Pais perfeitos toda criança sonha em ter. Mas para aquelas que esperam pela adoção, basta a presença de um, alguém que lhes dê amor e ofereça os cuidados que por fatalidade ou negligência lhes foram negados pelos pais biológicos. A espera pode ser longa e talvez o sonho não se torne real, mas a esperança nunca deixará de existir.
T.G.S. 11 anos, foi encontrada ainda bebê em situação de extrema vulnerabilidade, sozinha, sem higiene e alimentação. Depois de passar por uma creche foi transferida para o Lar Batista Marcolina Magalhães, uma entidade não governamental de Maceió que atualmente abriga dezoito meninas entre 6 e 17 anos. O abrigo sobrevive de doações de igrejas evangélicas e voluntárias.
Tímida, T. já passou por vários estágios de convivência, período que as crianças moram com o candidato à adoção para se adaptar, porém nenhuma experiência foi bem sucedida. Aos 8 anos ela passou 15 dias na casa de uma família e não aceitou a adoção. “O marido da mulher que queria me adotar era muito chato”, comenta encabulada. Em outra experiência era obrigada a acordar ainda de madrugada para ajudar nos afazeres domésticos. “Eu queria muito ser adotada. Meu sonho é ser uma filha mimada, ter meu quarto e minhas coisas”, ressalta.
“Aqui as meninas recebem visitas de amigos do Lar, pessoas que querem cuidar delas e levá-las para casa para ter um final de semana diferente. Elas criam um vínculo tão forte que querem chamar os voluntários de pai e mãe”, conta Evelyn Correia, assistente social do Lar há três meses.
Lá, alguns estudantes de Educação Física fazem trabalhos voluntários, levando diversão e exercícios diferenciados que desenvolvem a aprendizagem. “Nós sentimos uma enorme diferença na construção das atividades entre as meninas que vivem aqui e as que têm família. Apesar de acanhadas, as abrigadas são mais atenciosas nas brincadeiras porque tudo é novidade”, conta Carlos Eduardo da Silva, voluntário.
Em Maceió nem todas as crianças que ficam abrigadas estão para adoção. O abrigo é concedido quando há casos de abandono, abuso sexual, negligência e violência física ou psicológica. Nessas circunstâncias o Conselho Tutelar retira a criança do convívio de seus responsáveis e procura algum parente próximo, caso não encontre, ele a encaminha para o abrigo.
Há um processo freqüente de conscientização por parte dos conselheiros e dos que trabalham no abrigo para que os responsáveis pela criança garantam a volta segura dela para casa, mas não havendo condições, a criança sofre um processo de destituição familiar e só então se torna candidata à adoção.
A destituição pode demorar muitos anos e isso diminui as chances do menor ser adotado, já que a preferência dos candidatos a pais continua sendo por bebês. Para tentar agilizar esse processo, foi sancionada a nova Lei de Adoção, que estipula um prazo máximo de dois anos para que o juiz prive os pais biológicos da convivência.
Desde que seus pais faleceram M.R.C.D, 14 anos, vive no Lar Batista. De sua família só restam os cinco irmãos. “Eu os amo e antes minha maior vontade era morar com eles, mas hoje prefiro ser adotada, desde que me deixem vê-los todos os finais de semana. Gosto demais deles”, enfatiza.
A nova Lei impõe a obrigatoriedade de que os irmãos não sejam separados. No caso M. isso não é possível porque seus irmãos são usuários de drogas.
M. vive uma corrida para ser adotada, já que aos 18 anos terá que sair do abrigo e enfrentar o mundo. Os funcionários do Lar Batista tentam conscientizá-las de que estudar é fundamental para garantir o futuro.
Pensar no destino destes meninos e meninas também é uma grande preocupação dos profissionais da Casa de Adoção Rubens Colaço, um órgão público que atualmente abriga 22 crianças com idade entre 0 e 7 anos. Na casa elas recebem total apoio psicológico que as prepara para o caso de nunca serem adotadas, os profissionais cuidam de cada uma como se fossem pai e mãe.
