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Ana Paula Saldanha
Professora do Curso de Comunicação da Universidade Federal
de Alagoas. Drª. em Ciências da Comunicação pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Coordenadora no Núcleo de
Pesquisa e Estudo em Comunicação e Informação
( EPEC),coordenadora da pós- graduação (Latu-Sensu)
em Processos Midiáticos e Formas de Sociabilidade
Resumo
Para além da crise política, em dias atuais, e na qual
todos nós brasileiros estamos acompanhando, experienciamos uma
forte crise institucional, talvez a mais profunda pela descaracterização
dos valores morais e éticos, respectivamente, do ator político
e do gerenciamento da coisa pública no âmbito do campo da
política brasileira. Essa(s) crise(s) são alimentadas dia
a dia, e já completam anos, eleição após eleição,
governo após governo, legislatura após legislatura, pelo
crescente distanciamento entre cidadania e política, voto e representação,
realidade e ficção.
A reiterada dissociação entre a vontade eleitoral e a ação
de seus representantes eleitos rompe o nexo entre o cidadão e o
dirigente político, cada vez mais distanciado do seu próprio
eleitorado, seja pelos interesses que passa a representar após
a eleição (os interesses dos financiadores de campanha,
os interesses econômicos, políticos ou corporativos do segmento
social que representa), seja pela conduta muitas vezes questionável
que passam a adotar no exercício do mandato, o que se contrapõem
ao discurso propagandístico de campanha, e reforçado posteriormente
pelo locus midiático telejornalístico.
Palavras-Chaves: Fabularização -Mídia -Política-Telejornalismo
A política como ela é e o mundo fábula
da política
Esta crise da representação da política provocada
pelos sucessivos escândalos envolvendo os poderes políticos
institucionalmente constituídos, a exemplo do executivo, do congresso
nacional, é também uma das conseqüências da fragilidade
dos partidos políticos e da formatação do sistema
eleitoral de nosso país. O vai e vêm dos profissionais da
política nos diversos partidos, é a negação
de um comprometimento com o conteúdo programático desse,
o que conseqüentemente ocasiona a “anarquia partidária”,
elemento decisivo na desmoralização do processo eleitoral.
Tradicionalmente, a política, no sentido comum, trata do que o
governo faz, e as conseqüências desse fazer que afeta a vida
do cidadão, ou em outro sentido mais amplo, o do exercício
do poder de algumas pessoas sobre outras.
Entretanto, nessas últimas duas décadas, tanto o estado
quanto às formas de exercício de poder, sofreram mutações
pela própria passagem da ditadura no regime militar, imposto em
1964, para um princípio de resgate de democracia nos inícios
dos anos 80.
É compreensível que essa transformação no
cenário político traga em si novas preocupações
ao campo da política e da comunicação, conformadas
pelo enfraquecimento do estado e o fenômeno da globalização,
o que provocou novos olhares sobre o campo da comunicação
e da política.
Paralelamente a esse fenômeno, vimos surgir à assunção
do campo das mídias capitaneado pela televisão, e sua hegemonia
como campo intermediador dos demais campos sociais. Insurge na contemporaneidade
o que chamamos de “moralidade midiática”, pautadas
nas anomias, em comportamentos moralmente desviantes, segundo seu ponto
de vista, e no mercadológico. Essa moralidade midiática
contamina os demais campos sociais, dentre eles, o campo da política,
que para se tornar palatável ao gosto do eleitor confina-se numa
cidade cenográfica para simular sua identificação
com o público.
O texto de Rossi expressa de maneira transparente os picadeiros midiáticos
da real fabulação da política. Vejamos:
“Pena que “o povo”, na verdade, seja constituído
essencialmente, pelo que os mexicanos chamam de “acarreados”,
a gente arrebanhada pelos manda-chuvas locais para fazer de conta que
é um ato de massas, método levado a perfeição
nos anos 70, de domínio do PRI(Partido Revolucionário Institucional).
O projac para Lula é armado assim: escolhe-se uma cidade média
ou pequena, de preferência nos arrabaldes. Nessas áreas,
autoridades de grosso calibre são sempre atração,
até turística, tão raras as chances de população
local vê-las ao vivo (...) Será que o presidente se arriscaria
a deixar os projacs que lhe oferecem para caminhar pela praça da
Sé, em São Paulo, pela candelária, no Rio, pelas
chamadas “bocas malditas” de Curitiba, Florianópolis
e Belo Horizonte? Ou para ficar no Nordeste, a área em que sua
popularidade ainda é comparativamente maior, será que se
animaria a descer as ladeiras do pelourinho? Não dá nem
para pensar em fazer esse teste, porque o risco de um vexame descomunal
é explosivamente elevado” (Clovis Rossi,2005)
Logicamente que não estamos questionando as conquistas democráticas.
