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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

29/10/2008
Geral
BOA TARDE, PESSOAL!

Ambulantes de Maceió, inclusive crianças, utilizam o transporte coletivo urbano como um espaço de luta pela sobrevivência

Por Estêvão dos Anjos & Wanessa Oliveira

A sentença “Boa tarde pessoal” já faz parte do cotidiano de todos que utilizam o transporte coletivo para se locomoverem pelos bairros de Maceió. Aproveitado pela maioria dos vendedores ambulantes que sobem aos ônibus da capital, o jargão já se tornou uma brincadeira por parte dos ouvintes. O que esses passageiros não sabem é que, para muitos, levantar a voz para um simples “Bom dia” ou “Boa tarde” virou o início de um exaustivo dia de trabalho em busca do sustento da família e da própria sobrevivência.

O vendedor ambulante está inscrito em uma modalidade de comércio caracterizada pela improvisação e pela informalidade. Em geral, é mais comum o seu aparecimento nas grandes cidades, em decorrência do desemprego. Por tratar-se comumente de um serviço realizado por pessoas que não têm instrução e não contribuem com os devidos impostos, o trabalho é visto com maus olhos por alguns setores da sociedade. Porém, o fenômeno cresce cada vez mais rápido em Maceió, trazendo à tona personagens marcantes no dia-a-dia dos usuários de transporte coletivo. Saiba como estes empreendedores improvisados encararam o ofício e como se organizam para fazer deste comércio uma forma digna e legal de sobrevivência.

Os Pioneiros: Terapia do Riso

O grupo Terapia do Riso, idealizado pelo poeta, ator e cantor Hélio Marques, surgiu com o objetivo de levar alegria a orfanatos, creches, asilos e hospitais da capital, por meio de atividades lúdicas e distribuição de brindes. Para arrecadar os recursos, os palhaços subiam nos coletivos vendendo cartões com poesias ilustradas, também animando os passageiros. O grupo foi lançado em 1995, no Paraná, mas constatando o bom resultado do trabalho, Marques decidiu propagá-lo em diversos outros municípios. Em Maceió, o trabalho foi iniciado em 2001, com uma trupe de trinta palhaços.

De acordo com o ex-integrante, Carlos Henrique, o dinheiro obtido, além de ser utilizado na compra dos materiais para as visitas, era revertido em ajuda de custo. “Era um meio de sobrevivência, já que também vivíamos disso”, conta. Acontece que, há cerca de três anos, os palhaços descobriram que Marques não havia registrado a organização e que até mesmo as assinaturas das carteiras profissionais eram falsas. “Quando saímos de lá, não tivemos direito a nada”, contou.

Com algumas tintas de rosto, brinquedos, e muita força de vontade, seis membros do antigo Terapia do Riso decidiram recomeçar o trabalho, agora em nome dos “Palhaços da Alegria”. A equipe é vista até hoje nos ônibus de Maceió vendendo capinhas para celular, chaveirinhos e canetas “ultra-modernas”.

Difusão: Das Balas de Coco às Guloseimas

Para José Otávio, 32, tudo começou com uma recomendação culinária direto de sua vizinha. “Ela me ensinou uma receita para fazer bala de coco e disse que aprendeu assistindo ao programa da Ana Maria Braga. No começo a gente anunciava: ‘Óia a bala da Ana Maria’”, relembra. Há 11 anos, Otávio, que já havia trabalhado como porteiro e auxiliar de serviços gerais no município, decidiu deixar Maceió e procurar emprego em São Paulo.

Desempregado por quatro anos na capital paulista, Otávio tomou conhecimento das balas, vendendo-as no Centro e nos metrôs de Santo André e São Paulo. O ambulante relatou que, com freqüência, a fiscalização tomava seus produtos. Por considerar seu trabalho prejudicado pela ação dos fiscais, decidiu voltar a Alagoas e tentar viver de maneira semelhante: vendendo as balas nos pontos de ônibus.

A idéia de subir aos ônibus surgiu quando tomou conhecimento do grupo Terapia do Riso e da forma como trabalhavam. Hoje, Otávio diz que enche sua cesta com cerca de 1.200 balinhas de coco e fatura, por dia, cerca de R$ 40. “Hoje consigo sobreviver desta forma, oferecendo meus produtos nos ônibus”, afirma.

