Helena Souza, 28, professora, 7 meses de gestação. Maria José Nascimento, 20, estudante, 5 meses de gestação. Clarissa Santos, 30, funcionária pública, 8 meses de gestação. Três mulheres de classes sociais diferentes, mães de primeira viagem, e um objetivo comum – parto normal. Marcos, Luisa e Sérgio, respectivamente, virão ao mundo, a depender das mães, pelos processos fisiológicos delas – sem cortes, sem seringas, sem agulhas.
Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 3 milhões de bebês nascem no Brasil por ano. Sendo que quase 2,1 milhões nascem nas unidades de Sistema Único de Saúde (SUS). Deste total, 1,4 milhão correspondem a partos normais e 670 mil cesáreas. Ou seja, cerca de 45% deles vêm ao mundo por meio de cesarianas, dado que coloca o País em primeiro lugar no ranking mundial. Mas, como quase sempre, as diferenças sociais dividem a Nação. A cada 100 partos feitos pelo Sistema Único, 26 são cirúrgicos. Tudo se inverte no sistema privado, no qual a incidência de cesárias salta para 80%. Esses dados estão muito acima dos 15% admitidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Nos Estados Unidos, 26% dos partos são cirúrgicos. Na Inglaterra, alcançam 19%. Na Holanda, 14% o ideal estabelecido pela OMS. Medo da dor, falta de informação sobre os riscos envolvidos, a opinião do médico e a ansiedade pelo nascimento estão entre as principais razões pelas quais as brasileiras optam por uma cirurgia. Dados da própria OMS e do Unicef indicam que 380.000 é número de complicações na hora do rebento nascer.
Por meio do SUS, os postos de saúde começaram a incentivar a procura por casa de parto. Nelas, o procedimento gratuito é feito por parteiras, sem intervenções médicas como anestesia ou aplicação de soro. No plano particular, a presença da doula – uma acompanhante preparada para instruir a gestante durante o parto – é cada vez maior, bem como partos domiciliares, assistidos ou não por equipe médica.
A medida faz parte de um conjunto de normas para maternidades, uma parceria entre o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e vale para a rede pública e privada. As unidades de saúde serão orientadas a estimular a evolução natural do trabalho de parto e adotar medidas para aliviar as dores da grávida, sem necessariamente usar medicamentos.
De acordo com o Ministério da Saúde, o objetivo é promover estruturas nas unidades de atenção obstetrícia e neonatal, além de controlar os possíveis riscos à gestante e ao bebê, reduzindo os índices de mortalidade materna e de recém-nascidos. Hoje, 43% das gestantes preferem a cirurgia.
O foco da campanha também são os médicos que muitas vezes estimulam a cesariana para ter menos trabalho. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, diz que cabe ao profissional explicar a paciente que natural é o parto normal. “Tudo isso se resolve num diálogo franco, com educação, com informação tranquilizando essa mãe e mostrando o contrário: o parto normal tem todas as vantagens possíveis de todos os pontos de vista. Então o profissional médico é fundamental nesse processo”, ressalta o ministro.
Às vezes os próprios médicos estimulam a cesárea, tornando-se questão de cultura. O acompanhamento e a paciência para o parto normal não são ensinados nas faculdades. Por exemplo, em Maceió, os maiores hospitais particulares cobram entre R$ 1.000 a R$ 1.700 por um parto normal assistido; enquanto que os mesmos hospitais, em se tratando de cesáreas, cobram entre R$ 2.900 a R$ 3.500. “Os valores são obstáculos”, se defendem as três mamães do começo desta reportagem. “Mesmo assim, ter ciência de que é você quem está, com as próprias forças, trazendo seu filho para a vida é uma dádiva sem comparação”, diz a professora Helena que optou pelo parto normal ao tomar conhecimento dos benefícios de ambas as partes.
ANTES E DEPOIS DO PARTO – Roberta Marcinkowski é música e tem uma filha de 2 anos. E também optou por um parto normal, isto é, não cirúrgico. Depois da experiência, resolveu criar um site – www.partodoprincipio.com.br – onde dialoga e troca informações com diversas parturientes, esclarecendo dúvidas e promovendo incentivo ao parto natural. Investidas como essa disseminam não somente o apoio, por parte, da consciência feminina, mas também convida o leitor a artigos científicos e ensaios sobre os benefícios de um parto normal.
O professor da Universidade Federal de São Paulo Jorge Kuhn, obstetra e grande defensor do parto natural, diz que “ só o esclarecimento não é suficiente. É necessário inserir a parteira no acompanhamento das grávidas”. E acrescenta que “um médico não é a pessoa mais indicada para acompanhar a evolução de um parto normal”. Nos países europeus, a parteira é quem observa e diz se é ou não pertinente um olhar médico para socorrer uma grávida. “Existe um preconceito no Brasil em relação às parteiras”, sinaliza.
“A cesárea tem o tempo determinado, é quase uma técnica. O parto [normal] é uma arte”, defende Kuhn. A maioria dos médicos, por receio, indicam o parto cirúrgico, uma vez que quase sempre é dele a via do parto. Por isso a mulher tem que ser bem esclarecida sobre os riscos de uma cesárea. Um dos grandes mitos é que depois de um (ou mais) parto cirúrgico a mulher não possa fazer o normal – “ela tem grande chance, por volta de 70% a 80% de realizá-lo. Preparamos um quadro comparativo (abaixo).
CESARIANA
Como é feita: Diretamente no hospital, com anestesia (ráqui ou peridural). Faz-se um corte de 8 a 10cm no sentido transversal, parte baixa do ventre, beirando os pelos pubianos. Depois uma equipe multidisciplinar participa na condução do bebê. Além do hospital contar com UTI adulto e neonatal, respirador, medicamentos e banco de sangue.
Boa para o bebê: É menos traumática. Evita que fique presa (se já estava enrolada) no cordão umbilical, por exemplo. Se for muito grande ou se a mãe apresentar alguma doença infectocontagiosa (HIV, herpes).
Boa para a mãe: Se o bebê for muito grande, pois evita dificuldades entre as proporções da mãe e da criança (pelve e cabeça). Ou então, se a mãe sofrer de diabetes ou hipertensão.
Quando não é recomendada: Quando não exigir razões clínicas e mãe e bebê estiverem saudáveis.
NORMAL ou NATURAL
Como é feita: Corriqueira em hospitais e maternidades, com ou sem aplicação de anestesia ou drogas indutoras (de dilatação da região pélvica). Desde que o parto tem acompanhamento médico.
Boa para o bebê: Segue o caminho natural da vida, a não ser que seja prematuro. Ajuda na expulsão de secreções das vias respiratórias, facilitando a respiração, uma vez que o pulmão se expande lentamente após o parto.
Boa para a mãe: Além do prazer emocional é menos complicada – a recuperação é mais rápida e não há risco de infecções ou sangramentos decorrentes do parto
Quando não se deve fazer: Quando mãe ou bebê estiverem com problemas e necessitarem de intervenção cirúrgica.