No dia 07 de abril de 1921, a população lotava o Cine-Teatro Floriano para conferir, extasiada, a estréia dos dois primeiros filmes rodados em Alagoas: os documentários
Carnaval de 1921 e
A Inauguração da Ponte de Cimento em Vitória, ambos de autoria do italiano Guilherme Rogato. Contratado para ser o fotógrafo oficial do Estado, ele havia desembarcado por aqui no mesmo ano, com uma bagagem recheada de ‘parafernálias’ até então quase desconhecidas.
Mais ou menos na mesma época, por volta da década de 1930, surgiria a Alagoas Film, empresa que contava com nomes ilustres, como Aurélio Buarque de Holanda, Jaime de Altavila, José Lins do Rego, Manuel Diegues Júnior e Guedes de Miranda. A grande expectativa girava em torno da primeira película de ficção. Em 1933, seria lançado Casamento é Negócio?, do próprio Rogato, com sessão especial no extinto Cine Capitólio. Nascia aí, o cinema alagoano.
Ainda hoje, porém, tempos depois desses fatos históricos, a expressão “cinema alagoano” continua soando estranha aos ouvidos de muita gente – e nem alguns dos cinéfilos mais fanáticos escapam dessa sensação. Isso não acontece por acaso. Conhecer a produção local realmente não é fácil. A chance de encontrar essas obras nas salas de exibição da capital é praticamente nula. Nas locadoras, então, nem pensar. E não adianta procurar nos famosos camelôs espalhados pela cidade; é perda de tempo. Olhando assim, não é difícil pensar que a febre pela sétima arte ainda não chegou por aqui.
Mas ao contrário do que muitos imaginam, o Estado tem sim suas produções cinematográficas – e de boa qualidade, por sinal. A afirmação vem de dois entendidos no assunto: os cineastas Pedro da Rocha e Hermano Figueiredo. Eles garantem que, apesar da caminhar a passos lentos, as produções locais têm conquistado espaço no cenário nacional. “Alagoas não fica devendo a nenhum outro lugar no Brasil na questão do talento. O que temos de problema, que acho que também deve acontecer em outras partes, é falta de apoio”, diz Pedro. É com essa ampla experiência na área que os dois logo advertem: a carreira de diretor é complicada. Para se aventurar por esses caminhos, é preciso garra e coragem.
Quem são os diretores alagoanos? – Pedro da Rocha tem 50 anos e há 20 trabalha com áudio-visual. A história de Hermano Figueiredo não é muito diferente: aos 47 anos, ele já acumula uma experiência de quase 30. Junto com outros três diretores – Almir Guilhermino; Werner Salles e Celso Brandão –, eles compõem o G5 do cinema alagoano. “É um grupo muito bom e forte. Pessoas que têm lançado coisas boas, com muita técnica e qualidade”, garante o professor e crítico Elinaldo Barros.
O time de estrelas está por trás de alguns dos maiores feitos da sétima arte em Alagoas. Foi Celso Brandão o responsável pelo renascimento da produção no Estado, após um longo apagão na área. Experiente, ele possui um currículo repleto de filmes – ao todo são mais de vinte. Produções que o também cineasta Cacá Diegues denomina como “pequenas obras-primas”. Já Werner Salles se consagrou ao ganhar as duas primeiras edições do DocTV, o que possibilitou que ele filmasse Imagem Peninsular de Lêdo Ivo e História Brasileira da Infâmia, ambos com prêmios de R$ 100 mil.
Na área da ficção, o grande nome é Pedro da Rocha. A trajetória do cineasta começou ainda na infância. “Costumo dizer que minha escola foram as salas do Cine São José, em Junqueiro, quando eu era menino. Foi nele que pude assistir a uma série de clássicos, que ficaram como referência e que aguçaram meu interesse pelo áudio-visual”, conta ele.
Mas foi mesmo em 1998 que ele entrou de vez no mundo da sétima arte, quando decidiu compilar um material que havia captado para a Secretaria de Cultura, onde trabalhava, e lançar seu primeiro documentário. Chamado Em nome do Pai, do Filho e da Folia, o curta conquistou o grande prêmio na I Mostra Competitiva de Vídeos de Alagoas. Após um tempo parado, ele retornou em 2005, com mais duas películas sobre carnaval.
