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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

15/10/2008
Geral
PESCADORES DE CONCRETO

Entre prédios históricos e badalações noturnas do Bairro de Jaraguá, homens e mulheres da favela fazem da pesca seu meio de vida

Por Paula Felix (Texto) & Raul Spinassé (Fotos)

Em um barracão improvisado à beira-mar, um grupo de pescadores observa o sol de fim de tarde tingindo de dourado o mar que, em outros horários, oscila entre o verde e o anil. Perto deles, jovens de diferentes idades disputam uma partida de vôlei, gritando a cada ponto conquistado. Nas varandas de casebres de madeira, ferro e todo tipo de material, habilidosas marisqueiras tratam peixe e descascam camarão, enquanto suas crianças correm seminuas, junto a cachorros e galinhas, por ruas estreitas e cobertas por um tipo de lama escura e viscosa.

O cenário dessa imagem é a Favela de Jaraguá, também conhecida como Vila dos Pescadores de Jaraguá. Incrustado no bairro que fez com que Maceió ganhasse o título de capital – desbancando a “princesinha” Penedo –, o local instiga pelo mosaico de sensações que provoca, seja pelos cheiros, olhares ou histórias de vida. Existente há mais de meio século, aguarda há quase 15 anos por um projeto de revitalização que nunca saiu do papel, embora esteja a poucos metros da prefeitura. Mesmo conscientes da exclusão social a que estão expostos, os moradores da vila, cerca de 450 famílias, não desanimam: pegam cedo e largam tarde do batente, convocam toda a família para a labuta e buscam sempre superar as adversidades com alegria.

É assim com a família de Maria Luísa da Conceição, 60, moradora da vila há 35 anos. Nascida em Joaquim Gomes, ela morou no bairro de Bebedouro e se mudou para Jaraguá quando se viu sozinha, tendo que criar cinco filhos, pois foi abandonada pelo marido.

“Eu pedia a Deus quatro telhas pra morar com os meus filhos e hoje tenho minha casa”, conta. A casa da qual se orgulha tem um quarto, que durante o dia é usado como sala, uma cozinha, uma área para pesar e armazenar o pescado, além de uma varanda, onde as filhas e noras tratam peixe e camarão.

Na varanda também ficam os animais de estimação de Dona Luísa, periquitos em gaiolas e pombos que se abrigam no telhado. Estes agem como guardiões da casa, dando vôos rasantes na cabeça de visitantes intrusos. Como marisqueira, ela criou oito filhos e o mesmo ofício trouxe o sustento para seus dezesseis netos e cinco bisnetos.

Respeito pelo mar – “Ah, não tem profissão mais preguiçosa que a de pescador! A vida de pescador é boa demais, olha só pra gente aqui, era pra tá trabalhando. Pescador é preguiçoso demais...”. É com bom humor que o pescador Celso Henrique Alves, 38, define a profissão que desempenha desde quando ficou órfão, aos 9 anos de idade.

Morador do bairro da Pajuçara, escolheu como posto de trabalho a Vila dos Pescadores de Jaraguá. Celso é dono do Tigre, um barco que vale cerca de R$ 40 mil, equipado com GPS e sonda. Nele, fez boas pescarias, enfrentou tempestades e, com os riscos que correu, veio o aprendizado de como lidar com o mar: “Eu tenho respeito pelo mar. Quando percebo que ele tá bravo, acho melhor nem entrar”.

Especializado em pesca de mergulho, principalmente de lagosta, ele explicou rapidamente as modalidades exercidas pelos pescadores da região, como linha e arrastão, contou como é feito o armazenamento do pescado – em urnas construídas nos barcos ou em caixas de isopor –, falou das viagens em alto-mar, nas quais os pescadores chegam às águas da Bahia e ficam até 15 dias longe de casa, relembrou dos amigos que perdeu no mar. Aquele era um dia importante. A esposa tinha viajado para Coruripe, onde iria dar à luz Jorge Emílio, o quarto filho de Celso.

