Próximo à pequena cidade de Olho D’água do Casado fica localizado o povoado de Umbuzeiro. No povoado existe uma pequena casa branca, com apenas cinco cômodos. Logo acima no terreno pode-se ver uma pequena casa de mel construída ao lado de uma escola, com um quadro negro e algumas carteiras. Em volta a isso, apenas a vegetação nativa do Sertão alagoano.
Quem mora nesta casa branca é Cícera Alves da Silva, mais conhecida como Dona Cícera Cupira. Aos 47 anos, é casada e mãe de nove filhos. Apicultora desde 2005 viu na atividade uma oportunidade de gerar renda, melhorar a qualidade de vida, desenvolver sua região e realizar um sonho antigo.
O apelido Cupira veio da família do marido, José Martin da Silva, e é o nome de uma abelha nativa que faz ninho em cupinzeiros. A família de José vendia mel de Cupira que segundo a crença popular, serve para combater manchas no olho. Não sabia ela, nem o marido, que as abelhas estariam mais presentes na vida deles do que no apelido.
Antes de iniciar a criação de abelhas, ela vendia roupas, redes, lençóis e outros artigos têxteis para sustentar a casa. “Eu comprava em Caruaru e trazia para vender. Eu ia até a casa de todos os moradores da região e oferecia meus produtos, fazia meu caminho de bicicleta”, recorda.
Isso até 2001, quando Dona Cícera conheceria a apicultura e mudaria de ramo. “Eu vi que era aquilo que eu queria fazer. Foi amor à primeira vista”, diz.
A chegada das abelhas – Em 2001, a cidade de Olho D’água do Casado recebeu várias palestras promovidas pelo Fórum de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS), sobre as potencialidades produtivas na região. A ação foi criada pelo programa Comunidade Ativa e é uma instância de articulação das organizações sociais que atuam na região com o objetivo de fomentar o desenvolvimento. Das propostas apresentadas, Dona Cícera se interessou pela criação de abelhas e extração do mel.
“Eu queria muito começar a produzir, mas não tinha como. Eu não tinha dinheiro para comprar caixas para montar minhas primeiras colméias. Aí eu tive a idéia de vender os dois bois que tínhamos para poder investir nas primeiras caixas de abelha”, diz.
A família de Dona Cícera foi contra a iniciativa. “Meu marido era contra a venda dos bois. Meu pai e minha mãe, também. Durante muito tempo eles tentaram me convencer do contrário, mas eu sabia que era aquilo que eu tinha que fazer e bati o pé até que convenci a todos de que deveríamos fazer esse esforço”, lembra.
Com o dinheiro da venda dos bois, foram compradas dez caixas de abelhas e o que sobrou foi investido em viagens de Dona Cícera para congressos e encontros sobre o tema. Participou, dentre outros eventos, do Congresso Ibero-latino-americano de Apicultura, referência nacional no setor e contou com a presença de proprietários de apiários de dezoito países.
“Eu sofri muito preconceito quando estive fora para fazer meus cursos. O povo daqui falava que eu só queria ir atrás de curso, atrás de abelha e deixava os meninos em casa. Todos diziam que eu só queria estar na rua e que eu não queria cuidar da casa. Mas eu não liguei, sabia que era importante aprender com quem já produzia”, explica.
O programa – Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2001 Alagoas tinha cerca de 300 apicultores com uma produção de 21 mil quilos de mel. Já em 2004, somente o município de Pão de Açúcar havia produzido 24 mil quilos de mel e o Estado, 116 mil. Dados que comprovam o rápido crescimento da atividade.
É nesta realidade, que é lançado em Alagoas, no ano de 2004, o Programa de Arranjos Produtivos Locais (PAPL). A iniciativa faz parte de um modelo de desenvolvimento local com base em ações integradas para consolidar atividades potenciais de cada região.
Os arranjos são um conjunto de empresas e empreendedores, localizados em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação e cooperação entre si e com outros atores locais.
