Quando vivia no interior, era costume freqüentarmos a feira aos sábados. Eram raras as vezes que eu ia, a doença da preguiça já me dominava desde a infância. Quem tomava para si este trabalho era o meu pai, mas ainda guardo na memória a última vez que fiz este passeio, pois era assim que encarava na época.
Como disse fora num sábado, um sábado daqueles em que o sol se ausentava e ficava entre as nuvens apenas olhando as coisas lá embaixo acontecerem. Pois bem, fomos eu e meu pai à feira, um pouco surreal, digamos de passagem. Reunindo as duas cestas feitas artesanalmente de um material parecido com cipó, semelhante a um balaio, dessas que já não existem mais, lá fomos nós dois.
Como de costume, meu pai cumprimentava todos na rua em que passava, foi assim com o Chico soldador, com o Bita do mercadinho e com a veia Zefa (ops! minha vizinha). E fomos caminhando, a feira iniciava-se logo ali na rua próxima ao Beco do Leite e estendia-se até a Praça das Casuarinas. Ao longe já se sentia um cheiro semelhante ao de frutas podres, mas como falei, esta feira nesse dia estava um pouco surreal. Ao invés de se vender frutas e legumes, como o esperado, o que lá se encontravam eram produtos culturais à venda.
Junto com o cheiro que falei, ouvi as vozes de umas pessoas vestidas à moda shakesperiana e que gritavam: “Ô Julieita, venha vender a nossa peças de roupas que são muito engraçadas!”. Mesmo com pouca idade, logo vi que as peças que eles vendiam não eram as de roupas, mas outro tipo de peça. Pois se juntou à platéia um grupinho de crianças que riam e pulavam apontando para os lamentáveis “atores” que insistiam em vender as peças.
Mais adiante, demos de cara com um dito artista plástico que fazia de seus quadros cópias exatas das coisas da natureza. Eram quadros de frutas, lagos e paisagens naturais, muito belas por sinal, mas que não representavam bulhufas nenhuma e não expressavam absolutamente nada. Ao contrário da primeira barraca que visualizei e que vendia peças de roupas, o público que vi nessa barraca não era de crianças alegres, mas de pessoas bem vestidas que observavam os quadros expostos segurando o queixo e fazendo algum comentário ao companheiro ao lado, em surdina.
Logo vi que o cheiro podre que senti ao entrar nessa estranha feira não era das frutas que esperava encontrar aqui, mas dessas artes que nos eram apresentadas, de seu público e de seus “artistas”.
Meu pai ficou perdido, pois também esperava encontrar frutas e legumes para levar para sua casa. Como ele nunca foi um apreciador de arte, achou mais conveniente irmos para casa, mas, antes disso, tivemos o (des) prazer de ouvir ao longe uma música que não sei bem o que era, e sinceramente não estava nem interessado em saber. Fomos embora, pois lá em casa ninguém vivia de arte como aquelas pessoas, ou melhor, de seu comércio.
Passados alguns anos, e agora morando em Maceió, vejo que continuo freqüentando essa feira, só que ela se estruturou de uma maneira diferente e aumentou em número seus “locais de exposição”, agora elas existem aos montes em Maceió e o público continua o mesmo, as peças continuam e os quadro, salvo exceções, copiavam, copiavam e copiavam. Por fim, uma mudança foi notável em relação àquela feira: a comida era dada, o que atraía ainda mais pessoas amantes da arte. Mas o cheiro dela continua impregnado às obras.