A democracia, como regime, pelo qual optou a sociedade brasileira. Entretanto,
isso não é o suficiente para coibir a má imagem da
política pelo que as fazem e o mascaramento dessa má política
de eleição a eleição pela fabularização
operada pelo marketing eleitoral. O desencanto geral, em face da forma,
como a coisa pública está sendo gerida é claramente
identificável nas pesquisas que apontam que “Metade dos brasileiros
não consegue citar nome de político honesto”, pesquisa
esta realizada em julho último pelo instituto “Datafolha”
e divulgada pelo semanário Veja em agosto de 2005. No entanto a
fabularização da política através de sua instrumentalização
pelo profissional de marketing e a primazia da imagem ofertada pelo campo
midiático televisivo vêm atenuando esses efeitos da má
política, somado ao fato de nosso país ter as campanhas
eleitorais mais caras do mundo. Isso torna a corrupção inevitável
e ajuda a eleger nulidades, como nos diz a Revista Veja (2005) em sua
última edição do mês de agosto. A essa crise
de representatividade do campo da política, soma-se grave crise
da ética propagandística política em lapsos de tempos
eleitorais, “a hipervalorização da propaganda”,
possibilitada pelas ações dos profissionais de marketing,
que lhes imputam um alto custo e conseqüentemente esse custo, caso
candidato venha a ser vitorioso, é repassado posteriormente com
os compromissos assumidos pelo governo com as agencias que lhe deram guarida
durante a campanha. Ou seja, quem faz a propaganda do candidato no presente,
se vitorioso, no futuro atenderá as melhores contas do governo.
Partamos de uma proposição que nos permita visualizar a
processualidade da questão em estudo: perigosas relações
se estabelecem entre o poder executivo, os demais poderes da República,
os financiadores de campanha e os profissionais de marketing, através
de suas agências de publicidade. Os complexos de comunicação,
o sistema de partidos, a ausência da fidelidade programática,
sem princípios ideológicos diferenciadores são fatores
que elevam a política a um conto de fadas, um mundo mágico,
onde tudo de bom é possível acontecer, propiciados por aqueles
cuja imagem nos traga uma mensagem de otimismo com a vida.
Como atores eventuais, os políticos se confundem com os permanentes
e representam seu papel, devidamente maquiados e penteados para uma platéia
“invisível”, ingressando no terreno da contradição,
porque ocupam o espaço público televisivo oposto ao espaço
público da prática política, como formato da televisão
e não da política.
(Weber, 2000: 45) acredita que esse deslocamento realizado pelo discurso
político, para se agregar às práticas midiáticas,
realiza-se de forma tensa e conflitual. Ela aponta uma oposição
entre esfera política e midiática, amparada em diferentes
pilares: a política, o discurso político, o espetáculo
político. E conclui nos dizendo que:
“Oposto ao discurso televisivo está o discurso da política,
mesmo tendo sido apropriado pela propaganda, pois não pode ter
segredos e a sedução não lhe é inerente. Sua
coerência está na possibilidade de explicitar, de esgotar
sua comunicação com promessas em direção a
vontades coletivas, objetivos sociais, segurança, estabilidade,
com o desafio de transmitir confiança, verdade, coerência,
desafio, tranqüilidade, integridade, dignidade moral, etc. Esse complexo
e perigoso discurso tem de ser feito sob uma proteção carismática
e pluralista, considerando que o leitor/telespectador/ouvinte exercerá
sua condição de eleitor, determinando a continuidade de
um tipo de discurso. Uma das variáveis desta relação
é o fato dele não se desvincular dos códigos estéticos
da mídia”.
Anomia talvez seja a palavra apropriada para nomear as relaçãoes
que se estabelecem entre campo midiático e campo político
na contemporaneidade, auto- explicando-se pelo fato do próprio
significado da palavra: “A quebra de um padrão normativo,
que pode variar, de um comportamneto irregular qualquer até o mais
ferrenho ilegalismo.”(Sodré, 2002: 99). É o que acontece
quando a política apropriada pelos mecanismos da atividade do marketing
eleitoral e se apropria dos instrumentais midáticos para se fazer
visível diante seus eleitores. Apropriando-nos de uma formulação
de Weber no tocante a questão, poderíamos chamar de “Delito
Estético” esses fenomenos da apropriação ou
do apropiado entre campo midiátio e campo da política.
(des) Configurações entre fabularização
e realidade do fazer político
É fato afirmar que ao campo midiático interessa através
da espetacularização da noticia, da “ilusão
simulativa”, utilizando uma terminologia de (Sodré, 2002:
96), capturar a atenção das pessoas, seduzi-las, entretê-las.
Nesse caso, é preciso oferecer conteúdos, capazes de garantir
entretenimento para capturar audiência de forma que esta possa ser
submetida à exibição dos produtos. E assim o é
quando o campo da política transita no “setting midiático”.
Também ao campo da mídia estão circunscritos os interesses
políticos, inerentes aos poderes públicos formalmente constituídos.
