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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

16/12/2008
Opinião
Cenas da crise

Crônica: João Paulo da Silva

Por João Paulo da Silva

O Luis e o Elias tinham acabado de receber seus salários. Aí o Luis notou o Elias todo murchinho, meio pra baixo.

- O que foi Elias? Algum problema?

- Luis, me responde uma coisa.

- Claro. Pode falar.

- O teu salário dá pra satisfazer todas as tuas necessidades?

- Mas é claro, Elias.

- Eu não acredito nisso. Não é possível. Como é que você consegue?

- Muito simples, Luis. Eu satisfaço uma necessidade a cada mês. Num mês eu compro comida. No outro eu pago o aluguel. Aí no seguinte eu nem compro comida e nem pago o aluguel. Gasto com médico e remédios. Porque a essa altura já fiquei doente. Você achava que eu satisfazia todas no mesmo mês?

- Era.

- Como você é ingênuo, Elias.

******

Era final de tarde. Em pé no ônibus, eu voltava pra casa. Numa das paradas do coletivo, subiu um moleque com uma caixinha de chicletes.

- Boa tarde, pessoal! Desculpe estar interrompendo a viagem de todos vocês. – começou ele, com aquele discurso já conhecido dos passageiros – Estou aqui vendendo esses deliciosos chicletes para comprar comida para os meus irmãos, pessoal. Um pacote é R$ 0,50. Dois é R$ 1,00. Três eu troco por um vale-transporte, pessoal. Aqueles que puderem me ajudar eu agradeço. Aqueles que não puderem eu agradeço da mesma forma. Fiquem com Deus e tenham todos uma boa viagem, pessoal.

Antes mesmo de a crise econômica estourar, cenas como essa já eram bastante comuns. E tendiam a se multiplicar. Mas, naquela tarde, aconteceu algo que eu nunca tinha visto. Era algo novo.

Assim que terminou seu discurso, o garoto saiu oferecendo os chicletes entre os passageiros. Uma senhora comprou um pacote.

- Obrigado. – respondeu o moleque.

Alguns minutos depois, a mulher começou a gritar:

- Ei menino! Esse chiclete tá vencido! Tá fora da validade! Me dê meu dinheiro de volta! Ei menino!

Mas já era tarde. O garoto tinha decido no ponto anterior.

- Que peste! Me vendeu o chiclete vencido! – resmungava a senhora.

Um homem da cadeira de trás tentou amenizar a situação.

- O que não mata engorda, dona. Pior é na guerra.

Ou na crise. – pensei.

******

Quando a Maria chegou em casa, o Gilmar estava na mesa com lápis e papel na mão.

- Tá fazendo o quê, Gil?

- Contas, mulher. Contas.

O Gilmar ganha um salário mínimo. E isso, por si só, já é motivo pra entrar em depressão. Mas o desespero maior do Gil era ver seu minúsculo ordenado encolher ainda mais com o novo aumento dos alimentos.

- A comida subiu outra vez, Maria. Só a cesta básica leva quase metade do dinheiro.

Silêncio.

- Maria, sabe aquele “sifu” que o Lula disse?

- O que que tem?

- Era pra gente.



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