, do Pará, do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Seja divulgando notas, greves, enfim, comunicando os fatos ocorridos nos respectivos
estados.
No artigo “CANAES E LAGOAS A terceira conferência de Octávio Brandão204”, traz
informações referentes às condições sociais da população, que são denunciadas por Octávio205
na conferência, chamando a atenção para a necessidade de organização classista.
Nesse sentido, divulga a matéria, “VOZES DO RIO Surto libertário” 206. Nessa
matéria, discorre acerca da força do movimento frente à repressividade da polícia, após
perseguições, fechamentos de locais de reuniões, etc. Todavia, ressalta o progresso referente
ao aumento de participantes nas mobilizações, independentemente das perseguições. Um caso
semelhante é descrito no artigo “Na Parayba A greve de Tibiry AS PROEZAS DUM
DELEGADO” 207, nesse artigo são relatadas as arbitrariedades do delegado frente às mulheres
que estavam envolvidas na greve. Ao final do artigo, Canellas faz uma ressalva ao que se
refere à necessidade de organização e apoio de outros trabalhadores, inclusive de
Pernambuco, caso fosse necessário.
Outro detalhe da atuação de Canellas é referente à prática e incentivo à educação dos
trabalhadores. No artigo “Instrução! Instrução!”, fica clara a necessidade de educação para os
Karl Liebknecht; Darnaud; Alfredo Calderam; C. H. T.; G.; Henri Barbusse; Saywarski; José Maciel de Oliveira;
Victor Grifuehes; Martinez Ruiz; Maria Adélia; Leão Prat; Silveira Lima, Stanislau de Souza, Edimundo de
Amicis. Eufhrosino Manoel Careiro, Lírio de Rezende, Lenine e Salomão Bombarda. Na edição de 10 de agosto
o autor publicou uma matéria “Livros que os operários devem ler” com as seguintes indicações: Jean Grave – O
individuo e a Sociedade. A sociedade Futura. Kropotkine – A Conquista do Pão. Palavra de um Revoltado. A
Grande Revolução. H. Leone – O Sindicalismo. A. Hamon – A Psicologia do Militar Profissional. Determinismo
e Responsabilidade. Psicologia do Socialista a Anarquista. Sebastien Faure – A Dôr Universal. Emilio Zola –
Germinal. Augusto Cesar dos Santos – A Questão Operária e o Sindicalismo. “Todos os livros se encontram à
venda nas livrarias Contemporânea e Universal, desta cidade.”
204
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 10 abr. 1918.
205
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 1 fev. 1919. Octávio Brandão foi colaborador do periódico Tribuna do
Povo, utilizou o pseudônimo, Salomão Bombarda. O que chama a atenção em seus artigos, além do incentivo à
emancipação da classe trabalhadora, da organização associativa, da luta contra o capitalismo, foram sem dúvida
os artigos (“A palavra de um gênio”, etc.) referentes à crítica à Igreja. Nas publicações de Viçosa e Maceió eram
explicito nos periódicos a proibição de artigos contra a Igreja, assim, como, assuntos pessoais. Em Recife a
postura, nesse sentido, de Canellas foi outra, aberta a critica para com a Igreja.
206
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 10 mar. 1918.
207
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 10 abr. 1918.
142
analfabetos e mais ainda, a idealização da fundação de uma escola voltada para os seguintes
princípios:
No seio das agremiações sindicalistas deve-se tratar desde já de iniciar um
movimento tendente a levar os operários a frequentarem as escolas mantidas pela
Liga Pernambucana contra o Analfabetismo. Isso enquanto não podermos fundar
aqui no Recife um bom grupo de Escolas Modernas – escolas organizadas segundo
do imortal Francisco Ferrer y Guardia [...]. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 10 abr.
1918).
Na edição seguinte, Canellas volta a falar acerca da referida escola, enfatizando a
necessidade da organização sindicalista, ressaltando a existência de uma escola já em
funcionamento, mantida pelos Estivadores, influenciando outros sindicatos a fazerem o
mesmo, como se observa na matéria “Vida operaria”:
E é conveniente que se trate também de firmar um entendimento entre todas as
associações sindicalistas existentes nesta capital a fim de fundar uma escola comum
e que obedeça à orientação racionalista - aos métodos de Francisco Ferrer. Assim,
far-se-á um duplo trabalho de propaganda: comba-ter-se-há o analfabetismo e se
ensinará o socialismo. Este projeto não é tão difícil como parece. Os estivadores já
mantém sua escola; a União de Resistência dos Carregadores pensa em fundar uma;
os agulheiros apoiarão esta iniciativa. Pois eis ai uns esforços dispersos que,
reunidos numa ação conjunta, poderiam alugar um vasto salão no centro da cidade,
nele instalar a escola – mandando vir do Sul um professor racionalista – e convidar
todo o operariado a frequenta-la. A animação que tal iniciativa despertaria no seio
do operariado seria grande, garantimos, e a obra de propaganda, cremos, seria ainda
maior e, sobretudo bastante fecunda. (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 20 abr. 1918).
Com relação aos sindicatos, nosso redator divulga, no artigo “Na Parayba A
propaganda sindicalista”, uma mensagem que indica uma postura combativa voltada para o
Norte e Sul do país. Vejamos:
O Estado da Paraíba é sumamente propício à propaganda sindicalista. O meio
operário, lá, já é bem numeroso e, o que é mais importante, os operários paraibanos
são bem sensíveis a influencia das modernas teorias, mostrando-se extremamente
dispostos à aceita-las. O que falta lá são propagandistas que saibam expor com
clareza e exatidão os ideais renovadores. Nesse sentido, apelamos para todos os
camaradas dos Estados do sul para que venham semear a Ideia Nova por este Norte
escravizado e sequioso de liberdade. (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 20 abr. 1918).
É exequível observar a postura adotada pelo tipógrafo de não fixar a instrução e
propaganda, tão somente, no Recife. O que se percebe, nas divulgações apresentadas ao longo
das edições supracitadas, é que foram tentativas de mobilizações, de incentivos, seja,
divulgando dados referentes ao custo de vida no interior208, ao número de associados, por
exemplo, da União de Resistência dos Trabalhadores em Armazéns e Carregadores 209 (4000
208
209
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 20 abr. 1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 20 abr. 1918.
143
mil), a fundação do Sindicato Gráfico de Pernambuco210, as condições de exploração dos
trabalhadores da fábrica Tibiri211 (Santa Rita - PB), que devido a uma greve, foram demitidos
20 funcionários, segundo Canellas, e que contou com o apoio do Sindicato de Ofícios Vários
de Pernambuco. Acrescentando as condições dos pedreiros e serventes, ressaltando, também,
os problemas do meio rural, marcados por exploração e falta de garantias, principalmente no
interior, marcado pelas velhas estruturas feudais. Sobre isso, Canellas, no artigo “O
PROBLEMA RURAL”, fala da necessidade de sair pelo interior, divulgando as ideias que
defendia, ao mesmo tempo, orientando os trabalhadores, no que se referia aos seus direitos.
Vejamos:
Mas, enquanto não se implanta o socialismo anarquista, devemos por em prática
certas medidas destinadas a aliviar o sofrimento dos nossos irmãos do interior. Uma
dessas medidas, que grandes resultados daria, seria a de uma propaganda intensa por
todo o interior no sentido de fazer o trabalhador do campo conhecer os seus direitos,
saber que há um remédio para os seus males e que este remédio é a revolta contra os
que o exploram e oprimem. Assim, à medida que o trabalhador dos campos se for
tornando consciente irá conquistando prerrogativas e liberdade. (TRIBUNA DO
POVO, p. 1, 10 maio 1918).
Entre a atuação e as divulgações implementadas por Canellas e pelos dirigentes das
organizações sindicalistas, uma diz respeito à comemoração do dia 1° de maio. Segundo
nosso tipógrafo, uma comemoração expressiva, no tocante ao verdadeiro significado da data.
De acordo com o mesmo:
Apesar de não ter havido uma preparação prolongada e sistemática em tal sentido, a
comemoração do 1° de maio no Recife excedem a nossa expectativa e nos enchem
de esperanças sobre a ação futura do proletariado pernambucano. [...] O proletariado
de Pernambuco, felizmente, já começa a compreender a verdadeira significação da
data de 1° de maio. É de esperar que para o próximo ano o movimento operário,
nesse dia, seja de proporções nunca atingidas. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 10
maio 1918).
As concretizações começam a aparecer com uma previsibilidade melhor para o ano de
1919. Em relação à fundação de sindicatos, Canellas também deixa em evidência a expansão,
no tocante à organização de outras classes:
Em suma: nota-se uma verdadeira febricidade organizadora. Febricidade benéfica,
não há dúvida, pois os burgueses parecem que estão convencidos de que o
proletariado pernambucano é o mais manso e lanzudo dos rebanhos e que por isso se
deixará tosquiar fartamente e por todo o tempo que quiserem os senhores do capital.
É necessário que o operariado de um desmentido cabal a essa opinião burguesa
mostre que não está de todo desequilibrado, que ainda tem energia para levar a cabo
um decidido movimento reivindicador. [...] A próxima futura greve geral no Recife
210
211
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 20 abr. 1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 20 abr. 1918.
144
será uma revanche nossa. Preparamo-nos, preparamo-nos para as lutas finais.
(TRIBUNA DO POVO, p. 2-3, 10 maio 1918).
Os limites da adesão à causa tiveram como barreira o socialismo parlamentar,
criticado por Canellas. Em Recife os adeptos da referida ideologia não conheciam o
verdadeiro significado e propósito da causa do socialismo parlamentar. Nosso redator pontua
algumas observações, citando Karl Marx e ao final, deixando em axioma, o papel do
sindicalismo revolucionário. Vejamos:
É exato: aqui no Recife vamos ter um socialismo parlamentar. Pelo menos, é esse
desejo dos que colaboram na coluna oferecida pela A ORDEM, jornal do governo,
aos diretores da Fraternidade Gráfica Pernambucana. Isso de socialismo
parlamentar, aqui no Recife, é uma novidade – apesar de há muito já o não ser nos
cultos países da infeliz Europa. E nós estamos firmemente convencidos de que não
pega, por aqui, o tal socialismo dos parlamentos. Não pega por que o povo já está
inteirado dos intuitos encobertos desses que agitam a ideia de mandar deputados
operários ao parlamento. [...] O próprio Karl Marx, o papa do socialismo
parlamentar, dizia sempre que a emancipação dos trabalhadores há de ser obra dos
próprios trabalhadores. A ação parlamentar, dentro do socialismo, é uma diversão,
porém, nunca um objetivo principal. A extinção da classe capitalista se obterá por
meio de um movimento constante dirigido no sentido de ir aumentando o poder da
classe trabalhadora, diminuindo o da classe capitalista. E a consecução deste
desideratum é justamente o fim a que se propõe o sindicalismo revolucionário. Este
método de ação é que é verdadeiramente socialista, ao passo que o socialismo
parlamentar, compreendido com ação única, é um socialismo adulterado.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 10 maio 1918).
Com relação ao sindicalismo revolucionário, Canellas cita a adesão dos trabalhadores
da construção civil e segundo o autor estes foram vítimas da exploração dos donos das
construções, no Recife e na Paraíba. Os patrões pagavam mensalmente e devido aos baixos
salários, os operários pediam dinheiro adiantado, com isso era cobrado ágio, e dessa maneira,
os trabalhadores estavam sempre endividados, enfim, uma forma de usurpação. Com a
implantação do sindicato da União de Resistência da Construção Civil, os trabalhadores
passariam a reivindicar melhores condições trabalhistas. Segundo Canellas participaram do
novo sindicato, as seguintes classes:
O novo sindicato será fundado sobre bases amplas. Adaptada para sua ação e
método sindicalista se reunirá em seu seio todas as subdivisões da classe:
estucadores, pedreiros, serventes, carpinas, marceneiros, etc. Não haverá distinções
odiosas: trabalhar-se-á pelo bem estar da classe em geral, atendendo às aspirações de
todos. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 20 maio 1918).
