apontamentos midiáticos

 

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_midiáticas _intermídia

_vol 1 n. 2 - janeiro/junho de 2008

 

           

A mídia e as igrejas

expediente  

Dalmer Pacheco


Doutor em Comunicação e Cultura. Professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Coordenador do Núcleo interdisciplinar de pesquisas midiáticas - INTERMÍDIA. Jornalista especializado em telejornalismo. Produtor de tv.


Resumo

Sociedade de Controle, Normas Sociais, moral judaico-cristã e desvios de conduta pecaminosos. A dominação religiosa da IgrejaCatólica Apostólica Romana no Brasil e o fortalecimento de identidade detrimento das religiões de matriz africana. A estrutura clerical católica e os líderes religiosos da alteridade, estigmatizados pela cultura erudita. A Globalização e as reorganizações territoriais Populares. As relações tribais como modos de enfrentamento. Culturadominante e exclusão social. A opressão pedagógica, psicológica, sociológica e midiática. As perspectivas libertadoras e a (in)tolerância com as diferenças. Teologia da Marginalização na América Latina: a perspectiva dialético-popular. Evangelização, Liturgia, Ritos e classe social. As relações inter-religiosas efetivamente dialógicas e os monopólios da fala. As instituições austeras, a clausura, e o arrependimento: fórmula das indulgências.


Palavras-chave: Diálogo inter-religioso; Catolicismo,Candomblé e Umbanda; Mídia; Religião e Classe Social.



A proposta desta comunicação é analisar na perspectiva dialógica (FREIRE) as relações inter-religiosas da Igreja Católica com as religiões de matriz africana, O Candomblé e a Umbanda, a partir de uma visão da mídia, em especial a televisiva. Em um primeiro momento, verificamos que a Globalização, veicula Cultura Hegemônica e privilegia um olhar europeu, de religiosidade católica em detrimento das concepções culturais/religiosas dos indígenas e africanos.

A Sociedade Disciplinar evolui para a Sociedade de Controle ( FOUCAULT) e o modelo panóptico é adotado. Na época da colonização e “conversão” pelos jesuítas, a Nobreza e o Alto Clero que detinham as terras, o poder e eram os Senhores de escravos: a transgressão era punida com chibatadas, às vezes, até a morte. Na Contemporaneidade, a vigilância é constante e não identificada. Desta forma é que, de fato, surgiram “Culturas Híbridas ( CANCLINI). No caso das religiões no Brasil, hegemonicamente Européia e Católica. Estas são as Normas Sociais impostas e, portanto, devem ser seguidas. São as expectativas de conduta. Aqueles que desobedecem às regras são marginais ou desviantes ( ousiders). A criação/fortalecimento da identidade é construída a partir da relação de antagonismo com a Alteridade. Isto significa dizer que fortalecemos o olhar católico identitário em detrimento de outro olhar desviante, como, por exemplo, do Candomblé e da Umbanda. Ainda, hoje, na perspectiva além do ecumenismo (religiões cristãs), no diálogo interconfessional ” à exemplo, recomendado pelo Vaticano. O Concílio Vaticano II nos exige uma postura de transformação: é o Sacerdócio comum dos Leigos. Somos responsáveis pelas posições da nossa Igreja: não é apenas responsabilidade do Clero e de Roma. Temos o dever de praticar o ideário da partilha, solidariedade e projeto teológico libertador (PACHECO, 1999) e vivenciar o evangelho.

Ainda na Contemporaneidade, isolamos aqueles que nos incomodam por serem diferentes á exemplo do que faziam os judeus com os leprosos (o que não é muito diferente do que fazemos hoje ao isolá-los em vilas terapêuticas). Prevalece, ainda que escamoteada, a idéia de desvio-pecado, influência da moral judaico-cristã. Além do isolamento em casos de desvios patológicos, há, também a clausura dos que contrariam as normas jurídicas. Convém lembrar que a única

clausura que não é compulsória é a das ordens religiosas.
Estas obrigações, a que nos referimos, são coisas que os demais esperam que se cumpram. Isto é o que se chama de expectativas sociais suficientemente fortes e compartilhadas pela maioria, adquirem autoridade e se convertem em normas Sociais. A variedade destas normas sociais não depende nem de que elas sejam Justas, nem de que sejam inteligentes, nem de que sejam racionais. A sua validade depende do fato de que significam um padrão de juízo... Elas permitem aos outros o direito de fazê-las valer e de aplicar uma sanção a quem as viole.