O fato é que não podemos deixar de reconhecer que a máxima
que norteia a sociedade a qual estamos experienciando resume-se na seguinte
frase: comunicação é poder. Segundo (Ramos, 1993),
não há de fato instancia mais poderosa em qualquer sociedade,
do que meios de comunicação. Instancias complexa porque
em sua evolução liberal, devem ser aquelas mais livres de
constrangimentos normativos - principalmente os de ordem legal - por serem
as instancias responsáveis pela defesa de cidadania contra os abusos
dos poderes executivos, legislativo e judiciário.
Intriga-nos, no entanto, que esses mesmos meios que evocam para si, serem
guardiões da sociedade contra as “tiranias” do poder
público constituído, sejam palco de visibilidade desse mesmo
poder, maquiando o fazer da política em sua acepção
ética, ideológica e moral em lapsos de tempos eleitorais,
e a conivência dos atores políticos em benefício das
estratégias de imagem, jogos discursivos orquestrados por uma linguagem
telemidiática para conquistar e manter o poder. (Noblat, 1999:
11) nos fala que:
“A televisão se desenvolveu no país e passou a ocupar
um espaço. Transformou-se no único, ou no mais expressivo
instrumento de socialização dos brasileiros. A desidratação
política da sociedade fez a televisão o sucedâneo
dos partidos, dos sindicatos e das associações”.
Somando os elementos expostos acima há que se concordar que nesse
espaço midiático, trava-se uma nova fórmula de disputa
eleitoral. Substituindo as plataformas marcantes, de partidos fortalecidos,
da soberania do ideológico, da eticidade e moralidade, o que podemos
visualizar é a contaminação do campo da política
as regras e a gramática midiática possibilitadas pelo acionamento
do marketing eleitoral. Uma supervalorização desses elementos,
onde a política, em sua modalidade eleitoral, deve resignar-se
às regras e à formatação derivada da mídia
em detrimento de uma política eleitoral alicerçada no fortalecimento
dos partidos políticos, na ética, no gerir da coisa pública,
na moralidade do ator político, enfim na cidadania. Esse “delito”
do campo da política nos dá a certeza de que todos são
iguais, os partidos, os políticos, as lideranças, ou seja,
ninguém é confiável. No entanto cabe ao marketing
eleitoral construir o diferencial entre esses atores políticos,
mesmo que seja de quatro em quatro anos. A fabularização
do pleito eletivo proporciona o encantamento e leva os eleitores a ingressarem
num mundo encantado, o da política, onde ficção e
realidade se entrelaçam. Assistimos assim um contra-senso se compararmos
os dois momentos: eleitoral e pós-eleitoral, uma espécie
de metamorfose entre o antes e o depois. Essa ruptura cria um sentimento
de profunda frustração e tristeza cívica, que leva
ao espetáculo degradante das denúncias e confissões
envolvendo parlamentares e políticos no plano nacional e em quase
todo o país.
De acordo com o cientista político Roberto Amaral (2005) “No
Brasil, a eleição do presidente da república é
plebiscitária, no sistema de dois turnos, desvinculada da formação
das bancadas, embora a renovação do mandato presidencial
e dos legislativos se dê no mesmo processo”. O que resulta
desse sistema é que a base partidária que elege o presidente
vez por outra consegue garantir maioria no Congresso, o que torna necessárias
negociações no âmbito da Câmara e no Senado.
Essas negociações, entretanto não se realizam em
cima de programas de governo, pois ancora-se no varejo, individualmente,
através dos parlamentares e não com os partidos, já
que esses estão acometidos da fragilidade institucional. É
exatamente à revelação pública dessas práticas
que estamos assistindo presentemente.
“Qual é a agenda da vida pública brasileira de hoje,
quais aqueles temas candentes que dividem a opinião publica, que
põem em confronto os partidos? Qual o debate que agita o Congresso?
Quais as polêmicas que dominam os jornais? Não, não
há discussão política. Há negociações,
lícitas ou não, entre representantes do Executivo e parlamentares,
desprezando a via partidária, para assegurar o controle do Congresso”.
(Amaral, 2005: 35).
Nos Estados Unidos, o fato de existirem dois fortes partidos, o Republicano
e o partido Democrata, diferentemente do que ocorre em nosso país,
detentores de propostas no que se refere aos interesses do povo americano,
faz com que o debate no nível das idéias se sobreponha a
exarcebação da exploração da imagem em si
do ator político.
Segundo (Amaral, 2005: 31):
“O epicentro da crise está na relação, viciada
entre Executivo e Legislativo, dado que a representação
política neste país está em crise. A democracia convive
com bons e maus governantes, mas não sobrevive à desmoralização
das instituições. Um Congresso desmoralizado é Congresso
que não se impõe ao respeito da sociedade. Nem o merece.
Falece sem serventia”.
