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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

22/05/2008
Religião
HERANÇA VINDA DO OUTRO LADO DO OCEANO

Cento e vinte anos depois da abolição da escravatura, os cultos africanos continuam fortes em Alagoas, mantendo vivos antigos rituais

Por Isaac Moraes

No ano em que se comemora 120 anos de abolição da escravatura, uma reflexão sobre o destino dos descendentes de africanos e do que foi feito da sua cultura é inevitável. Não é novidade saber que grande parte da população que habita as favelas e encontra-se na marginalidade é constituída por negros e que, se hoje não existem mais senzalas, há outras prisões a fazer sofrer gerações distantes de escravos. No entanto, é na religião que ainda se mantém, mesmo com todas as influências absorvidas no Brasil, uma ligação de alguns negros de hoje com o continente africano, separados não só pelo Oceano Atlântico, mas também por anos de sofrimento e saudade. O candomblé aparece no Brasil, maior país católico do mundo e de inúmeras igrejas evangélicas, como uma religião alternativa e antiga.

Quando os primeiros navios negreiros aportaram aqui, na maioria das vezes com menos da metade da quantidade de pessoas que tinha quando saía da África, chegaram também os primeiros arquivos vivos de uma região imensa, onde as forças da natureza eram reverenciadas e existiam reis e rainhas, tanto quanto nos palácios europeus. As civilizações africanas serviram de reserva escravista portuguesa durante muito tempo, pois era lá que existia a mão-de-obra certa para trabalhar na nova terra a ser colonizada, quando os indígenas entenderam e sentiram na pele o verdadeiro objetivo da invasão portuguesa, causando problemas aos colonizadores.

Foi no ambiente hostil das senzalas que surgiu aqui o som dos primeiros atabaques e os primeiros cânticos aos orixás, inquices e voduns, denominações das nações Yorubá, Banto e Gêge respectivamente, que são a energia da natureza e a força viva dos elementos. Logo esse primeiro contato com a antiga religião assustou os Senhores de Escravo que, da Casa-Grande, ouviam com temor o som das festas e rituais. Iniciou-se a partir daí uma série de repressões, que duram até hoje na forma de um preconceito velado. Quando foi negado aos antigos escravos o direito de reverenciar seus orixás, foi-lhes negado também a liberdade de culto, de expressão e de respeito, destinando-os a um estigma que acompanha a religião do candomblé até os dias de hoje.

UNIÃO CONTRA O PRECONCEITO – Os Quilombos, aldeias formadas por negros fugitivos das senzalas, eram uns dos poucos lugares onde existia liberdade de manifestação. O principal deles ficou em Alagoas, na Serra da Barriga, em Palmares, e era liderado por Zumbi. Em 1912, por questões políticas, aconteceu a “Quebra de Xangô”, que foi uma destruição de terreiros e barracões de Maceió, um ato violento e repressivo que deixou marcas profundas. Alguns seguidores da religião, após a Quebra, migraram para os Estados mais próximos como Pernambuco e Sergipe, levando a nação Xambá, típica de Maceió, para esses lugares. Hoje, em Alagoas, os filhos desses e de tantos outros seguidores do candomblé sofrem ainda perseguição e intolerância. Os terreiros se multiplicam pela cidade e quanto mais o tempo passa, mais sofrem variações em seus cultos, distanciando-se das verdadeiras raízes.

Com o crescimento da cidade e do número de terreiros, foi necessário que se estabelecesse uma organização entre os praticantes do candomblé com a criação de um código de ética e de um registro em órgãos responsáveis por essa ordem de inspeção. Como a Federação Zeladora dos Cultos em Geral no Estado de Alagoas, que hoje possui em torno de 400 terreiros cadastrados. Paulo Silva, diretor da Federação, expõe a necessidade da existência do órgão: “É bom termos uma organização na nossa religião para um melhor andamento dos trabalhos. Na minha gestão foi criado um conselho, onde nós tentamos resolver da melhor forma possível os problemas que surgirem, como por exemplo, qualquer falta de ética de Babalorixás e Mães-de-Santo que nos seja comunicada ou qualquer ato de violência contra os praticantes do candomblé no Estado. O preconceito em Maceió, mesmo com todos os avanços, ainda é muito grande, então a união é necessária para que haja também respeito”.