As condições em que viviam os trabalhadores da construção civil não eram diferentes
da classe dos trabalhadores das fábricas. A Comissão do Sindicato de Ofícios Vários da
Várzea (esse Sindicato representou todos os operários das fábricas de Pernambuco) publicou
145
uma nota convocatória e ao mesmo tempo indicativa, das condições a que foram submetidos
os trabalhadores. Vejamos:
Um dever sagrado nos leva a dirigir-vos essas palavras, para que vós reflitais sobre a
vossa triste situação. [...] Nós hoje vivemos numa escravidão disfarçada. Enquanto
os burgueses se locupletam; enriquecem cada vez mais e cada vez mais nos afrontam
com seu luxo irritante, nós, os produtores, os operários, vivemos numa miséria
inconcebível – numa miséria cuja extensão – só nós mesmos podemos avaliar
porque só nós a sentimos – trabalhando nas fábricas 12 e mais horas por dia,
ganhando um salário irrisório que mal dá para nos mantermos em pé, mas que
infalivelmente nos conduz ao enfraquecimento e quiçá à morte.[...]Enquanto os
filhos dos burgueses indigestão[sic] de tanta instrução, os nossos filhos são
obrigados a permanecerem ignorantes – porque a nossa miséria nos obriga a
lançamo-los no cativeiro das fábricas logo que eles chegam aos 10 anos. [...]
Tratemos de combinar nosso método de ação. [...] Organizemos sociedades de
resistência. Adquirimos instrução. E tornemo-nos fortes, saibamos agir
resolutamente diante de qualquer prepotência do capital. [...] E quando o burguês
não quiser reconhecer os nossos direitos, ah! Então façamos uso de nossa força,
mostremos a essa corja de ladrões que somos homens e que também temos direito à
vida. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 20 maio 1918).
Desta maneira, nosso tipógrafo menciona algumas organizações e moções como no
artigo “O PRIMEIRO DE MAIO NO RIO DE JANEIRO Moção da União Geral dos
Trabalhadores” 212, transcrevendo alusões às classes nacionais e internacionais, no sentido de
lutarem contra o sistema capitalista. Um detalhe pertinente é em relação à matéria “A
PROPAGANDA EM ALAGOAS Grupo de Propaganda Socialista”, onde é possível observar
antigos laços de Canellas com a Federação Operária de Alagoas, da qual participou em 1917
em Maceió. Vejamos:
Este grupo, já fundado a um ano, mais até aqui em inatividade, começou agora a
funcionar, tendo espalhado profusamente por Maceió um vibrante manifesto , no
qual estão definidos os princípios sobre os quais se desenvolverá a sua propaganda.
[...] O Grupo de Propaganda Socialista de Maceió reúne em seu seio os valorosos
elementos que dirigiam a extinta Federação Operária e se propõe a editar folhetos de
propaganda e manifestos que serão distribuídos gratuitamente entre o povo. Toda a
correspondência para o grupo deve ser dirigida em nome de Arsenio Lanuzza, Rua
do Cravo n° 47, em Jaraguá, Maceió. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 20 maio 1918).
No artigo “EM DEFESA DO IDEAL REFUTAÇÃO AOS ESCRIBAS ORDEIROS”,
Canellas tece observações de indignação aos artigos transcritos no periódico, A Ordem, jornal
governista. Segundo o redator, as afirmações eram infundadas e não condiziam com a
realidade que estava sendo posta em prática em diferentes países do globo. Vejamos seus
comentários:
Por todo o mundo se avoluma a corrente renovadora que preconiza a revolução
social para o estabelecimento do Socialismo e do Anarquismo. [...] O Recife não
212
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 20 maio 1918.
146
fugiu à regra geral, tendo o jornal governista A ORDEM deitado artigo contra o
anarquismo e o socialismo - dizendo que no Brasil não há razão de se clamar contra
os males do Capital nesta é uma ficção literária, que todo mundo no Brasil vive
farto, que não trabalhar quer e etc.[Canellas argumenta a não verdade, com os
seguintes dados] [...] Em Buenos – Aires, um estivador ganha oito pesos (13$600)
por sete horas de trabalho e projetam uma greve em prol de 9 horas com 7 pesos de
salário – conforme notícia o EL OBRERO DEL PUERTO, órgão dos estivadores
portenlos [sic], número de 1 de maio último. Aqui no Recife os estivadores ganham
8$000 em 9 horas serviço. Em Montevideo, os linotipistas conquistaram a jornada
de 7 horas, ao passo que no Brasil não há nenhuma oficina onde vigore esse regime,
sendo que no Recife os linotipistas trabalham 12 horas por dia. [...] E nas fábricas de
tecidos do Norte do Brasil os operários ganham menos do que nas fábricas da ÍndiaInglesa – as quais são mundialmente celebres pelos baixíssimos salários que pagam
a seus operários. [...] Neste mesma fábrica [Fábrica de Tecidos Progresso Industrial,
localizada em Rio Largo] nós assistimos a um desses fatos: vimos uma pobre mulher
ir à feira com todo dinheiro que ganhara durante a semana e só poder com ele
marcar 10 litros de farinha, 1 quilo de café e o correspondente de açúcar. Disse-nos
aquela pobre mulher que aqueles eram os únicos alimentos que sustentavam durante
uma semana de trabalho a 18 horas por dia; que quase todas as semanas era assim e
que não era só ela, mais a maioria das suas companheiras, que viviam nesse regime
de fome. Na fábrica de Tibiri, conforme nos comunicou, em ofício, o Sindicato
Geral do Trabalho da Paraíba, há operária – muitas operárias – que trabalham dia e
noite para ganhar 700 réis – e a pouco mais do que isso sobem as diárias das
restantes operárias. (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 20 maio 1918).
Esses são alguns exemplos descritos no artigo, que demonstram que os operários
possuíam motivos de sobra para lutarem e se organizarem em associações e ideologias
(socialismo, anarquismo, etc.). Outro exemplo extensivo às classes trabalhadoras foi
relacionado aos acontecimentos e exemplos advindos da Rússia, a partir da Revolução
Soviética. No artigo “A expansão maximalista”, é possível perceber a tentativa de explicação
e incentivo à mobilização classista. Vejamos:
Um telegrama do JORNAL DO RECIFE noticia que em Tóquio percebe-se que na
China as ideias maximalistas propagam-se rapidamente, já estando delas
contaminados os empregados das estradas de ferro. [...] As ideias maximalistas
fatalmente conquistarão o apoio de todos os povos do globo. Por todo o mundo, os
povos estão cansados de sofrer, estão fartos de serem explorados e oprimidos. [...] O
exemplo da Rússia libertada será o rol que d‟ora avante guiará os povos nas suas
jornadas contra a tirania. [...] A cortina de mentiras e calunias que a burguesia,
telegraficamente, tem mantido entre a Rússia e o estrangeiro tem conseguido
retardar o pronunciamento geral dos povos em favor do maximalismo. [...] Os povos
da América especialmente do Brasil, têm uma ideia muito incompleta da atual
organização social do ex-império dos czares. [...] Mas quando o povo brasileiro
compreender tudo isso, quando ele conhecer a excelência da organização
maximalista e souber que na Rússia não mais existem exploradores nem opressores,
nem patrões e proprietários, nem capitalistas nem governantes, então, este nosso
povo abandonará sua presente atitude de resignação mussulmanica e procurará
expulsar, a chicote ou a balas, a horda desmaldada que o infelicita. [...] Resta que
nós, os oprimidos reunimos as forças para podermos combater a força burguesa.
(TRIBUNA DO POVO, p. 2, 10 jun. 1918).
147
Na matéria “A SUCESSÃO PRESIDENCIAL DE ALAGOAS UM CONSELHO AO
POVO ALAGOANO” 213, Canellas indica como solução a criação de um sindicato - Sindicato
de Produção e Consumo - cuja finalidade seria lutar contra a exploração capitalista e
oligárquica presente nas eleições em Alagoas.
Os resultados dos incentivos, instrução, esclarecimentos, dedicação e empenho
fizeram-se presentes na publicação de 01 de julho de 1918. Nela, nosso tipógrafo, divulga
uma nota referente ao acordo firmado entre o sindicato de Ofícios Vários e o periódico. Na
ocasião, o periódico Tribuna do Povo passou a fazer parte das organizações sindicalistas de
Pernambuco214, Órgão da Federação de Resistência da Classe Trabalhadora de Pernambuco.
Essa parceria resultou na manutenção da combatividade aos donos dos meios de
produção, não somente em Pernambuco. Como descrito, o redator fez críticas e sugestões
relacionadas a outros estados como: Rio de Janeiro, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte,
São Paulo, etc.. As denúncias de exploração, como as da fábrica da Pedra, em Delmiro
Gouveia-AL, no artigo “Os horrores da Pedra Uma carta”, que trouxe a tona as seguintes
atrocidades:
[...] As mulheres, os seus períodos naturais, não são respeitadas e vão para o
trabalho sob o chicote dos vigias. Crianças de 8 anos, entre as quais muitas meninas
fracas e anêmicas, são obrigadas a trabalhar das 6 da manhã às dez da noite. Nos fins
de semana lhes é pago o salário de 1$800 a 3$000, pois as multas, rebaixamentos e
descontos consomem a diária com que são enganadas. Para poder praticar [o gerente
da fábrica] impunimente todos os crimes que desejar, ele vive cercado de dez ou
doze capangas, que não o deixam sozinho em estante qualquer. [...] Os
companheiros das sociedades operarias precisam defender os seus irmãos, que, na
Pedra, estão submetidos à mais horrorosa escravidão e desenvolver intensa
propaganda a fim de afastar a partida de mais operários para aquela fábrica. [...]
Com exceção do cel. Delmiro Gouveia, os janizarros da Pedra ainda mais revelaram
seus instintos de feras contra mulheres e crianças. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 10
ago. 1918).
É possível ter uma noção da não garantia de direitos aos trabalhadores, ao longo das
edições da Tribuna do Povo, em 1918, onde Canellas elencou as dificuldades e truculências a
que estavam submetidas às classes trabalhadoras dos estados mencionados. O caminho a ser
trilhado pelo que se apresenta na experiência de Canellas, e por que não dizer defesa, foi: a
organização classista, empregabilidade dos sindicatos, ações diretas, luta por 8 horas diárias
de trabalho, não aceitação de menores de 14 anos em fábricas, educação, divulgação do
“socialismo anarquista” e revolução social.
213
214
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 10 jun. 1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 1 jul. 1918.
148
A postura adotada por Canellas em sua atuação e adesão às organizações sindicalistas
de Pernambuco gerou frutos, ecoando, também, em Alagoas. Com as publicações, visitas e
esclarecimentos, surgiram outros sindicatos. Em Alagoas, a União dos Trabalhadores em
Ofícios Vários, em Pernambuco, União dos Carvoeiros, União dos Fundadores e Agulheiros,
Sociedade e União dos Estivadores, Fraternidade Gráfica, União Operária de Moreno, União
Operária da Fábrica de Tecidos de Malha da Várzea, União de Resistência dos Trabalhadores
em Armazéns e Carregadores de Pernambuco, União dos Estivadores, União Geral da
Construção Civil, Liga de Resistência dos Cigarreiros, etc. Com isso, começaram a ressurgir
movimentos grevistas, como os descritos na matéria, “De Alagoas”:
É essa tática que está sendo adotada aqui em Pernambuco pela União de Resistência
dos Trabalhadores em Armazém e pela União dos Fundadores e Agulheiros. Estas
associações resolveram exigir periodicamente um aumento nos preços de trabalho
para assim neutralizarem os efeitos do encarecimento dos gêneros. Os carpinas da
ribeira e calafates declararam-se em greve exigindo o salário de 6$000. A Casa
Arsenio Fortes já atendeu as exigências dos trabalhadores, mantendo-se, contudo, o
movimento grevista até as demais casas cederem também. Há indícios de está
próximo uma greve dos trapicheiros do Jaraguá. (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 1 jul.
1918).
Essas mobilizações grevistas foram exemplos para as demais classes e incentivo para
futuras mobilizações de caráter geral. Os efeitos começam a ser visualizados pela propaganda
e adesão à sindicalização, como ocorreu na cidade de Jaboatão-PE. Depois de uma visita da
Organização de Defeza Proletária à Nathan, os operários reinstalaram o Sindicato de Ofícios
Vários, com a adesão de mais de duzentos operários, sendo esperado quadruplicar este
quantitativo, segundo Canellas215.
