No estúdio da rádio, a conversa rola solta, entre brincadeiras e risos que até parecem trocados por amigos de longa data e não apresentadora e convidados. Só quando vem o aviso de que vai começar a gravação é que o silêncio se faz, permitindo aos que são recebidos um gostinho atenuado de ansiedade. A locutora, naturalmente, está em seu ambiente natural, e não aparenta qualquer nervosismo. Então, começa o programa e, surpresa: volta a conversa descontraída, a brincadeira e o improviso, como se estivessem “tomando café na cozinha da casa”. E esse ar de conversa casual e relaxada sem roteiro é o ponto mais forte do programa da Rádio Educativa,
Vida de Artista, que há mais de 25 anos divulga o trabalho de artistas alagoanos, brasileiros ou até estrangeiros para os ouvintes do Estado, já tendo ganhado prêmios como o Alberto Pacheco de Rádio, duas edições do prêmio da revista eletrônica Espia e o prêmio Catavento de Jornalismo Cultural.
A jornalista Gal Monteiro, que há 11 anos apresenta o programa, é uma das principais responsáveis pelo tom que caracteriza o Vida de Artista, sempre defendendo que o espaço não é para “estrelas”, mas para pessoas talentosas falarem sobre o que fazem e engrandecerem o conhecimento do povo alagoano que, muitas vezes, desconhece os frutos de sua própria terra. Ela conta que a data exata do início do programa de rádio não é conhecida, embora as pesquisas apontem para o ano de 1984, e que de início, a proposta era bastante acanhada. “O programa era gravado e só recebia um músico por vez. Hoje é ao vivo e vêm artistas de várias áreas e muitos participam de um mesmo programa”, esclarece.
Outro destaque do Vida de Artista, de acordo com Gal, é a ausência de censura sobre o que os artistas falam, a liberdade de opinião. “Sempre achei que tinha que ser um espaço muito aberto”, ela diz. Essa liberdade e esse clima acolhedor foram o que atraiu tantos convidados, que, de chamados pela equipe, passaram a ligar perguntando se poderiam participar, ou a simplesmente aparecer, num processo que a jornalista diz ter sido muito natural. Ela lembra também da época em que, antes da mudança para o novo prédio, o programa era feito num estúdio de espaço muito limitado, apenas com ela e a operadora, mas que chegou a receber uma dúzia de pessoas de duas bandas diferentes para um único programa: “Tinha pessoas literalmente sentadas no colo umas das outras dando entrevista. E com os instrumentos também!”.
Gal fala com muito carinho da fase ao vivo do programa, que foi interrompida mais recentemente, mas que pretende retomar quando possível. Nessa época, muitas pessoas telefonavam rotineiramente para elogiar o Vida de Artista e a sua apresentação, e foi com um determinado episódio que a jornalista passou a ter a consciência do alcance que seu trabalho possuía, quando recebeu uma ligação de um ouvinte que estava num bar do bairro do Benedito Bentes em que, segundo ele e vários gritos no fundo da ligação, todos estavam ligados no Vida de Artista. Nesse mesmo dia, ela recebeu ligações de pessoas no bairro de Ponta Grossa, no Francês e na Barra Nova. “Eu fiquei boba de ver o alcance que a rádio estava tendo, e que o programa estava tendo nos diferentes segmentos da sociedade.” Essa notícia foi motivo de alegria por saber que havia um alcance tão eclético, mas também para a preocupação de como equacionar o conteúdo de forma a atingir tantos setores diferentes. Mas Gal logo se deu conta de que só precisava continuar sendo ela mesma: “Eu não faço nenhum personagem. Eu me divirto fazendo o Vida de Artista e essa diversão não seria a mesma coisa se não fosse comigo mesma.”.
TRISTEZA PELO AFASTAMENTO – As histórias são muitas em 11 anos de programa: de quando um casal de namorados reatou por conta de um especial do dia dos namorados, de quando aparecia um artista que ela não conhecia e o produtor tinha que passar um papelzinho com nome e informações, entre inúmeras outras, como as várias visitas memoráveis de artistas alagoanos – Poeira Nordestina, Wado, Eliezer Setton, Coretfal, Nelson da Rabeca, entre outros, – ou de outros Estados ou países – Hermeto Pascoal, Lô Borges, Pedro Paulo Rangel, solistas da primeira ópera montada em Alagoas (A Flauta Mágica, de Mozart), oriundos de vários Estados brasileiros, Argentina e Uruguai, Camerata da República Tcheca e outros. Mas o acontecimento mais triste para Gal foi o período em que ela permaneceu afastada do programa porque uma ex-procuradora do Instituto Zumbi dos Palmares entendeu que ela estava desviada de função, quando na verdade a jornalista cumpria suas funções como editora de texto na Educativa e fazia o Vida de Artista voluntariamente.
“O programa saiu do ar e ficou quase três 3 anos sem ninguém no meu lugar, por uma questão de ética”, conta Gal, acrescentando que, na época em que fez o que seria seu último programa, ficou firme na decisão de não mentir para os ouvintes, e dizer a verdade. “Nesse período, houve um grande movimento na internet entre os artistas, organizado por Sóstenes Lima, em que se criou um abaixo-assinado eletrônico pedindo a minha volta.” Finalmente, em 12 de março de 2010, ela retomou o programa de rádio – tendo iniciado a versão para a TV em maio de 2009, com um formato um pouco diferente –, no momento, gravado, mas com a intenção de voltar ao modelo ao vivo.
Gal acredita que o que faz o Vida de Artista tão forte é o fato de ele ser um espaço para que os convidados divulguem livremente não só o seu trabalho, mas também suas opiniões, seus pensamentos como artistas, e também como cidadãos, num ambiente acolhedor e verdadeiramente próximo do público, o que é extremamente importante para desmitificar a imagem de artista, mostrando seu lado humano. Gal ainda tem vários planos para o Vida de Artista, como uma proposta antiga de levá-lo ao auditório Linda Mascarenhas para ser gravado com uma platéia, com a presença de jornalistas, professores, e principalmente estudantes, para que possam conhecer os artistas da própria terra. Enquanto essas ideias não se concretizam, ela continua apresentando o programa toda sexta-feira, às 5 da tarde, na Rádio Educativa, mantendo o espaço aberto para quem quer que deseje vir expor seu trabalho e suas ideias. “Como dizia Graciliano Ramos” cita ela, “‘quanto mais você é regional, mais universal você é’. E a missão da gente tem sido essa, tem sido procurar cumprir com essa proposta. A ideia é continuar sempre encarando novos desafios, programa de auditório é uma coisa que eu passei a vida toda querendo fazer... E vou fazer.”
O Vida de Artista carrega nas costas o enorme papel de divulgar a arte alagoana para os alagoanos, e a cada programa, Gal Monteiro tenta passar essa mensagem de forma clara para o público. “Vá conferir.” Ela diz. “Não engrosse a fileira dos ignorantes que torcem o nariz para a arte alagoana só porque é feita aqui. Vá lá checar. Se você não gostar, saia falando mal, mas não critique a priori porque isso é atestado de ignorância. Vá lá ver.”