A invasão da sociedade ao espaço natural é iminente. Porém, agora, o homem começa a sentir os efeitos de suas ações, mas, apesar disso, permanece inerte, sem perceber que os fenômenos naturais que causam, muitas vezes, destruição, são apenas uma resposta a anos de degradação, extração e invasão desregradas.
A erosão costeira, fenômeno que ocorre em 2/3 das praias de todo o planeta é, principalmente, ocasionada pela ocupação de espaços que são chamados de áreas de domínio marítimo. O acontecimento gera, até mesmo, prejuízos financeiros a algumas pessoas, como ocorrido há alguns dias, na praia da Sereia, litoral norte do Estado de Alagoas, quando a maré invadiu e destruiu algumas barracas que funcionavam como bares e restaurantes.
Em levantamento feito no ano de 2007, pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), já apontava que praias por todo o litoral do Estado estavam em situação crítica. Só em Maceió, na época, já havia dez pontos de erosão, o que estava modificando a paisagem natural. No mesmo ano, foi realizado um seminário, promovido pela Superintendência Municipal de Obras e Urbanização (Somurb), diante da preocupação ambiental que surgia com a cultura voltada para uma vida costeira.
Foi estabelecido em legislação que, a partir do nível máximo de uma maré cheia, deve ser respeitada e mantida sem ocupação uma área que pode variar de 33 a 300 metros de largura, respeitando o espaço da vegetação de restinga – aquelas folhinhas se encontra na praia, ao longo da areia.
Porém, além de a natureza não ser habilitada a seguir legislações impostas pelo homem, que, inclusive contribui com este não cumprimento, o limite não tem sido respeitado; as construções avançam cada vez mais em direção ao mar, o que permite afirmar que não é ele quem caminha na direção do continente, e sim que o continente tem entrado, cada vez mais, no espaço do oceano.
Segundo o biólogo Gabriel Le Campion, professor do Departamento de Biologia Ufal, mestre em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as praias arenosas são as mais suscetíveis ao fenômeno, por conta do dinamismo do movimento das marés.
“A areia é deslocada continuamente, em movimentos de zig-zag, por uma corrente fraca, chamada de corrente de deriva litorânea. O grão que sai deve ser reposto, porém, há um déficit na quantidade de grãos mais espesso”, diz.
De acordo com Gabriel, os principais agentes desta reposição são os rios, mas o trabalho executado por eles não tem sido suficiente. E este movimento tem sido prejudicado por duas ações humanas: o assoreamento e a redução no volume das águas fluviais.
Dessa maneira, as frações sedimentadas que o rio transporta são finas ou muito finas. Estes tipos de grão permanecem por muito tempo suspensos nas águas, modificando a cor dos oceanos e ocasionando a morte dos recifes de corais, já que, com essa barreira sobre a água, as espécies que o constroem acabam também sendo extintas.
Os recifes de corais funcionam como uma parede para as ondas, fazendo com que elas quebrem dentro do mar, e não na beira da praia, o que, de certa maneira, impede que elas se choquem com muita força em construções ou até mesmo em barreiras naturais, evitando assim, sua erosão.
Há também outro fator fundamental que contribui com o fenômeno. Nas praias, há faixas denominadas cristas praiais ou bermas, que podem ter de 15 centímetros a 6 metros de altura e funcionam como um depósito de sedimentos. Esses sedimentos, quando necessário, são levados para dentro do mar, formando um banco de areia, onde, assim como nos corais, as ondas se chocam e vem para em direção a areia com menos intensidade.
“Quando há tempestades oceânicas e vento muito forte, o oceano monta um sistema e se inicia o que chamamos de corrente de retorno. É uma corrente muito forte, perigosa para os banhistas. Ela funciona como uma esteira, transportando sedimentos para o oceano, montando bancos de areia, impedindo que grandes ondas se arrebentem e destruam a praia”, explica o biólogo.
O grande problema, segundo ele, é a construção nestas áreas de berma, o que impede que o oceano recolha os sedimentos que ali deveriam ser depositados. Isto acaba por ocasionar, além de um rebaixamento da praia – que pode ser confundido com um assustador aumento de nível do mar – a destruição da barreira natural das ondas.
A retirada da vegetação ciliar também agrava a situação, já que ela é a responsável por uma maior fixação dos sedimentos na região, assim como funciona como obstáculo do processo de erosão.
Segundo Gabriel, o aquecimento global não tem responsabilidade sobre este fenômeno. O aumento da quantidade de água do oceano que tem ocorrido é um processo natural, que, inclusive, pode ser calculado. “Nos próximos 1.600 anos, o mar deve subir cerca de quatro metros”, exemplifica.
Já o veterinário Maurício Aquino, que trabalha com educação ambiental há vários anos, considera que o aquecimento global tem sim sua parcela de culpa na erosão costeira. Ele acredita que o derretimento das geleiras, especialmente no hemisfério norte tem causado sim um aumento no nível do mar.
Maurício compartilha com a tese de que o oceano subiu de 10 a 15 centímetros no último século e considera que as intervenções que o homem tem construído para tentar conter a força das águas, que geralmente ocorrem de forma desordenada, não tem obtido êxito em sua função, além de reduzir o espaço de recreação e lazer da praia.
“Estas áreas de lazer estão desaparecendo. Quando a maré está cheia, sequer conseguimos ver a areia. Nos fins de semana, a praia é completamente tomada por cadeiras, que só podem ser usadas mediante pagamento. Ela é um dos principais pontos turísticos do Estado e não está sendo respeitada”, afirma o veterinário, preocupado com a grande fonte de renda que pode ser perdida por conta a degradação do meio ambiente.
Ele também se preocupa com a construção desordenada na região e cobra uma maior atuação dos órgãos regulamentadores, porque muitas obras, apesar de infringirem leis ambientais, estão sendo aprovadas. Maurício frisa a importância da cobrança social com relação a essas ações.
O veterinário vê a educação social das crianças como solução para os problemas, que, ambientalmente, o planeta tem enfrentado. “É essencial aliar a educação ambiental ao ensino básico. Temos que fazer um trabalho de base muito bem feito. É necessário recriar a ligação entre os jovens e a natureza”, afirma ele, enfatizando que a terra é um organismo vivo que, para manter-se em equilibro, necessita de uma cooperação de todos que fazem parte dele.
Por isso, ele criou o conceito do Núcleo de Estudantes Voluntários (NEV). O esquema funcionaria como uma grande redá, onde os NEVs de várias escolas, em todo o País se conectariam através da internet. Entre eles, trocariam informações e idéias, fariam denúncias, tudo isto com o objetivo de difundir o trabalho em grupo em prol do meio ambiente.
O projeto, que, para entrar em prática e manter-se vivo utilizaria poucos recursos financeiros, funcionaria como forma de educar as crianças inseridas em um contexto social, fazendo com que elas se interassem de questões ocorridas em vários locais do país, formando cidadãos críticos, capazes de colocar em prática um modo de vida sustentável.
“Para trabalhar com ações em prol do meio ambiente a curto, médio e longo prazo, através desse projeto, só seria necessário um computador ligado à internet e vontade por parte dos estudantes”, finaliza.