(Cidade do Porto, Portugal) – Em menos de uma hora os ingressos para os 800 lugares do Grande Auditório do Teatro Municipal Rivoli esgotaram-se. Essa é a 29ª edição do Fantasporto, Festival Internacional de Cinema do Porto, que acontece na cidade do Porto (região norte de Portugal) até o dia 1° de março.
A abertura oficial, realizada nesta sexta-feira 20, contou com o discurso da diretora do evento Beatriz Pacheco Pereira, que repetiu três vezes ao longo de sua explanação que “este não é o Fantasporto da crise”. Como a crise tem sido o foco midiático há pelo menos cinco meses, não é de se espantar que o assunto paire no ar também no universo do cinema – e toda a grande indústria que movimenta a sétima arte.
O fato é que este ano o festival apresenta 491 filmes, cem a mais em relação ao ano passado. Se a qualidade corresponde à quantidade, agora é esperar para ver. Aliás, pagar para ver, e não é nada muito confortável para o bolso se estimarmos que existem muitos filmes interessantes e que cada sessão sai a 4 euros (aproximadamente 12 reais). Existem alguns pacotes, não mais cômodos, em que dez bilhetes saem a 30 euros (cerca de 90 reais) ou a entrada em todas as sessões pode ser alcançada a 110 euros (por volta de 330 reais).
CHE UM MÊS ANTES DA ESTRÉIA NO BRASIL – Para a sessão de gala de abertura, optou-se pela antestréia do filme Che - The Argentine (2008), que no Brasil só será lançado no próximo dia 27 de março.
O filme de Steven Soderbergh retrata a biografia do revolucionário Ernesto Che Guevara em dois longas-metragens, sendo The Argentine a primeira parte, que abrange a história do guerrilheiro desde o encontro com Fidel Castro no México até a conquista do território cubano, antes dominado pelo regime de Batista. A segunda parte, The Guerrilla, que não faz parte da programação do Fantas, perpassa pela renúncia de Che ao seu cargo no governo cubano e à sua cidadania no país até a decepção do revolucionário por não conseguir na Bolívia o apoio que conseguiu em Cuba.
A linearidade do filme já era esperada. O que intrigou foram as fortes doses de humor, quer sejam criadas por situações cômicas, quer sejam pela dubialidade de certos diálogos. O fato é que esse humor garantiu um bom timing à trama, isto é, ajudou a distribuir a tensão no decorrer da história para não tornar as cenas de guerrilha cansativas.
A posição humanista do revolucionário é largamente reforçada, inclusive mostrando o contraste entre a ideologia anti-imperialista e o ícone mundial em que transformaram Che, cuja imagem foi midiatizada e vendida pelo próprio capitalismo.
Vem daí o preto e branco utilizado nos momentos paralelos aos episódios da guerrilha, um bom recurso estético para não tornar cansativa a narração. Nesses entremeios, Che aparece em discursos na ONU e na recepção que teve em sua viagem a Nova York em 1964 ou em excertos de entrevistas. Deixa-se claro que o guerrilheiro não lutava por nações e territórios, mas por melhores condições humanas independente de limítrofes espaciais ou culturais. “Qual a principal característica de um revolucionário?”, pergunta uma jornalista. Che responde: “O amor. O amor à humanidade, à justiça e à verdade”.
A longa acaba de maneira tão abrupta e inesperada – numa tentativa de impelir o público a assistir a segunda parte – que se torna confuso o desfecho para aqueles que não sabem que a história sob a óptica de Soderbergh não fica por ali.
Como protagonista, merece destaque a atuação de Benicio Del Toro (também produtor do filme e prêmio de Melhor Ator no último Festival de Cannes) pela peculiaridade de não intencionar atingir o máximo de semelhanças ao Che na vida real, mas por incorporar o personagem com as possibilidades e limitações que a ficção cinematográfica sugere. Aliás, o longa nos dá a idéia de que não existe uma obsessão pelo detalhamento histórico – é um filme que, apesar da história fragmentada pelas conquistas paulatinas do grupo de guerrilheiros, reflete uma visão do todo, e não de partes.
