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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

15/10/2008
Comportamento
TEM ÍNDIO NA REDE

Por meio de um projeto idealizado pela ONG Thydewas, onze comunidades indígenas descobrem os atrativos da internet

Por Larissa Bastos

Há algum tempo atrás os índios das nações alagoanas kariri-xocó e xucuru-kariri nem imaginavam a possibilidade de se comunicar com os quatro cantos do mundo. E o melhor: sem sair dos limites da aldeia. Mas com uma idéia um tanto criativa, o arco e a flecha foram trocados pelo ‘mouse’ e pelo teclado. A rede virou virtual. Assim como já previa a música de João Bosco, chegou o índio do ano 2000.

Índio esse que acessa a internet com habilidade e dialoga com as mais diversas tribos – não só as indígenas. Parece impossível? Não. Pois o projeto já está em funcionamento desde 2004, quando foi implantado de maneira experimental em sete nações nordestinas.

O inusitado conceito surgiu da cabeça de Sebástian Gerlic, um argentino que, deixando a rivalidade entre os dois países de lado, vem se dedicando com afinco aos índios brasileiros. Mesmo em uma conversa informal, ele não revela a idade e nem há quanto tempo está no Brasil; prefere se concentrar nos projetos que vem desenvolvendo junto aos povoados nacionais.

Quando perguntado sobre o motivo da paixão pela comunidade indígena, Sebástian é enfático: “O mundo vive em crises. O homem se distanciou da natureza. Os índios não só têm consciência disso, mas o coração cheio de amor. Eles são mestres da cooperação, da solidariedade, do respeito. Estão dispostos a ensinar e a Thydewas busca canais para que esse aprendizado possa ser massivo”, diz ele.

A Thydewas em questão – o nome traduzido significa “Esperança da Terra” – é a organização não-governamental liderada por ele – e também a responsável pela inserção dos índios no universo virtual. Foi ela quem possibilitou a criação do que o argentino denomina de “aldeia global”.

Compartilhando conhecimentos – Cada tribo possui um centro digital com alguns computadores, uma antena e uma câmera digital. É assim que funciona o projeto Índios On-line, desenvolvido em parceria com o Instituto Oi Futuro. Atualmente são onze nações conectadas nessa rede. Juntas, elas abastecem o portal de mesmo nome, o www.indiosonline.org.br. É nele que são publicadas as matérias contendo o cotidiano das comunidades.

Com uma visão particular, eles contam histórias, aspectos culturais, desejos. Cada índio é livre para escrever e fotografar o que quiser. Na página, eles compartilham conhecimentos passados de geração em geração dentro da hierarquia indígena, além de ensinar coisas simples, como reciclagem de lixo, reflorestamento e preservação ambiental.

O site, contudo, também revela uma triste realidade. É através dele que os indígenas denunciam o preconceito e a violência vistos – e sentidos na pele – diariamente. Eles falam de roubo de terras, desmatamento, falta de atendimento médico, de merenda escolar. “No portal também denunciam e divulgam tudo em referência aos seus direitos desrespeitados”, lembra Sebastián. É uma espécie de grito de socorro.

Além de conhecer essa realidade – que parece tão distante, os internautas também podem comentá-la, deixar sua opinião e palavras de apoio. O elo é estabelecido por meio de um sistema de conversas on-line, o conhecido chat. Essa nova possibilidade de interação já gerou situações curiosas. “Em um local bastante isolado a internet foi usada para pedir socorro para um índio que tinha sido picado por uma cobra. E deu certo!”, comemora Sebástian, o gestor do projeto.

Um dos coordenadores do projeto na aldeia kariri-xocó, o índio Ayra conta que eles conversam diretamente com cerca de cinqüenta pessoas por noite, entre índios e “brancos”. A maior parte dos acessos vem do Sul e Sudeste do País e as perguntas mais freqüentes são quanto ao estilo de vida dos povos indígenas modernos. “Eles querem saber se a gente ainda tem oca, se pesca, dorme em rede. Sempre respondemos que somos pessoas normais, temos nossas casas, nossas geladeiras, televisões e coisas do tipo”, diz.

Internet ajuda na educação – Três computadores conectados 24 horas por dia compõem o Ciberoca, centro digital gerenciado por Ayra. Um revezamento entre dezoito índios mantém o site atualizado com matérias sobre os acontecimentos da nação kariri-xocó. O coordenador conta que dentro de algum tempo, entretanto, o Ciberoca deve ser ampliado para que possa abrigar mais máquinas. Um novo prédio já está sendo construído e outros membros da comunidade devem ser preparados para abastecer o portal.

