Zuenir Carlos Ventura é um ícone do jornalismo brasileiro. Além de jornalista, também é um escritor renomado nacionalmente, com onze livros publicados. Aos 76 anos, é de uma lucidez incrível. Diverte a platéia enquanto comenta, num misto de brincadeira e seriedade, passagens de sua vida e episódios da atualidade.
Assim, com muitas histórias na bagagem, algumas alegres outras tristes, Zuenir compareceu a III Bienal Nacional do Livro de Alagoas para uma amigável conversa. A esperada palestra, “Minhas histórias dos outros - 50 anos de jornalismo”, aconteceu à noite de sábado, 27, penúltimo dia da Bienal, e teve o jornalista alagoano Ênio Lins como apresentador.
O INÍCIO DE TUDO – Em 1º de junho de 1931 nascia Zuenir Carlos Ventura, na pequena cidade de Além Paraíba, em Minas Gerais. O desejo de sua mãe, Herina de Araújo, era que ele fosse padre. Mas sua verdadeira paixão eram as letras. Em 1954 ingressa na Faculdade Nacional de Filosofia, hoje UFRJ, onde se forma em Letras Neolatinas.
Essa é uma parte de sua história da qual ele se orgulha. “Quando digo os nomes de meus professores, as pessoas morrem de inveja. Entre eles estavam Manuel Bandeira, Abreu Neves, José Carlos Lisboa, Hélcio Martins, um timaço”, derrete-se ele.
A constelação de professores, no entanto, não impediu que Zuenir se desviasse um pouco de seu caminho original e ingressa-se em outro departamento das letras: o jornalismo. “Aconteceu por acaso. [...] Mas não me imagino fazendo outra coisa”, diz a respeito da escolha da profissão.
50 ANOS DE PROFISSÃO – Fazer bodas de ouro numa profissão não é nada fácil. Especialmente quando se entra nela por obra do destino. Zuenir começou trabalhando no arquivo do Jornal da Imprensa,, pertencente a Carlos Lacerda, por insistência de Hélcio Martins. Mas nunca havia pensado em ser jornalista. Até que um dia, surge a oportunidade de escrever um artigo sobre Albert Camus, escritor do qual era, e ainda é, um grande fã.
Todos ficaram surpresos com o resultado. Devido ao grande sucesso de seu texto, passa a trabalhar na redação desse jornal. Após ganhar em um concurso uma bolsa de estudos do governo francês para o Centro de Formação de Jornalistas, vai estudar em Paris. Nascia aí o Zuenir jornalista.
Com uma grande carreira, Zuenir tem muitas curiosidades para contar. É exatamente isso que ele faz em seu livro Minhas histórias dos outros, lançado em 2005 pela Editora Planeta. No texto ele conta fatos como o caso da fotografia perdida da calcinha de Jaqueline Kennedy, o assassinato de seu grande amigo Vladimir Herzog, a entrevista exclusiva com Fidel Castro que nunca pôde ser publicada, entre tantos outros. “Um leitor chegou para mim e disse que leu esse livro rindo e chorando. Respondi para ele que foi exatamente assim que o escrevi: rindo e chorando”, desabafa.
O ANO QUE NÃO TERMINOU – A idéia veio do amigo Sérgio Lacerda. No início Zuenir não se animou, pois achava que as pessoas não se interessariam por um episódio acontecido vinte anos antes. Após muita insistência de sua mulher, a jornalista Mary Akiersztein, acaba se rendendo ao projeto. Assim, em 1988 pede uma licença ao Jornal do Brasil, onde trabalhava, para escrever o que seria então, seu maior best-seller: 1968: O ano que não acabou.
O livro já vendeu mais de 200 mil cópias e continua sendo assunto para muitos debates. Por essa razão, Zuenir decidiu dar continuidade a esse trabalho. “Agora vou responder a questão que acabei criando com o livro: 1968 terminou ou não terminou? Há vinte anos me fazem essa pergunta”, conta ele.
A nova edição trará entrevistas com personagens da época, como Caetano Veloso, Fernando Henrique Cardoso, José Dirceu e Vladimir Palmeira. O projeto será lançado em uma caixa contendo os dois livros, o antigo e o novo. “O título será justamente esse Terminou ou não terminou?. Eu não vou revelar porque ainda estou no meio do processo”, diz Zuenir.
RELAÇÃO COM A TECNOLOGIA – Mesmo com o avanço da tecnologia, Zuenir não gosta de usar o computador para escrever seus trabalhos. Ele conta que ainda utiliza um velho conhecido: o caderno. “Meu caderno é um mico só, é um caderno infantil. Eu o escondo porque não é nenhum laptop”, brinca ele.
Entretanto, ele garante que possui uma boa relação com o computador, embora não tenha gostado da vez que a internet “o matou”. “Um belo dia eu abro a internet e está lá a notícia: ‘Morre o escritor Zuenir Ventura’. Hoje a gente morre de rir, mas na hora foi um acontecimento dramático [...] meu filho me procurou eu todos os hospitais. Levou mais de duas horas para regularizar toda a situação”, conta ele entre risos.
Não são só os computadores que causam problema. Segundo ele, os gravadores de voz também não cooperam. Já foram várias as vezes que o “fiel amigo dos jornalistas” deixou-o na mão. O caso mais dramático foi a entrevista com o recém-eleito governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, feita pelo jornalista Milo Teixeira, que havia disputado as eleições de 1982 contra Brizola.
A idéia da entrevista partiu de Zuenir, que na época era editor da revista IstoÉ. Milo era o entrevistador e ele foi apenas como o técnico de som. A conversa durou horas, mas ao chegar à redação, ele percebeu que não havia nada gravado em nenhuma das quatro fitas. Milo sentou-se e transcreveu tudo que haviam conversado, relatando perfeitamente todas as respostas de Brizola. A entrevista foi um sucesso e Brizola nunca tomou conhecimento da situação. “Toda vez que faço uma entrevista tenho vontade de levar o Milo no bolso”, brinca Zuenir.
O JORNALISMO ATUAL – Mesmo após tanto tempo atuando nas redações, Zuenir não perdeu o amor pela profissão. “É uma segunda pele. Se raspar sai tinta; no meu sangue tem tinta de jornal”, conta ele. A situação do jornalismo nos dias de hoje, entretanto, é outra. “Como Carlos Heitor Cony falou, estamos vivendo um período intenso de informação. [...] Informação demais dá indigestão”, diz Zuenir.
Segundo ele, a informação está onipresente, bombardeando as pessoas a todo o momento, principalmente com o surgimento da internet. “Nunca um meio de comunicação matou o outro [...] mas exige que a tecnologia anterior se aprimore. O jornal tem que deixar de ser informativo para se tornar explicativo”, acrescenta.
Com a intensa competição e a pressão do mercado, a imprensa tem quer ser veloz, e acaba publicando as informações de qualquer maneira. No entanto, ele acredita que os jornalistas têm capacidade de mudar essa realidade e se diz otimista em relação ao jornal impresso. Chega até a brincar com as possibilidades oferecidas pela internet. “Hoje qualquer um pode fazer seu próprio jornal. Se cada um fizer seu jornal, quem vai ler?”.
Zuenir é assim, discute temas polêmicos em clima de diversão. Caminha tranquilamente entre a seriedade e leveza. Talvez seja por isso que é conhecido como “o repórter sensível”.