Precisava ver o mar. No meio-dia escaldante de Maceió, no curto intervalo entre o trabalho e aula, me ocorreu um desejo: Ver o mar. Paisagem comum, que para muitos nativos como eu, já não é motivo de tanta admiração, já que faz parte da paisagem urbana e do cenário cotidiano. Tive uma noite anterior cansativa, a tarde seria longa e a semana fora fatigante. Segui na direção contrária, adotei o rumo oposto. A mesma viação que tomo para ir à universidade – construir conhecimento, trabalhar com a mente, processo que apesar de enobrecedor, torna-se enfadonho às vezes – me levou para minutos de tranqüilidade, em vez da "Volta" optei pela "Ida".
Não podia imaginar que andar no ônibus que é alvo de tanta reclamação pudesse ser tão prazeroso ao menos uma vez. No itinerário que tomei, em vez de Juca Sampaio, Avenida Rotary, Fernandes Lima e Avenida Durval de Góes Monteiro – vias movimentadas da capital – optei pelas praias de Jacarecica, Guaxuma, Mirante da Sereia, Sauaçuí... Troquei o asfalto, galpões e os prédios que decoram meu percurso diário pela rodovia AL 101 Norte e pelo azul do Oceano.
Já que convivo com a correria, a poluição e os ardis do homem, troquei o cansaço pela contemplação. Por um momento me senti desocupada, pensei "Tenho tanto a fazer e estou aqui perdendo tempo."; "Isso é coisa de gente ociosa.", "Será que minha mente está normal?". A essa altura, o motorista e o cobrador já me olhavam com ar de inquietação.
Pus os fones de ouvido e embalei minha viagem com música. Por alguns instantes pude esquecer dos e-mails que tinha que passar, os afazeres que precisava cumprir, os compromissos agendados, as tarefas inacabadas. O almoço poderia esperar. Estava só, e essa quietude confortável me invadiu.
Vi o local onde nasceu Floriano Peixoto, o trabalho dos pescadores, as senhorinhas sentadas na calçada, crianças humildes indo estudar, lagostas postas à venda na beira da estrada, homens conversando na praça.
A sensação de visitar um povoado do interior sem sair da capital me transportou a uma paráfrase do poema de Drummond, cantando a Cidadezinha Qualquer: um homem ia devagar, um cachorro ia devagar, um burro ia devagar, devagar as janelas olhavam... “Eta vida besta, meu Deus!”.
Porém, em alguns minutos voltei à realidade. O ônibus fez o retorno e passou pelo ponto onde eu normalmente o apanharia e seguiu o percurso tão conhecido por mim. Reinicio então minha rotina, e segui não mais pelo tropical trajeto, mas pelas mesmas avenidas que cruzo diariamente para cumprir minhas responsabilidades. Dessa vez, o caminho é o mesmo, mas eu estou diferente, revigorada.
Rotina e contemplação caminham juntas. E o limiar entre as duas pode ser distinguido sem dificuldades através das coisas simples: Ouvir um pássaro que canta no alto de uma remanescente árvore, se encantar com o farfalhar das asas da borboleta que passa ao lado, contemplar o desenho das nuvens e o tom do céu que está diferente, o sorriso gratuito da criança que passa na rua e saúda o primeiro que a mira, o casal de idosos que caminha de mãos dadas, a pintura inédita que é o pôr-do-sol a cada dia e mesmo a pequena formiga que carrega um fardo bem maior que seu próprio peso e nos dá lições de persistência.
Contemplar é simples, e simplicidade é qualidade de vida, inspiração. É possível ser feliz na singeleza, basta enxergar o trivial e poetizá-lo com um novo olhar.