O objetivo é, através de parcerias com instituições públicas e privadas, definir uma estratégia de atuação visando mobilizar ações coletivas e integradas para gerar renda e emprego, direcionando os esforços para o desenvolvimento dos micro e pequenos negócios regionais.
A ação estava prevista no Plano Plurianual (PPA) do Governo federal para o período de 2004-2007. Segundo o plano: “O fortalecimento dos arranjos produtivos locais confere ao País uma oportunidade singular para a desconcentração espacial da produção e a valorização dos recursos potenciais dispersos no território nacional".
Em Alagoas, o PAPL foi lançado pelo Governo do Estado, via Secretaria de Estado do Planejamento e do Orçamento (Seplan), em parceria com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Alagoas (Sebrae/AL). Primeiramente, havia nove arranjos visando desenvolver, dentre outras atividades, a apicultura.
O APL de Apicultura no Sertão, também lançado em 2004, visa promover as atividades da cadeia produtiva no Estado. Ao todo são treze municípios envolvidos, escolhidos segundo critérios do programa: Água Branca, Delmiro Gouveia, Olho D’água das Flores, Olho D’Água do Casado, Olivença, Palestina, Pão de Açúcar, Pariconha, Piranhas, Poço das Trincheiras, Santana do Ipanema, São José da Tapera e Senador Rui Palmeira.
A escolha se deu pela potencialidade, características socioeconômicas e proximidade de cada município. O Sertão de Dona Cícera Cupira foi diagnosticado como o maior setor produtivo de apicultura de Alagoas. Entre os dez maiores produtores de mel do Estado, quatro se localizam na região. (ver tabela)
“Quando fizemos o rastreamento dos produtores em Alagoas, percebemos a existência de três grandes cadeias produtivas de mel. Além de pesquisar a potencialidade das regiões para a atividade também verificamos o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o grau de escolaridade da população. Quanto maior a potencialidade e menor desenvolvimento, maior a probabilidade da localidade receber um arranjo. O Sertão foi a região que apresentava o maior potencial para a cultura do mel e os piores indicadores sociais”, destaca Mário Alberto Paiva, coordenador do PAPL pela Seplan.
Com a região escolhida, restava montar um plano de ações para cada cadeia produtiva e traçar um planejamento estratégico. Uma das prioridades era introduzir no produtor a consciência de coletividade, a visão cooperativista aplicada ao mundo dos negócios.
“O programa traz muitos benefícios para os produtores e para o Estado como um todo. O maior deles seria a introdução da cultura do cooperativismo e do associativismo em Alagoas. Costume que ainda não tínhamos, já que no passado muitos produtores atuavam por conta própria”, conta Mário Alberto Paiva.
Através de oficinas e treinamentos com a temática cooperativista, Dona Cícera e os demais apicultores da região fundaram a Cooperativa dos Apicultores do Sertão de Alagoas (Coopeapis). A cooperativa tem a função de representar os interesses da coletividade junto a fornecedores, compradores e representantes.
“Associadas, as empresas podem se fortalecer atuando coletivamente. Isso ocorre de tal forma, que as empresas chegam a atuar como uma grande, a depender, claro, do nível de coalização do arranjo. Isto quer dizer que as empresas continuam com seus aspectos positivos, a exemplo da questão do emprego e reforçam-se em aspectos negativos, tais como barganha com fornecedores, capacidade para contratação de consultorias técnicas, criação de marcas para atuar no mercado, criação de uma cultura local de produção de determinado item, geração de mão-de-obra qualificada, entre diversas outras vantagens”, explica o pesquisador da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Marcel Pinto.
Associativismo que também está presente na propriedade de Dona Cícera. Vizinha a pequena escola próxima de sua casa fica a casa do mel “Amigos em Ação”. Lá todos os produtores da região que ainda não tem como processar o mel por conta própria, levam sua produção e beneficiam o mel.