Segundo consta na seção “Carta aberta” 216, que na realidade foi uma declaração e ao
mesmo tempo, uma convocação ao chefe de polícia, Antônio da Silva Guimarães, pelo senhor
Pedro Andrade Lira, cuja mensagem descreve que Antonio Bernardo Canellas foi o
responsável pelas excursões a Jaboatão, indicando que este participou da fundação do referido
sindicato. Com isso, sendo intimado (preso duas vezes) pelo chefe da polícia, que o proibira
de ir à Nathan, e, se caso fosse, seria encarcerado e expulso de Pernambuco217. Pedro Andrade
Lira conclui sua carta com as seguintes palavras:
215
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 1 set. 1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 2, 1 set. 1918. Na mesma página é citada a prisão de Astrogildo Pereira em
Niterói, em virtude de uma greve dos operários da empresa de Barcas que faziam a travessia de Niterói para o
Rio de Janeiro. Segundo, Zeferino, o autor da matéria, houve um combate entre os grevistas e a polícia. O autor
chama a atenção para a prisão de Astrogildo, tendo em vista, ele ser anarquista, onde os mesmos eram acusados
e perseguidos por defenderem seus ideais.
217
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 2, 20 nov. 1918.
216
149
[...] Não pense s. s. que a retirada violenta de qualquer camarada do nosso meio
venha amortecer as energias do operariado. [...] Antes de o camarada Canellas
conviver conosco, já aqui tinha havido greves e já tínhamos também dado
publicidade a um jornal. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 1 set. 1918).
Mesmo diante das ameaças, as publicações continuam, inclusive, incentivando e
dando exemplo, de outros estados, como Alagoas. No artigo “Grande agitação operária em
Alagoas! O operariado alagoano despertou para luta!” 218, são citados vários exemplos de
greves executadas em setembro de 1918 em Maceió, greve dos sapateiros, dos pintores, dos
metalúrgicos, de tecelões, de trapicheiros, carroceiros, lancheiros e estivadores, acrescentando
a greve da usina elétrica e de motorneiros. Ao mesmo tempo, é solicitado seguir os exemplos
e caso preciso, apoiar os operários do vizinho estado em solidariedade.
Em Pernambuco, as greves que começam a ser citadas, dentre elas, a greve proposta
pela União Operária de Moreno, na matéria “Contra um traidor os nossos companheiros de
Nathan se declaram em greve, exigindo a demissão de um traidor” 219, aborda as seguintes
reivindicações: aumento de 50%nos vencimentos, diminuição na jornada de trabalho que era
de 14 a 18 horas diárias e a expulsão do operário Joaquim Claudino, conhecido, como,
Casquinha, acusado de traidor (segundo consta, ele era informante do gerente) dos
companheiros da fábrica.
A greve da Nathan, na verdade, foi o estopim para declaração de greve geral, uma
ação que mobilizou várias classes e que demonstrou os avanços referentes à mobilização
classista em Pernambuco. Na matéria “ACÇÃO [sic]Syndicalista[sic] As organizações
syndicalistas[sic] de Pernambuco enviaram a gerencia de Nathan. A ferrenha intransigência
do gerente a Contoniére vae [sic] determinar um colossal movimento grevista”. Nesse artigo,
ficou clara a mensagem e propósito das classes envolvidas na greve. Vejamos:
O proletariado de Pernambuco resolveu reagir contra a tática burguesa da <rendição
pela fome>, respeito as greves das fábricas de Nathan, Lafayete e Caxias. [...] Hoje,
as uniões de Resistência dos carvoeiros, estivadores, calafates, trabalhadores em
armazéns, construção civil, agulheiros, fábrica de malhas da Várzea e os três
sindicatos de ofícios vários (Jaboatão, Várzea e Recife) enviaram um ultimatum à
gerência da Nathan exigindo dentro do prazo de 12 horas, as satisfações das
reclamações dos grevistas, sob pena de declaração de greve de solidariedade entre as
classes. Uma comissão das classes organizadas entregou uma cópia desse oficio ao
governador do Estado. [...] No caso de a gerência da Nathan não se submeter ao
ultimatum, as organizações signatárias declararão greve por 24 horas, exigindo o
cumprimento do dito ultimatum; e se ainda dentro desse prazo o ultimatum não for
atendido, as reclamações das classes em greve serão acrescidas com o pedido do
aumento de salário e diminuição das horas de trabalho. Então, aderirão ao
movimento as restantes classes organizadas, sendo bem possível que a greve se
torne geral. [...] A gerência, porém, recusou-se terminantemente a entrar em
218
219
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 1 set. 1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 20 set.1918, p. 4.
150
qualquer acordo. [...] EM VISTA DA GERÊNCIA DA FÁBRICA DE NATHAN,
NÃO TER ATENDIDO AO “ULTIMATUM” DO OPERARIADO, OS
ESTIVADORES, OS CARVOEIROS E OS TRABALHADORES EM
ARMAZÉNS DE AÇUCAR DECLARAM-SE EM GREVE! Que todo o operariado
tome interesse forte nesta questão! (TRIBUNA DO POVO, p. 4, 10 out. 1918).
A greve foi reprimida pela polícia a mando do governo, alguns operários foram presos,
outros obrigados a voltar ao trabalho, segundo a reportagem “A última greve” 220. Entretanto
os fatos ocorridos não impediram a continuidade e defesa das ideias sindicalistas. Os
incentivos continuam na matéria “Excursão de propaganda a Palmares” 221, onde uma
comissão de propaganda foi enviada àquela cidade com o objetivo de divulgar e chamar a
atenção para necessidade de criação de um sindicato, tendo em vista, existir, ali, um
importante centro ferroviário, com uma sede (oficina) da Great Western. A comissão obteve
êxito e foi fundado o Sindicato de Ofícios Vários de Palmares. Na mesma edição e página do
artigo, é mencionada a constituição da Federação Operária em Pernambuco.
Um detalhe interessante, a edição do periódico Tribuna do Povo passa a ser
responsabilidade da referida Federação. Outros objetivos da Federação de Resistência das
Classes Trabalhadoras de Pernambuco foram os seguintes222: criação de um centro de estudos
sociais, onde semanalmente ocorreriam conferências sociológicas, edição de folhetos de
propaganda para os trabalhadores rurais, incumbência de dois delegados irem ao interior
fundar sindicatos e agências da Tribuna do Povo.
Na edição de 20 de novembro, foi divulgado o artigo “Bases de acordo da Federação
de Resistência das Classes Trabalhadoras de Pernambuco” 223, que tratava da regulamentação
da Federação, no seu mais amplo sentido, destacando pontos como: Dos fins da Federação;
Do ingresso para a Federação; Das resoluções da Federação, e da Comissão Federal. Em 01
de dezembro a Federação organizou um protesto e uma solicitação ao Presidente de República
e ao Congresso Nacional referente à revogação da dissolução da União Geral dos
Trabalhadores do Rio de Janeiro224.
Um detalhe importante referente à Federação e atuação de Canellas foi a viagem
realizada por ele à Europa, representando a Federação de Resistência das Classes
Trabalhadoras, em uma Conferência Internacional Sindicalista, que ocorreu em Paris, na
França. A viagem ocorreu entre 21 de janeiro e 6 de setembro de 1919. Acerca da viagem,
220
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3-4, 1 nov.1918.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 2, 1 nov. 1918
222
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 10 nov. 1918
223
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 20 nov. 1918.
224
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 1 dez.1918.
221
151
Canellas publicou um relatório225, onde descreve a trajetória desde os antecedentes da viagem,
o desembarque em Gibraltar, as questões sociais na Espanha, o período que esteve em
Portugal, na Bélgica e na França. Além desses detalhes, faz uma alusão à situação geral do
movimento social na Europa, a Greve de 21 de julho e acerca da Conferência de Amsterdam.
Na conclusão de seu relatório, tece os seguintes comentários a respeito de sua missão:
Os fins da minha ida a França eram como disse atrás, estudar o movimento operário
francês e tomar parte na Conferência Sindical. A primeira parte do meu programa
realizei-a durante da minha estadia entre os camaradas franceses. A segunda não a
pude realizar porque os recursos enviados do Brasil pelos camaradas, além de serem
insuficientes para a viagem a Holanda só chegaram 2 ou 3 dias depois da abertura da
conferência. Portanto nada mais me restava a fazer do que regressar e foi o que fiz
aos 14 de agosto, pelo paquete curvello. (CANELLAS, 1919, p. 65).
Acrescenta uma observação em relação aos países Sul Americanos, incluindo o Brasil,
no que se refere à organização sindicalista na América do Sul, em consonância com a
Européia. Vejamos:
O que permitiu aos russos realizar essa formidável revolução que está abrasando o
mundo inteiro na sua chama purificadora, foi uma intensa e tenaz obra de
propaganda que consumiu as energias de toda uma geração de intelectuais e de
operários: o que permite ao proletariado da Europa Ocidental encarar tão
decididamente e com tanta elevação os problemas atuais é o seu eficiente preparo
teórico e a sua sólida organização. Por isto, o nosso dever, visto sermos obrigados a
nos envolver também nesta luta, é realizarmos, pela nossa parte, uma obra de
propaganda, de organização e de preparo técnico que nos coloque a altura do
presente momento histórico. [...] Como ação internacional imediata, eu proponho a
criação d‟ uma Internacional Sindical Sul Americana, que será comunista e
revolucionária, porque são o comunismo e a revolução que constituem o espírito das
massas trabalhadoras da América do Sul. Procurando, todavia a união com nossos
camaradas da Europa, unamo-nos primeiro aos do nosso continente. [...] Este
programa facilmente realizável. Creio que os trabalhadores dos demais países da Sul
– América receberia com satisfação um convite do operariado brasileiro para uma
Conferência Internacional, que deveria ser realizada, de preferência, n‟um dos países
da costa do Pacífico – o Chile, por exemplo – para desta maneira chamar a atenção
do proletariado desses países, a respeito do qual pouco ou quase nada se sabe.[...]
Temos de nos preparar para o advento da nova era, organizando-nos e educando-nos
para a posse da riqueza e a direção dos negócios públicos. Para isso é necessário: 1 –
Dar a máxima intensidade possível a organização dos trabalhadores das cidades e do
campo; 2 – Empreender uma vasta obra de educação geral e técnica entre os
trabalhadores; 3 – Propagar o mais possível entre os trabalhadores do Brasil a ideia
de comunismo, a única capaz de conduzir a família trabalhadora ao bem estar e à
liberdade. Mais precisamos tomar todas estas coisas a sério. Devemos agir
metodicamente e com intensidade, precisamos traçar um plano de ação que abranja
todos os detalhes da obra a realizar e que executemos esse plano decididamente, sem
desvios e fraquezas. (CANELLAS, 1919, p. 77-78).
225
Relatório da viagem à Europa realizada por Antonio Bernardo Canellas em missão da Federação de
Resistência das Classes Trabalhadoras de Pernambuco em missão da Federação de Resistência das Classes
Trabalhadoras de Pernambuco, realizada em 1919. O Relatório foi publicado e editado por Canellas em 1920 e
encontra-se disponível no em: http://repositories.lib.utexas.edu/bitstream/handle/2152/20819/txu-oclc45870016.pdf?sequence=2
152
Mesmo com a viagem de Canellas, no dia 21 de janeiro de 1919, o periódico Tribuna
do Povo continua sendo publicado sob responsabilidade da Federação de Resistência da
Classe Trabalhadora de Pernambuco, mantendo, inclusive, o perfil ideológico divulgado pelo
redator em suas primeiras publicações. Tanto é que as matérias e artigos mantiveram as
particularidades supracitadas anteriormente, como a articulação interestadual entre os
militantes, seja com a divulgação de ideias, palestras, greves, jornais de outros países226, ou
representações como a de José Oiticica227 que chegou à Maceió o dia 15 de dezembro de
1918, sendo recebido pelas organizações sindicalistas de Alagoas228.
