apontamentos midiáticos

 

_revista do núcleo

_interdisciplinar de pesquisas

_midiáticas _intermídia

_vol 1 n. 2 - janeiro/junho de 2008

 

           

Comunicação e desenvolvimento local

expediente  


Emilia Barbosa Barreto

Professora da Universidade Federal da Paraíba - UFPB

Resumo
Como se dá a interlocução entre a comunicação e o desenvolvimento local? Entendendo que a comunicação ocupa uma centralidade nas ações de desenvolvimento local discutiremos como os processos de comunicação podem mediar/facilitar o engajamento da população local nestas ações coletivas a partir dos conceitos de mobilização, participação governança, concertação, identidade e pertencimento.


Palavras-chave:Comunicação, Desenvolvimento local, mobilização


Neste artigo são sistematizadas reflexões que tentam apreender como se dá a interlocução e entre os campos da comunicação e do desenvolvimento local. Esses dois campos têm relações não explicaveis de forma direta e simples o que nos levou a buscar apoio em diferentes disciplinas.
Desenvolvimento local - um novo paradigma
A noção de desenvolvimento local foi concebida no começo dos anos 60 para designar uma nova configuração do desenvolvimento. Construída a partir da associação de palavras polissêmicas como ?desenvolvimento? e ?local?, essa noção porta em si um universo amplo de compreensão. Desse modo, sua utilização não se dá de forma unívoca e inequívoca.
A pura e simples transposição de um conceito de desenvolvimento, qualquer que seja, a uma escala considerada como ? local ? não é suficiente para explicar essa nova concepção de desenvolvimento, esse novo paradigma, distanciado do ideário tão caro do econimicismo da ” grande modernização”, da industrialização e do crescimento econômico pelo aumento do Produto Interno Bruto- PIB, da produtividade, do nível de investimentos, da adoção das novas tecnologias como unico caminho possivel para garantir a passagem de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna.
Os processos considerados de desenvolvomento local, por sua natureza e particularidades econômicas, sociais,territoriais e culturais, entre outras, supõe uma dinâmica de construção - participação e gestão- ao mesmo tempo complexa, pela pluralidade de seus conteudos e de interesses coletivos, e permanente pela durabilidade que devem ter as ações. Por pressuposto, admitimos que o desenvolvimento local é um processo em permanente construção e reconstrução.
Assim sendo, as novas formas de conformação do”local” enquanto territorio das práticas deste tipo dedesenvolvimento se revelam, também, uma costrução. Como exemplo podemos citar alguns casos das experiências de desenvolvimento local integrado e sustentável -DLIS, estimulados pelo Sebrae, que criam e recriam novas fronteiras do local unindo municipios, cidades, interesses diversos em propostas de trabalho conjunto como ” Caminho dos Engenhos”,”Roteiro do frio”, Pacto novo Cariri” além de cadeias produtivas.

