Dia de recebimento de aposentadoria, idosos lotam as agências bancárias, todos vão mensalmente a busca do dinheirinho, que mais do que uma quantia financeira, representa o alívio do fardo de quem, na fase derradeira, recebe o lenitivo por ter sofrido durante toda uma vida.
Nessa multidão de vovôs e vovós, uma me chama a atenção. Pele agredida, aroma grave, suas roupas vêm impregnadas do cheiro do ambiente em que mora, seu café da manhã deve ter sido preparado em fogão de lenha. Grampos prendem os cabelos ressequidos. Nela não há vaidade, mas deve estar trajando uma de suas melhores roupas, desgastadas, encardidas, mas uma das melhores.
Se não fosse pelo fato de ter sentado ao meu lado acredito que não a teria notado. Mas estando perto não pude deixar de me comover pela história que me contava mesmo em silêncio. Traz as marcas de quem sofreu. Sua infância deve ter sido humilde, sua juventude de privações e na terceira idade não parece ser diferente. Suas mãos cheias de calo e sujeira deixam escapar que sua luta e trabalho nunca cessaram.
Os pertences que trás consigo são tão humildes quanto seu semblante. Uma bolsa e papéis, muitos papéis. Carrega na mão um papelzinho onde consta em letras gigantes: SENHA DO BANCO – seguida pela seqüência de números. Ali está ela, sozinha, com o acesso ao seu sustento em punho, vulnerável. Nela não há maldade, por esse motivo, não teme o mal vindo dos outros.
Outrora ostentou beleza, jovialidade. Não possui mais o mesmo vigor, mas parece exalar perseverança. Não reclama da vida por achar que não tem porque reclamar. Pode não saber ler, mas sequer imagina que tem muito a ensinar.
Ela espera, mas não reclama, não questiona. Deve estar impaciente, mas limita-se a chacoalhar os pés. É só. Tem a sabedoria de quem muito viveu e a ingenuidade dos que precisam de proteção, a força de quem em sua existência não fez nada além de lutar e o desamparo por não ter a quem recorrer.
Queria descobrir seu nome... “Maria, deve chamar-se Maria”. E não me enganei ao supô-lo. Ela se levanta com a singeleza dos anônimos ao ouvir a atendente do caixa chamar o próximo: “Dona Maria do Carmo!”.