Na edição de 01 de janeiro229 de 1919, é mencionado outro militante, Rosalvo Guedes,
que proferiu uma conferência em Maceió, na posse da nova diretoria da União dos
Trabalhadores em Madeira230. Outro exemplo de ação e elogio foi para o Sindicato de Ofícios
Vários de Jaboatão – PE. No artigo “Uma obra exemplar” 231, fica o exemplo a seguir para
outros sindicatos, como a fundação de uma escola, pelo Sindicato de Ofícios Vários de
Jaboatão-PE, além da escola, faziam propaganda, reuniões e consequentemente angariavam
fundos e associados. Nesse sentido, na matéria “Movimento associativo” 232 é comentado
acerca da criação de outra escola, fundada pela União Operária da Várzea, onde uma mulher
proferiu o discurso de inauguração e, ao mesmo tempo, Canellas incentiva a participação das
mulheres na luta classista.
No artigo “1918- 919 [sic] 1 de Março”, por ocasião do segundo ano da publicação da
Tribuna do Povo, é feito o seguinte balanço:
Entra hoje no seu segundo ano de existência este baluarte defensor das classes
proletárias. Foi no dia 1° de março, vencendo as grandes dificuldades oriundas da
apatia do operariado em sua maioria desorganizadas que resolvemos entrar em luta
em prol de nossos enraizados princípios contra os nossos inimigos, que são inimigos
226
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 20 dez. 1918. Nessa edição é feita uma alusão ao jornal anarquista
Verba Roja. O referido jornal foi publicado no Chile e segundo consta, na nota, o mesmo foi enviado à direção
da Tribuna do Povo.
227
Tribuna do Povo, Recife, p. 2, 10 fev. 1919. Alguns artigos de José de Oiticica foram publicados (“Aos
companheiros de prisão”, “Religião e emancipação”, etc.), um indício de colaboração para com o jornal.
Astrogildo Pereira, também, foi colaborador, enviando artigos (“A José Oiticica”, etc.), informações de greves
em Niterói, enfim, informações do Rio de janeiro.
228
Essa informação encontra-se na matéria “Dr. José Oiticica”, publicada na edição da Tribuna do Povo de 20 de
dezembro de 1918, p. 2.
229
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 1 fev. 1919 Na edição de 1 de fevereiro Canellas divulgou uma nota
“Aos nossos assinantes e leitores”, informando que devido à falta de recursos financeiros não foi possível sair às
duas edições de 20 e 30 de janeiro. O mesmo informa que os companheiros da Federação fariam um espetáculo
(uma conferência sobre assuntos sociais, um drama de grande utilidade operária e uma comédia, o ingresso
custou 1500 réis com direito a passagem de trem), “Pró Tribuna” no dia 23 para arrecadar verba para edição dos
próximos números.
230
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 1 jan. 1919.
231
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 1 jan. 1919
232
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 1 fev. 1919.
153
do povo e contra o desanimo e indiferença deste mesmo povo explorado. [...]
Devemos, pois, desde já preocuparmos bastante com a nossa sorte. Precisamos
tomar posse do que nos pertence. Precisamos abolir a propriedade privada.
Precisamos tornar o trabalho agradável. Precisamos enfim, de fazer os Concelhos de
Operários e Soldados. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 1 mar. 1919).
Notícias referentes a Maceió são publicadas na mesma edição. É citada uma greve dos
alfaiates que teria durado três dias, com êxito ao final. Também foi publicada uma matéria
“Em torno de uma vila operária (Fernão Velho-Alagoas)” 233, de autoria de Scipião Fogareo,
onde se descreve a difícil vida na vila. No entanto, outras notícias positivas foram publicadas,
como: “VICTÓRIA!... O SYNDICATO DOS OPERARIOS PEDREIROS DO RIO DE
JANEIRO ACABA DE ALCANÇAR AS 8 HORAS DEPOIS DE ALGUNS MESES DE
GREVE – BELLO EXEMPLO PARA OS COMPANHEIROS DA CONSTRUÇÃO CIVIL
DAQUI”234, a matéria passa a mensagem de incentivo e exemplo a ser seguido.
Em 01 de abril de 1919, foi feita uma referência ao sindicato dos metalúrgicos, recém
– fundado, e essa alusão foi publicada na matéria “MOVIMENTO OPERARIO” 235. Foi feita
uma descrição acerca dos incentivos, reuniões, dentre outros exemplos, das organizações
sindicais do Recife e cidades circunvizinhas (Sindicatos de Ofícios Vários de Timbaúba,
União dos Carvoeiros, etc.). Sem falar dos incentivos às organizações classistas enquanto
meio para alcançar os ideais libertários e igualitários. Nesse sentido, foi publicada uma
manchete na mesma edição com o seguinte anúncio: “PARIS 1... WILSON E LLOYD
GEORGE QUEREM RECONHECER A REPUBLICA DOS SOVIETS, Da „A Província‟ de
1 de abril Diante da Evolução Universal, o triunfo dos trabalhadores é inevitável”.
Nesse sentido, foi feita uma menção à ditadura do proletariado enquanto método de
ação. No artigo “Só a ditadura operária... é meio para se fazer um levante”. Diante:
[...] das perseguições governamentais, diante da clamorosa situação da carestia dos
gêneros de primeira necessidade provocada pela especulação comercial e amparada
pelo Estado, diante da atitude dos srs. [sic] patrões em não atenderem os reclames da
classe trabalhadora: - só a ditadura operária, só deitando a burguesia por terra para
não mais se erguer, é que o operário e com ele demais membros da família humana
poderá viver de acordo com as suas necessidades. [...] Não queremos a guerra social,
mas os nossos inimigos conduze-nos a luta. Cerremos, pois a nossas fileiras.
(TRIBUNA DO POVO, p. 1, 10 abr. 1919).
Na mesma edição, é descrita uma matéria referente à prisão de Joaquim Amaro, a
principal ideia transmitida é a de que os chefes políticos abusam da autoridade em nome do
Estado e da burguesia, ferindo o direito de reunião, associação e luta em prol da classe
233
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 1 fev. 1919.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 10 mar. 1919.
235
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 1 abr. 1919.
234
154
operária. Essas arbitrariedades seriam divulgadas na Europa por Canellas, como descritas
anteriormente e como se observa na matéria “A prisão de Joaquim Amaro”:
[...] Faremos tudo o que estiver em nosso alcance para fazer saber lá fora no
estrangeiro, tudo o que por aqui se passa. Para tanto já temos lá um delegado, o
nosso companheiro Antonio Bernardo Canellas, com que nos correspondemos
constantemente e para cuja correspondência não há censura possível porque é feita
pessoalmente. Pratiquem, pratiquem toda violência e depois digam que somos nós
os assassinos. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 10 abr. 1919).
Interessante se faz, nesse momento, divulgar uma nota transcrita “A Tribuna em
Alagoas Aos operários de tecidos. Companheiros!”, escrita por um tecelão, conclamando
todos os operários das fábricas de tecidos a organizarem-se em sociedades de resistência. O
autor (anônimo) cita as duras condições na fábrica de Rio Largo, ao mesmo tempo, cita as
lutas dos tecelões do Rio de Janeiro, enfim, termina sua nota com as seguintes palavras:
[...] Urge fundar sociedades de resistência em cada lugar onde exista uma fábrica.
Em Rio Largo onde os operários são miseravelmente explorados, já é tempo
companheiros desta localidade fundar uma liga contra o capitalismo. Os tempos da
vitória do trabalhador sobre o capital é chegado! Acordai trabalhadores! Um tecelão.
Maceió, 1 – 4 - 1919. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 10 abr. 1919).
Em outra nota “ARBITRARIEDADE POLICIAIS”, noticiou-se a prisão de um agente
da Tribuna em Alagoas, que ousara expressar seus pensamentos, sendo encarcerado, tão
somente, por ser um propagador do periódico. Sem falar nas perseguições, nas associações
proletárias (União dos Trabalhadores em Madeira, União dos Lancheiros, etc.), que estavam
evitando reuniões, devido às incursões policiais.
A articulação não era tão somente a nível estadual, mas também nacional. Em outra
nota “Caixa do Correio”, foram divulgadas trocas de informações:
[...] Mário Ferreira, - Maceió- dizer se tem vindo a “Plebe”. Tem visto o Scipião?[...]
Edgar Leuenroth – S. Paulo – Então nos envia a “Plebe”? Começamos a remeter-vos
a “Tribuna”. Viva a nossa ação máxima![...] Leofredo Duarte – Cidade do Pilar – A
Tribuna será enviada agora daqui. Queira nos informar se pode arrumar alguns
assinantes ai. Confiamos na sua boa vontade. Ação! Ação! (TRIBUNA DO POVO,
p. 3, 10 abr. 1919).
O exemplo nesse viés foi o artigo de Astrojildo Pereira acerca das “Mentiras e
Verdades” a respeito da Revolução Russa, que segundo o autor, já não eram mentiras
escandalosas como outrora. Segundo o mesmo:
[...] É que já estamos apreciando a respeito da revolução russa. São os próprios
jornais, que tanto e tão insultuosamente mentiram até pouco tempo atrás, os mesmos
que vão, a pouco e pouco, cedendo ante a luz irreversível da verdade. Aqui no Rio
são todos os grandes cotidianos, como os periódicos mais cotados, a escrever sobre
155
o maximalismo, spartancismo, comunismo, trabalhismo... E muitos deles
proclamando francamente a vitória da revolução russa, que vai se estendendo, como
esta ou aquela denominação particular, por toda a Europa. (TRIBUNA DO POVO,
p. 1, 20 abr. 1919).
As publicações continuam e novas informações são passadas, como as condições dos
militares que se juntaram aos camponeses, proletários, distribuição de terras, enfim, notícias
que perpassavam as vantagens da organização, adotada na Rússia, frente à exploração
capitalista que lá existira. Nesse contexto, urge citar uma convocação feita pela redação da
Tribuna do Povo. Qual seja: “Aproxima-se o 1 de maio, dia de protesto à exploração
capitalista. Nenhum operário deverá comparecer ao trabalho. Alerta”!236.
Na edição de 01 de maio de 1919, os informes foram referentes à data alusiva,
complementada pelos acontecimentos internacionais, mencionando ainda uma reunião no
Teatro do Parque (local da programação geral), onde foram intimadas todas as organizações
sindicalistas do Recife e de cidades signatárias da organização. Outra notícia, que mereceu
destacada relevância, foi referente à fundação do Partido Comunista do Brasil, transcrito na
matéria “A ARREGIMENTAÇÃO DAS FORÇAS LIBERTÁRIAS: ORGANIZA-SE O
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL.”:
Comunicação recebida: Rio de Janeiro, 23 de março de 1919. Camarada: Saúde!
Diante do entusiasmo que reina nas classes trabalhadoras e no povo em geral pelos
movimentos que se desenrolam no mundo tendentes a uma transformação social e
amplamente baseados nas ideias comunistas, os libertários do Rio de Janeiro,
reunidos no dia 9 do corrente, acordaram formar o Partido Comunista do Brasil, a
fim de desenvolver ativa propaganda entre todos os camaradas no sentido de formar
núcleos em todas as localidades do país. [...] Avante, pois, na formação no número
de núcleos possíveis, consoante as bases! – O secretariado. (TRIBUNA DO POVO,
p. 2, 1 maio 1919).
Em consonância com as ideias libertárias, o artigo “1 DE MAIO” chama a atenção
para os seguintes pontos:
Desperta operariado, que já surge à aura de tua liberdade! Na Rússia, na Hungria e
Alemanha os teus irmãos já sacudiram o jugo do capitalismo e o mesmo
infalivelmente se sucedera nos demais países do globo, mais para isso é preciso que
vós, pairas [sic] de todos os ofícios, ergam-se como um só homem, como um
Spartacus, disposto a morrer ou vencer. 1 de maio de 1919! [...] E erguendo aos
ventos a bandeira rubra da Revolução Social e um hino de vitória dirá hoje ao
proletariado: Salve a Revolução Social! Salve a memória dos mártires! A. Lanuza.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 1 maio 1919).
E nesse sentido, um funcionário da Tramways envia uma matéria, “A EXPLORAÇÃO
DA TRAMWÁS Uma carta Ilmos. Snrs. Redatores da Tribuna do Povo”, divulgando os
236
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 4, 20 abr. 1919.