Não sabia o comerciante que, algum tempo depois, os ônibus da cidade passariam a ser um verdadeiro espaço de comércio, do qual ambulantes tiram seu meio de ganhar a vida. Ao mesmo tempo em que crescia o número destes comerciantes nos coletivos, surgiam personagens que hoje fazem parte do cotidiano de nossa cidade. Vendedores como Madruga, o ceguinho da sanfona, o vendedor de bala de coco, os palhaços do grupo Terapia de Riso e o “da música dos gatinhos” já se tornaram verdadeiras lendas urbanas de Maceió, e o seu famigerado “Boa Tarde pessoal” um jargão característico da profissão.

Como nem tudo são flores, também surgiu um agravante: os coletivos passaram a ser alvos de assaltos constantes. Somente em 2005, época em que esse tipo de trabalho informal estava se desenvolvendo, foram registrados 122 assaltos a ônibus interestaduais e a veículos urbanos. Para tentar combater ou minimizar o número, câmeras foram instaladas dentro dos ônibus, mas não foi o suficiente para inibir a ação dos criminosos, que inicialmente se passavam por vendedores e, logo depois, davam voz de assalto aos coletivos.

Opa! Crianças à Bordo

O que os passageiros não deixam de notar é o número crescente de crianças trabalhando nos ônibus, nos mais diversos horários, e com as mais diversas idades. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “é proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos”. Em nenhuma hipótese é permitido que a criança trabalhe em detrimento do estudo.

O pequeno L.W.P.S tem apenas 13 anos e já trabalha há três vendendo balas nos coletivos. “Eu digo que a gente é de menor na idade, mas é de maior na responsabilidade”, conta o menino, que mora com a mãe e o padrasto, ambos desempregados. L.W. conta que ainda não entrou na escola. “Passo o dia todo trabalhando. Quando chega a noite, fico cansado, não dá para ir para aula ainda”.

M.M.F, 15, também já assume responsabilidades de “gente grande”. O garoto conta que, desde os 11, trabalha com o pai, também vendedor de balas nos ônibus. “Já faz tempo que eu peço a ele para ir à escola. Ele disse que próximo ano deixa eu ir”, diz.

O primeiro secretário da Associação dos Ambulantes de Maceió (Avam) confirma que a realidade é bem diferente do que a prevista no Estatuto: “Não sei se vão conseguir impedir que as crianças trabalhem. Tem uns cinco ou seis menores com a camisa da associação, mas nós temos consciência de que não podemos aceitar, porque é contra a lei”, disse Carlos Ferreira. “O que eles têm que prestar atenção é que, estando na Associação ou não, eles estarão vendendo, porque isso é um acordo entre eles e a família. Não tem nada a ver com a Associação. Mesmo que não possam participar dela, tentaremos dar assistência a eles também, para que não saiam das escolas ou voltem para lá”, disse.

Com a União Nasce a Avam

Segundo os próprios vendedores ambulantes, com a crescente onda de violência que tomou conta dos transportes de Maceió, boatos apontavam que a prefeitura pretendia proibir este tipo de atuação dentro dos coletivos como uma forma de evitar mais assaltos. Inconformados com a situação, um grupo de ambulantes se reúnem todas as terças, na Praça do Centenário, no Farol, com o intuito de unir todos que se utilizam dos transportes públicos para vender suas mercadorias e sustentar suas famílias

O ambulante José Benedito, que trabalha há 6 anos com caramelos e jujubas pelos ônibus da cidade, assumiu a missão de organizar os vendedores e assegurar por lei esta alternativa de subsistência. Unindo-se a Nicácio Lopes e Carlos Ferreira, criou a Associação dos Vendedores Ambulantes de Maceió. Ainda em fase de formação, a Associação possui cerca de sessenta membros que se reúnem todas as terças-feiras, em plena Praça Centenário, no Farol.