Portanto diante de tais argumentações há que se concluir
que os protocolos discursivos/imagéticos da esfera do setting midiático,
disponibilizado ao campo da política instrumentalizada pelo Marketing
em momentos ditos eleitorais, são os mesmos que desconstróem
o ator político no gerenciamento da coisa pública contaminando
a própria especificidade do discurso político e da ação
política.
Fabularização midiática: produção da
política nos Telejornais
A mídia na contemporaneidade vem interferindo de forma crescente
no processo político-eleitoral, como já dito anteriormente.
A cena política é hoje protagonizada por “novos”
atores que alteram o discurso político a partir do setting televisivo,
instrumentalizado por saberes, técnicas, procedimentos, rituais
e estratégias de comunicação.
Em se tratando de Brasil, a década de 80 e o processo de redemocratização
representaram a busca de novos horizontes e a emergência de modalidades
de estudos acerca das relações estabelecidas entre mídia
e política. Até então, as discussões acadêmicas
acerca desse objeto estavam remetidas aos possíveis “usos
e abusos” cometidos pelos meios de comunicação. No
final da década de 60 e início dos anos 70, apareceram os
grandes questionamentos a respeito da magnitude da televisão e
dos perigos sociais que isso poderia representar. Dessa compreensão,
resultaram as teorias críticas no Brasil em relação
à televisão, que tratam da massificação da
sociedade e do controle da opinião pública.
As principais críticas que permearam essas duas décadas
estavam direcionadas aos proprietários dos meios de comunicação,
por serem detentores de conglomerado nacional de informações
capaz de influenciar na formação da opinião pública,
sob a guarda do regime militar. Essa época foi demarcada pelas
chamadas “teorias conspiratórias” que atribuem a alguns
poucos ricos capitalistas, dentre eles os proprietários dos meios
de comunicação, intenções perversas de impor
suas maquinações às massas e assim garantirem a continuidade
de seu poder.
No início dos anos 80, com a derrocada do regime militar e o desenvolvimento
acelerado das novas tecnologias e sua incorporação e aplicação
no sistema televisivo, iniciou-se uma transformação radical
na forma pela qual a televisão se apresentava. A nova fase da televisão
no início dos anos 80, na visão de (Marcondes Filho,1994,
p: 31), é aquela em que essa se “coloca na posição
de domínio total no mercado de informações, mas modifica
a relação com seu público, assim como modifica a
maneira como passa a produzir seus programas”. A nova época
é marcada pela segmentação, dispersão, autonomização
de controle do sistema televisivo, o que mudou pontualmente o sentido
do seu uso. Enquanto na primeira fase a televisão era um meio de
comunicação que permitia que as pessoas vissem o mundo através
da tela, na segunda fase sua característica principal é
a de simulação do mundo, fabricadora de realidades,o que
passamos s chamar de fabularização, onde a transparência
da televisão cede lugar a um certo ocultamento de fatos, em detrimento
de outros, amparada pela auto-referencialidade. Nessa nova fase, a discussão
acerca do papel da televisão não mais se concentra na preocupação
dessas enquanto transmissora ou manipuladora da verdade, e sim, remete
a discussão para outro pólo, para o seu poder de representação/encenação
em construir, histórias e narrativas sob o invólucro ficcional,
as fábulas, inclusive quando se apropria da política. A
televisão abdica, portanto, no momento em que se torna estrutura
dominante de comunicação, de qualquer função
ou compromisso com um relato fiel do mundo, o qual não interessa
mais. O mundo lá fora não se sobrepõe mais à
televisão, pelo fenômeno da auto-referencialidade, pois a
televisão constitui-se na própria realidade.
Em se tratando especificamente das novas conexões que se estabeleceram
entre o campo da política, a chamada “era Collor” da
política brasileira talvez seja o exemplo mais significativo dessa
mudança. O que pudemos apreender desse exemplo é que, a
partir daquele momento, a política havia se adequado a uma nova
modelagem, estetizante e espetacularizada da televisão, particularmente
nos seus telejornais, não se conformando apenas enquanto instrumentos
através dos quais a política alcançava seu público.
pois, como nos fala (Fausto Neto,1999, pp:13-15), a mídia, a partir
de um determinado momento da história, deve ser vista como agente
situado numa cultura específica, que, dispondo de regras e poderes
específicos, tem a capacidade de operar a própria construção
de sistemas de representação.
Vista sob essa ótica, a televisão, particularmente o seu
espaço telejornalístico, configura-se como um novo ator
social “através da construção de fatos, sua
tradução em acontecimentos midiáticos e o aval para
poder divulgá-los, a televisão passa a ser reconhecidamente
uma forma de intervir na realidade”. .(Rondelli, 1994, p: 231).
Para ela a televisão importa, sobretudo, pelo fato de ser um das
principais fontes de agenciamento político, onde pautas para a
discussão são lançadas, tornando-se, portanto, palco
para a fabulação e construção da vida política.
