Chaves existe desde tempos imemoriais. Difícil apontar a geração que viu a estréia desse programa jurássico, que ainda ocupa lugar de honra na grade vespertina do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Que, aliás, é comandado a mão-de-ferro por outra figura pré-histórica, dotada de peruca cor acaju e de um sorriso postiço perturbador: o apresentador dos programas “Qual é a música?” (!) e “Baú da Felicidade” (!!), Sílvio Santos.
A TV Globo dedica 1/3 da programação e quase todo o horário nobre para transmitir dramalhões vazios e repetitivos, repletos de desdobramentos previsíveis. Salpica aqui e ali temas de interesse social, com um verniz educativo, e se promove em spots publicitários sobre seu papel no esclarecimento de temas do debate público.
Quando não está “a caminho da liderança”, copiando o modelo global, a Rede Record de imediato se exime da responsabilidade pela veiculação da programação religiosa de seus acionistas. Diz, de cara: “O conteúdo que será exibido é de inteira responsabilidade de seus produtores”. E lá vem: é a “Fogueira Santa de Israel”, o “Tapete de Fogo” e a “Sessão do Descarrego”.
Pesquisa realizada em outubro deste ano pelo Instituto CNT/Sensus quantifica o que já é senso comum: 76,1% dos brasileiros recorrem à televisão como principal fonte de informações. Quase 95% dos brasileiros possuem televisão em casa, um eletrodoméstico ainda mais comum que a geladeira.
Diante disso, cabe a pergunta: a programação televisiva tem cumprido o papel que lhe confere a lei, de ser vetor de cultura e educação? De contribuir para a formação social do brasileiro? A resposta, todos conhecemos.
Outro senso comum é a baixa qualidade da nossa telinha. Em mais um comportamento bem tupiniquim, reclamamos em público, consumimos em privado. A mediocridade comercial é a regra e todos se submetem. Fomos ensinados a gostar da perversão, da sexualidade, da violência. Com o tempo, a exploração desses temas rendeu lucro garantido e o modelo se perpetua. Um exemplo de desserviço à sociedade brasileira, cabalmente negligenciada pela mansidão de um Congresso comprometido.
A partir de hoje (2 de dezembro), o público terá mais um opção no controle remoto. Além da TVE, o telespectador poderá sintonizar a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) ou TV Brasil, emissora pública federal. Nos moldes da BBC de Londres e TV5 francesa, os princípios da diversidade e regionalização cultural, serviço, interatividade e formação didática irão fundamentar a programação da EBC. Segundo o diretor-geral da empresa, Orlando Senna, está sendo preparada, para a inauguração, uma grade com dezesseis horas diárias de programação, "sendo oito horas de produção interna, quatro de produção regional e quatro de produção independente".
No oligopolizado reino da radiodifusão, uma idéia maluca como uma TV Brasil, para onde serão canalizadas pesadas verbas publicitárias é de causar arrepios. Por trás da ferrenha oposição ao funcionamento da TV Pública se escondem as mais diversas e escabrosas pretensões. A guerra comercial vai dos índices de audiência à diminuição das verbas publicitárias. As grandes emissoras já se mobilizam, esbravejando nos meios impressos que a TV Brasil é “chapa-branca”, é a TV de Lula (Folha de S. Paulo, outubro), a TV Petista, TVE federal (Época, setembro). O articulista da Época, revista semanal da Editora Globo (!), chega a classificar como “falsa necessidade” a criação da TV pública que, para ele, é mais uma forma de “queimar o dinheiro público, os recursos que saem do seu bolso e do meu”.
São inúmeros os riscos, mas ainda maiores são as oportunidades. O governo petista ganhará um veículo para defender seus interesses? Provável, afinal a receita da TV será proveniente do orçamento da União. Por outro lado, a grade será formatada por meio de consulta popular. Também haverá retransmissão da programação local, comunitária e regional. Vendo a oferta atual, me parece, é só uma opinião, que devemos dar uma chance à TV Brasil/EBC.