“Nós conversamos com o dono de uma bomboniere, no Mercado, e ele aceitou nos vender as balas por um preço mais barato. Também através dele conseguimos patrocínios para fardamento”, diz Carlos Ferreira, que assume o ‘cargo’ de primeiro secretário, mostrando a camisa que identifica os integrantes da Associação. “Com essas camisas, as pessoas podem ver que não somos qualquer pessoa, mas trabalhadores organizados e devidamente identificados”, acrescenta.

Carlos conta que, além de trazer credibilidade à ‘categoria’, o objetivo da Associação também é inserir os próprios ambulantes, inclusive com aulas de comportamento. “Muitas pessoas falam de ressocialização. Mas como haver ressocialização, sem socialização? Nas reuniões tentamos orientar os vendedores a não puxar as cordas, por exemplo, para não atrapalhar a viagem; e também a evitar gírias e palavrões, porque eles precisam entender que estão em contato com a sociedade, que precisamos ser conscientes e respeitar o próximo”, apregoa. “Não pode xingar motorista, nem passageiros, esculhambar dentro dos ônibus, chutar e cuspir. Vocês precisam saber que estão em outra tribo, que tem uma linguagem diferente, não é a linguagem do ‘meu irmão’. Queremos lapidar e educar vocês que, sem saber, estão desenvolvendo um trabalho de marketing. As empresas já estão entrando em contato para terem seus nomes estampados nas camisas”.

Para atingir esse objetivo, Carlos Ferreira explica que um projeto está sendo fomentado com a ajuda de dois advogados voluntários, com a proposta de criar uma parceira com a SMTT para ter um controle dos vendedores que têm acesso aos coletivos.

Dentre outras propostas, há também a articulação de um pedido de empréstimo para membros da Associação. De acordo com Carlos, um banco já se predispôs a efetuar o crédito. “Queremos que todos tenham o capital inicial para as compras dos produtos; com a contribuição de cada membro, a Associação formará um caixa que servirá para atender às necessidades dos associados. Também sabemos que podemos sofrer acidentes, trabalhando nas ruas, esse dinheiro servirá para ajudar na compra de remédios e outros gastos necessários”, explica.

Para Mudar: Uma Oportunidade

Apesar de ter 2° grau completo, Josimar Alves, 28, não encontrava oportunidade de emprego. Há sete anos, o jovem decidiu dedicar-se a esta atividade. Josimar entrou então para a Associação após ouvir do presidente as regras que teria que cumprir. “Através da Associação poderei trabalhar com respeito, já que, havendo o controle, as pessoas vão saber que quem está subindo é um trabalhador”, explica. Josimar conta que, como ambulante nos ônibus, chegou a faturar R$ 1.600 reais nas últimas festas de Ano Novo: o tão esperado fogão para sua cozinha chegou junto com 2008.

Para o primeiro secretário, além de ser uma solução para os problemas de criminalidade, a Associação pode servir como uma alternativa de combate ao desemprego e às drogas.

O jovem Leandro Rocha, 25, enfrentou uma reviravolta aos 8 anos, quando seus pais faleceram. Na época, Leandro vivia na cidade de Branquinha, próxima a União dos Palmares, e foi levado para viver com sua avó, em Maceió. “Quando cheguei aqui, foi que conheci os jovens que moravam perto da casa da minha avó, no Tabuleiro, e eles me incentivaram a entrar na bandidagem, rumo ao tráfico de drogas. Mas foi na Jatiúca que comecei a vender e conheci o tráfico”.

Leandro Rocha conta que, aos 17, já estava envolvido com a criminalidade. “Eu tomava bolsas, correntes, assaltava mercadinhos e ônibus. Já tinha dado entrada várias vezes em delegacia de roubos e furtos. Então conheci o Fernando, do Terapia do Riso, que me mostrou um outro mundo. Achei legal ter respeito. Coisa que eu não tinha. Era visto como um vagabundo, um cheira-cola, um ex-prisioneiro”. Para Leandro, trabalhar honestamente e se envolver em grupos religiosos o impulsionaram a mudar, definitivamente, de vida. “Investi, acreditei em Deus, e conheci a Avam, que me abriu as portas”. Hoje Leandro é casado, tem quatro filhas, “e duas delas estão em escola particular, graças ao que recebo vendendo balas nos coletivos”, completa.

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