“Rubens Colaço funciona como uma casa comum com suas limitações e suas exigências. Elas têm que fazer o dever quando voltam da escola, cumprir os horários de banho, refeição e de ir para cama”, explica Romeirito Lima, psicólogo.
Apesar da Casa ser bastante rigorosa com o cumprimento das regras, há uma flexibilização quanto a idade de transferência do menor. A prova disso é que hoje existem três garotos com necessidades especiais e muito acima da idade máxima recebendo cuidados. “Não somos uma figura estática, somos sensíveis e levamos em consideração o estado emocional da criança, é um ser humano que está aqui se reestruturando”, diz o psicólogo. O vínculo é tão forte que já houve o caso de uma funcionária que trabalhou no abrigo e depois de algum tempo voltou para adotar.
“Quando as crianças são adotadas elas se entregam de corpo e alma. Esse é o resultado imediato. Se a adoção vai ser boa ou ruim só o futuro irá mostrar”, afirma Romeirito.
LONGA GESTAÇÃO – Quando se trata de adoção, o grande alvo de preocupações e interesses são as crianças e quanto tempo elas irão esperar nos abrigos. Mas quem também sofre com este longo processo são os candidatos a pai e mãe. A espera para ter um filho adotivo muitas vezes ultrapassa o tempo natural de uma gestação.
O Juizado é responsável por todo processo, sem ele não há adoção. É para lá que as crianças são encaminhadas depois de passar pelo Conselho Tutelar e também onde os interessados em adotar se inscrevem.
O primeiro procedimento de uma pessoa que quer adotar é ir até o Juizado se inscrever, entregar alguns documentos exigidos e se submeter a uma entrevista junto à assistente social e psicóloga. A partir disso o candidato é cadastrado e tem seu nome incluído em uma lista de espera onde ele classifica o perfil da criança que deseja.
As condições para adotar são as mesmas para casados e solteiros e o que importa é a estrutura psicológica, social e idoneidade. A estrutura financeira do inscrito não é determinante. “Há muitos pobres que adotam, que querem e tem amor para dar. Só quem ainda não pode adotar são casais homossexuais pelo fato da união não ser legalizada”, ressalta Jussara Pacheco, coordenadora técnica da 28° Vara da Infância e Juventude.
Na lista de inscritos há 27 pretendentes entre casais e solteiros. Segundo Jussara, o número total de crianças que aguardam pela adoção ainda não foi contabilizado. Um balanço geral iniciou este mês, mas os resultados ainda não foram divulgados.
FILHOS DO CORAÇÃO – Michela e Levi de Queiroz, ambos com 35 anos são casados há 10 anos, mas ainda não tinham filhos. Em junho de 2008 a prima de Michela, juntamente com 14 voluntários, fundou o Lar de Apoio à Criança para Adoção (Laca) onde ela passou a prestar serviços voluntários aos sábados.
Um mês depois, o Conselho Tutelar levou uma garotinha de 2 anos bem debilitada, com pneumonia e marcas de cigarros pelo corpo que encantou Michela imediatamente. Em outubro, quando percebeu seu apreço pela menina, resolveu se inscrever na lista de espera do Juizado. Enquanto aguardava alguma decisão do juiz ela ficou na tentativa de levá-la para passar os finais de semana em sua casa, mas só em dezembro conseguiu.
Por coincidência, Michela entrou de férias na mesma época do recesso do orfanato e conseguiu levar a menina para casa durante quinze dias. A convivência fez com que a paixão de uma pela outra crescesse ainda mais. “Eu fiquei babando por ela, comprei várias coisas e até um quartinho eu organizei”, conta.
No dia de levá-la de volta a comoção tomou conta do casal e da garotinha. Pensando que havia sido abandonada novamente a menina passou a rejeitar a presença de Michela que adoeceu devido a este desprezo. Foi então que decidiu lutar pela guarda dela.
Em julho deste ano, o juiz concedeu a guarda provisória. “Era uma quarta-feira quando eu soube e liguei para avisar no orfanato. Foi quando me contaram que ela estava cantarolando um dia antes que iria morar com a mamãe Michela. Parecia coisa de Deus, é como se um anjo tivesse avisado a ela”, se emociona.
