:: Projeto de Extensão Coordenado pelos professores e jornalistas
:: Erico Abreu (MTb 354-AL) e Francisco de Freitas





De:
Por:
Clique para fazer a busca!
MENU
 

Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

15/07/2009
arte
“EU SOU MATUTO, MAS NÃO SOU BESTA!”

Depois de escrever em cordel sobre Bin Laden e o mensalão, o pernambucano David Teixeira chama atenção da mídia nacional com idéias diferentes, criando a TV Mamulengo para sobreviver de arte

Por Gabriela Lapa

Ele gosta mesmo é de observar. Com a mão no queixo e um chapéu de couro na cabeça, Davi Teixeira da Silva, 50, olha de longe as pessoas que param para fotografar a TV Mamulengo, sua mais nova criação. É assim, prestando muita atenção ao que está à sua volta, que ele se inspira para produzir bonecos, cordéis e até música. “Eu observo muito”, explica. Mas se alguém se detém interessado nos objetos, o artista pernambucano não hesita e logo se aproxima, com simpatia, cheio de histórias para contar.

Nascido em Bezerros, a 101 km do Recife, Davi Teixeira, como é chamado, mais parece uma personagem de cordel. Nordestino, simples e tagarela, ele busca em tudo uma forma de garantir o sustento e abusa da criatividade para conquistar seu espaço. Este ano, os esforços lhe valeram alguns metros quadrados em um dos estandes da X Feira Nacional de Negócios do Artesanato, a Fenearte, organizada no Centro de Convenções do Recife. “Todo ano eu ficava feito barata tonta, espalhando meus cordéis pelos estandes, pedindo um espaçozinho aqui e ali”, diz Davi. Ele explicou que, para a décima edição da Feira, o Governo do Estado ofereceu espaço aos artistas que não pudessem arcar com as despesas, e foi assim que conseguiu lugar fixo para suas obras. “É pequeno [o espaço], mas já agradeço demais”, ressalta.

O trabalho com artesanato é descoberta recente. Ao contrário da maioria dos artistas, Davi só se percebeu artista aos 39 anos, quando escreveu seu primeiro poema Proteção Divina. “Eu recebi um convite para trabalhar num posto de gasolina em Caruaru, e até essa data (1998) não sabia escrever nem meu nome direito”, conta ele. A escola do pernambucano foram a literatura e a realidade. Muito observador, Davi presenciava as dificuldades nas quais viviam as pessoas da região e lembrava de sua própria família, de oito pessoas, sobrevivendo da lavoura. “Eu sofri muito com a fome e a seca quando era pequeno. Me doía ver aquelas pessoas sofrendo também e foi aí que despertei para a poesia. Voltei para o posto e escrevi Proteção Divina”.

Depois de ter seus poemas premiados em um concurso, em Caruaru, Davi Teixeira foi conquistando espaço e chamando a atenção da mídia. O cordel Bin Laden: o mosquito terrorista, que mostra o líder da Al Qaeda vestido de Aedes Aegypti, foi tema de reportagem exibida no programa Fantástico, da Rede Globo. Outro cordel, sobre o mensalão, lhe rendeu uma aparição em O Globo, no Rio de Janeiro. “Tô sendo bem divulgado, graças a Deus”, comemora Davi. Sobre os temas, ele diz que apenas comenta o que acontece à sua volta. Os olhos atentos discutem as mazelas políticas e sociais do Brasil de maneira irreverente, apoiando-se em formas populares de expressão, como o cordel.

ARTISTA ÀS AVESSAS – No Brasil nada se cria, tudo se copia, já dizia o Chacrinha. Mas Davi não copia, ele faz diferente”. Usando papel reciclado para imprimir os cordéis, o artista se mostra consciente da necessidade de preservar o meio-ambiente. E quando começou a trabalhar também com mamulengos, a conscientização tomou nova expressão. “Meus primeiros bonecos eram de madeira. Os artesãos usavam os galhos das árvores para fazer mamulengo, mas eu comecei a observar o meio ambiente e tive pena”, conta Davi, “então desenvolvi uma massa com cola e pó-de-serra, e passei a usar garrafa peti”.

Muitos artistas, antes de Davi, já haviam deixado de trabalhar a madeira como matéria prima. Mas na hora de pensar em um substituto, o pernambucano foi abrir outro caminho. “Não quis fazer de papel maché porque todo mundo fazia; aí passei a usar as garrafas. Material tem de sobra, tem muita garrafa jogada por aí”, ressalta o artista.

Apesar do espaço que conseguiu na mídia, Davi ainda tem muito trabalho para divulgar sua arte. “Quem vive de cordel, vive mal”, desabafa. “Se eu fosse depender disso para viver, tinha que abandonar tudo e ser pelo menos servente de pedreiro”. Hoje ele vive com ajuda dos dois filhos, mas está sempre tentando inventar alguma coisa que lhe dê mais publicidade.

Foi assim que nasceu a TV Mamulengo. “Eu observei que, com a tecnologia, as pessoas passaram a jogar fora aquelas televisões grandes para comprar as de LCD, as digitais”, diz ele. “Fiquei com a carcaça de uma, enfeitei, e levo ela comigo para as pessoas tirarem fotos como se ‘tivessem’ na televisão”. Envolta em estampas coloridas, a frente da TV Mamulengo é toda enfeitada de cordéis. O nome foi escrito em letras brancas na parte superior, e na inferior, o site do poeta, desenvolvido com a ajuda dos filhos, faz a propaganda do artista. “A criança senta em um banquinho atrás do aparelho e a mãe bate a foto, sem pagar nada, é claro”, explica Davi. “Quando ela vê a foto em casa, tem meu site lá”. A idéia estimula uma forma gratuita e muito eficiente de publicidade; tão logo Davi acomodou a TV Mamulengo no estande, os visitantes já começaram a parar para fotografias. “Já ‘bateram’ mais de 300 fotos em um dia”, orgulha-se o pernambucano.

Além de ajudar a divulgar o trabalho do autor, a TV também pode espalhar marcas conhecidas. Davi conta que pretende batalhar por patrocínio e usar a TV para exibir o nome de quem se interessar. E ele não pretende fazer publicidade só em Pernambuco. “Aeroporto, shopping, loja: quero levar a TV para todo lugar. É uma idéia que funciona”, diz, confiante. “Eu sou matuto, mas não sou besta!”

Clique nas fotos para ampliá-las.

Clique para ampliar Clique para ampliar