156
males dos quais eram vítimas, ao mesmo tempo, conclamando a organização classista para
luta. Vejamos:
Respeitosas saudações. Peço-vos guaridas nas colunas do vosso, ou nosso
conceituado órgão, defensor de nossos interesses, para as linhas que se seguem,
referente às misérias de que somos vítimas, nós os empregado da Tramways. [...] A
Tramways ultimamente tem empregado coisas que repartição nenhuma ainda não
empregou: efetuar o nosso pagamento com a presença da polícia, para não
reclamarmos quando nos falta dinheiro. É verdade que temos o direito de fazer a
nossa reclamação ao chefe do tráfego, porém, se reclamamos por escrito nem
sempre somos atendidos, não podemos falar pessoalmente como ele porque nos dias
de audiência especiais são tantos os queixosos que é impossível penetrarmos no seu
gabinete; se procurarmos falar aos empregados do escritório, os quais não podem
atender as nossas reclamações, não somos ouvidos. É um verdadeiro inferno a vida
dos empregados da Tramways; já não temos para quem mais apelar, senão para nós
mesmos as vítimas da Tramways. Queira ou não queira o mandão inglês,
fundaremos uma associação como tem os nossos colegas do Pará para ver se assim a
nossa situação melhora. Recife, 10 de 4- 919. J. H. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 17
maio 1919).
Na mesma edição237, foi divulgado na seção MOVIMENTO OPERÁRIO: “A
conquista das 8 horas de trabalho... Grande movimento em todas as classes... Novas
organizações nesta capital e pelo interior... O proletariado em marcha. FEDERAÇÃO DE
RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES”. Divulgou os seguintes argumentos:
Acompanhando as aspirações dos trabalhadores de Pernambuco que num belo
movimento de solidariedade exigem o estabelecimento de 8 horas de trabalho, a
Federação após o 1° de maio tem sido incansável em atender as constantes
solicitações de vários centros de trabalhos que pedem o seu patrocínio em prol dessa
emergente medida. [...] Contudo não damos fé a legislação e é por isso que a
Federação com as suas coirmãs do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará e
Manaus agem por conta própria. [...] Durante essa semana reuniram-se as seguintes
associações em suas respectivas sedes: União dos Estivadores, União dos
Carvoeiros, União dos Lancheiros, União de Resistência dos Trabalhadores em
Armazéns e Carregadores, União Geral da Construção Civil, Sindicato dos
Marceneiros e Artes Correlativas, Sindicatos dos Metalúrgicos, Sindicatos de
Ofícios Vários de Jaboatão, Liga de Resistência dos Cigarreiros, todas elas com
grande assistência, sendo elaborados os seus memoriais para apresentar a Comissão
Central organizada pela Federação em prol das 8 horas de trabalho. Decididamente o
proletariado Pernambucano reconheceu que o momento não é mais para delegarmos
poderes a figurões políticos e sim caminhar pelo terreno firme do Sindicalismo. [...]
O movimento associativo, tem tomado tão grande incremento nestes últimos dias
que a Federação tem estado assoberbada de expediente. [...] Muito temos que fazer
em prol de nossos direitos mais queremos realizar nossas conquistas pacificamente
apesar de nossos inimigos quererem conduzirmos à luta. A imprensa desta cidade
muito tem auxiliado a marcha das negociações, mantendo-se até aqui em atitude
louvável. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 17 maio 1919).
237
Nessa edição também foi divulgado a venda de folhetos de propagandas: A Politica parlamentar no
movimento socialista – 400 reis, O Rei e o Anarquista – 500 reis, Os Bastidores da Guerra – 200 reis, Em
Tempos de Eleições – 200 reis, Confederação do Trabalho – 200 reis e A Social Democracia na Alemanha – 200
reis.
157
As campanhas em torno dessa questão são debatidas nas edições que seguem. No
artigo “A vitória operária”, foi feito o seguinte comentário:
[...] Já todos os trabalhadores do Brasil vão tendo conhecimento das diferentes
questões debatidas e vitoriosas na conferência da paz, as quais não satisfazem ainda
as aspirações operárias, mas que constituem, entretanto uma sólida garantia para
futuras conquistas. A declaração das oito horas de trabalho já é coisa líquida para o
operariado brasileiro, de fato e de direito. Todos sabem, porém, que todos esses
direitos e prerrogativas que lhe foram outorgados pela magna assembleia
internacional, não passarão de uma pilhéria, uma dolorosa utopia, se a sua ação
direta não se fizer sentir. [...] E ai é o que se observa em todo Brasil (agitação). É o
que se vê em Pernambuco. O Partido Comunista lança as suas bases e intensifica sua
ação profícua. Todos os artífices e mesmo trabalhadores rurais organizam seus
sindicatos, em ação conjunta com a Federação. Os gráficos sacodem à rua a sua
proclamação que é um eloquente toque de reunir [...]. (TRIBUNA DO POVO, p. 3,
24 maio 1919).
Nesse artigo, é possível perceber o entusiasmo apresentado pelo autor, que assina
somente A. Interessante salientar, nesse momento, que a maioria das matérias, artigos e notas
são apenas de colaboradores, e essa particularidade passou a fazer parte das edições
subsequentes à viagem de Canellas à Europa238. Nesse momento, o que se percebe é uma
modificação no posicionamento ideológico do nosso tipógrafo, em consonância com as
propostas das representações do periódico. Representações essas embasadas, provavelmente,
num amadurecimento e experiências adquiridas com a ampliação do conhecimento deste, em
relação a aspectos e ideais da Revolução Russa e consequentemente, enxergados como
possíveis de ser atingidos.
Como descrito anteriormente, o periódico mantém matérias chamando a atenção dos
trabalhadores frente à necessidade de organização classista contra os detentores do capital,
sem falar da divulgação dos acontecimentos internacionais (artigos como: A Internacional o
hino dos trabalhadores, Nós e a Rússia), bem como, os relacionados à Revolução Soviética,
chamando a atenção para os fatos ocorridos, as calúnias, entre outros assuntos de interesse e
incentivo para os trabalhadores do Brasil.
238
Os colaboradores que publicaram matérias, notas e artigos foram os seguintes durante o período que Canellas
esteve na Europa (21 de janeiro a 6 de setembro de 1919): Oliveiro Dunotp, Paulo Franco, Pahise, Dionizio
Garcia, Manfranciel, Euphrosino, Manoel Carneiro, Antônio Caio Veloso, A. Lanuza, Buchner, Max Nettlan,
Scipião Fogerio, João Mafra, Mendes Martins, Alencar Scipião Fogase, Theo, Espartaco, G. de Molinari, Mario
Rodrigues, A. Chateaubriand, J. Carta, Salmão Bombarda, A., Alencar, Nizio Couto, C. T. Sparing, Joaquim
Inojosa, Silvério Lima, Astrojildo Pereira, Claudio Duprat, Santos Freitas, Nizio Couto, Rocha Pombo, Napoleão
S. Silva, Etelvina Sales e David Antoni. Acrescentando, ainda, os autores dos trechos escolhidos: Tolstoi, Neno
Vasco, F. Ferrer, Errico Malatesta, Padre Antonio Vieira, Rui Barbosa, Elisée Reclus, Custodio Paes, Osvaldo
Cruz, L. Jouhaux, Astper, Spartaco, Sócrates, Anyot, Platão, Hamon, Spies, Raymond Poíncaré, Cecilio Vilar,
Enrique Lauria, José G. de Oliveira, Guerra Junqueira.
158
Isso se confere na edição de 31 de maio de 1919, sendo, inclusive, editada uma nota
“Companheiras”239, de autoria de Analia da Costa Nery, convocando as mulheres
(engomadeiras), a se organizarem em associação, para lutarem por melhores condições de
trabalho, visando conquistar uma jornada 8 horas diárias de serviço.
Os artigos “Os Trabalhadores em marcha”240, “Na Paraíba”241, “Ultima Hora em
Maceió” 242 e “O Trabalho” 243, foram artigos destinados à divulgação e conscientização para
necessidade da implantação da jornada de 8 horas diárias de trabalho, uma reflexão, dirigida
aos leitores e autoridades, donos de estabelecimentos industriais e comerciais.
Foi publicada, também, uma “MOÇÃO APRESENTADA EM SESSÃO DO
SINDICATO DE OFÍCIOS VÁRIOS DO CABO”, destinada ao governo de Alagoas, em
virtude das perseguições, arbitrariedades e explorações dos donos das indústrias. Vejamos:
Exmo. Sr. presidente do Estado de Alagoas: Os membros componentes do Sindicato
de Ofício Vários do Cabo, estado de Pernambuco, reunidos hoje às 4 horas da tarde,
em sessão magna de sua instalação solene em número de 1500 associados
resolveram, por unanimidade de votos, protestar, como de fato protestam, com todas
as forças de suas convicções, liberais, contra as brutalíssimas e ignominiosas
perseguições que V. Ex. E seus auxiliares de governo vem movendo ao operariado
alagoano. [...] Estes atos que hora reprovamos, e que ultimamente tem atingido o seu
mais elevado gral de tirania, estão sobejamente caracterizados nas consecutivas
prisões efetuadas nas prisões dos nossos camaradas ai domiciliados e mesmo filhos
deste Estado sem nenhum motivo plausível nunca e exclusivamente porque o
operariado de hoje, obedecendo a marcha evolutiva das leis biológicas e
sociológicas que não conhecem obstáculos, querem que lhe façam a devida justiça
como órgão preponderante da organização social. [...] Esperamos que V. Ex. dê uma
nova feição a este estado de coisas, permitindo a livre circulação da “Tribuna do
Povo”, garantindo o direito de reuniões, e finalmente a livre manifestação de
pensamento, na sua concepção mais alta, princípios estes que nos são assegurados
pela Constituição da República no seu artigo 72 e seus parágrafos. Saúde e evolução
social. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 31 maio 1919).
Pelo exposto, fica em evidência a articulação entre alguns Estados do Nordeste na luta
e solidariedade por justiça social. Nesse sentido, e em consonância com a proposta do
periódico Tribuna do Povo, foi divulgado um apelo na seguinte nota: “JUSTO APELO... A
TODOS
OS
TRABALHADORES
DAS
FÁBRICAS
LAFAYETTE
E
CAXIAS.
Companheiros”:
Achando-se a “Tribuna do Povo”, este órgão por excelência defensor do operariado
de minha terra, em sérias dificuldades, no que diz respeito ao seu grande déficit, um
nosso companheiro de classe teve a feliz ideia, ideia louvável de apresentar em
sessão na digna Federação, para que todas as sociedades organizadas que se acham
239
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 31 maio 1919.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 31 maio 1919.
241
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 31 maio 1919.
242
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 2, 31 maio 1919.
243
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 2, 31 maio 1919.
240
159
sob a sua sabia orientação, contribuírem sem perda de tempo com cem réis (100
réis) semanais até a completa liquidação do seu débito, para não deixar cair por terra
este grande baluarte, que sempre defendeu e defenderá os direitos do nobre
operariado. [...] Creio, firmemente, que todos os trabalhadores conscientes saberão
cumprir com este Sagrado Dever. Um vosso companheiro de classe. THE‟O.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 31 maio 1919).
O referido apelo demonstra a preocupação e repercussão que tivera o jornal, enquanto
meio de propagação de ideias e luta, em prol das classes trabalhadoras. Exemplo visível,
como o que segue na nota “A NOSSA IMPRENSA”, divulgando os jornais que eram
recebidos:
Temos recebidos: Á “Plebe”, de S. Paulo, O Germinal do Rio de Janeiro, O Jornal
do Povo, do Pará, O Semeador, do Pará, O Sindicalista, do Rio Grande do Sul,
Tempos Novos, do Rio de Janeiro, La Batalha de Valparaíso (Chile) Verba Rosa, de
Valparaíso (Chile) O Construtor, de Lisboa (Portugal) Á Sementeira de Lisboa
(Portugal). Todos esses baluartes vêm repletos de bons artigos doutrinários e muito
noticiosos. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 7 jun. 1919).
