Foi aos 8 anos de idade que Evelton Ferreira recebeu o convite para participar de seus “primeiros encontros com Deus”. Uma catequista, que passava pela rua onde o menino brincava com os amigos, chamou-os para fazer a Primeira Comunhão, um dos sete sacramentos da Igreja Católica. Hoje, ao contar a história, Irmão Evelton demonstra a mesma frustração, que, provavelmente, tomara conta dele quando ainda era apenas uma criança: ”Todos foram, menos eu!”, declara, com um certo ar de melancolia.
Todavia, o jeito brincalhão do jovem não o deixou amuado por muito tempo e ele logo começou a rir da situação ao lembrar-se que, posteriormente, apenas ele permaneceu comparecendo aos encontros de catequese. O que, a princípio, começou como uma simples vontade de “não ser excluído da turma”, tornou-se uma grande ânsia de “aproximar-se, cada vez mais, de Deus.” Me fixei na igreja, criando grupos, mas só isso não me bastava, queria algo mais!”, complementa o ex-professor de filosofia e sociologia, que abandonou o magistério para seguir a vida religiosa.
Antes de fazer os votos de pobreza, obediência e castidade, Evelton, que hoje divide uma pequena casa, no bairro do Poço, com os membros da comunidade Cáritas, fundada por ele, há 7 anos, morava com a mãe e repartia com ela as despesas da casa. Agora, a grande diferença é que nem ele, nem os outros membros da comunidade – uma religiosa e um casal que está em processo de “discernimento vocacional” –, possuem uma renda fixa, isso porque a consagração à vida religiosa exige dedicação exclusiva a Deus e ao próximo: os integrantes da Cáritas dividem seu tempo entre orações, evangelização e ajuda a outros jovens que, assim como eles, desejam seguir a religiosidade. Sendo assim, o grupo depende de doações para arcar com os gastos da casa.
EXPLICAÇÃO PSICOLÓGICA – Histórias como a de Evelton, que abandonou as diversões típicas da mocidade do século XXI, para abraçar uma vida de tantas privações, despertam a atenção de muita gente. “As pessoas se espantam quando olham para nós”, observa o religioso. Na verdade, o que muitos gostariam de entender é o porquê desses jovens optarem pela religiosidade. Para a psicóloga Fabiana Nascimento, um dos fatores que contribuem para que isso aconteça é a formação recebida pelo jovem durante a infância, “a influência sofrida ao longo da vida exerce um grande poder sobre nós”, afirma.
Em alguns casos, como o do seminarista Lavosier Almeida, 23 anos, que decidiu ser padre quando tinha apenas 15, a influência sofrida na infância é inegável. O jovem cresceu no seio de uma família católica, que não induziu sua escolha pelo sacerdócio, mas sempre lhe deu uma educação fundamentada nos princípios do catolicismo. “Fui batizado aos 11 anos, depois de ter passado pela catequese. Com 13 anos passei a integrar o grupo de acólitos (coroinhas) e aos 15 fui para o seminário, onde cursei o ensino médio e me formei em filosofia”, diz Lavosier. Hoje, o jovem ainda não foi ordenado padre, mas aguarda, ansiosamente, esse momento, enquanto vive a realização de outro sonho: o lançamento de seu primeiro livro, A ideologia Ufanista do governo ditatorial de Médici em uma perspectiva Marxista.
Se por um lado a escolha dos jovens pela vida religiosa pode ser explicada por sua formação, quando ainda crianças, por outro, como explicar, então, essa opção vinda de alguém que nunca conviveu com a prática religiosa? Esse é o caso da estudante do curso de dança da Ufal Joyce Santos, que, apenas aos 27 anos, passou a frequentar a Igreja Católica , influenciada por um amigo. “Minha mãe era aquela típica ‘católica não-praticante’, que nunca ia à Igreja, e meu pai era ateu”, afirma a estudante. Recentemente, Joyce sentiu o desejo de adotar a vida religiosa, mas confessa que a ideia de deixar a vida construída, até então, para trás, a assusta.
O caso de Joyce poderia ser explicado por outros fatores que, ainda segundo a psicóloga Fabiana Nascimento, influenciam na opção pela vida religiosa. O primeiro deles, é o momento pelo qual aquela pessoa está passando, pode gerar uma confusão na mente do jovem. O segundo é aquela vontade de mudar o mundo, típica da juventude, que pode ser constatada em uma das declarações da estudante Joyce Santos: “sempre gostei muito de ajudar ao próximo; por mais que seja uma pessoa reservada, quando precisam de mim eu nunca nego. Penso que meu caminho será o de ajudar os irmãos”.
EXPLICAÇÃO DA IGREJA – Enquanto as explicações da psicologia especulam o motivo pelo qual alguém resolve restringir sua vida à devoção a Deus e ao amor ao próximo, a explicação que a Igreja Católica fornece é espiritual. Segundo ela a vocação é a grande responsável pelo abandono da vida mundana constituída e pela entrega à religiosidade.
A palavra vocação descende do verbo latino vocare, que significa “chamar”. Portanto, para os católicos, a vocação consiste num chamado de Deus a buscar a santidade durante a vida na Terra. Esse chamado não acontece apenas para a vida religiosa e nem é restrito apenas a algumas pessoas.
De acordo com o Irmão Evelton Ferreira, a vocação pode ser despertada a qualquer momento: “Existe uma diferença entre você estar na Igreja e a Igreja estar em você, não existe idade nem ambiente para a vocação ser despertada, não precisa-se, necessariamente, estar na Igreja, alguém pode estar em um lugar e não ter acesso nenhum à religiosidade, mas mesmo assim sua vocação poderá ser despertada”, explica.
Além da vocação para a vida religiosa, onde o “vocacionado” faz os votos de pobreza, obediência e castidade, como é o caso de Evelton, existem a vocação para o sacerdócio, onde o padre viverá à imagem e semelhança de Jesus Cristo, e, por fim, a vocação dos leigos, que são os homens e mulheres que frequentam a Igreja, mas não são religiosos, esses têm a missão de constituir suas famílias embasados nos princípios do cristianismo.
Os motivos que levam alguém a optar pela religiosidade podem ser um ou inúmeros. O fato é que pelo menos uma razão todas essas pessoas têm em comum: a fé. Contudo, não se pode atribuir apenas a ela essa atitude que provoca tanta curiosidade naqueles que não se imaginam fazendo o mesmo. Largar tudo e correr atrás de seus ideais, sejam eles quais forem, é antes de tudo um ato de coragem, digno de admiração e respeito.