Há 90 anos, nascia o cinema alagoano. O
Jornal de Alagoas, em 12 de janeiro de 1919, anunciava, na grafia da época, a chegada daquele que seria o precursor da sétima arte no Estado: “Os exímios artistas photographos Rogat & Spá vêm de inaugurar no Theatro Cinema Floriano a sua magnífica exposição de retratos em esmalte. [...] Recommendamos ao público de Maceió os trabalhos [...], que tão excellentes e que attestam perfeitamente os seus dotes de artistas”. Era o italiano Guilherme Rogato que veio a Maceió, com seu amigo argentino Ramom Spá, para promover uma exposição de fotografia em esmalte.
Dois anos após o fim da amostra, Rogato retornava à capital, para instalar um ateliê de fotografias, trazendo na bagagem estranhos instrumentos: eram máquinas de fazer “cinema”. Não demorou muito, a terra estrangeira lhe inspirou novos filmes. Era abril de 1921, quando a população pode contemplar, no Cine-Teatro Floriano, as primeiras produções audiovisuais alagoanas: os documentários em curta-metragem, intitulados Carnaval de 1921 e A Inauguração da Ponta de Cimento em Victória.
De lá pra cá, o cinema alagoano passou por várias fases e por profundas transformações em sua estética, como afirma Elinaldo Barros, no livro Panorama do Cinema Alagoano. Porém, mesmo contando com mais de 200 títulos, as produções audiovisuais do Estado ainda são pouco conhecidas pela maioria da população, que acredita serem quase nulas ou inexistentes.
Werner Salles, 39, um dos diretores locais mais importantes, revela que, para trabalhar com o audiovisual é preciso ter, sobretudo, paixão. “Essa não é uma área fácil, há muitos obstáculos. Principalmente, devido a Alagoas ser um dos únicos dos Estados brasileiros que ainda não possuem uma política pública para o audiovisual”, desabafa. Apesar das dificuldades, Salles reconhece que os novos realizadores e as boas iniciativas têm impulsionado a produção no Estado.
Sua história
A história do audiovisual em Alagoas pode ser dividida em três fases. A primeira refere-se aos filmes produzidos por Guilherme Rogato e pelo cinegrafista pernambucano Edson Chagas. Esse período é marcado pela realização de dois longas-metragens: Terra das Alagoas, exibido em 1927, e Casamento é Negócio?, produzido pela empresa Gaudio-Films, liderada por Rogato, em 1933. Outro fato importante foi a criação da empresa Alagoas Film, que contava com a presença de Aurélio Buarque de Holanda, Guedes Miranda, Manuel Diegues Junior, Jaime de Altavila, José Lins do Rêgo.
Depois da morte de Rogato, em 1966, o cinema alagoano atingiu sua fase moderna. Nessa época, a empresa cinematográfica Caeté Filmes do Brasil começava suas atividades, dirigida por José Wanderley Lopes. Esse seria o empreendimento, na área de cinema, mais duradouro em terras alagoanas. O aparecimento da bitola Super-8 foi um dos eventos mais significativos dessa fase. Os estudantes descobriram que ela poderia ser usada como uma ferramenta para prática de cinema. Carlos Bezerra Brandão foi o primeiro a ousar, dirigindo o filme A Busca, em 1972.
Durante esse período, a modernização no sistema de transportes modificou a estrutura socioeconômica de Penedo. Houve um acentuado declínio econômico e a cidade caiu no ostracismo. Até que a professora Solange Berad Lages, à frente do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura, criou o Festival do Cinema Brasileiro de Penedo. O festival teve oito edições consecutivas, e contemplou vários realizadores de produções em Super-8, bem como em 16 e 35 mm. Dessa forma, a cidade retornou ao cenário cultural alagoano.
O evento tinha como objetivo colher e incentivar as produções iniciais do “superoitismo” alagoano. A primeira edição foi realizada no período de 9 a 12 de janeiro de 1975 e contou com seis trabalhos inscritos. No quinto festival, foi admitida a participação de produções de todo o Brasil. Por conta disso, essa edição teve recorde de inscritos, superando as anteriores e, também, as posteriores. Após uma pré-seleção, devido ao grande número de inscritos, o evento apresentou ao público 15 produções audiovisuais.
A oitava edição do Festival do Cinema Brasileiro de Penedo, em 1982, foi também a última. Pedro da Rocha, que há 23 anos trabalha com o audiovisual em Alagoas, estava presente na última edição e explica o motivo do fim do festival: “Em conversa com o Elinaldo, comentávamos que no último Festival foi produzido um documento, a Carta de Penedo, que preconizava não apenas a continuidade do evento, mas estabelecia um pólo de produção no Estado. Porém, a continuidade do Festival não foi possível. Percebemos que o motivo para a extinção dele foi o argumento de que Penedo não tinha a estrutura para continuar realizando mais edições”.
Os festivais de cinema de Penedo chegaram ao fim, mas a produção cinematográfica não parou. Surgiram novos diretores e filmes em diferentes gêneros, estilos e plataformas, que conseguiram obter grande projeção local e nacional. A partir deste momento, iniciou-se a fase contemporânea do cinema alagoano.
Dentre os diretores contemporâneos de maior destaque estão: Celso Brandão, que participou da primeira até a última edição do festival; o professor paraibano Pedro Nunes Filho, que lecionou até 2006, na Universidade Federal de Alagoas (Ufal); o professor universitário da Ufal, Almir Guilhermino; Pedro da Rocha, produtor independente; o publicitário Werner Salles Bagetti; os diretores premiados com o Doc TV AL, como Hermano Figueiredo e Arilene de Castro.