Nasce uma embarcação – Corsário, Guerreiro do Mar, Amanda, Telavive, João 4.8, 22 de Abril são alguns dos nomes dos barcos dos pescadores da Favela de Jaraguá. Batizar os barcos é uma tradição dos pescadores e o nome da mulher amada ou do filho varão são os principais escolhidos, mas há também as expressões de religiosidade e o amor pelo futebol.

A quarta vitória do Brasil na Copa do Mundo inspirou José Petrúcio, 48, no batismo de seu barco, Tetra. “Eu tinha o Penta, mas foi no ano que o Brasil perdeu. Aí, eu vendi”, relembra ainda meio decepcionado. Ao ser perguntado se trabalhava há muito tempo com pesca, respondeu sem pestanejar: “Desde os 17 anos, foi meu primeiro emprego e será o último!”.

Mas o mar fere a estrutura dos barcos, que volta e meia precisam de reparos. Muitos deles já devem ter passado pelas mãos de José Oliveira, 47, que se intitula “carpinteiro naval”, profissão que aprendeu com o tio. Sua jornada de trabalho dura, em média, 11 horas. Ele reforma barcos, mas diz que existe uma preferência por novas embarcações: “O povo quer ver o nascimento, por isso, gostam quando eu faço um barco novo. E a gente se sente vitorioso quando termina um serviço como esse”, diz, batendo no fundo de um barco. Uma embarcação de sete metros, com capacidade para seis pescadores e para 5 a 7 toneladas de pescado, demora cerca de três meses para ficar pronto e custa R$ 10 mil.

Labirinto – A maioria dos moradores da vila afirma que o local é tranqüilo, reclamando apenas da estrutura das casas e da falta de atenção do poder público. Os casos de violência divulgados pela imprensa são citados com discrição e apontados como atos de “pessoas de fora da comunidade”. Entretanto, existem aqueles que relatam momentos de horror decorrentes das guerras do tráfico que se instalou na região.

A venda de entorpecentes nos becos, as perseguições pelos verdadeiros labirintos que se formam entre os barracos, os assassinatos em plena luz do dia, na frente de crianças. Poucos falam sobre o assunto, porque preferem ressaltar que ali é um lugar de gente honesta e trabalhadora, um lugar bom para se viver.

“Aqui é maravilhoso! Eu moro perto de tudo, tem coisa melhor? É por isso que eu não saio daqui de jeito nenhum”, elogia o vendedor da balança de Jaraguá, Cláudio dos Santos, 44, que não foi para o mar, mas sempre trabalhou com os frutos dele. Nascido e criado na Vila dos Pescadores, ele não concorda com os projetos de transferência dos moradores para a Praia do Pontal. Nem Cláudio, nem nenhum pescador ou marisqueira da região.

A questão vem se arrastando há anos. Em 2005, aparentou ser algo possível de acontecer, quando o prefeito Cícero Almeida, então em seu primeiro mandato, anunciou a transferência dos moradores para o Pontal. A tal transferência tem gerado uma confusão que já parou várias vezes no Ministério Público. Em março deste ano, a visita do secretário municipal de habitação, Nilton Nascimento, para anunciar o projeto, foi interrompida por um princípio de tumulto. Agora, a situação está em estado de silêncio.

“A gente não vai sair daqui. Se eles vierem com essa história de novo, a gente faz o maior barulho: fecha rua, chama a televisão, quero ver só”, avisa Cláudio. Na verdade, o grande desejo dos moradores é a revitalização do local.

Além do horizonte – Todo o ambiente da Favela de Jaraguá tem um quê de vitral. As cores das roupas no varal, do lixo espalhado pela areia e das paredes dos barracos explodem com a luz do sol. É nessa moldura que as crianças experimentam o mundo. Brincando e brigando, escalam os barcos, fingem que estão desbravando o mar, correm sobre peixes apodrecidos. Com sorrisos no rosto e expressões de curiosidade, falam do futuro como se contassem um sonho que tiveram na noite anterior.

Filhos ou netos de pescadores, alguns pensam em seguir o mesmo destino. Outros vão além. “Eu não quero ser pescador. Eu vou ser jogador do Manchester United, aquele time, sabe? Eu vou jogar lá”. Os olhos do pequeno Henrique, de 10 anos, pregados no horizonte. Bem longe dali.

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