Povo também era distribuído em outras cidades, como o Rio de Janeiro244. Inclusive,
na seção “MOVIMENTO OPERÁRIO” 245, foi divulgada uma reunião noticiando a
participação de representação da Federação em um Congresso Comunista, organizado pelo
Partido Comunista do Brasil, entre 21, 22 e 23 de junho no Rio de Janeiro. Na edição de 14 de
junho de 1919, houve uma ênfase por parte do redator da Tribuna do Povo, A. Souza, para a
mobilização classista, adotando o sindicalismo revolucionário, não somente no Recife, mas
também, em outras cidades e estados do Brasil. Na matéria “Apelo aos camaradas do interior
e dos Estados de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará”, expôs a seguinte reflexão:
Camaradas! Despertai do torpor em que jazeis mergulhados e reivindicai os vossos
direitos. Não estareis sós; ao vosso lado achareis para vos animar e estimulo o
elemento proletário de todos os centros adiantados. Petrogrado, Paris, Barcelona,
Berlin, Dublin, Londres, Nova York, Rio de Janeiro, São Paulo, Munique, Buenos
Aires, Montevidéu, Recife, Roma, Viena, Lisboa, Budapest, todo o operário está em
luta. [...] Acaba de raiar a aurora de nossa libertação econômico-social. Do
Amazonas ao Rio Grande do sul, as massas trabalhadoras se levantam e reclamam
seu lugar ao sol. No interior de Pernambuco, porém, e nos estados vizinhos, a alma
operária está como que adormecida. Operários alagoanos, trabalhadores paraibanos,
soou já a hora auspiciosa da igualdade universal. [...] Difundi e praticai o ideal
sindicalista, construindo-vos em associações de resistência que tomem a vossa
defesa contra o despotismo dos capitalistas implacáveis e exploradores. Nós vos
oferecemos camaradas, a nossa fraternal solidariedade. Municípios de Pernambuco
segue o exemplo de Gameleira, Cabo, Escada, Barreiros. Não vos deixei enganar
com os disfarces da burguesia que vós ensina com sociedades recreativas
beneficentes. O que necessitas é de sindicatos de resistência que sejam o órgão de
vossos legítimos interesses, os defensores de vossos direitos. Alerta camaradas.
(TRIBUNA DO POVO, p. 3, 14 jun. 1919).
244
245
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 7 jun. 1919.
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 3, 7 jun. 1919.
160
Assim como nas edições precedentes a do dia 21 de junho de 1919 deu continuidade
às particularidades a que se propuseram os redatores do jornal, seja chamando atenção para as
arbitrariedades cometidas pelos burgueses, às atuações e prática das religiões (protestante e
católica), a função das Leis e governo, a miséria presente nas ruas, onde crianças viviam a
margem da sociedade, sem acesso a escola, sem alimentação digna e sujeitas a toda “sorte
possível”, numa sociedade desigual e injusta, acrescentando, ainda, a luta, reuniões e
reivindicações pelas 8 horas diárias de trabalho e não perseguições, como as do governo
alagoano, para com os trabalhadores e divulgadores da Tribuna do Povo em Maceió-AL. Uma
notícia boa foi publicada, referente à “Universidade Popular”, que foi transcrita com as
palavras que seguem:
Folgamos em noticiar hoje que se cogita entre nós da fundação nesta cidade de uma
universidade Popular. Pugnando por este valioso e mais do que nunca oportuno
empreendimento temos a registrar os nomes feitos e acatados na sociedade e no
movimento cultural de Pernambuco. [...] O povo, na sua grande maioria, permanece
inculto. [...] Convém, pois, instruir o povo nos moldes da educação racionalista.
Especialmente para o operariado, que é de todas as classes a mais desprotegida, esse
novo centro de cultura vem prestar relevantes serviços. (TRIBUNA DO POVO, p. 1,
21 jun. 1919).
Ocorreu uma reunião acerca da fundação da universidade, da qual participou Joaquim
Pimenta, entre outros representantes. As notícias da reunião idealizada e realizada pela
Federação da Classe
Trabalhadora de Pernambuco foram
divulgadas
na seção
“MOVIMENTO OPERÁRIO”:
Reuniram-se na segunda feira p. p. a Federação para tratar-se da fundação da
Universidade Popular. A esta reunião compareceram quase todos os delegados,
usando a palavra o Dr. Joaquim Pimenta que fez um histórico minucioso das
Universidades em todos os países estrangeiros, concorrendo poderosamente para a
evolução das massas trabalhadoras. (TRIBUNA DO POVO, p. 3, 28 jun.1919).
Na edição de 05 de julho de 1919, foi dada ênfase na organização sindicalista
enquanto meio para organização classista em prol de mudanças qualitativas, e não somente,
de caráter reformista. Nesse sentido, no artigo “Xô nele!...”, é descrito o papel desempenhado
por João Ezequiel, tido como “oportunista”, em face de suas atividades, desempenhadas,
através de sua atuação parlamentar que foi evidenciada com as seguintes palavras:
É que ele [João Ezequiel], o representante “político” do operariado anti-político [sic]
já ouve, trazidos pelas suaves auras que afagam o Atlântico, os acordes harmoniosos
da “Marselha Pernambucana”, que lembram outros acordes mais deleitáveis ainda,
os do metal sonante, que pacificamente lhe entrava tilintando no bolso vasto, como
prêmio por uma representação mentirosa e ridícula. Xô nele, pois, briosos e sinceros
camaradas gráficos! Xô nele!...[...] SPARTACO. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, jul.
1919).
161
Nesse contexto, as publicações de 14 de julho de 1919, foram condizentes com a data
alusiva à Revolução Francesa. A matéria “SALVE 14 DE JULHO”, de autoria de Oliveiro
Dupont, expressou sinteticamente os fatos ocorridos, pondo em destaque, o exemplo a ser
seguido, mencionando a Revolução Russa, como um fato também de extrema relevância, no
que se refere à tentativa de implantação e consolidação da socialização dos meios de
produção, entre outros exemplos. No final do texto, o autor tece as seguintes observações:
A Revolução de 89 que, conforme observa ainda Pierre- Joseph devia ao mesmo
tempo destruir e edificar, apenas pode conseguir o primeiro desses dois objetivos.
Entretanto deixou uma grande lição, um luminoso exemplo às gerações futuras e
hoje a Revolução Russa que aproveitara essa lição e exemplo, parece destinada a
realizar e fazer subsistir as duas partes essenciais de seu programa. O que não pode
fazer a Revolução Francesa, cujo campo de ação ficou circunscrito ao território
nacional, fará, certamente, nós o cremos, a Revolução Russa propagando o gérmen
da liberdade através do mundo. Felizmente no Brasil também desperta. E não se
diga que há importação de ideias, o que há é eclosão à mesma hora, sobre diversos
pontos do globo numa nova forma social cuja hora parece ter chegado. (TRIBUNA
DO POVO, p. 1, 14 jul. 1919).
Na edição de 19 de julho de 1919, foram descritas as comemorações referentes a 14 de
julho. No artigo “A COMEMORAÇÃO DE 14 DE JULHO”, por ocasião do aniversário da
Revolução Francesa, a Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco mobilizou suas
fileiras. Vejamos:
Foram uma verdadeira apoteose as manifestações de 14 de Julho promovidas pela
Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco, no Teatro do Parque. [...]
Após ser cantada a Internacional, o camarada Amaro de Araujo, presidente da
reunião, falou, fazendo sentir o motivo da reunião, lembrando também que seria
negada a palavra a qualquer que quisesse manifestar sentimentos políticos, cedendo
em seguida a palavra ao Dr. Joaquim Pimenta, especialmente convidado para fazer
uma conferência sobre a data. [o mesmo apresentou a ideia da fundação de um
partido sindicalista][...] Em seguida falou o companheiro Paes de Andrade, da
Associação Gráfica, em nome da Tribuna do Povo. [...] Falou também o camarada
Seabra em nome dos camponeses, que descreveu fielmente os horrores praticados
por essa sociedade presente, especialmente os camponeses entre os quais perduram
os mesmos rigores dos antigos feudos, como sejam: o tronco, a palmatória, o relho e
a cuba com que são martirizados os nossos infelizes irmãos, que por infelicidade ali
trabalham. Foi aclamado para falar o aclamado Dr. Cristiano Cordeiro que dissertou
belissimamente sobre as misérias humanas. [...] O companheiro G. Seabra vem
novamente à tribuna e l uma moção[sic] de solidariedade aos companheiros russos e
contra a intervenção armada dos aliados na Rússia, no seguinte teor: (TRIBUNA
DO POVO, p. 1, 19 jul. 1919).
O teor do protesto girava em torno da negativa contra a intervenção na Rússia e contra
o apoio prestado à contra revolução na Hungria, mencionando, ainda, o apoio da classe
trabalhadora pernambucana aos dos países em revolução.
A última edição que se encontra disponível em nossa pesquisa é a de 02 de agosto de
1919. Em sua manchete principal, tinha o seguinte anúncio “Quando a plebe rebentar as
162
cadeias que a manietam, a burguesia ruirá por si mesma!” 246, acompanhada de uma imagem
da plebe rebentando os grilhões burgueses. Na matéria “A greve geral”, de autoria de J. Carto,
o autor deixa claros os seguintes pontos:
Foi simplesmente grandioso esse extraordinário surto reivindicador, realizado pela
“Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco”. Esse movimento que nós
tanto quisemos evitar, para não causar prejuízos à população, foi, contudo muito
proveitoso e, portanto, necessário para que toda a gente ficasse sabendo o que é a
“Federação” e também para que todas as classes se convencessem duma forma
positiva, que os trabalhadores organizados são a única força capaz de estabelecer a
ordem e a harmonia na sociedade. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 2 ago. 1919).
A greve geral, ocorrida entre 22 e 28 de julho de 1919, contou com a participação dos
trabalhadores do campo. No artigo “O sindicalismo nos campos”, foi publicado o seguinte:
O ideal socialista, representado pela organização sindicalista, acaba de dar nos
centros trabalhadores do interior do Estado, a prova mais evidente de seu
florescimento. [...] A “Tribuna do Povo”, em nome de todas as classes trabalhadoras
desta capital, felicita aos camaradas dos campos pela sua atitude firme e agradece a
solidariedade com que se mantiveram ao seu lado. (TRIBUNA DO POVO, p. 1, 2
ago. 1919).
A greve iniciou com os trabalhadores da Pernambuco Tramways and Power Company
Limited, tendo o apoio de diversas classes, tonando-se geral. A grande motivação para a greve
tanto dos funcionários da Tramways como os demais trabalhadores era o modo como eram
explorados, a baixa renumeração salarial, a carestia de vida, que os faziam passar necessidade
de basicamente tudo. A partir dessas mobilizações, foi pleiteada “uma Conferência
Trabalhista”, sendo organizada pela Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco:
A Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco, considerando o importante
e extraordinário movimento operário dos últimos meses, o grande e real
desenvolvimento das organizações proletárias, cuja união e entendimento coroaram
do mais ruidoso sucesso o derradeiro e bastante significativo movimento grevista,
compreendeu a necessidade de uma, por assim dizer, arregimentação de forças, de
um plano unitário de ação de uma sistematização de princípios, enfim, a ponto de
garantirem todas essas medidas a segurança do bom êxito para luta futuras.
Estabelecida à urgência e a necessidade de tais medidas, a Federação vai empenhar
como ficou assente na última reunião dos camaradas delegados, uma conferência
trabalhista, que deverá realizar-se dentro destes quinze dias. A guisa de sugestão o
comitê organizador da Conferência apresenta as seguintes questões a serem
devidamente estudadas: (a “A questão social e o operariado pernambucano; b)
“Necessidades das organizações operarias”; c) “Possibilidades da realização, no
Recife, de um Congresso Sindicalista do Norte”; d) Projeto de Seção Confederal
Operária do Norte”; e) “O operariado e a política”; f)” O Partido Sindicalista”; g)” O
direito de greve, significação da greve e quais os meios mais eficazes para sua
realização; h)” Caixa Regional de auxilio a greve”; i) “Problemas administrativos
das organizações”; j) “Delegados nas oficinas”; l) “Projeto de criação de uma
Universidade Popular e de um Liceu operário”; m) “O Sindicalismo, sua doutrina e
246
TRIBUNA DO POVO, Recife, p. 1, 2 ago. 1919.
