:: Projeto de Extensão Coordenado pelos professores e jornalistas
:: Erico Abreu (MTb 354-AL) e Francisco de Freitas





De:
Por:
Clique para fazer a busca!
MENU
 

Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

10/10/2008
Opinião
Vida nova, velho mundo

Crônica: Manaíra Aires

Por Manaíra Aires

É outono na Europa. A cada esquina do Porto, segunda maior cidade de Portugal, as folhas caem das árvores como que anunciando a queda dos arcabouços do passado, antes tão mentores da forma de ver e de viver desse povo português.

“Repare como os outonos são estações mais da alma que da natureza”, dizia Drummond se referindo a todo amadurecimento por qual passamos em diferentes estações da vida. Morar em outro país talvez seja realmente isso: amadurecemos entre as reminiscências e o coração aberto ao que se principia, tal como também vivem as pessoas aqui deste lugar. O conflito entre o anacrônico e o novo é visível não só na estrutura arquitetônica da cidade, bem como na grande disparidade de comportamento entre os jovens e os mais velhos.

Andando no Porto, observamos verdadeiras construções modernas, repletas de espelhos e cores vibrantes, que dialogam com igrejas medievais, museus antiquíssimos, pontes ainda testemunhas da invasão napoleônica no século XIX. Perambular por estas ruas é ter a sensação de que podemos atracar a todo instante em novos portos, repletos de atividades culturais e um ar que mistura o fim do verão com mais um começo de ano – sim, aqui o ano letivo começa por agora, no outono.

Por esses lados de cá, o conservadorismo e formalismo já não traduzem a maneira jovem de compartilhar, ouvir, se portar, consumir. As fronteiras entre os jovens de diversos vernáculos realmente estão cada vez menores: portugueses, belgas, lituânios, turcos, poloneses, brasileiros, todos expressam uma mesma linguagem, ainda que diversas vezes em idiomas diferentes, e em muitos encontro um largo sorriso de quem está a fim de somar descobertas e novas visões de mundo.

Paradoxalmente, se alargam com celeridade as linhas limítrofes entre essa juventude e aqueles que nasceram não menos que seis décadas atrás, estes maioria num país com taxas de natalidade cada vez menores. Não é cena difícil presenciarmos jovens trocando beijos em lugares públicos (como em fontes, museus, bares) e senhores e senhoras repreenderem o gesto, quer seja com uma simples negação com a cabeça, quer seja indo falar com o casal enamorado.

Os mais velhos, num primeiro contato com os estrangeiros, parecem ranzinzas e demasiado formais, tentando mostrar que aqui as regras de convívio são outras. Com o tempo, percebemos um povo prestativo, que fala de maneira enfática e que adora ir aos cafés no fim de tarde comer deliciosos pães.

Nada em Porto me convida a construir um porto-seguro, cheio de certezas e confortos. Muito pelo contrário, aqui o campo é minado pelas dúvidas, porque quando vivemos sozinhos em um outro país estamos condenados à liberdade de nos conhecermos mais, de questionarmos mais sobre nossa identidade. Aprendemos a reconhecer o que é e o que não é essencial em nossas vidas – e acredite, muito do que antes nos parecia imprescindível, com o tempo se torna secundário.

“Ora bem”, como dizem meus novos amigos, Portugal é essa amálgama entre aquilo que se foi e aquilo que se é. Um misto de sensações entre as pilastras do passado e o concreto do presente. E quando me lembro dos versos “Quanto menos eu quisesse recordar, mais a saudade andasse presa a mim”, da poetisa portuguesa Florbela Espanca, já não sei ao certo se é saudade do que deixei no Brasil ou se é saudade de cada instante que vivo aqui e que eu gostaria que perdurasse muito mais do que um piscar de olhos.



Clique nas fotos para ampliá-las.

Clique para ampliar Clique para ampliar Clique para ampliar Clique para ampliar
Clique para ampliar