O "G5" do cinema alagoano
O termo foi criado pelo professor e crítico Elinaldo Barros para designar o grupo de cinco diretores que produzem audiovisual com muita técnica e qualidade, hoje, no Estado. Ele é composto por Almir Guilhermino, Celso Brandão, Hermano Figueiredo, Pedro da Rocha e Werner Salles. Elinaldo avalia positivamente a produção alagoana: “Ela vai bem, temos coisas interessantes. Há algumas pessoas que ganham maior destaque que outras, mas todos fazem coisas significativas”.
Pedro da Rocha iniciou a experiência como diretor em 1987. De acordo com ele, sua carreira pode ser dividia em duas fases. “A primeira foi a que eu produzia vídeos publicitários, onde não se é autor, porque o produto final é definido pelo cliente. Só passei a viver experiências mais satisfatórias como diretor quando comecei a fazer o cinema autoral, que foi um documentário chamado Em Nome do Pai, do Filho, e da Folia, que inclusive ganhou uma amostra realizada aqui”. Atualmente, ele está trabalhando na produção de uma ficção, chamada Sol Encarnado.
Hermano Figueiredo e Werner Salles fazem parte do grupo de diretores que foram contemplados no concurso de roteiro Doc TV AL, promovido pela TV Cultura de São Paulo, da Fundação Padre Anchieta, com o apoio do Instituto Zumbi dos Palmares (IZP). “Minha experiência é de três documentários, dois (Imagem Peninsular de Ledo Ivo, em 2004, e História Brasileira da Infâmia – Parte Um, em 2005) para o canal TV Cultura, e um que estou fazendo agora, Interiores ou 400 Anos De Solidão. Ele deve ficar pronto ainda em 2011”, conta Salles, contemplado duas vezes pelo Doc TV AL.
Almir Guilhermino, 53 anos, é um dos poucos cineastas alagoanos que tiveram a oportunidade de dirigir um curta-metragem em 35 mm. Ele começou a carreira como diretor em 1983, e veio retornar as atividades em vídeo três anos depois, quando foi fazer mestrado, na Escola de Comunicação e Artes (Eca) da Universidade de São Paulo. “Em 86, ganhei um prêmio da Embrafilme, e pude fazer um curta em 35 mm, chamado Tanas’s Take. Eu só vim fazer outro filme em 95. Nesse ano, montei uma produtora para mim. O nome dela era Grift Imagem. Fiquei dentro do mercado de 95 até 2006. Depois abandonei a produtora, para me dedicar mais ao cinema”, disse.
Cadê o incentivo?
No primeiro semestre de 2010, o Governo do Estado de Alagoas, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), promoveu um edital de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas. Foram cinco projetos contemplados, voltados para a criação de curtas metragens de 7 a 15 minutos. O prêmio teve um valor total de R$ 75 mil, originários do orçamento do Fundo de Desenvolvimento de Ações Culturais (FDAC), e foi distribuído em cinco premiações, cada uma no valor de 15 mil reais.
O jornalista Rafhael Barbosa, 26, teve o projeto de curta metragem, KM 58, contemplado pelo edital. “É fundamental que haja políticas de incentivos à produção audiovisual em Alagoas. E, nós, como profissionais da área, temos que nos articular e prestigiar essas ações. Eu espero muito que surjam outros editais, com verbas maiores, porque essa foi muito pequena”, disse.
Nesse sentido, Werner analisa com otimismo a iniciativa de caráter artístico-cultural. “Foi o Doc TV que começou a abrir as portas para a realização de documentários. É quando, Alagoas passa a surgir no cenário nacional. O governo está começando a entender que essa é uma política que não pode ser abandonada. Ela deve ser quase que uma obrigação. Mesmo sendo bem modesto, o que esse edital se propõe já é uma vitória para a gente. Não é mesmo?”
Opiniões divergentes
Quando o assunto é a qualidade da produção audiovisual de Alagoas, as opiniões começam a divergir. Almir, por exemplo, considera a produção local “pequena e ínfima”. Ele ressalta que apesar de terem surgido novos filmes, apenas dois foram rodados em 35 mm. “Nesse formato, só existe Casamento é Negocio?, feito por Rogato, em 1933, e A Volta da Violência, nos anos 70, de Wanderley. Todas as outras tentativas ficam no plano do curta. No entanto, de 2005 para cá, com o processo digital, as pessoas começaram a fazer vídeo e confundiram que estavam fazendo cinema”.
Já Pedro da Rocha defende que o cinema alagoano é privilegiado, principalmente do ponto de vista dos realizadores. “Um cinema com Hermano Figueiredo, Werner Salles, Almir Guilhermino, Celso Brandão e um produtor como José Wanderley, nos dá, sem sombra de dúvidas, muito para nos orgulharmos. O problema é que, num Estado como esse, nós somos dependentes de ações dos órgãos de cultura do Governo do Estado. Apesar das dificuldades, eu tenho orgulho de falar o que nós conseguimos fazer”, afirma.
Mas ambos os cineastas concordam que todas as adversidades superadas pelos diretores alagoanos demonstram que a sétima arte exige, acima de tudo, muita paixão. E é a perseverança dos realizadores, diante das dificuldades, que conduz os capítulos da história do cinema local a um final feliz.
*Professor (a) Coordenador (a): Andréa Moreira Gonçalves de Albuquerque