Existe hoje em Alagoas terreiros descendentes de diversas nações. Segundo Paulo Silva, predomina em Maceió as nações Ketu e Gêge, já nos municípios do interior o domínio é das nações Nagô e Umbanda. Os adeptos são inúmeros, e suas festas vão desde a “feitura de cabeça”, que corresponde a uma espécie de iniciação dentro da religião, ou a festa dos orixás no seu tempo específico, como a festa dos Ibejis, crianças gêmeas, onde se distribui balas e doces e que, no sincretismo religioso, são conhecidos por São Cosme e São Damião.

Um dos terreiros tradicionais no Estado e que mantém as raízes africanas do candomblé é o Ilé N’ifé Omi Poá, na Pajuçara, presidido pela Iyalorixá Mirian de Souza, conhecida na religião por Iabinã. Mãe Mirian é pessimista em relação ao preconceito que existe contra os seguidores da religião: “Acho que esse tipo de atitude nunca vai acabar. Sempre somos hostilizados quando andamos paramentados na rua e nossos terreiros são chamados, principalmente por evangélicos, de “casa do diabo”. Isso é um absurdo, queremos ser respeitados da mesma forma que respeitamos. Na minha casa eu cultuo as forças da natureza e não magia negra, trabalhos de esquerda, que aliás contribuem bastante para que esse preconceito se fortaleça, devido a falta de esclarecimento por parte de alguns seguidores. O candomblé é uma religião que veio de baixo, mas muita luta de movimentos, como o Movimento Negro, que organiza palestras e debates, combate bem essa ignorância”.

Na busca pelo respeito e organização, os terreiros e barracões estão procurando interagir com a comunidade, criando cursos, promovendo serviços para que toda solidariedade e união presentes no candomblé tenham continuação fora do terreiro. É o caso do Barracão “Casa de Iemanjá”, ou Núcleo de Cultura Afro-Brasileira Iyá Ogun-té, presidido pelo Babalorixá Célio Rodrigues ou Omintologi. Pai Célio Rodrigues foi destinado, com três dias de nascido, a dar continuidade aos trabalhos de sua avó, Maria Rodrigues, conhecida como Maria Garanhuns.

Com a morte desta, assumiu o posto de organizador e Babalorixá do Barracão aos 16 anos, no fim dos anos 1970. Formado em história, trouxe nos anos 1980 os saberes acadêmicos para dentro do Barracão, transformando-o numa ONG em 1984, quando começaram os trabalhos sociais. Em 1996 surgiu na Casa de Iemanjá o primeiro grupo de dança afro de Alagoas, o Ekodidé, e também aulas de capoeira. Em 2006, devido à participação efetiva na comunidade, torna-se ponto de cultura, tendo até mesmo um jornal de circulação interna, o Odô Iyá - O jornal do Axé, feitos pelos próprios membros. Segundo Pai Célio, foi pela cultura e pelos trabalhos sociais que o núcleo adquiriu respeito e o carisma da sociedade:

“Foi através da cultura e com nossa participação dentro da sociedade, através de serviços e trabalhos sociais, que conseguimos o respeito e o carinho da população. A cultura foi o nosso principal veículo para esse fim. Tudo que conseguimos foi com muito trabalho, desde as mudanças e reformas do Barracão, até a titulação de Ponto de Cultura. E estamos com muitos outros planos, como um laboratório de informática para inclusão digital e uma sala de leitura, para incentivarmos a população nesse ato primordial da educação”.

Para os que fazem o Núcleo de Cultura Afro-Brasileira Iyá Ogun-té, religião e solidariedade andam juntas. O primeiro passo para se conseguir que a sociedade respeite o candomblé enquanto religião é com organização, trabalho e força nos orixás.

“Candomblé é sim uma religião, pois temos ritos, mitos e dogmas; nosso objetivo principal é o culto à natureza e é através dele que conseguimos força de vontade para realizar nossos trabalhos culturais e sociais. Nós não queremos adeptos. Queremos respeito”, afirma Pai Célio.

O candomblé está num período de renascimento. Vem, mesmo com todas as interferências e influências pelas quais foi tocado durante tanto tempo, se mantendo de pé. Seus descendentes estão resgatando as verdadeiras raízes e razões da religião, divulgando a consciência e o verdadeiro respeito e seriedade necessários para andar de cabeça erguida no mundo atual, dedicando-se ao culto da natureza e ao respeito e amor pelo próximo, que é o verdadeiro sentido do candomblé desde a África. Pelo jeito, continuará sendo.

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