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Universidade Federal de Alagoas - UFAL
 

29/08/2008
Ping-Pong
Karla Melanias e seu reverso

Entrevistada por Manaíra Aires, a artista plástica fala à AUN sobre a importância da fotografia analógica, da não-linearidade de sua arte e dos novos espaços culturais surgidos em Alagoas

Por Manaíra Aires

Karla Melanias é uma jovem artista que já reúne na bagagem um mestrado em Antropologia Visual pela UFPE e várias exposições, no Brasil e no exterior, voltadas para a fotografia e para as artes plásticas. A Exposição Reverso, que pode ser visitada até o dia 4 de setembro na galeria do Centro Cultural Sesi (na Pajuçara), traz quase quarenta fotografias que revelam uma Alagoas cheia de detalhes e contradições, bem distante das paisagens tão repetidamente expostas ou do discurso esgotado. Em entrevista a AUN, Melanias fala sobre a importância da permanência das fotografias analógicas, da não-linearidade de sua arte e de novos espaços culturais que estão surgindo em Alagoas.

AUN – A Exposição Reverso é a primeira mostra do Ciclo de Exposições Individuais 2008 na galeria do Centro Cultural Sesi. Por que retratar Alagoas de forma minimalista, onde a cana-de-açúcar, por exemplo, não aparece em canaviais, mas sob a forma de bagaços jogados no lixo por ambulantes?

Karla Melanias – Tentei expressar a minha própria subjetividade e crítica com relação aos temas cotidianos de Alagoas. Decidi encontrar elementos emblemáticos da história e cultura alagoanas nos detalhes, sobretudo nos que me encantam ou incomodam. Não tenho como objetivo representar totalmente o lugar por meio das fotografias, mas dar ênfase à representação fotográfica a partir da minha contemplação e indignação e nas contradições tão presentes nos ensaios da exposição.

AUN – O público alagoano está preparado para encarar Alagoas não mais como aquele “Estado dos barquinhos e dos coqueiros no fim de tarde”?

KM – Espero que sim, mas temo que não. Receio que seja mais cômodo não nos incomodarmos com o alheio, com a dita realidade do outro, sobretudo quando procuramos não nos identificar com ela. Mostrar de uma maneira plasticamente interessante o que poderia repudiar ou desfazer imagens consideradas belas a partir de construções que geram reflexão é um caminho que encontrei para sairmos da inércia, se quisermos.

AUN – E a mídia alagoana, será que ela está madura o suficiente para acompanhar novos trabalhos que trazem re-significações para imagens e idéias já tão cristalizadas no cenário cultural alagoano?

KM – Pelo interesse e boa receptividade que encontrei, acredito que sim. Acho que as pessoas de uma maneira geral estão cansadas das repetições e por mais que não consigam compreender de imediato uma proposta artística diferente do que estão acostumadas a ver, sentem-se atraídas. Esse já é um bom começo, até porque não proponho imagens decorativas que combinem com móveis, por exemplo, mas sobretudo uma crítica social que transcenda à idéia de pessoa pela representação visualmente tradicional, criando ou estimulando re-significações, especialmente interpretativas.

AUN – A galeria do Centro Cultural Sesi, que também abriga o cinema e o teatro do Sesi, é um novo espaço para exposições de artes em Alagoas. Você acredita que mudanças positivas estão acontecendo no cenário cultural alagoano?

KM – Sinto que sim. Acho que os movimentos artísticos locais precisem ser encarados de uma maneira mais democrática. Também acho que o objeto de arte, seja qual for, não deva necessariamente dirigir-se exclusivamente às elites. Acredito no papel educativo da arte. Sem dúvida, a galeria do Centro Cultural Sesi, assim como outros espaços já existentes ou que venham a ser criados em Alagoas, contribuirão muito para as boas mudanças aqui.

AUN – Em 2007, você expôs quinze obras na Galeria de Arte Castellana, em Madrid. Sua carreira artística ganhou força primeiro no exterior e só depois em Alagoas. Você acredita que, como muito se propaga, que primeiro é preciso fazer sucesso lá fora para ganhar evidência em Alagoas?