163
seu programa”. Todos os Sindicatos, tanto os da cidade como os do interior, devem
estar preparados para a realização dessa primeira Conferência Trabalhista, que se
deverá realizar no dia 10 do corrente, em lugar que será previamente anunciado.
(TRIBUNA DO POVO, p. 2, 2 ago. 1919).
Nesse sentido, e em consonância com a proposta do periódico enquanto meio de
divulgação das ações, mobilizações, incentivos da Federação das Classes Trabalhadoras de
Pernambuco, foi proposto a publicação diária do jornal.
Na Matéria “A “TRIBUNA” DIÁRIA”, novamente é descrito o papel e objetivos do
periódico idealizado por Canellas e que em agosto de 1919, divulgara a mensagem que segue:
A “Tribuna” diária! Eis a alviçarea notícia que temos para dar aos proletários de
Pernambuco. A “Tribuna” é o órgão do operariado Pernambuco, é a sua palavra.
Traduz as aspirações, diz suas dores, defende os seus interesses, advoga a sua causa,
bate-se, enfim, pela emancipação do homem trabalhador. A “Tribuna” já tem ação
definida certa; o que é preciso é acelerar o seu movimento, converter essa ação em
ação de todos os dias. É uma necessidade impostas pelas contingências atuais da
vida proletária. Ainda mais: é o nosso futuro que reclama essa urgente medida. A
“Tribuna” precisa falar diariamente: a ação é tudo mais a palavra é sopro que anima
esse tudo, é a alma do movimento, ou antes, é o próprio movimento na sua primeira
manifestação. Como, porém não dispomos ainda dos serviços suficientes para tão
importante empreendimento, cabe aos camaradas ver o nosso encarto auxiliando-nos
à medida de suas possibilidades. Temos assim resolvidos a emissão de ação de
1$000, resgatáveis em tempo indeterminado, e com as quais poderemos levantar a
importância precisa para realizar o nosso propósito. Em nossa redação fornecemos
as informações que a respeito nos forem solicitadas. Camaradas: está na ordem do
dia a “Tribuna” diária. (TRIBUNA DO POVO, p. 2, 2 ago.1919).
Embora não estando disponíveis as edições subsequentes ao mês de agosto e
consequentemente aos meses correspondentes ao término de 1919, é possível perceber que a
trajetória de Canellas no Recife, a partir da idealização e concretização do periódico Tribuna
do Povo, foi marcada por uma atuação audaciosa, no que se refere à participação e
representação na Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco, viajando para a
Europa, para participar do Congresso Internacional Sindicalista, que ocorreu na França.
Segundo Antonio Paulo de Moraes Rezende, Canellas chegou com as seguintes conclusões:
[...] Voltou convencido da eficácia do sindicalismo revolucionário, condenando
qualquer ilusão com o socialismo parlamentar e criticando a prudência e moderação
dos dirigentes operários europeus. [...] Canellas colocava-se como defensor da ação
direta e não deixava de ressaltar o peso que teve o anarquismo para a vitória da
Revolução Russa. Mostrava-se simpático ao bolchevismo, à lição prática que cada
país podia tirar dessa experiência. Admitia a ditadura do proletariado como uma fase
passageira rumo a uma sociedade sem classes. (REZENDE, apud, VV.AA. 1912, p.
48).
Ao voltar para o Recife, nosso tipógrafo enfrentou uma série de acusações e
perseguições, culminando com sua expulsão de Pernambuco. Para termos uma ideia, em
164
janeiro de 1920, alguns jornais (Jornal do Recife, Jornal Pequeno, Diário de Pernambuco e A
Provincia) publicaram informações referentes ao ostracismo do redator da Tribuna do Povo.
Em 12 de janeiro foi publicado, no Jornal Pequeno “O socialista Canellas”, uma nota
referente à expulsão de Canellas. Vejamos, “a polícia de Pernambuco expulsou, ontem, deste
Estado, o agitador Antonio Canellas. O Dr. Luiz Correia; chefe de polícia encarregou dessa
diligência Dr. Manoel Cândido, delegado do 1° distrito, que levou a bom termo”. (JORNAL
PEQUENO, p. 1, 12 jan.1920).
A expulsão ficou em dúvida para alguns operários, tendo em vista o artigo “TERIA
SIDO DEPORTADO O OPERÁRIO CANELLAS”, publicado no jornal A Provincia.
Segundo o artigo:
Ontem, à noite, estiveram em nossa redação dois operários, relatando-nos que o seu
companheiro Antonio Bernardo Canellas havia sido deportado para o sul do país
pelo “Macapá”, que ontem mesmo, sarpou com aquele destino. Adiantara-nos ainda
os referidos operários que a polícia conseguiu apanhar Antonio Canellas para a
deportação atraindo-o até a chefatura central, sob o pretexto de entregar ao mesmo o
seu caixote, contendo os folhetos de “La Roche” A Coméia que foram considerados
subversivos. (A PROVINCIA, p. 1, 12 jan. 1920).
Não demorou e surgiram atuações e posicionamentos em defesa de nosso tipógrafo,
para exemplificar o jornal do Recife, publicou um artigo “TYRANIA DAS IDEIAS A
QUESTÃO CANELLAS”, de autoria de João Barreto de Menezes, em defesa de Canellas,
tecendo os seguintes comentários, frente à injusta prisão e expulsão de nosso tipógrafo:
Pelas colunas d‟ “A Província” tem sido a expulsão do socialista Antonio Canellas
brilhantemente combatida, não só por Gonçalves Maia, cuja pena tem o condão de
agitar os mais duros espíritos, como por essa vigorosa celebração de cientista que é
Raul Azevedo, em magistrais artigos doutrinários sobre a evolução das ideias que
aspiram a uma nova organização político-social dos povos. [...] Raul Azevedo
discute, em seus artigos o proclamado gérmen subversivo das ideias da obra de
Sebastien Faure, A Colmeia, traduzido por Antonio Canellas e mostra que tem sido
as mesmas pregadas por várias inteligências outras que prenunciam uma
reorganização social em bases mais equitativas de liberdade e justiça. E quero
ligeiramente acentuar nestas linhas e impressões que me deixou a leitura do ofício
do Sr. Dr. Luiz Correia, chefe de polícia, ao Sr. Dr. Sérgio Loreto, juiz seccional,
que as solicitou para o julgamento de uma ordem de “habeas – corpus”, impetrada
em favor do socialista Canellas. [...]Louvando-se em documentos de autoridades que
lhe dirigiram recomendações sobre Canellas indicando-o como perigoso agitador,
bastou essa expressão ao Sr. Dr. Luiz Correia para banir de nosso estado um
homem que tem apenas o atrevimento que querer realizar uma reforma social, que
há de ser realizada, embora contra os ímpetos de todos os governos, pois que estes
individualmente passam e a sociedade é que persiste, amontoando-os à sua feição e
cultura mais desenvolvida e racional.[...] Diante do apelo que Antonio Canellas
dirige ao juiz seccional, o que vae fatalmente acontecer, é a sua liberdade de voltar a
esta terra, o que importa dizer sua liberdade de locomoção e de pensamento, pois ao
espírito brilhante do Sr. Dr. Sergio Loreto não aparecem razões determinantes dessa
ordem de expulsão. Quais são elas? Ideias subversivas, somente ideias subversivas,
nos tempos do ofício do Sr. Dr. Luiz Correia; quando a subversão das ideias não
basta ser invocada para justificar a legitimidade de um ato do poder público; mas,
165
antes de tudo, ser provada, por efeitos inequívocos de sua propagação maléfica na
sociedade. Nem se argumente que a polícia previne, porque, então, seria o caso de
meter em cárcere todos os livres pensadores, todos aqueles que se não acomodam às
condições atuais de uma sociedade que, efetivamente, urge reformar. [...] E mais
ridícula que a tirania dos partidos, aos olhos do futuro vingador, é a tirania das ideias
a que ingenuamente entendem os governos opor a barreira dogmática de sua
intangibilidade. Recife, 21 – 1- 1920. João Barreto de Menezes. (JORNAL DO
RECIFE, p. 1, 22 jan. 1920).
No artigo, fica evidenciada a defesa em favor de Canellas, demonstrando, ainda, as
arbitrariedades por parte dos representantes do Estado. Acusado de “agitador” por divulgar
ideias de igualdade, justiça, de esclarecimento no tocante às atribuições e finalidades da
política, etc. Acrescentando ainda, a iniciativa de organização dos operários, incentivos e
mobilização propriamente dita. Enfim, novas oportunidades frente à sociedade de sua época,
da qual discordava e propusera-se mudar, com outros militantes e anônimos de outrora.
Joaquim Pimenta se pronunciou em um artigo “A deportação de Canellas” no Jornal
do Commercio, em 14 de janeiro de 1920. O advogado e militante posicionou-se frente à
expulsão de Canellas. Segundo Joaquim Pimenta:
Foi de surpresa para mim a notícia de que a polícia de Pernambuco havia deportado
para o sul do país o jovem socialista Antonio Canellas. Porque sábado último
véspera de seu embarque forçado no „Macapá‟, estive com o Dr. Manoel Candido,
1° delegado da capital, que me garantiu nada haver contra esse moço cuja vida tem
sido uma das mais belas epopeias, que conheço, do sacrifício humano. [...] Fiquei
seriamente intrigado com aquela medida brusca Dr. Luiz Correia, a quem solicitei
uma explicação. Disse-me ele então que o seu modo de agir fora apenas provocado
por telegramas que recebera do ministro da justiça e do chefe da polícia do Rio, não
cabendo, assim, à polícia pernambucana nenhuma responsabilidade no caso. [...]
Canellas, como eu, como o Sr. Ministro, como o Sr. Desembargador, é incapaz de
matar um pinto... É um rapaz simples, sem rancores, contra ninguém, sonhador
como o somos todos nós nos verdes anos, e sonhador benemérito porque se atira a
uma propaganda perigosa que só lhe traz dissabores, qual a de reformar, pela
educação infantil, um povo retrógado ou retardado em tudo, em política, em direito,
em administração, ao campo da economia, nos ramos mais elementares da
civilização contemporânea. (JORNAL DO COMMERCIO, p. 1, 14 jan. 1920).
É possível observar na fala de Pimenta uma exposição de defesa e contrariedade às
prisões, expulsões de homens como Canellas, que foram alvos da perseguição, em virtude de
suas ideias e ideologias, não restritas, tão somente, a localidade municipal, ou estadual, sendo
um caso de repressão a nível nacional.
No Jornal do Commercio de Alagoas, foi publicada uma nota “Um agitador”,
divulgando que Canellas teria migrado para Alagoas, e não para o sul do país, no “Macapá”,
citado anteriormente, no artigo de Joaquim Pimenta. Na nota foi divulgado:
Segundo telegramas publicados pela imprensa foi expulso a bordo do < Macapá>
pela polícia da vizinha capital do norte, o perigoso agitador Antonio Canellas.
Sabemos que esse agitador, iludindo a vigilância da nossa polícia desembarcou no
166
porto de Jaraguá. Tivemos denúncia de que Canellas está homiziado na casa de um
artista, no farol. (JORNAL DO COMMERCIO, p. 1, 12 jan. 1920).
Essa informação procede, tendo em vista o habeas-corpus impetrado por Joaquim
Pimenta, referente à expulsão de Canellas de Pernambuco. No jornal Diário de Pernambuco,
houve uma menção referente à defesa do advogado, na matéria “Expulsão de operário”,
redigindo as seguintes palavras:
Em sua audiência de ontem, Sr. Dr. Sergio Loreto, juiz federal para seção deste
Estado, ouviu o operário brasileiro Antonio Canellas em favor de quem fora
impetrada uma ordem de “habeas-corpus”, sob alegação de constrangimento ilegal
em sua liberdade, visto ter sido expulso desta capital pela polícia, como agitador
anarquista. Depois de ter tomadas por termo as declarações do paciente que
conseguira interromper a viagem em Maceió e regressar ao Recife, obteve a palavra
o advogado do mesmo Dr. Joaquim Pimenta que, após afirmar estar a defesa do
operário Antonio Canellas plenamente deduzida na petição de “habeas- corpus”,
produzindo várias considerações sobre as informações a respeito prestadas, em
ofício, ao Sr. Dr. Juiz da seccional pelo Sr. Dr. Chefe de polícia. Presente a
audiência o Sr. Dr. Antonio Leitão, Procurador da República, requereu que,
preliminarmente, em face dos telegramas do Sr. Ministro da Justiça constante da
informação do Sr. Dr. chefe de polícia se telegrafasse a sua excelência pedindo
esclarecimento se havia algum processo instaurado no Rio contra o paciente, para
expulsão do território nacional. O requerimento deixou de ser deferido pelo Sr. Dr.
juiz visto haver o paciente feito a prova de sua qualidade de cidadão brasileiro,
estando, portanto, excluída, qualquer possibilidade de expulsão. Para final decisão,
mandou o Sr. Dr. Sergio Loreto que lhe fossem os autos conclusos. (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, p. 1, 22 jan.1920).