Os brasileiros ainda vão encontrar o ator Rodrigo Santoro corroborando, mais uma vez, a sua carreira internacional ao interpretar Raúl Castro, irmão de Fidel Castro e responsável por apresentar Che àquele que seria o seu grande parceiro na revolução.
O FESTIVAL – O Fantasporto tem suas raízes no cinema fantástico, voltado para as produções de terror, suspense e ficção científica. Mas é fato que atualmente o fio condutor do evento tem se desdobrado para outras áreas, como a da comédia e a do melodrama. Filmes como Código 46 e The Deal, por exemplo, estão voltados para gêneros que escapam ao cinema do puro tétrico.
O festival está dividido em: longas e curtas-metragens; 19ª semana dos realizadores; antestréia, premiére e panorama; retrospectivas (Mario Bava, Cinema Galego, Arquitetura e Cinema e Jorg Buttgereit); secção Orient Express; homenagem ao cineasta José Fonseca e Costa; e a premiação, incluindo o prêmio da crítica e o prêmio do público. O festival ainda se estende por mais oito lugares, como em salas de cinema em Aveiro, Vila Nova de Gaia, Braga e Coimbra.
Nesta edição do Fantas, tem ocorrido uma série de conferências que propõem uma reflexão sobre a maneira que o cinema tem retratado a arquitetura e o urbanismo. Mais de 1.500 pessoas já passaram pelo Grande Auditório para ouvir palestras de arquitetos como o japonês Sou Fujimoto e o português Marcos Cruz. Abordando temas como as cidades do futuro, foram selecionados para subsidiar essa secção do evento filmes como Blade Runner (que, aliás, é o filme de culto do Fantas 2009), Dark City, Immortel, The Island e Blindness.
Apesar dessa série de conferências, ainda encontra-se como desafio para as próximas edições promover debates do público com cineastas, atores, produtores e críticos de cinema. O festival centra-se atualmente apenas na exibição de filmes. Talvez seja o momento para amadurecer a idéia de estender o espírito do evento para além das apresentações.
Algumas críticas da mídia portuguesa apontaram uma programação inerme tendo em vista os anos antecedentes; existiram até mesmo rumores de que esta seria a última edição do Fantas (abjurados no discurso de abertura, em que Beatriz Pereira corroborou que haverá maior fomento do Governo na edição do ano que vem). Mas o fato é que o Fantasporto realmente é um grande festival com uma pluralidade temática que vai do thriller ao terror, da ficção científica ao imaginário, coletando desde filmes do grande circuito comercial aos de caráter alternativo do cinema europeu e do resto do mundo.
Para quem não mora no Porto, fica o convite a visitar a bela cidade nas margens do rio Douro nas últimas duas semanas de Fevereiro, época em que vem sendo geralmente realizado o festival. São 15 dias e mais de 14 horas diárias de muito cinema. De tudo, uma coisa é certa: para quem é filho da sétima arte, nada como passar o carnaval dentro de uma sala escura e em contato com obras de grande estirpe.
QUASE TRÊS DÉCADAS DE CINEMA – O Festival Internacional de Cinema do Porto surgiu em 1981 como Mostra de Cinema Fantástico e atingiu a maioridade na edição de 1993. Ao longo de quase três décadas, mais de 5.000 filmes passaram pelo festival.
Consagrado internacionalmente pela revista Variety como um dos vinte mais importantes festivais do mundo e o top dos eventos de temática fantástica, tornou-se um significativo conjunto de iniciativas de âmbito cultural e artístico, promovendo uma miscelânea de expressões artísticas, como é o caso de exposições de artes plásticas, espetáculos de teatro e de marionetes, colóquios, edição de livros monográficos ou temáticos, concurso de cartazes, banda desenhada e cinema não-profissional.
Cineastas de grande êxito no circuito mundial tiveram suas primeiras projeções mundiais no Fantas. É o caso de David Lynch com Eraserhead no Fantas de 1982, Ridley Scott com Blade Runner no Fantas de 1983, Pedro Almodóvar com Matador no Fantas de 1987 e Quentin Tarantino com Reservoir Dogs no Fantas de 1993.