A questão é , efetivamente, de relações sociais e simbólicas de poder e subalternidade que refletem a correlação de forças dos papéis sociais, desde a Idade Média.

Por isso, a relação de cada classe social em um momento histórico determinado com o campo religioso ficará determinada não só pela posição estrutural destaclasse na divisão social do trabalho ( perspectiva estática) mas- também pelo processo que levou este grupo a ocupar aquela posição ( perspectiva dinâmica ).

Podemos constatar que são estabelecidos “padrões de normalidade” e não se convive com as divergências, com os diferentes. É o Mesmo que não quer se ver no Outro.

Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em alguns momentos e em algumas circunstâncias fazer com que elas sejam seguidas...Quando uma regra é imposta, a pessoa que se supõe tê-la transgredido, pode ser vista como um tipo especial de pessoa, alguém que não se espera que viva segundo as regras com as quais o grupo concorda. Ela é vista como marginal ou desviante.

A manipulação da identidade supostamente deteriorada vai, por conseguinte, depender se aquele desvio é revelado, posto de público e, diante da reação social daquele grupo ao ato desviante que pode passar a rotulá-lo, isto é, atribuir um estigma.

Todo desviante , portanto, é marginal, pois seu comportamento contraria as expectativas sociais. Dependendo do tipo de desvio, mais ou menos tolerável, o indivíduo é mais ou menos intensamente marginalizado. Quando o desvio é de conhecimento público no caso

de desvios morais, nem sempre são levados a público, descobertos, - o indivíduo é marcado, estigmatizado.

O estigma constitui, portanto uma marca, via de regra de desqualificação, com o pressuposto do fracasso, de um atributo diferenciado depreciativo.

...um indivíduo pode ter sido facilmente recebido na relação socialquotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para com outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havíamos previsto...

A dominação religiosa da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil resulta no fortalecimento de identidade em detrimento das religiões de matriz africana., que são estigmatizadas em função da falta de escolaridade, de pactos demoníacos e estruturas clericais. A estrutura clerical católica é justificada e os líderes religiosos da alteridade, estigmatizados pela cultura erudita.

Podemos então definir o catolicismo popular como um conjunto de representações e práticas religiosas autoproduzidas pelas classes subalternas, usando o código do catolicismo oficial os significantes não lhes dá uma significação própria, que pode inclusive opor-se à significação que lhes é oficialmente atribuída pelos especialistas. O resultado é que o mesmo código religioso católico é diferentemente interpretado pelas diferentes classes sociais....

Surgem, como efeito bumerangue da Globalização as novas territorialidades e alternativas de reorganização social, através de processos tribais repactuados. . As relações tribais se constituem como modos de enfrentamento à Cultura dominante que promove todo tipo de exclusão social. A opressão pedagógica, psicológica, sociológica e midiática sufoca, via de regra, alternativas de olhar. As perspectivas libertadoras ficam no campo da retórica e a (in) tolerância com as diferenças mostra-se evidente. Obviamente, travestida de libertadora. A recusa da Teologia da Marginalização na América Latina que contempla a perspectiva dialético-popular é posta de lado pela Renovação Carismática Católica onde não há espaço para o reino de Deus aqui na terra. A espiritualidade, o resgate