Portanto, a nossa proposição sugere que o espaço
específico pelo qual a mídia vem se revelando como dispositivo
de representação dos processos político é
a televisão, particularmente os telejornais.
O telejornal, enquanto locus midiático, ao longo destes últimos
anos, vem ganhando status de “peça teatral”, onde a
política é encenada, espetacularizada, visibilizada e publicizada,
segundo lógicas midiáticas. Pertencente ao campo do jornalismo,
o telejornal, para Berger (1996), é detentor do ato de nomear,
pois nele se encontra o poder de incluir ou excluir, de qualificar ou
desqualificar, de legitimar ou não, de dar voz, publicizar e tornar
público fatos/acontecimentos decorrentes de qualquer esfera social
Para compreender essa interferência do telejornal no campo da política
é fundamental que acompanhemos a evolução dos telejornais,
sua respectiva funcionalidade e suas práticas comunicacionais.
Vejamos: nas décadas de 40 e 50, o telejornalismo obedecia a um
formato simples, até mesmo pelas limitações tecnológicas
da própria televisão, visto que essa se encontrava em sua
fase inicial. Dentro desse formato, o apresentador simplesmente colocava-se
diante das câmeras, limitando-se apenas a ler o que estava no “script”.
Entretanto, a partir da década de 80, o desenvolvimento tecnológico,
proporcionador de uma nova estética, aliado à vocação
política e aos interesses mercadológicos da mídia,
provocou um conjunto de mudanças significativas nas formatações
dos telejornais. O telejornal passou a revestir-se de um caráter
extremamente fictício, alimentado pela pirotecnia na produção
de notícias, resultado do desenvolvimento tecnológico, brindando-nos
com mais espetáculo para nossos olhos e menos informação
propriamente dita. Portanto, os telejornais se apropriaram da nova linguagem
televisiva onde espetáculos de cor, luz e som, montados no próprio
setting televisivo, são os principais ingredientes na tessitura
dos fatos, reformulados, rearranjados, inclusive aqueles fatos que decorrem
do campo político.
A transmutação do jornalismo a partir da década de
80 está justamente no fato de esse não mais se conformar
com uma espécie de relato das coisas da cotidianidade, pois, segundo
Marcondes Filho (1994), a transformação da forma jornalística
vem com os programas de jornalismo eleitoral, em que se criam debates
políticos entre dois ou mais candidatos, cujo motivo teórico
seria melhor informar o eleitor sobre o candidato em que votar. Entretanto,
na realidade, o que ocorre não é bem o propósito
formal proposto pelo espaço midiático. Para o autor pode-se
verificar que esses debates não giram em torno de propostas dos
candidatos e muito menos do convencimento das propostas para os eleitores,
até porque não encontramos diferenças substanciais
entre uma ou outra. O que norteia é certa homogeneidade de proposições,
seja no campo econômico, saúde, segurança, enfim em
tantos outros.
Observa-se que o que alimenta o fazer político, através
de seus personagens, na contemporaneidade são as adversidades,
as provocações, os xingamentos, as provocações
e as miudezas geralmente pertencentes ao campo privado da vida pessoal,
que são entoados pelos apresntadores de telejornais.
A partir daí, o telejornalismo passa a uma condição
ficticiosa, característica dos “Contos de Fadas”, onde
a informação reveste-se de um efeito fantosioso.
As alterações nos formatos dos telejornais podem também
ser sentidas no momento em que a mídia evoca para si o papel de
“gestor de avaliações políticas”, através
de seus atores midiáticos os quais Fausto Neto(1996) denomina de
“novos oráculos” ou como convencionalmente chamamos
de “âncoras”. Para ele, esse novo protagonista da cena
midiática conforma-se numa espécie de “novo mediador”
a conduzir a possibilidade de oferecer e de se oferecer como um novo modelo
ético de narrador. O âncora, para o autor, visa formalizar,
através de um gênero discursivo moderno, a figura do antigo
oráculo. Notável como aquele, reconhecido pelas autoridades,
legitimado pela competência apropriada de uma certa matriz pedagógica,
ele vai estar além do encenador. Esse novo protagonizador midiático
“(...) é posto numa posição de equivalência
aos antigos deuses porque, a exemplo daquele, no lugar de onde fala prevê
o futuro; contesta a ordem; impõe pautas morais e éticas;
questiona o ato de outros poderes; veste-se de uma imunidade; aconselha
os desesperados, os que estão em apuros; funciona como verdadeiro
magistrado. Enfim (...), age através do corpo - da palavra e do
gesto - e por estes códigos constrói a própria noção
e funcionamento moral do mundo e das coisas”. (Fausto Neto,1996,
p: 13)
Por todas essas prerrogativas, o telejornal vem tornando-se um lugar midiático
privilegiado, não só de representação da realidade,
neste caso da política, mas de apresentação de uma
dada realidade, podendo ser atribuído a este a responsabilidade
de eleger ou derrotar Governos, demarcar idéias e conflitos políticos
e apontar solução que “no mínimo contribui
para fortalecer a idéia preliminar sobre qualquer fato, especialmente
sobre aqueles mais complexos, como a política” (Weber: 2000,
p: 70).