A compreensão conceitual do local se mostra complexa considerando-se que ela pode ser vista a partir de diferentes dimensões, cada uma delas podendo atribuir-lhe um sentido próprio. As múltiplas dimensões do local podem encontrar suas referências na esfera cultural, econômica, social, espacial, política, entre outras. Assim sendo, a noção de ” local” recobre simultaneamente, noções vastas e restritas, limitadas e imprecisas, quase sempre atreladas à escala espacial.
Em geral, temos a tendência de definir o local a partir da ótica da exclusão, tomando como parâmetro a distância dos centros dinâmicos não central, não global) ; a circunscrição de um espaço estável, imutável e não modernizado. Por outro lado, se as dimensões espacial e geográfica, embora utilizadas predominantemente, se mostram claramente insuficientes para configurar o ”local ”, qual dimensão deve ser privilegiada para chegarmos a uma concepção mais precisa do local ?
Primeiramente, é preciso ressaltar que a parcialidade destas visões se deve à não valorização de dois pontos fundamentais para a percepção do local que são a identidade e a natureza das problemáticas localizadas.
A partir desses dois pontos surgem reflexões complementares sobre os graus de enraizamento e de estruturação das sociedades, sobre a organização comunitária e ainda sobre o peso das dimensões cultural, econômica, histórica, política, entre outras, na formação das identidades locais .
Nesta perspectiva, o conceito de local deve levar em conta o fato de que a existência do local, e do localismo, estão associados à presença das identidades culturais vividas na base, fundadas a partir dos fatos historicos, culturais, econômicos, sociais, políticos , além de outros. Em conseqüência, nos parece que as tentativas conceituais sobre o local devem considerar três eixos prioritários sobre os quais repousa a noção do local. O primeiro é a noção de identidade em sua vertente histórica, social e cultural. Em seguida, a noção de territorialidade, compreendendo os espaços construídos e vividos pelas relações materiais e imateriais que aí se controem. Por ultimo, a noção de ligação social que, segundo BOURDIN (2000, p.200) se funda na complementariedade (divisão social do trabalho), na troca (diferenças na constituição social e econômica) e no pertencimento
vínculos culturais, históricos, quotidianos, entre outros).
Comunicação e desenvolvimento local: alguns espaços de interlocução
A comunicação, da mesma forma que o desenvolvimento local, não constitui um fim em si mesma. A eles são atribuídos objetivos específicos para cada caso. Em se tratando da comunicação, segundo MORIN (1998, p.34-35) as pessoas se comunicam com a finalidade de informar, se informar, conhecer, se conhecer, explicar, se explicar, compreender, se compreender. Esta ordem apresentada pressupõe uma hierarquia onde informar é o nível mais superficial da comunicação e a compreensão, o mais profundo. Morin concebe a informação como uma unidade, como uma partícula que só encontra seu sentido a partir de um conhecimento que a coordene. Desta forma, é o conhecimento que organiza, estrutura e contextualiza a informação. Explicar,consiste na utilização de todas as possibilidades empíricas e lógicas que possam levar ao conhecimento de um objeto, enquanto tal. A compreensão introduz a subjetividade no conhecimento e na explicação permitindo entender um sujeito enquanto tal.
A comunicação ocupa uma centralidade nas ações de desenvolvimento local. E a partir de um processo de comunicação que se dá a mobilização da população local para engajar-se na ação coletiva. A mobilização da população não ocorre de forma homogênea. Verifica-se a existência simultânea de vários níveis de participação e engajamento num mesmo projeto. Esses níveis de participação se ampliam e se fortalecem à medida que os processos de comunicação instaurados na comunidade voltados para a mobilização se aprofundam, passando da fase de informação strcito senso para a fase de compreensão. A mobilização e a participação se tornam mais profícuas tanto mais a comunicação estratégica seja capaz de criar e manter vínculos entre a comunidade e a ação de desenvolvimento local . Além de partilhar a experiência concreta da ação de desenvolvimento local se faz indispensavel a partilha de sentidos e de vontades comuns.
A mobilização da comunidade é uma questão também central no âmbito do desenvolvimento local. Considerado por inúmeros teóricos como um fator indispensável, o engajamento dos cidadãos é visto como uma garantia, como o espírito guardião da continuidade de qualquer ação de desenvolvimento local. A mobilização é também a
fonte de uma verdadeira força que coloca em movimento os atores, capaz de criar uma dinâmica, uma sinergia. O reconhecimento deste poder é confirmado por vários autores que afirmam que mobilização e participação da população local é indispensável para fazer brotar e para assegurar a continuidade das ações de desenvolvimento local. Segundo HOUEE (1992, p. 51), o desenvolvimento local é antes de tudo uma questão de consciência e de vontade coletivas. As ações, por mais bem planejadas e adequadas que sejam, podem se tornar dispendiosas e não alcançar seus objetivos caso não sejam fruto do engajamento da comunidade.
Outras afirmações se sucedem no mesmo sentido. MINOT (2001, p.58) considera indispensável a mobilização dos atores locais em torno de um projeto econômico, social e cultural, para a construção de uma dinâmica durável dentro de qualquer território. DORTIER
(2000, p.181) constata em seu livro que os estudos sobre desenvolvimento local colocam em evidência o papel dos atores e da necessidade de mobilizar a comunidade para participar.
O papel preponderante da participação coletiva nas ações de desenvolvimento local parece inequívoco. Diante desta certeza torna-se necessário apontar as origens da mobilização e o que torna possível a participação.
A participação implica em duas concepções distintas. A primeira delas se fundamenta na homogeneidade, ou seja, nos valores comuns, na cooperação extensiva a todos os níveis sociais e na comunhão de interesses. A segunda considera a heterogeneidade, a diversidade, os conflitos de interesse, a competição. Logo, podemos concluir que as ações de desenvolvimento local são construídas a partir da tensão entre uma porção homogênea e outra heterogênea.
As formas como homogeneidade e heterogeneidade se articulam são incalculáveis. As múltiplas variações e gradações originadas por esta ambigüidade estrutural engendram de um lado, os diferentes graus de adesão dos atores no curso da ação e, de outro lado, a necessidade de processos e estratégias comunicacionais de sensibilização diferenciados.
Na visão de DEFFONTAINES e PROD’HOMME (2001, p.159-160), a dinâmica inicial do desenvolvimento local pode ser oriunda de situações de crise, de um fato que cria condições inaceitáveis para alguns, do sentimento de algumas pessoas de que podem melhorar, da iniciativa individual ou coletiva que tomam consciência diante de determinadas situações de que as facilidades acabaram e ainda, através de diferentes estímulos às mudanças provenientes de instâncias externas.
Mesmo considerando a diversidade das origens da dinâmica do desenvolvimento local, a participação continua sendo um ato de adesão a uma causa partilhada, na medida em que essa causa é antecipadamente conhecida e compreendida pelos que a partilham. Queremos dizer que o engajamento dos atores pode ser facilitado, mediado, construído por uma ação de comunicação que corresponda aos estágios anteriormente citados de informação, de conhecimento, de explicação e de compreensão do sentido da ação que esta sendo proposta. Portanto, para se chegar à mobilização, primeiramente, se faz necessário inaugurar processos comunicativos que forneçam informações e argumentos que subsidiem os níveis subseqüentes de conhecimento, explicação e compreensão da ação de desenvolvimento local em questão. A comunicação, nesse contexto, se configura como um instrumento importante no que se refere ao engajamento da comunidade, com especial vocação para alimentar e estimular a reflexão e o debate.
Governança e concertação
De origem inglesa, a palavra governança é utilizada, na maioria das vezes, para definir uma maneira particular de gestão política local reunindo varias dimensões, dentre as quais a existência de uma cultura de solidariedade local é um primeiro elemento. Outro aspecto de igual importância é a capacidade de construir uma política voluntária de formação profissional e de pesquisa. Este conceito recobre ainda a mobilização de capital humano disponível nas instituições. O que LIPIETZ (2000 p.193) chama de governança é a capacidade de gerir um sistema territorial, o que corresponde ao que Gramsci chama de sociedade civil (sindicatos, igreja, lideres de opinião, jornais, etc). Lipetz se refere às instituições que se encontram abaixo da chamada ”grande política” e que não podemos considerar como mercado. Para ele a governança é uma espécie de Aparelho de Estado difuso que funciona como proteção para a sociedade.
Para BOURDIN (2000, p. 140-141), falar de governança é falar da redução do papel do Estado favorecendo o fortalacimento de outras

