Uma desagradável constatação para a cultura alagoana foi apresentada pelo Tribunal de Contas da União (TCU): o Estado não captou nem 1% dos recursos da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Em contraste, 83% dos incentivos foram para o Sudeste. É o que mostra o relatório do Tribunal sobre as contas do governo em 2006.
Criada em 1991, a Lei Federal nº 8.313/91 tem como objetivo aumentar a produção cultural brasileira por meio de incentivos fiscais a empresas que patrocinem eventos do ramo. À primeira vista, parece uma solução para suprir a carência de cultura presente em todas as regiões do País, porém o cenário revela outra realidade.
A lei funciona da seguinte maneira: os produtores culturais ou os próprios artistas criam projetos para aprovação do Ministério da Cultura. Posteriormente, os próprios autores dos projetos buscam sensibilizar empresários, que podem ou não apóia-los. O empresário recebe desconto no Imposto de Renda proporcional ao valor investido e ainda faz sua publicidade; e, caso decida apoiar, pode escolher o projeto de acordo com o público-alvo, com a quantidade de público e outros interesses.
Essas três etapas, como comprova a experiência dos 16 anos de Rouanet, dão brecha a grandes falhas que prejudicam a produção cultural brasileira. O percentual divulgado pelo TCU comprova a má distribuição dos recursos investidos em cultura através da lei. Motivos que explicam isso estão presentes em todo o processo de captação exigido pela Lei 8.313, a começar pelo intermédio de empresas privadas na escolha dos projetos.
De acordo com o relatório do TCU, "esta concentração de recursos torna-se grave com a constatação de que o recurso em última instância não é privado, e sim público. Desta forma, as empresas têm decidido onde aplicar os recursos, mas não têm assumido o ônus do incentivo à cultura".
RECURSO CAPTADO – O Tribunal mostra que há maior participação do Rio de Janeiro e de São Paulo na origem dos recursos captados pela Lei Rouanet, o que se deve ao fato de diversas empresas federais, grandes incentivadoras, terem sede nesses Estados. Mas salienta que a circunstância não justifica o descumprimento, pela Lei, do artigo 165 da Constituição Federal no que diz respeito à utilização do critério populacional para a redução das desigualdades inter-regionais.
Para a artista visual, professora de artes e titular na Câmara Setorial de Artes Visuais/MINC, Ana Glafira, a centralização do financiamento da produção cultural no eixo Rio/SP é uma das conseqüências de o Governo federal deixar a decisão nas mãos do setor de marketing das empresas, apesar de afirmar que essa realidade, aos poucos, se modifica.
Ela diz que, por conta da falta de políticas públicas de cultura, através da Lei Rouanet, "o Governo coloca nas mãos do setor privado a escolha dos projetos que serão beneficiados, ou seja, a distribuição ou não dos investimentos depende da vontade do 'patrocinador'". E quando o problema não é com as empresas, são os artistas que, desestimulados, não produzem os projetos para análise ou não têm a prática sistemática de elaborar projetos.
A atriz e sócia do grupo teatral Joana Gajuru, Waneska Pimentel, confirma a dificuldade presente na Lei tanto para inscrição de projeto como para captação de recursos. Pimentel explica que "a Rouanet, por ser um adiantamento de receita, de certa forma não atrai empresas investidoras. Em estados de maior arrecadação, esse cenário ainda consegue ser diferente. Mas há, sim, dificuldade, porque além de buscar os recursos diretamente nas empresas, o artista ou produtor tem gastos iniciais com documentação, por exemplo".
Sobre investimentos da Lei diretamente para o teatro em Alagoas, ela revela que há alguns ganhos, apesar da dificuldade. "Alguns grupos conseguiram captar verba através de projetos criados pelas empresas. Mas quando não há esses projetos, geralmente, mesmo aprovado pela Lei Rouanet, alguns grupos não conseguem captar. As empresas ou produzem seus próprios eventos ou preferem investir em eventos com maior alcance de público, como shows de música", diz.
REALIDADE – A superintendente de Formação e Difusão Cultural de Alagoas, Catarina de Labouré, explica que existe uma pretensão do Governo em mudar essa realidade, mas que a desvantagem em que o Nordeste se encontra também é resultado da desorganização dos beneficiários. Ela acrescenta que a classe artística alagoana se inscreve pouco, investe pouco nos projetos e tem pouco poder de elaboração.
Para resolver esse outro problema, a superintendente diz que são realizadas capacitações em Maceió e em alguns interiores para esclarecer dúvidas como formato, linguagem, estrutura e dados necessários para a aprovação do projeto, além da divulgação de editais e acesso dos beneficiários. "Com algumas ações que estamos produzindo, os problemas serão amenizados. Também estamos prestes a conceber a Lei Municipal de Incentivo, nos moldes da Rouanet, com algumas modificações; mas não há dúvida de que uma política de Fundo para a Cultura é a real solução", afirma.
O Fundo Estadual de Cultura para Alagoas está sendo regulamentado e já causa expectativa. Ana Glafira acredita que o Estado possui uma dinâmica cultural e observa que "a criação do Fundo Estadual de Cultura deverá garantir o acesso dos artistas e produtores culturais aos recursos de modo integral. O Fundo, se regulado por editais, onde haja comissões de seleção competentes nas especificidades de cada linguagem artística, impulsionará a economia da cultura em Alagoas", conclui.