Subjacente a toda essa discussão está a idéia de
funcionalidade dos telejornais. Para compreendermos como essa funcionalidade
se processa nos apropriamos de algumas formulações de( Fausto
Neto,1997) que bem explicam essa questão. Uma característica
geral dos telejornais repousa no fato de serem formatados a partir de
centros de produção e comandados por enunciador e/ou enunciadores
centrais convencionalmente conhecidos por âncoras, como já
visto anteriormente, e/ou apresentadores. Auxiliando os trabalhos desses
profissionais, estão os co-apresentadores, especialistas, repórteres,
que aparecem ao vivo ou em off, além de muitas outras categorias
de profissionais que formam o composto do processo de produção
do telejornal. Para ele, esse gênero televisivo é construído
segundo rotinas e constrangimentos organizacionais, apresentando um formato
padrão de estrutura. No entanto, de uma forma geral, os conteúdos
dos telejornais não diferem uns dos outros. A marca de jornalismo
declaratório pontua o telejornalismo brasileiro, em relação
ao mundo da política especialmente. Não obstante, isso não
nos impede que reconheçamos que cada telejornal seja detentor de
modos e contratos que funcionam segundo estratégias inerentes a
cada um deles, o que evidencia maneiras diferentes de se ofertar a realidade
aos telespectadores.
Uma marca indelével dos telejornais é a pluralidade de vozes
que ali ecoam, as quais( Fausto Neto, 1997) categoriza de “vozes
de dentro”, “vozes de fora” e “vozes transversais”.
(Verón,1981) parte do princípio de que o telejornal é
plural pelo fato de mobilizar, permitir e fazer falar várias vozes,
o que faz o seu regime de enunciação e conseqüentemente
o seu trabalho de produção discursiva não serem revestidos
de um caráter de neutralidade.
O discurso jornalístico, portanto, fica caracterizado como um discurso
polifônico, como nos afirma Ducrot, pela característica dialógica
que lhe é inerente, composto por várias vozes, entre elas
a de produtores, repórteres, apresentadores, cinegrafistas, editores
e proprietários das emissoras.
Apesar da validade desse conjunto de premissas acerca do discurso jornalístico,
o que temos visto prevalecer é a voz da corporeidade midiática
frente a outros conjuntos de vozes, através de seu discurso emoldurado
por dimensões que lhes são próprias, tecendo o real,
instituindo, segundo (Fausto Neto,1997), o seu lugar e suas posições
como dispositivo ativo de gestação da política.
Um dos argumentos que encontramos para justificar a prevalência
da voz do corpo midiático é o fato de esses campos se conformarem
enquanto dispositivo singular.( Fausto Neto,1997) nos fala que a mídia
é um campo possuidor da capacidade de unificar essa polifonia,
ou seja, de uma multiplicidade de vozes presentes nos telejornais, o que
o faz um lugar de excelência da negociação.
Outro aspecto, que nos interessa particularmente, quando nos referimos
à funcionalidade dos telejornais, está no conjunto de variáveis
presentes na rotina diária de sua produção que se
apresentam como fatores formatadores desse campo. Dentre elas, encontram-se
a limitação das fontes, a multiplicidade de acontecimentos,
a concorrência de outras mídias de informação,
a variável temporal etc. Particularmente a variável temporal
se caracteriza por ser um fator limitador da notícia e muitas vezes
impeditivo à sua publicização, dado ao critério
seletivo que se processa em relação à escolha dos
acontecimentos processados no nicho midiático. Essa impossibilidade
de abarcamento de um cem números de acontecimentos decorridos na
cotidianidade social faz com que a elaboração do produto
jornalístico fixe uma pauta colocando limites na quantidade de
informação que pode ser transmitida. Logicamente há
que se reconhecer a natureza física de cada dispositivo midiático,
bem como seu modo de transmissão, da duração, de
seu funcionamento. No entanto, um dos fatores que fazem com que muitas
vezes determinada matéria não seja publicizada em detrimento
de outra está na questão concorrencial existente entre as
emissoras. Portanto, não é de causar estranhamento que um
editor opte por veicular determinada matéria em detrimento de outra,
pelo fato de essa ter sido pautada por um outro telejornal, o que resulta
numa certa imposição no agendamento de temas. A escolha
do que vai ao ar ou não, o que chamaríamos de arbitrariedade
de escolhas, também está subsumida a critérios econômicos,
políticos, ideológicos, como nos fala (Barros Filho,1994),
referente à competição interna dos profissionais
e à competição da organização com seus
principais concorrentes no campo midiático.
Barros Filho (1994) afirma, ainda, que ao se optar por um tema para compor
o produto midiático, estamos fazendo-o pertencer à realidade
social e paralelamente realizando um processo de exclusão de um
outro tema, por hora preterido e condenado ao desconhecimento social.