instâncias, tais como as coletividades locais e a sociedade civil. Governança, para o autor, são as maneiras de gerir a ação publica horizontal e vertical dentro do principio da coalizão. Ele cita o caso da França onde a governança se exerce primeiramante nas relaçõs entre os poderes locais e a sociedade civil.
BIAREZ (2000, p 82-83) situa a discussão do conceito de governança como uma tentativa de compreender os multiplos processos empreendidos pelos sistemes locais no âmbito das ações públicas contratualizadas, tendo como pano de fundo a noção de partenariado. Para os ingleses, a governança representa as possibilidades de concertação entre grupos de interesses distintos para realizar ações que não são exclusivas do domínio privado.
A partir destas visões podemos concluir que a concertação é um esforço de identificar, no local, outras instâncias de poder capazes de agir e tão legitimas quanto as instituções.A noção de governança repousa sobre a interdependência das redes de atores públicos e privados e de seu potencial de articulação para a ação.
Neste contexto, estratégias de comunicação, sejam elas midiáticas ou não, podem contribuir para a criação de um ambiente favorável à identificação de parceiros, à articulação entre eles, além de informar e fazer compreender o papel que cada um deve exercer no âmbito da ação pactuada.
Conhecer e compreender as competências e responsabilidades de cada um no processo de desenvolvimennto local possibilita a fluidez dos encaminhamentos de propostas e de ações, a concertação entre os parceiros, a otimização na utização dos recursos materiais e imateriais, a cobrança direcionada do cumprimento dos compromissos assumidos, a detecção das potencialidades e fragilidades de cada parceiro no decorrer da ação, o redirecionamento da ação no seu curso - dadas as condições de envolvimento e participação de cada parceiro, entre outras possibilidades.