KM – Parece que sim. Uma convergência de fatores levou o meu caso a isso, eu acho. Considero que ter minha obra vista por especialistas importantes na Europa encorajou-me a me expor também aqui. O respeito pelo trabalho em si e o profissionalismo com que as galerias de arte européias lidam com a obra artística ajudaram-me a tentar lidar também profissionalmente com o meu trabalho e sofrer menos com o julgamento sem argumentações consistentes. Realmente não pretendo vender peças de decoração, desejo mostrar muito mais do que isso. Pelo fato também de estar muito dividida entre o universo acadêmico e a produção artística, não havia encarado minha obra com o devido empenho e dedicação que se precisa para obter êxito. Agora estou assumindo uma série de compromissos que antes talvez não me sentisse pronta.

AUN – A fotografia é uma arte nova em relação a muitas outras, mas com um período intenso de produção e de transformações. Como você acredita que a fotografia é vista hoje no campo das artes, já que por muito tempo e ainda hoje existem pessoas que não consideram a fotografia uma expressão autenticamente das artes?

KM – Há muita polêmica e extremos nas discussões sobre a fotografia como linguagem, suporte, meio de expressão artística. O que é arte na contemporaneidade? Quem faz e para quem se faz arte? Acho que tudo começa por aí. Procuro respeitar o processo criativo de cada um, do que gosto e do que não gosto, seja aquele que da fotografia usa apenas o papel e o rasga inteiro, ou aquele que prefere, como eu, utilizar os processos considerados ainda tradicionais de captação, revelação e cópia fotográfica. Vez por outra emergem discussões sobre o que a fotografia é, sobre o seu pretenso realismo e as desconstruções de conceitos antes assumidos como irrefutáveis. Particularmente, não consigo excluir a fotografia do mundo das principais artes, mas precisamos relativizar, afinal de contas, crianças de dois anos já podem ter consciência do processo fotográfico digital. Fotografia como expressão artística é para mim muito mais do que captar uma imagem com o toque de um dígito, é o sentir e até o pensar, é o eternizar do instante preciso com a propriedade de um olhar sensível e o domínio técnico para sua realização.

AUN – Na época das super máquinas digitais, você opta por um trabalho totalmente analógico...

KM – Pois é... Entre o novo e o antigo, eu me defino no intercâmbio. Eu posso conseguir criar uma proposta inovadora, ou pós-moderna, como está em voga, sem necessariamente negar origens, negar meios, negar caminhos, negar uma história tão densa como a da fotografia. Além disso, tenho um apego mesmo ao “material” que estará ali como um registro por muito tempo. Não sou contra a fotografia digital e até faço minhas fotos pessoais, mas ainda não decidi substituir, muito pelo contrário. E por falar nisso, a minha máxima é: não é o equipamento que faz o fotógrafo, mas é a sua sensibilidade o seu principal instrumento de trabalho, e esse realmente não se compra...

AUN – Arte Contemporânea tem uma forte tendência a amalgamar diferentes linguagens, hibridações entre a fotografia, as artes plásticas e várias outras artes visuais. Você é artista plástica e fotógrafa, mas sempre mantém bem distintas as duas formas de expressão, apesar de ter um trabalho voltado para a arte contemporânea...

KM – Por enquanto. Eu me assumo híbrida e já iniciei a preparação para uma próxima exposição onde as linguagens diferentes encontrem-se livremente. Pintura, desenho, fotografia, instalação e, quem sabe, performance. Esse provavelmente será meu próximo desafio. Dá trabalho juntar linguagens e técnicas tão distintas sem perder o fio condutor. Mesmo que não me veja de uma maneira linear, até para surpreender – e eu gosto muito de fazer isso comigo mesma – precisamos de idéias muito bem definidas, por mais pós-modernas que sejam.

AUN – Qual a contribuição dos seus estudos em Antropologia na construção do seu trabalho?

KM – A crítica social. A inquietação. O questionamento. A profundidade. Sair do “achismo” e buscar respostas consistentes por mais difíceis de definição que elas sejam até para a Antropologia.

AUN – E a sua carreira, você pretende continuar conciliando a vida acadêmica à produção artística? Quais os projetos futuros?

KM – Bom, acredito que será possível por um bom tempo. Vou deixar as coisas seguirem naturalmente até o momento que não se atrapalharem ao ponto de gerarem incompatibilidade. Tenho uma exposição individual na Espanha no próximo ano, alguns outros convites e contatos para confirmar. Também pretendo realizar projeto de livro fotográfico e devo realizar ainda este ano outros trabalhos onde as oportunidades se confirmarem.

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