Portanto, através desses expedientes, o telejornal contribui para
construções de realidades sociais através das construções
discursivas de alguns acontecimentos, selecionados no próprio setting
midiático. Ao tornar alguns acontecimentos visíveis, da
ordem da noticiabilidade, a mídia determina-lhe sentido, obedecendo
a critérios que estão subsumidos aos interesses dos grupos
proprietários dos meios de comunicação, sejam eles
mercadológicos, políticos, econômicos, mas também
a critérios de audiência e ao seu próprio corpo profissional.
Essa modelagem assumida pelos telejornais conforma-os como agentes protagonizadores
da política na medida em que tecem a sua realização,
apontando aquilo que deve ser visto ou excluído.
(Sartori,1998) ainda nos fala que os noticiários da televisão
oferecem ao espectador a sensação de que o que está
sendo visto é verdade, que os fatos vistos pelo espectador se sucederam
da forma como esse pode ver. A aceitação dessa dupla perspectiva,
segundo ele, nos imporia a pena de permanecer na mais morta ficção,
já que a televisão pode mentir e falsear a verdade pela
forma da veracidade inerente à imagem que faz a mentira mais eficaz
e, portanto, mais perigosa.
Esse conjunto de proposições nos permite afirmar que o telejornal
funciona como um sistema de (re)leitura do mundo, que fabrica versões,
produz novas cenas, o que resultaria, segundo( Fausto Neto,1995, p: 121):
“(...) na construção de diferentes acontecimentos
dentro dos media, abandonando o registro do real, segundo estratégias
engendradas pelos dispositivos de enunciação(...) onde a
televisão intervém no sentido de remodelar os fatos provenientes
do campo político, na medida em que essa atividade na contemporaneidade
solicita pedagogia mediadora”.
Em nosso estudo diríamos que a televisão ,pontualmente os
telejornais fabularizam a política no seu próprio nincho
midiático, através de mecanismos que acionam lógicas
próprias de sua funcionalidade, o que a torna hoje uma atividade
pública midiatizada.
Ainda se tratando da produção da política x dispositivo
jornalístico, temos que os fatos políticos, ao ganharem
visibilidade nos telejornais, adquirem o “status” de acontecimento
e conseqüentemente viram notícia, segundo rotinas produtivas
do campo jornalístico. Na concepção de (Traquina,1993,
p: 167), as notícias são o resultado de um processo de produção,
definido como percepção, seleção e transformação
de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias).
Para ele:
“Os acontecimentos constituem um imenso universo de matéria-prima,
onde a estratificação deste recurso consiste na seleção
do que irá ser tratado, ou seja, na escolha do que se julga ser
matéria-prima digna de adquirir a existência pública
de notícia, numa palavra noticiável”.
Não obstante essa processualidade midiática, decorrente
da própria rotina produtiva que o campo do telejornalismo estabelece,
esse em alguns momentos realiza um movimento no sentido inverso. As notícias
também passam a criar o próprio fato. Pois este último
não necessariamente decorre de um processo natural, ou seja, da
forma pelo qual ele é apreendido do “mundo real”. Logicamente,
as “construções” de notícias no interior
do espaço midiático têm como ponto de partida uma
referência, pois não estamos aqui afirmando que a mídia
as “cria”. Talvez a singularidade dessa questão esteja
no fato de a notícia representar, segundo (Motta,1997), o estatuto
do novo real, passando ela própria a significá-lo. Vejamos
a processualidade dessa questão:
Em um determinado tempo na história do jornalismo, “fato”
e “notícia” possuíam significados diferentes,
obedecendo a critérios próprios. O fato, por ser de ordem
da realidade, como tal, existiria por si só, independente e indiferente
à notícia. Já a notícia, conformada como sendo
da ordem da enunciação, constituiria um ato segundo em relação
ao fato. Portanto, na cronologia que daí decorre, primeiro vem
o fato, depois a notícia acerca desse fato. Mas o que presenciamos
atualmente no campo jornalístico é que os acontecimentos
dos fatos em si obrigatoriamente não se conformam na realidade;
os fatos obedecem hoje a critérios diferenciados, e acontecem na
própria enunciação jornalística, o que os
torna fatos simbólicos, que existem apenas para significar e praticamente
mais nada, onde a realidade é apenas a ancoragem do fato relevada
a um grau de pouca importância; o que interessa é a ordem
da significação e da enunciação.
Essas transmutações ocorridas no interior do campo midiático
ficaram conhecidas como fato mensagem. Elas existem não por relação
causa efeito com a realidade, mas elaboradas propositadamente para produzir
um efeito de significação, para significar fatos-notícias,
na medida em que existem para que deles se falem, para que os noticiem.
