O ser humano tem de fato se preocupado com a análise da sua verdadeira constituição, enquanto ser pensante, tanto que elaborou, ferreamente, muitas investidas em conceitos epistemológicos acerca do que um dia pudera sintetizar o seu pensamento, o que lhe fora contribuinte na origem de suas idéias, ou mesmo no que consiste a sua essência. O que corrobora tamanha “odisséia” introspectiva do homem são as provas que foram deixadas por pensadores, artistas, os quais possuíam a idéia da virtualidade de uma forma tão hodierna. Em tempos contemporâneos, esse aspecto virtual tem se concretizado e fincado na mente do homem, por isso a sua edificação constante (tal como é vista e tachada de ruído comunicacional) norteia perfeitamente as mútuas relações.
Assim dizia o estudioso McLuhan: “o homem vive em uma Aldeia global”. De fato, em sentidos dessa globalização, ouvidos, vozes, pensamentos, cores, tudo, permeia por uma encruzilhada internacionalmente coletiva. Diz-se que a razão do mundo é instrumental devido ao seu não comprometimento com o que é essencial ao homem. Este é cercado por idéias, culturas, que suspiram e almejam esclarecimento real; não se desvinculam, porém, do falso, unânime e onipresente. Aí está uma perfeita “aldeia” para esse falso entendimento da completude do Outro: a comunicação globalmente simplificada e alastrada.
Certa feita, um grande escritor se comprometeu e construiu para o esboço público a sua obra, literalmente psicológica, Capitu. Machado de Assis demonstrou, mesmo de forma superficial, a personalidade ateada por dissimulações, principalmente em suas falas. Os “olhos de ressaca” de Capitu se prontificaram para futuras análises e descobertas acerca daquele comportamento. Na verdade, não se sabe ao certo qual seria sua essência, ou se realmente o que ela aparentava fazia parte da sua originalidade.
O ruído na comunicação seria justificado pela falta de revelações por si própria. A Capitu (ou o Machado) fez exaurir todo tipo de compreensão acerca de seu comportamento duvidoso, ocasionalmente cifrado, de poucas e inatingíveis palavras. A partir dessa idéia é que se pode pensar (cem anos depois da Capitu machadiana) no modelo cibernético da internet: conversas curtas, codificadas e que muitas vezes não se esclarecem em si mesmas, tal como Capitu. Não se é capaz de sentir o Outro, de compartilhar suas “magias”, mas apenas de lhes atribuir o fragmentado, aparentemente essencial.
Essa questão do Outro, da ausência de ser e de compreender o Outro, não é só “ofuscamente” tratada por estudiosos atuais. O grande Immanuel Kant outrora fizera vigorar o pensamento universal para a mútua compreensão através do chamado Imperativo Categórico. A mesma categoria, que o homem possuía nas suas “rasas” relações, deveria ser canalizada para o entendimento das mesmas relações, agora aprofundadas. O imperativo estaria nas regras, as quais cada um manteria com o Outro: “agir e pensar de modo que a essência de seus atos seja universal”. O que é aparente pode perfeitamente ser modificado, porém a essência jamais se esquiva da sua origem real. Quaisquer que sejam os acidentes, já segundo Aristóteles, a sua essência prevalece. Então, o Outro pode ser revelado!
Em certa ocasião, quando da vinda da corte Portuguesa, esta trazia em si o aspecto da fina e tradicional “beleza” européia por suas damas, com seus turbantes e ornados vestidos. Pois bem! Tudo aquilo indicaria que os turbantes simbolizavam uma infestação grande de piolhos e a falta de cabelo, além dos vestidos cobrirem o vazio que havia na essência daquelas mulheres.
Unir, pois, tal capacidade de se mostrar “descaradamente”, de fazer emergir das entranhas o seu fabuloso nicho compreensível, o mais intimista de um homem, talvez não seja ainda uma atitude convicta de verdade. O ser, na mais profunda solidão, distante das várias conjeturas acerca do seu mundo, revela-se mais completamente e sem exageros. O que dirá José de Alencar em sua obra Senhora, quando a personagem Fernando Seixas, em seu isolamento do mundo socialmente hipócrita, no qual costumava viver, nada mais se revela como um homem simples e sem muitas posses, longe dos falsos escrúpulos a que se fazia entender, com uma aparência fidalga. É exatamente uma abertura à discussão do paradigma da ação humana de viver pela aparência, completamente empobrecida pela falsidade, que pode ser rebuscada a idéia do por que da maioria do ser humano agir de tal forma.
O jogo da Essência e da Aparência será eternamente a grande porta de estudos, em que serão encontradas mentes brilhantemente perseguidas por tal vício, o vício do obscurantismo da alma, da cópia, da infinita insatisfação do ser singular e não aparentemente original; afinal, as aparências enganam!