Gonçalves Maia publicou um artigo “Perseguições a operários”, também em defesa de
Canellas, chamando a atenção para as arbitrariedades cometidas pelas autoridades, tomandoas como um exemplo extensivo para outros operários vítimas das arbitrariedades
governamentais. Conclui sua fala com as palavras que seguem:
É isso que quer a nova administração pernambucana? A violência feita a um
operário é uma ameaça a toda classe. E se o governo tem soldados e carabinas para
fazer derramar o sangue, e tem prisões, se tem outros instrumentos de coação, o
operariado não precisa senão de um bocado de solidariedade. E para vencer todos os
governos do mundo, basta-lhe cruzar os braços e não trabalhar. Quem tem essa força
desafia o poder e vence. O que é preciso é não provocar. Gonçalves Maia. (A
PROVINCIA, p. 1, 13 jan. 1920).
Com essas palavras, otimistas e ao mesmo tempo desafiadoras, Canellas e outros
militantes desafiaram os meios coercitivos, não se enclausuraram frente às dificuldades
advindas de seus posicionamentos, fossem em jornais, panfletos, reuniões, greves, passeatas,
ou mesmo sob a ameaça de prisão ou expulsão do país.
A trajetória política e intelectual de Antonio Bernardo Canellas em Recife-PE foi
expressiva e, ao mesmo tempo, evidente, no tocante à participação efetiva nas organizações
classistas, tanto na representação da Federação das Classes Operárias, como na concessão da
167
liberação de seu periódico à referida Federação, que passaria a compor nos artigos, nas
matérias e em todas à extensão publicitária do periódico. Ficaria a cargo da Federação,
também, a divulgação da Tribuna do Povo nas cidades circunvizinhas, para conscientizar
acerca da necessidade da sindicalização de classes, para lutarem por seus direitos e efetivarem
uma organização a nível estadual, nas comunicações com outros militantes a nível nacional e
internacional, noticiando os acontecimentos internacionais, referentes à Revolução Russa, ao
Bolchevismo, às conquistas dos Direitos trabalhistas, às perseguições e reflexões acerca da
necessidade de mobilizações e solidariedade para com os camaradas em luta em todo país,
mencionando, ainda, a divulgação dos teóricos da ideologia que defendera durante o período
em que esteve em Recife e na Europa, da qual participou e representou a Federação das
Classes Operárias de Pernambuco.
Defendeu uma sindicalização não reformista, lutando e divulgando o sindicalismo
revolucionário, ideal voltado para uma organização classista, que deveria objetivar uma
sociedade sem classes, justa e igualitária. No período em que esteve em Recife, seu
posicionamento ideológico foi em defesa do anarquismo, podemos dizer, inclusive, que
Canellas foi um propagador e defensor do anarquismo, embora comungasse também com as
ideias do sindicalismo revolucionário, enquanto meio de organização. Na verdade, é
interessante perceber como, em dado momento, o nosso redator, através das suas publicações,
aglutina em seu discurso elementos tanto da vertente anarquista quanto do sindicalismo
revolucionário, e como a difusão dessa miscelânea de ideias influenciou, inclusive, seu
amadurecimento e intelectualidade.
168
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo acerca da trajetória de Antonio Bernardo Canellas no Nordeste, durante o
período de 1916-1920, partiu, inicialmente, das hipóteses levantadas durante a elaboração do
projeto de pesquisa. Encontradas as fontes, objetivou-se na pesquisa a recuperação de
dimensões da experiência vivenciada por Canellas, ao mesmo tempo, fazendo uma conexão
com a militância exercida pelo mesmo, destacando aspectos do contexto econômico, político,
social e cultural do país, focando, nesse sentido, os estados de Alagoas e Pernambuco, não
deixando de lado as inter-relações com outros estados do Brasil. Simultaneamente,
objetivamos entender a organização, a reivindicação, a articulação e dimensões da experiência
de trabalhadores e militantes, fora do eixo Rio-São Paulo.
No decorrer do estudo, surgiram questionamentos referentes à formação do operariado
no país. Nesse sentido, foi possível identificar, por exemplo, que no Nordeste, precisamente
em Alagoas e Pernambuco, houve de fato mobilizações, organizações e consequentemente
movimentos classistas, que contaram com a participação de militantes envolvidos no processo
de luta por conquistas, direitos, divulgação, tentativas e práticas de ideologias libertárias.
Nesse sentido, foi possível perceber, que houve disseminação do sindicalismo
revolucionário, do anarquismo, do socialismo, do comunismo, que não ficou restrito, tão
somente, aos grandes centros industriais e respectivamente, as principais cidades do Brasil.
Na verdade, entre os militantes, existiu um intercâmbio de relações de solidariedade, no que
se refere, a troca de informações, de apoio, entre outros exemplos. É exequível fazer essa
afirmação, tendo em vista a própria experiência de Canellas, que com suas publicações
jornalísticas, divulgara: textos, artigos, opiniões, sem falar de sua atuação e prática, no
envolvimento com as organizações sindicalistas em Pernambuco, como na Federação de
Classes e Resistência do referido estado, o qual representou, inclusive, em um Congresso
Sindicalista, realizado, na França em 1919.
A investigação acerca de trajetória de Antonio Bernardo Canellas é relevante, pois
permitiu possibilidades de temas e questões a respeito da história social do trabalho e da
esquerda não restrito aos grandes centros.
O estado de Alagoas tido, muitas vezes, como “terra dos marechais”, “da cana-de açúcar”, da “industrialização tardia”, entre outros estigmas, não ficou de fora, no que
concerne à mobilização e movimento operário.
Como vimos, Canellas exerceu em Viçosa uma militância voltada para o
esclarecimento, divulgação e tentativa de mobilizações classistas, incluindo, a classe dos
169
trabalhadores rurais, inclusive mantendo essa postura em Maceió, quando migrara para lá em
1917.
Em Maceió, notamos que nosso tipógrafo atua de maneira mais enérgica, seja na
tentativa de organização classista, no envolvimento com lideranças e militantes na propagação
da ideologia anarquista, do socialismo que se articulava, com leituras entrecortadas, inclusive,
com Karl Marx, pelo menos, no período de foco da pesquisa.
Podemos perceber Alagoas como um estado marcado pela política oligárquica, pela
indústria incipiente, por uma sociedade abandonada em educação, infraestrutura, entre outros
exemplos, mas que contou com o apoio e a atuação de homens como: Octávio Brandão,
Canellas, Oiticica, Astrojildo Pereira, etc. Somando ainda, os personagens anônimos, que
propuseram a fundação de Centros Proletários, Associações, divulgação de doutrinas
libertárias e que não ficaram a mercê dos detentores do capital.
Essas características foram visualizadas, também, em Recife, embora com suas
particularidades, quando Canellas migra para a referida cidade, encontrando-se mais
amadurecido, devido, talvez, à idade e à experiência adquirida ao longo dos anos vivenciados
em Viçosa (1916) e Maceió (1917).
No estado de Pernambuco, Canellas encontra uma sociedade, que não diferente da
alagoana e das demais do país, vivenciava as atrocidades, falta de garantias e direitos
trabalhistas, entre outros problemas comuns à época.
Em Recife, encontra uma organização operária mais sólida, participa e se envolve nas
organizações sindicalistas, defende o sindicalismo revolucionário, não reformista, articula o
periódico que editava, Tribuna do Povo, com a Federação de Classes e Resistência de
Pernambuco, divulgando a necessidade de organizações sindicais.
Quanto ao posicionamento ideológico, nosso redator tipógrafo apresentou uma postura
de crescimento, no tocante ao conhecimento e aprofundamento, no que se refere aos teóricos
mais conhecidos da esquerda naquele momento. Seu posicionamento e defesa foram pelo
anarquismo, adotando no Recife, o sindicalismo revolucionário, enquanto meio de ação para
mobilização e conquistas paliativas, para consolidação posteriormente de uma sociedade justa
e igualitária. Outro detalhe que chamou a atenção e ao mesmo tempo despertou reflexão, foi o
impacto da Revolução Russa e a crescente ascensão do comunismo, como possibilidade de
concretização dos ideais de justiça e igualdade social entre os militantes, tendo em vista os
desdobramentos, causas, efeitos, notícias e métodos quanto à prática e exemplo a ser seguido
em outros países.
170
Certamente ainda há muito que se saber sobre Canellas, tanto em termos biográficos
como em termos de posicionamentos políticos ideológicos. Até 1920, entretanto, em nossa
pesquisa, foi possível identificar seu autodidatismo, empenho na divulgação dos teóricos
anarquistas, sua eloquência e conhecimento de fatos históricos, acrescentando, conhecimentos
referentes aos acontecimentos internacionais, mencionado, ainda, a experiência de tipógrafo,
oficio que exerceu primorosamente.
Antonio Bernardo Canellas foi um intelectual orgânico, pois atuou como tal,
exatamente como descrito por Antonio Gramsci:
Pode-se observar que os intelectuais “orgânicos” que cada nova classe cria consigo e
elabora em seu desenvolvimento progressivo são, na maioria dos casos,
“especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que
a nova classe deu a luz (GRAMSCI, 2001, p. 16).
Essas palavras ecoam através da trajetória de Canellas durante o período em que
estivera em Alagoas e Pernambuco. Podemos acrescentar, ainda, uma observação feita por
Eric Hobsbawm, em relação às pessoas extraordinárias, como a que segue:
Alguns desempenham um papel em pequenas, ou regionais, cenas públicas: a rua, a
aldeia, a capela, a seção do sindicato, o conselho municipal. [...] Essas pessoas
constituem a maioria da raça humana. [...] Os escritos sobre tais indivíduos ausentes
na história deixaram traços pouco significativos na narrativa macro-histórica. A
questão de meu livro não é exatamente se essas pessoas devem ser retiradas do
esquecimento ou daquilo que E. P. Thompson chamou, em sua frase memorável, “a
enorme condescendência da posteridade”. [...] Sua vidas têm tanto interesse quanto a
sua ou a minha, mesmo que ninguém tenha escrito sobre elas. Minha questão diz
respeito, antes, a que, coletivamente, se não como indivíduos, esses homens e
mulheres são os principais atores da história. O que realizam e pensam faz a
diferença. Pode mudar, e mudou, a cultura e o perfil da história, e mais do que nunca
no século XX. Essa é a razão por que dei o título a um livro sobre essas pessoas,
tradicionalmente conhecidas como “pessoas comuns”, de Pessoas extraordinárias.
(HOBSBAWM, 1998, p. 7-8).
As atuações e a participações de Canellas no Nordeste foram singulares, no sentido de
contribuição e esclarecimento da sociedade, que não obstante, enfrentou as autoridades
burguesas, com greves, reivindicações e lutas em defesa de suas ideias e sobretudo, contra a
exploração capitalista. Não queremos dizer que Canellas foi um herói ou o responsável pelas
mobilizações, ele, assim como outros militantes de outrora, se dedicaram à causa que
abraçaram e vivenciaram ao longo de suas vidas.
Por fim, este estudo teve como meta contribuir, a seu modo, com os limites de sua
amplitude, com o conhecimento acerca da experiência dos trabalhadores e de suas lideranças,
visto por um prisma não elitista e muito menos heroico.
171
Nossa “visão” parte dos “vistos de baixo”, muitas vezes esquecidos ou destinados ao
esquecimento como os atores, da história dos operários, dos trabalhadores rurais, dos pobres e
sujeitos anônimos.
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