do Santíssimo Sacramento, os Dons do Espírito Santo devem ser incentivados. Todavia, os mantras das “ Linguagens dos Anjos” não podem , apenas promover o êxtase sem vincular o ideário cristão com um projeto socialista de direitos humanos proposto pelo próprio Cristo.
A Igreja católica de Ritual Romano, sem falar nas de rituais ortodoxos, é rica em sua liturgia que pode, vivenciada, representar a efetiva participação popular. Este deve ser mo modus operandi da Evangelização. A Liturgia e os Ritos estão intimamente relacionados a classe social.
Nossa hipótese é de que as formas de representação social vão ser estabelecidas em função das diferentes concepções de análise da sociedade, promovendo rupturas que privilegiam os segmentos hegemônicos ou excluídos...
As posturas são mutuamente excludentes. As pautas comunicacionais ou estão a serviço das classes subalternas ou a serviço das classes hegemônicas.Nossa suspeita é que a classe dominante constrói uma imagem alegórica sobre as Culturas Populares.
Basta observarmos a riqueza de simbolismo, muitas vezes desconhecidos dos fiéis , da s celebrações solenes em nossa Igreja. O uso do turíbulo que, na verdade nem acólitos, nem Ministros, diáconos ou mesmos Presbíteros sabem fazer corretamente: o Ministro que, autorizado pelo sacerdote, incensa a assembléia e que se ajoelha durante a consagração das espécies e incensa três vezes as espécies simbolizando a Santíssima Trindade. O Sacerdote que deve, antes de começar a celebração incensar o altar, ser incensado pelo Ministro e incensar a Mesa da Palavra. O Rito da Aspersão da água Benta também deve ser realizado com veemência simbólica.

A Vênia deve ser feita para O Santíssimo e/ou o altar e, necessariamente, à Mesa da palavra. Os leitores e comentarista devem, portanto, fazê-la.

Todos estes procedimentos são , dentro de nossa liturgia sem falar nos paramentos de fácil aceitação. Por que, todavia, não aceitamos os rituais de “ limpeza dos caminhos” com incenso ou defumador para abençoar e pedir licença aos eguns espírito dos mortos para entrar na terra em que viveram como , por exemplo na serra da barriga onde existiu o Quilombo dos palmares? A recusa do Alter , em função do

Eu. A sacralização não é propriedade exclusiva da Religião Católica. A Escritura e as parábolas são “reveladas” e estão em nosso Livro Sagrado. Nas religiões afro-brasileiras a oralidade , Lendas e Mitos constroem a relação com os Orixás.

Se, de fato, queremos que as relações inter-religiosas sejam efetivamente dialógicas, não pode haver o monopólio da fala, com superioridade teológica, doutrinária ou clerical. Não se trata em conversão, mas de tolerância e compartilhar o que há de comum. O Cristianismo tem, por conseguinte, o compromisso com a opção preferencial pelos pobrese , obrigatoriame nte, promover ações contra qualquer tipo de marginalização. “Ser marginalizado é ser privado do reconhecimento, da dignidade que Deus confia no homem.”

Verificamos, então que alguns aspectos são pressupostos para o Diálogo-intereligioso, para a perspectiva dialógica / dialética de nossa Igreja:

1- Existe uma múltipla visibilidade de Deus.
2- A sacralização do Eros.
3- O amor pleno como realização simbiótica Eros/Ágape.

A compreensão das diferentes concepções e registros da Doutrina Católica em comparação às Doutrinas de Matriz Africana: Candomblé e Umanda:
1- Na concepção Católica os anjos são assexuados, enquanto que na formulação africana os Orixás têm definição de sexual e nos influenciam com a sensualidade.
2- A relação dicotômica entre o Bem e o Mal na formulação Católica ( Deus X Lúcifer ) cede lugar à perspectiva africana em que a relação é dialética ( Exu como enviado e que pode proteger ou fazer o mal ).
3- Os fundamentos do Catolicismo estão nas Sagradas Escrituras, escritas pelos evangelistas, à Luz da Revelação, isto é, inspirados pelo Espírito de Deus. Cristo usa de metáforas, como as parábolas. Já a cultura religiosa africana é oral, porém sacralizada.
através das lendas e dos mitos.
4- Nos dois casos, há liturgias e rituais, de forte siginificado simbólico da relação com a transcendência.