A visibilidade maior veio com seu primeiro projeto de ficção, a Risonha Morte do Tião das Vacas – adaptação de um conto de Wilmar Soares, atual secretário de comunicação do Estado. Em 2007, consolidou a carreira com Desalmada e Atrevida, uma comédia regional que conta as peripécias de um sertanejo metido nas mais diversas encrencas. Sucesso de crítica e público por onde passa, essa já é considerada pelos cinéfilos como grande marco da produção cinematográfica local. O próximo lançamento já está no forno: um média sobre a história do rádio em Alagoas, que já completou 60 anos.
Completando o time, ninguém menos que Hermano Figueiredo. Assim como Pedro, ele também revela que o interesse começou ainda criança. “A primeira vez que vi um filme tinhas entre 2 e 3 anos, por obra de meu pai. Acho que a experiência com cinema já começa assim, quando a gente passa a ver filmes e ficar instigado com o conteúdo deles”, relata ele. A ligação mais estreita com a sétima arte veio mesmo na década de 1970, em Recife, quando, com um grupo de amigos, montou um cineclube.
Contabilizar todas as produções feitas ao longo desses anos é praticamente impossível. “Quantos filmes já fiz? Não sei. Já fiz muitos exercícios que não terminei. Acho que fiz pelo menos uns dez, mas a conta certa não sei, não”, diz ele. No currículo, apenas documentários. Ele é o homem por trás de produções premiadas, como São Luis Caleidoscópio (2000), ganhador no V Festival de Cinema do Recife nas categorias melhor montagem e melhor fotografia; e Choveu e daí? (2002), que conquistou o troféu Josué de Castro no Cine PE, como melhor documentário social. O maior xodó, no entanto, é Calabar, feito com recursos da terceira edição do DocTV e que rendeu ao cineasta reconhecimento nacional.
Jeitinho para driblar dificuldades – “Cinema é uma arte coletiva, não dá pra fazer sozinho”, faz questão de lembrar Pedro da Rocha. A frase surge quando o assunto são os obstáculos enfrentados ao se tentar produzir em Alagoas. Sem leis de incentivo ou um fundo de apoio à cultura, os diretores ficam verdadeiramente de mãos atadas – ou pelo menos é assim que eles se sentem. As dificuldades passam por todas as etapas da produção, desde a montagem do projeto até a planilha orçamentária e a disponibilidade de equipamentos.
O único mecanismo de incentivo aos cineastas é a edição local do DocTV, que acontece anualmente e seleciona apenas um projeto. O valor do investimento é de R$ 100 mil – dinheiro usado para custear a filmagem de um documentário. O prêmio é o sonho der qualquer diretor, mas o número ainda é totalmente insatisfatório frente à produção alagoana – que varia entre dez e doze filmes por ano. “Os DocTvs que saíram daqui foram aclamados lá fora, ficaram entre os dez melhores do Brasil. Mas, fora isso, as dificuldades aqui são imensas”, desabafa Hermano Figueiredo, que já chegou a filmar fora do Estado devido às dificuldades.
Com oportunidades escassas, o jeito é descobrir maneiras alternativas de levar o cinema adiante. Nas produções alagoanas, quase tudo funciona em regime de mutirão: nem atores nem equipe técnica recebem cachê. “Eles trabalham pelo exercício, pela experiência, pela paixão. Os artistas têm uma necessidade muito grande desse exercício pra câmera. Temos muitos bons atores de teatro que carecem experimentar seus talentos, suas aptidões”, diz Pedro. Com muita ginástica, eles conseguem custear outras despesas, como alimentação e transporte – até vaquinha entre o elenco vale.
E é somente graças ao desprendimento de tirar dinheiro do próprio bolso, que as ações saem do papel. Isso porque, quando há apoio, ele não chega a cobrir 30% dos custos – que não são poucos. Lucro é uma palavra desconhecida por aqui. “Nunca ganhei nada com meus filmes. Para falar a verdade, a única coisa que ganhei até agora foi um cheque de R$ 300 com o lançamento da minha primeira ficção, que entrou em cartaz no Cine Sesi Pajuçara. Não deu pra nada, mas pelo menos reuni a equipe e fomos tomar uma cachaça para comemorar”, revela Pedro entre risos.
Mesmo com tantos problemas, todos os diretores são unânimes: o trabalho é feito por paixão. É esse sentimento que faz com que eles continuem na estrada se esforçando para provar que os alagoanos podem, sim, produzir cinema. “Vale a pena fazer qualquer coisa em Alagoas, principalmente cinema”, diz Hermano Figueiredo concluindo a entrevista de quase trinta minutos feita durante uma pequena pausa em uma oficina de animação que ele ministrava na idéia de formar mais sonhadores como ele.