Essa preparação leva tempo e exige disciplina. Na implantação dos centros, foram escolhidos de três a cinco pessoas em cada aldeia para participar de um curso em Salvador. De acordo com Ayra, mesmo com a experiência, que durou 15 dias, foi preciso muita força de vontade para levar o projeto adiante. “Foi um pouco difícil. Nunca imaginei bater de frente com um computador. São milhares de informações”, relata o índio.

Ainda assim, Sebástian faz questão de lembrar que no quesito adaptação, os índios se saíram muito bem. Segundo ele, o projeto encontrou certa resistência em sua implantação, mas em poucos dias os mais jovens já estavam totalmente familiarizados com os computadores. “Eles se apropriarem da tecnologia não foi diferente do processo de qualquer outra pessoa. A adaptação é igual, mas cada um de seu jeito”, diz ele.

Problema maior – e que surpreendeu – foi a sede dos índios em conhecer a realidade virtual. “O difícil foi que todo mundo queria usar”, relata o argentino. Para resolver o impasse, cada aldeia criou suas próprias normas. Na kariri-xocó, por exemplo, há um rodízio entre os membros do povoado. Formados em duplas, eles têm o direito de ficar uma hora conectados.

Jovens e professores são os maiores usuários e aproveitam a oportunidade para estudar. No grupo coordenado por Ayra, há cinco deles fazendo cursos superiores à distância. “Nosso objetivo é capacitar nosso povo. Queremos ter nossos próprios advogados, contadores, administradores. Queremos que eles tenham suas profissões”, diz o coordenador do projeto na tribo.

Livro relata experiências – Dentro do Índios On-line a Thydewas desenvolve ainda uma espécie de mini-projeto, como define Sebástian. Trata-se do Arco Digital, um curso à distância voltado para índios de todo o País com o objetivo de ajudar na captação de recursos e elaboração de projetos de sustentabilidade e valorização cultural. Implantado também em 2004, ele conta com a participação de nações de Alagoas (xucuru-kariri e kariri-xocó), Pernambuco (pankararu) e Bahia (tumbalalá, kiriri, tupinambá e pataxó hahahae).

O projeto nasceu de uma triste constatação: mais de 95% dos índios brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza e sem perspectivas de melhorias. No Nordeste a situação se agrava: muitas comunidades apresentam os menores índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Usando a internet, as tribos se unem para tentar desenvolver soluções para esses problemas. Em 2007, foram mais de 100 indígenas participando da iniciativa.

Um dos grandes feitos do projeto foi o livro Arco Digital – Uma rede para aprender a pescar. A publicação, lançada durante a III Bienal Nacional e Internacional do Livro de Alagoas, fala sobre as experiências com as novas tecnologias dentro e fora das aldeias. A maior parte foi escrita pelo alagoano Nhenety Kariri-Xocó, que contou com a ajuda de outros nove indígenas. Nas 63 páginas, ele conta como o computador se tornou uma ferramenta para busca de soluções e, ao contrário do esperado, ajudou na manutenção das tradições.

Este mês o Índios On-line recebeu, no Museu da Cidade, em Recife, o prêmio Parcerias – que, de Alagoas, também contemplou o projeto Olhar Circular, desenvolvido em Marechal Deodoro pela ONG Saudáveis Subversivos. Promovido pela Aliança Interage e Instituto Ação Empresarial pela Cidadania, ele beneficia ações voltadas para a educação, geração de renda e preservação do meio ambiente.

Representando o projeto da Thydewas, os índios Ayra e Nhenety, ambos da tribo kariri-xocó, foram à capital pernambucana para buscar o prêmio de R$ 5 mil, valor que será muito bem empregado em benefício da aldeia. “Vamos contratar nosso próprio contador. Há muito trabalho para fazer aqui e esse dinheiro vai pagar o salário dele”, explica Ayra.

Como criador do projeto, Sebástian se diz realizado com esse reconhecimento. “É genial. Esse é um projeto que não demora para apresentar resultados”, comemora ele. As comunidades, claro, também aprovam a iniciativa. “Estamos muito felizes, pois temos consciência de que estamos ajudando a nós mesmos”, relata Ayra. E a opinião dele certamente é compartilhada por muitos outros índios alagoanos – mais precisamente 2.500 kariri-xocós e 1.600 xucuru-kariris, que agora descobriram os encantos, e principalmente os benefícios, da grande rede.

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