Identidade do ”territorio local”, pertencimento e visibilidade.
A noção de identidade traz em si um paradoxo. Por um lado, trata, agrupa e se refere às caracteristicas que tornam sêres e objetos idênticos, perfeitamente semelhantes, embora restando distintos. No primeiro caso, a identidade é justamente o fato de ser parecido com os outros. Por outro lado, a identidade é a marca do que é unico e, portanto, se distingue, se diferencia dos outros ( LIPIANSKY, 199 , p 7).
Aplicar esta conceituação ao território local pressupõe considerar que a identidade de um território implica em ressaltar dentre suas caracteristicas aquelas que, ao mesmo tempo, o tornam ”parecido” e ”diferente”, em comparação aos demais.
A partir desta constatação, podemos dizer que a busca de afirmação identitária de um território porta dois níveis de implicações. Um, busca as representações simbólicas, as referências desse território que possam agrupar a população em torno do que é comum, engendrando o sentimento de pertencimento. O outro nível identifica as características, sejam elas tangíveis ou intangíveis, que possam evidenciar aquilo que torna o território diferente dos demais. Neste sentido, uma política de comunicação que objetive a afirmação da identnidade deve seguir dois eixos: uma comunicação voltada para dentro do território com o propósito de reunir/ agrupar os cidadãos, e uma comunicação voltada para o exterior que deve permitir a esses cidadãos afirmar que eles são diferentes.( CARDY, 1997, p.11)
Sabemos que a comunicação não é um objetivo em si. Sabemos, igualmente, que ela se configura enquanto meio para atingir um objetivo que lhe é exterior. Assim sendo, a impotância da comunicação no primeiro eixo implica em reforçar as dinâmicas endógenas a partir de elementos culturais, sociais, históricos, econômicos, entre outros, com a seleção de argumentos que reforcem a coerência interna do território local, mesmo considerando as divergências existentes. Criar ou fortalecer uma identidade é ao mesmo tempo, criar e reforçar os laços existentes entre as pessoas e o território, sua ligação, sua afetividade e a possibilidade de nele se reconhecer.
A comunicação sobre a identidade de um território direcionada para fora, objetiva afirmar a existência deste território para além dos limites fixados pelas suas fronteiras. Numa sociedade midiática, os acontecimentos passam a existir na proporção em que são publicizados pela mídia. Assim sendo, podemos considerar que é essa dimensão midiática do território que torna possível sua existência e sua visibilidade no exterior. Podemos, igualmente, dizer que o espaço midiático pode ser considerado como um lugar de criação e recriação das representações simbólicas do território local. As investidas do marketing territorial buscando atrair investidores, despertando o interesse dos turistas, abrindo mercado para os produtos locais, por exemplo, se inserem numa estratégia comunicacional onde a mídia ocupa uma centralidade.
Considerações finais
O esforço feito para observar, apreender e compreender as possibilidades de interação da comunicação com o desenvolvimento local merece um aprofundamento. O que vimos representa apenas fragmentos, talvez os mais explícitos, que pudemos perceber. A comunicação pensada de forma estratégica pode contribuir para que as iniciativas de desenvolvimento local possam ser compreendidas, apreendidas, assimiladas, pela coletividade, assegurando a sua continuidade. A mobilização e a participação requerem processos comunicacionais que as alimente de forma continua.
A comunicação voltada para dentro e a mais difusa, predominantemente midiática, voltada para fora, não são dissociadas. Elas se inter-relacionam. Desse dialogo entre elas podem emergir relações convergentes de complementaridade ou divergentes, tendendo ao conflito. Os processos comunicacionais engendrados no local, sejam voltados para dentro ou para fora, sejam midiáticos ou não, são lugares de significação do território. Essas representações simbólicas influenciam na condução do desenvolvimento local, mais precisamente, no reconhecimento e na valoração da ação em si e dos resultados que poderá trazer para a coletividade.


Referências :
AROCENA, José, Le développement par initiative locale le cas français, Editions L’Harmattan, Paris, 1986.

BENKO, G., Les théories du développement, p.197-208, in L’économie repensée, Editions Sciences Humaines, Auxerre, 2000.
BIAREZ, S., Territoires et espace politiques, Presse Universitaire de Grenoble, 2000.

BOURDIN, Alain, La question locale, PUF, Paris, 2000.

CARDY, Hélène, Construire l’identité régionale- la communication en question, L’Harmattan, Pars,1997.
DEFFONTAINES, Jean-Pièrre, PROD’HOMME, Jean-Pièrre (direction.), Territoires et acteurs du développement local de nouveaux lieux de démocratie, Editions de l’Aube, 2001.

DI MEO, Guy, Géographie sociale et territoire, Nathan, Paris, 1998.

DORTIER, J., Quand l’histoire bouscule les doctrines, p.177-183, in L’économie repensée, Editions Sciences Humaines, Auxerre, 2000.

HOUÉE, Paul, Les politiques de développement rural, 2e. Édition, INRA/Economica, Paris, 1996.

LIPIANSKI, Edmond Marc, Identité et communication, PUF, Paris, 1992.

LIPIETZ, A. La logique des régions qui gagnent (entretien), pp. 189-194, L’économie repensée, Editions Sciences Humaines, Auxerre, 2000.

MINOT, D., ” Les initiatives locales, une ou des réponses à quels besoins? ” J. P DEFFONTAINES(org.) et J. P. PROD’HOMME ( org.), Territoires et acteurs du développement local, Editions l’Aube, 2001, p.49-62.

MORIN, Edgar. L’enjeu Humaine de la communication, in La communication état des savoirs, Editions Sciences Humaines, Auxerre, 1998, pp.34-40.

 

apresentação  
normas
artigos
 
edição anterior
home
       
 
   
Capa da versão impressa