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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

12/10/2008
Opinião
O humor e a irreverência do Lalau

Em 1968 morria o jornalista Sérgio Porto, criador do impagável Stanislaw Ponte Preta, o grande esculhambador da realidade brasileira (Ensaio de João Paulo da Silva)

Por João Paulo da Silva

“Tunica, eu tô apagando!”. Foi assim que o jornalista, radialista, e humorista carioca Sérgio Porto, nascido em 11 de janeiro de 1923, se despediu do mundo. Estas foram suas últimas palavras antes de morrer, aos 45 anos, em decorrência de um infarto. Sérgio, mais conhecido pelo alter-ego Stanislaw Ponte Preta, não abandonou o senso de humor nem mesmo na hora do derradeiro suspiro. No último dia 29 de setembro, a literatura brasileira completou 40 anos sem o cronista que soube ser, através da irreverência e da língua afiada, um crítico atemporal.

Retrato do passado e do presente – O personagem Stanislaw, também chamado de Lalau, surgiu em 1953 no jornal Diário Carioca, quando Sérgio Porto teve de substituir o colunista social Jacinto Thormes. A partir dessa data, o jornalista passou a assinar suas corrosivas crônicas com o famoso pseudônimo. Sérgio foi um cronista que retratou com acidez e irreverência sua época.

Criador de outros personagens hilários, como Tia Zulmira (ex-cozinheira da Coluna Prestes), Rosamundo e Primo Altamirando, Stanislaw fez história com a publicação de Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá), entre os anos de 1966 e 1968. A ditadura militar, instalada no Brasil com o golpe de 1964, viu surgir nas crônicas de Sérgio Porto a sátira ao regime autoritário, com direito a causos e histórias absurdas sobre mandos e desmandos de políticos de toda espécie. A verdade é que Stanislaw traçou um duro e bem humorado perfil da “redentora”, forma que o autor usava para ironizar a ditadura. O lado patético do autoritarismo era escancarado por meio das mais impensáveis besteiras ditas e feitas por verdadeiras “otoridades”. A “besteira” abaixo é um bom exemplo.

“No mesmo dia em que o governo resolvia intervir em todos os sindicatos, resolvia mandar uma delegação à 16a. Sessão do Conselho de Administração da OIT, em Genebra. Ao Brasil caberia exatamente fazer parte da Comissão de Liberdade Sindical. Na mesma ocasião, um time da Alemanha Oriental vinha disputar alguns jogos aqui e então o Itamarati distribuiu uma nota avisando que eles só jogariam se a partida não tivesse cunho político. Em Mariana, MG, um delegado de polícia proibia casais de se sentarem juntos na única praça namorável da cidade, baixando portaria dizendo que moça só podia ir ao cinema com atestado dos pais. Em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões pelas arquibancadas dos estádios. Dali em diante quem dissesse mais de três palavrões ia preso.”

Sérgio Porto era um cronista mundano. Escreveu sobre política, futebol, episódios cotidianos, sexo, falso moralismo, ações da polícia etc. Soube, como poucos, traduzir a linguagem dos morros cariocas para seus textos. Tinha um olhar aguçado para captar o ridículo que cerca a todos nós, criando grandes tiradas e frases que resumiam as situações mais bizarras. Embora a ditadura militar tenha terminado, as velhas práticas das oligarquias continuam vivas na sociedade brasileira, repetidas pela hipocrisia e conservadorismo dos atuais governos. Os recorrentes casos de corrupção do Congresso e do governo Lula poderiam ser sintetizados em tiradas como “No Brasil a imunidade parlamentar existe para muito poucos deputados. Para a grande maioria o que existe mesmo é a impunidade parlamentar”.

Uma outra sacada do Lalau, criticando o papel dos “coronéis”, mostra que, mesmo quarenta anos depois, o sarcasmo de Sérgio Porto permanece caindo como uma luva. “Quando aquele cavalheiro entrou no hospital dizendo “eu sou coronel, eu sou coronel”, o médico tirou o estetoscópio do ouvido e quis saber: - Fora esse, qual o outro mal do qual o senhor se queixa?”.

Stanislaw Ponte Preta conseguiu realizar uma façanha para um cronista. Conseguiu ser atemporal. Ao ler seus textos, qualquer um ficaria surpreso com tamanha atualidade.

Vida longa ao Lalau! – O jornalista Sérgio Porto foi um homem de hábitos perigosos. Boêmio incorrigível, abusava das bebidas e comidas “carregadas”. Além disso, costumava se enfiar em imensas jornadas de trabalho que ultrapassavam 15 horas diárias. Escreveu para cinema, trabalhou na televisão, no rádio, elaborou scripts de shows e fez música. Dedicava-se tanto que certa vez chegou a dizer: “Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio”.

Levando a vida desse jeito, não poderia durar muito. Aos 36 anos, Sérgio sofreu seu primeiro infarto, seguido de mais outros quatro. Ainda muito jovem, quando tinha 45, teve o último. Acabou morrendo cedo, mas deixou uma vasta produção. Além dos três volumes de Febeapá – sua obra mais lembrada – existem outros trabalhos de Sérgio Porto que merecem destaque, como Tia Zulmira e Eu (1961), Primo Altamirando e Elas (1962), Rosamundo e os Outros (1963) e Garoto Linha Dura (1964).

Vale a pena, também, registrar aqui um dos traços marcantes de sua personalidade: a generosidade. Porto foi responsável por retirar Cartola de um lava-rápido e ajudou Nelson Cavaquinho a pagar alguns móveis.

A morte de Stanislaw Ponte Preta em 1968, poucos meses antes do famigerado AI 5, deixou uma lacuna na visão crítica e bem humorada do Brasil. A ausência de sua irreverência e sarcasmo, diante da atual imbecilidade do humor nacional, nos permite dizer, nas palavras do próprio autor, que vivemos “numa melancolia de pingüim no Piauí”. Em tempos como os nossos, é fundamental ler e reler Sérgio Porto. Vida longa ao grande esculhambador da realidade brasileira.

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