“Aqui todos produzem como podem. Antes de eu conseguir comprar meu próprio equipamento eu usava a casa do mel comunitária que é da cooperativa. Agora que eu tenho, além de extrair o meu, os produtores da região também utilizam”, diz Dona Cícera apontando para o equipamento que usa na extração.
Não só o cooperativismo é fruto do modelo de desenvolvimento do APL. Dentre outras coisas, faz surgir postos de emprego. O que antes era uma atividade isolada, pode se transformar, através de cooperativas de produção e trabalho, em um mercado empregador em potencial.
Ainda segundo o pesquisador da Univasf, os APL apresentam uma importância fundamental no desenvolvimento do Brasil e, principalmente, na região nordeste. “A importância dos APL na economia brasileira, nordestina, ou de qualquer outra região do país, relaciona-se com a contribuição das pequenas empresas neste cenário, isto porque os APL são associações desse tipo. A primeira contribuição refere-se à questão do emprego. Pequenos e médios empreendimentos, de um modo geral, geram mais postos de trabalho do que os maiores”, explica.
Desde 2004 já foram investidos mais de R$ 2,6 milhões no arranjo produtivo. Dentre as ações, destacam-se: instalação de Casas do Mel e Entreposto de Mel e Cera de Abelhas, inclusão do mel na merenda escolar e formação de equipe de Agentes de Desenvolvimento Rural (ADR) para prestar acompanhamento tecnológico aos produtores, além da formação da Coopeapis.
Em 2009, a boa notícia para Dona Cícera, para a cooperativa e demais apicultores inseridos no programa é o investimento de cerca de R$ 1 milhão, a ser empregado na campanha de promoção do Mel do Sertão, realização de consultoria técnicas, aquisição de mel para doação e realização de feiras e eventos dos apicultores.
Realizando um sonho – “Com a formação do APL eu finalmente, convenci minha família a vender os dois bois e comprar as caixas de abelha. Em 2004, povoei as caixas. E em 2005, produzi o meu primeiro mel”, conta Dona Cícera Cupira.
A produção do mel gerou dinheiro suficiente para que ela comprasse de volta os dois bois que vendeu e adquirisse mais duas caixas para criar abelhas. Começando, então, a formar uma visão para os negócios.
“Eu não gasto todo o dinheiro que recebo. Tudo que eu ganho eu coloco no papel, tudo que eu gasto, também. Assim eu sei quanto eu estou ganhando, quanto eu estou gastando e o que eu preciso diminuir para comprar alguma coisa”, diz.
Foi assim que ela conseguiu comprar geladeira, máquina de lavar, fogão, os sofás, motocicleta, equipamento para a casa do mel e, mais recentemente, computador. Das dez caixas de abelha iniciais de 2004, Dona Cícera, tem hoje em sua propriedade 44 caixas. Algumas delas chegam a ter cerca de 80 mil abelhas e produzir 12 quilos de mel a cada 15 dias.
O sucesso com o mel, a experiência adquirida nas viagens e em visitas técnicas a apiários deram à Dona Cícera reconhecimento e lhe renderam, entre outras coisas, capacitação para atuar como Agente de Desenvolvimento Rural (ADR) na região do APL, indicação para representante de Olho D’água do Casado na Coopeapis e até cargo como Secretaria Municipal de Ação Social.
Mas, a maior conquista de Dona Cícera, depois de cinco anos de apicultura, não foi o cargo de secretária, representante da cooperativa ou o de agente de desenvolvimento. Em 2008, ela foi aprovada no vestibular para o curso de Pedagogia na Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC/AL). Agora, divide o tempo das atividades relacionadas à produção do mel, com os estudos e trabalhos da faculdade. Segundo ela é o início da realização de um sonho. O sonho de ser professora formada.
“Eu agora divido meu tempo entre a apicultura e as tarefas da faculdade. As abelhas me deram tudo o que eu tenho. Foram elas que realizaram meu sonho de estudar para ser professora”, finaliza.