Como citamos ao longo de nosso trabalho, o discurso e a prática da
Igreja católica não é, nem poderia ser, linear. É, de fato, dialética. O documento papal que fala sobre o Amor Cristão é o mesmo que nega o diálogo inter-religioso. “ Todos os outros deuses não são Deus.”

Temos a responsabilidade de ousar afirmar que o sagrado não é um bem simbólico exclusivo da Igreja. Está posta outra discussão importante, a ser abordada em outra ocasião: religião X religiosidade.

Nossa práxis passa pela necessidade de Conversão de Classe sobre a qual nos adverte BOFF. Precisamos transcender às “religiões” para alcançarmos a “ religiosidade” que, no Brasil, é sincrética. Há uma recusa na concepção única do Deus Onipresente, Onisciente e Onipotente. A mídia, com certeza, contribui para o fortalecimento desta identidade cultural/simbólica/religiosa católica em detrimento da alteridade cultural/simbólica/religiosa africana. Em síntese, “ A Paz de Cristo” que nos desejamos enquanto irmãos tem o mesmo significado que “Shalom” dito pelos Judeus e o “ Axé” do Candomblé e da Umbanda.


Notas:

1 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. O autor utiliza o referencial de luta de classe marxista e “ batiza” o conceito de opressão e superação para que cada um possa ser-mais.
2 BECKER, Howard. S. Marginais e desviantes. IN: _____. Uma teoria da ação coletiva. São Paulo, Zahar, 1977. O conceito é referência básica para compreensão do termo desviante para designar exclusão e preconceito.
3 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. O autor utiliza o referencial de luta de classe marxista e “ batiza” o conceito de opressão e superação para que cada um possa ser-mais.
4 BECKER, Howard. S. Marginais e desviantes. IN: _____. Uma teoria da ação coletiva. São Paulo, Zahar, 1977. O conceito é referência básica para compreensão do termo desviante para designar exclusão e preconceito.
5 Idem, Ibidem. p. 102
6 BECKER. Op. Cit. p.53
7PACHECO, Dalmer. Telenovela: (in) o discreto charme da burguesia: desvio de cond e merchandising de valores. Maceió,
63
Edufal, 1988. p. 73
8 GOFFMAN, Erving. Estigma; notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, Rio de Janeiro, Zahar, 1982. p. 54
9 OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1985.p.135
10 PACHECO Dalmer. O Homo Symbolicus e o olhar alegórico sobre o popular. In: SALDANHA, Ana Paula (Org.) Apontamentos Midiáticos. Maceió, NEPEC, INTERMíDIA, UFAL., 2006
11EXIGÊNCIAS Cristãs de uma ordem política. CNBB, p. 12 e 13
12DEUS CARITAS EST. Carta Encíclica Papal. Vaticano. Bento XVI. p. 30
13PACHECO, Dalmer. O Grito de Zumbi. Vídeo (DVD) 6‘ produzido na Serra da Barriga, no antigo Quilombo, em União dos Palmares, Alagoas e apresentado no VII Lusocom em Santigo de Comustela,
Espanha, 2006.
14Op. Cit. p. 19
15BOFF, Leonardo. Deus e a pós-modernidade. Conferência. Juiz de Fora, UFJF, 2003.

Referências:

BECKER, Hoard S. Marginais e desviantes. In: Uma teoria da ação coletiva, São Paulo, Zahar, 1977.
BOFF, Clodovis & BOFF, Leonardo. Da libertação: o teológico das libertações sócio-históricas. Petrópolis, Vozes, 1979.
BARCELLOS, Mario Cesar. Os orixás e o segredo da vida: lógica, mitologia e
Ecologia. Rio de janeiro, Pallas, 2002
CASTRO, Lola Anyar de Conceitos operacionais da sociologia da conduta desviada. In: ____. Criminologia da reação social. Trad. Ester Kosovski. Rio de Janeiro, Forense, 1983.
FEATHERSTONE, Mike. Undoing Culture: Globalization, Postmodernism and Identity, Sage, Londres 1995.
GUARESCHI, Pedrinho. Psicologia Social Crítica como prática de libertação. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2004.
GOFFMAN, Erving. Estigma; notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
64



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