A guarda será renovada em janeiro de 2010 e ela esperará mais seis meses por uma audiência para deter a guarda definitiva. O casal agora torce para que a mãe biológica não apareça querendo a filha de volta, pois eles terão de lutar por mais tempo pela guarda da menina. “Alguém que faz maus tratos não deveria ter direito sobre a filha nunca mais”, ressalta Michela.
Hoje, aos 3 anos, a garota é o xodó da família. “Esta é a maior felicidade do mundo, me realizei, penso nela o tempo inteiro e tudo que faço é pensando nela. Nunca mais comprei nada pra mim. É um amor diferente e inexplicável. Não a vejo como adotada, ela é minha filha do coração”.
PAI EM DOSE DUPLA – Em um relacionamento estável de 12 anos o casal homossexual R.L.S. e R.B., 31 anos, são pais de Guilherme, um filho adotivo de 2 anos e 4 meses. No entanto esta conquista não foi nada fácil.
O casal passou quatro anos na lista de espera e só após conhecer uma ONG de auxilio a mulheres carentes, que tem seus filhos, mas não desejam criar, foi que surgiu a grande oportunidade da vida deles. “Uma colega nossa ficou sabendo da história de uma mãe de 19 anos que queria doar seu filho e ficamos muito interessados. Não sabíamos o sexo, nem de onde vinha, mas isso não importava porque depois de criado o filho é seu e vai ser fruto do meio que vive”, ressalta R.L.S.
Para resolução dos trâmites legais contrataram um advogado que orientou no que eles deveriam fazer para agilizar o processo. Como dois homens não podem adotar, Guilherme está registrado em nome de R.B e da irmã de R.L.S. uma vez que eles moravam na mesma casa. “Se fôssemos lutar para que ele tivesse o sobrenome de nós dois o processo seria ainda mais demorado e talvez nunca acontecesse. Quem sabe ele estivesse hoje em um orfanato e isso a gente queria evitar. Achamos mais fácil assim, a gente só queria adotar e ter a nossa família o quanto antes. Somos muito felizes assim”, enfatiza R.L.S..
Guilherminho, como é chamado carinhosamente pelos pais, chegou aos braços do casal em 2007 com 23 horas de nascido. “No começo queríamos adotar uma criança entre 3 e 5 anos por causa dos cuidados que um bebê recém nascido necessita, mas ele foi coisa de Deus, veio quando menos esperávamos”, diz.
Hoje o afeto do filho pelos pais é tamanho que quando chega o fim da tarde ele começa a perguntar “Cadê papai, cadê painho?”. Papai é como ele chama R.L.S e painho, R.B., palavras que saíram naturalmente da boca de Guilherme.
Hoje o menino é uma criança feliz, saudável, inteligente e muito amado. São tios, avós, bisavó e primos que nunca o viram como sendo adotivo. “É um tapa na cara de muita gente que não acreditou no desenvolvimento do meu filho por não saber de onde ele vinha”, desabafa R.L.S..
Convicto, R.L.S. não se arrepende da escolha que mudou sua rotina. O sonho do casal é ver o filho formado, casado e com um filho adotivo. “Acho a adoção um ato de amor e cidadania, o pai de R.B. foi adotado, nós adotamos e é isso que esperamos que Guilherminho faça”.
Nas festas de fim de ano alguns orfanatos promovem o Natal Solidário e as pessoas podem se cadastrar e levar uma criança para celebrar com elas. R.B. e R.L.S pretendem participar este ano, buscando uma criança na Casa de Adoção Rubens Colaço.
Adotar uma criança pode ser uma escolha difícil, mas que acarreta resultados significativos. O processo é longo, a espera desgastante, muitos pensam em desistir, mas o amor mutuo e incondicional que brota nos corações desses desconhecidos faz com que tudo valha muito a pena. Adoção é doar-se sem preconceitos.
“Não estávamos nem aí se ia ser menino ou menina, se tinha problema de saúde, deficiência, síndrome de Down, não importava a cor, a raça nem a etnia. Queríamos nosso filho ou nossa filha independentemente disso tudo, a gente estava disposto a cuidar de uma forma plena assim como um pai biológico cuidaria de um filho”, conclui R.L.S..