Dia ensolarado, livro nas mãos e mochila nas costas, olho para o paredão da Rua Pedro Monteiro e vejo que as tradicionais barracas de "sebo" não estão mais lá. Pena! Um dos motivos da passagem por ali ser aprazível era exatamente o tempo que eu gastava observando os livros à venda. Sempre percorria a calçada e achava delicioso gastar alguns minutos observando o material exposto: Machado de Assis, Miguel de Cervantes, Dostoievski e uma infinidade de mestres. Outro dia vi no jornal que as barracas de alfarrábios foram transferidas temporariamente para a praça logo adiante, há reforma nas redondezas, lembro.
Na subida da ladeira encontro um grupo de jovens e crianças que conversam e pedem esmola aos transeuntes, confesso que tenho medo e agarro firmemente a bolsa que levo. Sigo.
Ouço sons incomuns, é o prédio da Assembléia Legislativa que está em obras, o barulho mostra que o trabalho é intenso. Reparo em uma pintura no canteiro que reforça: "Pedimos desculpa pelo transtorno estamos recuperando a casa dos alagoanos". O trabalho está a todo vapor e o resultado é promissor. Estou em um ponto turístico de Alagoas.
É o Centro de Maceió, Praça D. Pedro II, lugar onde poderes distintos se encontram. O poder religioso representado pela ostentosa Catedral Metropolitana fica visivelmente no alto, o poder executivo é figurado pelo Ministério da Fazenda enquanto o poder legislativo, ainda que passando por reparos, é representado pela sede da Assembléia. Há ainda o prédio histórico da Biblioteca Pública de Alagoas, antiga residência do Barão de Jaraguá, que hoje abriga um poder potencial que é o conhecimento guardado nos livros.
O teor histórico desse ponto da cidade enche de ufanismo bairrista qualquer alagoano dado à contemplação, mas não é exatamente este o sentimento que me toma nesta tarde de fim de ano.
Tenho um encontro marcado com dois amigos. Como precisamos de fontes para uma pesquisa e o material a ser examinado compõe o acervo da Biblioteca Pública, para lá me dirijo. Chego cedo e enquanto aguardo meus colegas de classe na recepção da biblioteca, observo o movimento.
"Favor deixar seus pertences na portaria e abandonar os preconceitos do lado de fora", reparo na placa junto à entrada. Mas não preciso de muito tempo para detectar que lá fora há outro tipo de abandono...
Noto que há homens, mulheres, crianças, espalhados pela praça, ficam em grupos, deitados na grama, envoltos em lençóis, conversando. O bando que a princípio me assustou é parte desse grupo maior, de desabrigados, suponho.
No mesmo espaço que já serviu de pouso ao imperador no século XIX, conforme o nome do local indica, hoje descansam pessoas humildes, mirando o busto do soberano ostentado no meio da praça, tão alheias à historicidade de seu abrigo.
Fixo o olhar em um garotinho que caminha descalço. Ele é diferente dos outros garotos da mesma idade que circulam pela região, eles vão com suas mães, bem vestidos, fazem compras, este menino de pés despidos traja apenas uma camiseta encardida.
Observando este cenário travo um diálogo com minha consciência: Por que eles estão na praça? Nesse instante me dou conta do que está escrito: "... estamos recuperando a casa dos alagoanos". É isso! Chego a uma ingênua e irônica conclusão: São alagoanos, logo, a casa é deles, não? Não são desabrigados, se são alagoanos têm casa. Eu li. Pode ler. Está na placa. Estão à espera, aguardando que sua casa fique pronta.
É simples. Enquanto eu espero meus amigos chegarem, eles esperam sua casa ficar pronta. Acabo de me dar conta que além e aquém dessa redoma que é o mundinho estudantil existe uma realidade que transcende muitas das discussões acadêmicas.