A atriz Malu Mader esteve no Fantasporto
* e fez questão de divulgar o primeiro filme em que atuou como diretora, apesar de não exibir no festival o documentário.
Contratempo foi lançado no segundo semestre do ano passado e já participou de eventos como a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O documentário vem conquistando críticas positivas, para a surpresa da atriz, que confessou ter pensado que seria “condenada” pela crítica por ser uma “atriz que se meteu a ser diretora”, como afirmou de maneira descontraída. De grande simpatia e firmeza na fala, Malu Mader revela nessa entrevista direto do Porto (Portugal) as novas diretrizes de sua carreira e a sua relação com o seu próprio trabalho e com a mídia.
AUN – O que o público pode esperar de Contratempo?
Malu Mader – Contratempo é um filme sobre jovens de comunidades carentes do Rio de Janeiro que pelo seu desejo de mudar o seu destino foram atrás de um projeto de música erudita e foram selecionados para esse projeto, o Villa-Lobinhos. Nem sempre essas mudanças nas vidas deles aconteceram da maneira prevista, mas muitas vezes sim porque eles desejaram mudar esse destino. Por acaso o filme tem emocionado bastante, tem feito rir, tem feito chorar… Não foi a intenção passar mensagem nenhuma, nem moral, nem final, mas eu tenho achado que ele merece ser visto por muitos jovens de escolas, de favelas, porque muitas pessoas têm me falado claramente: “você deveria passar esse filme em escolas, levar esse filme para as comunidades”.
Então foi um filme prazeroso em se fazer…
MM – O filme ficou com um sentido muito afirmativo, muito positivo, os meninos são muito positivos, eles têm bons sentimentos, eles têm muita vontade. Acho que quando você deseja realmente alguma coisa e sonha isso tem que ser visto por outros jovens que estão ali, em terrenos escorregadios como os da favela, entendeu? Eu acho que, de alguma forma, é importante que outros jovens que estão perigando ali vejam. Não foi feito com essa intenção, mas agora que está pronto acho que ele merece ser visto por outros jovens que estão nessa mesma situação.
AUN – Por que essa sua decisão de sair de frente das câmeras para dirigir esse documentário?
MM – Eu já tinha vontade de dirigir há bastante tempo, mas eu achava que ia dirigir filmes de ficção, dirigir atores, criar histórias… Porque dentro da minha cabeça há milhões de personagens e histórias que eu tenho vontade que tomem forma. Só que nem sempre você é que escolhe as coisas, as coisas te escolhem também. Acabou que o documentário aconteceu antes do filme de ficção e agora que eu consegui realizar o documentário, fiquei feliz com ele, me senti realizada, eu fiquei muito estimulada. Eu estou tentando escrever um filme de ficção, que já é um segundo passo, e estou muito apaixonada com isso. Só que óbvio fica todo mundo perguntando se eu vou querer deixar de ser atriz, mas a profissão de atriz é uma paixão também.
AUN – Foi difícil angariar fundos para o documentário?
MM – Era um orçamento muito barato. Agora eu quero ver como será com o filme de ficção, que é obviamente muito mais caro, muito mais complexo, por isso que acabou acontecendo o documentário antes também. Foi mais viável.
AUN – Você não ficou com receio da crítica? Afinal, pelo próprio tema do documentário, poder-se-ia interpretar como autopromoção, aquele estereótipo da “atriz que ajuda jovens carentes”.
MM – Esse filme eu fiz muito para mim e para eles, os personagens do filme. Eu queria muito que eles gostassem e que eu me sentisse realizada com o que eu tinha feito, afinal foi o primeiro filme que eu fiz… Mas é claro que eu não sou um tipo de pessoa que faz um filme só para mim, claro que você quer que todo mundo goste. A princípio, o que eu mais queria é que eu ficasse satisfeita e que eles gostassem de se ver na tela. E aí, num segundo momento, claro, quanto mais a crítica gostasse, as pessoas gostassem… Mas acho que há críticas e críticas e eu estava aberta até para críticas ruins. Eu acho que um filme existe com o olhar do outro também.
AUN – Mas o fato de você ser uma atriz famosa interfere, claramente, nas críticas.
MM – Por mais que eu ficasse triste, eu estava disposta a ouvir o que as pessoas tinham a dizer, de ruim e de bom. Mesmo que a crítica fosse destrutiva, eu estava preparada. Mas eu queria ouvir críticas que me ajudassem a crescer como cineasta, eu estava muito disposta a ouvir pessoas que me falassem: “olha, isso e isso aqui não estava bom e tal”. Isso porque eu queria aprender, eu estava me sentindo uma iniciante, como estou me sentindo ainda assim, sabe? Não é porque eu já tenho um nome como atriz… Eu estou me sentindo como dando um primeiro passo como diretora, estou me sentindo como se eu tivesse vinte e poucos anos…
AUN – Não te incomoda o fato de você aparecer mais na mídia do que a sua obra?
MM – Eu acho que a indústria de celebridades é uma coisa muito forte. Talento é uma coisa que sempre se impõe, quando você tem um mega talento, tudo isso é mais forte que tudo. Se você vai construindo, trabalhando e não vai aceitando esse jogo, quando você fica no meio-termo… Eventualmente você tem que ceder, tem que fazer uma entrevista aqui, ir a um evento ali… Mas se não fica vivendo de um jogo fútil eterno, vai lá, senta lá, escreve todo dia, não fica só indo a festas o tempo inteiro, você constrói o seu trabalho. É que as pessoas acham que para fazer um trabalho precisam ir a festas várias vezes por semana, e não é nada disso. O que faz de um artista ou de um ator ou de um cineasta ou de um diretor ou o que quer que seja alguém é o trabalho dele.
AUN – É por isso que você tem uma carreira sólida, com mais de duas décadas…
MM – Não adianta a pessoa ter a ilusão de que ir a três festas por semana e aparecer na revista vai fazer dele alguém. Pode fazer dele alguém naquela semana; passou aquele tempinho ali, se ele não tiver alguma coisa a oferecer de fato… Ou não, posso estar enganada, sei lá… Posso estar falando besteira. Hoje em dia a pessoa emagrece quatro quilos e sai na capa: “emagreci quatro quilos”. Semana que vem: “separei do meu marido”. Daqui a cinco semanas: “ganhei um carro do meu novo namorado”. Pode ser, quem sabe… Claro, a pessoa se sustenta por aí uns dez anos na mídia, mas alguma hora… Depende da tua vontade também, do que você almeja para você. Se você quer construir alguma coisa da qual você vai se orgulhar ou da qual você quer que o seu filho se orgulhe ou se você busca alguma realização, aí é mais difícil, aí você tem que trabalhar. Tem que ser algo que te dê felicidade de fato, de verdade. Não só material, mas que te preencha.
AUN – As telenovelas brasileiras fazem muito sucesso em Portugal. É um país que acolhe com carinho, de fato, muitos artistas brasileiros…
MM – Portugal é uma delícia… Desde a comida, que eu adoro, até as pessoas… O carinho, os lugares bonitos, a sensação de estar em casa. Eu pretendo vir a algum festival aqui em Portugal este ano com o meu documentário.
(*) Festival Internacional de Cinema do Porto. Este ano a mostra foi realizada no final de fevereiro, em sua 29ª edição. Por problemas técnicos com o “upload” das fotografias, só agora a AUN está veiculando a entrevista com a atriz global.