Ora, ao admitirmos que a lógica midiática que hoje rege
os telejornais é orquestrada pelo acionamento da ruptura, da diversão
e da encenação, e é essa lógica que aciona
o interesse do público, os fatos-notícias provenientes do
campo da política se encontram revestidos por essa linguagem. Pois,
como nos fala (Gomes,1994), atualmente a política adaptada ao background
do entretenimento é transformada pelo acionamento dos sistemas
de ruptura, da diversão e da dramaticidade.
À luz ainda das idéias de (Gomes,1994), ao falarmos de ruptura,
estamos nos referindo à quebra da continuidade, das regularidades,
das expectativas usuais dos indivíduos, relativa aos concatenamentos
de eventos e objetos da realidade que se dá em conformidade com
nossas expectativas habituais. Ora, essa des-regularidade, ou a quebra
da continuidade, na apreensão dos acontecimentos da realidade,
desfaz a base permanente com que o indivíduo acostumou-se a pensar
a partir de associações indefinidas e diferenciadas do cotidiano,
não previsíveis que acionam a atenção e a
memória. E a acionam diante de fatos e fenômenos que frustram
as expectativas. Essa ruptura permite-nos pensar numa nova ordem de apreensão,
uma nova ordem que fundamenta nossas expectativas, introduzindo um ritmo
inesperado ou uma conexão inabitual. Nesse universo, o que interessa
é a novidade produzida em escala industrial crescente, em parte
pela velocidade das inovações tecnológicas, onde
o indivíduo telespectador é convidado a não refletir,
frente a um universo de pontos de vista distintos que ali se processam
diariamente.
Isso posto, temos que, subjacente a esse estado de coisas, emerge de imediato
o que (Gomes, 1996, p: 37) chama de “subsistema acionado pela diversão”.
Para ele, diversão não é prazer, mas dela decorre
uma espécie de prazer produzido pelas energias que surgem com o
despertar da atenção. A noção de diversão,
portanto, está relacionada ao novo, ao diferente, ao irregular,
ao extraordinário.
“(...) ‘diversão’ remete a superficialidade lúdica,
da beleza, da simplicidade, das imagens em profusão, da abundância
desconexa de sons e sentidos, da embriaguez da aceleração
dos recursos técnicos audiovisuais e, sobretudo pelo enfraquecimento
de qualquer responsabilidade e cobrança”. (Gomes, 1996,p:37)
Na verdade, uma idéia corrente entre aqueles que se dedicam a estudar
o assunto em questão é que não procede em dias atuais
uma completa dissociação entre diversão e informação.
Assim sendo, o campo da política também passa a ser acionado
por essa mesma lógica: o discurso ganha novos contornos, torna-se
mais palatável, agradável ao gosto de um modelo, que se
acostumou a conceber a televisão como entretenimento. Sob essa
lógica, o discurso político publicizado pelos telejornais
não causa estranhamento e passa a atingir um maior número
de telespectadores.
O fim da fronteira entre informação e diversão obrigou
o telejornalismo a se adaptar ao ritmo das mensagens publicitárias,
construção de enredos, personagens, representações,
etc., ancorado no entretenimento, numa perspectiva dramática, trágica
ou cômica, onde o mecanismo do drama aciona a comoção
por parte dos telespectadores. Colocada nesses termos, a idéia
de dramaturgia, de teatro, enfim, de encenação pode ser
incluída nesse novo cenário arquitetado pelo campo midiático.
Costurada e alinhavada por um sistema informativo de dramatização,
a comoção passou a fazer parte de um ideário midiático.
O que se destaca também em quase totalidade dos gêneros televisivos,
e aqui particularmente nos referimos ao telejornalismo, é o impacto
da imagem associado ao seu ritmo de transmissão. Para (Marcondes
Filho,1994), um dos fatores conformadores da televisão é
a primazia da imagem. Dada a evolução tecnológica,
as imagens que tecnicamente reproduzimos do mundo externo podem ser mexidas,ou
seja, nelas se podem interferir, mudar, ampliar, reduzir, intervir, remetendo-nos
conseqüentemente à idéia de manipulação.
Esse conjunto de operações modificou/alterou o ritmo que
compõe a linguagem televisiva. Em tempos contemporâneos,
podemos afirmar que as imagens são demarcadas por uma pulsação,
um ritmo acelerado que perpassa todos os tipos de informação.
O que se destaca nesse cenário são as cenas mais espetaculares
que se enquadram num dos critérios solicitados pelo fenômeno
da noticiabilidade, requerida pelo telespectador, a qual (Gomes,1994,
p: 6) reconhece como “histórias do interesse humano”
ou fait divers.
Na verdade, o telejornalismo se apresenta na contemporaneidade como um
sistema de codificação de construção do real,
onde o relato jornalístico referente aos fatos ocorridos no interior
do campo político é um discurso que tem o fato como referente
(não se tratando de negar a realidade). Mas o real que a informação
institui é o produto de uma montagem. Nas palavras de (Weber,2000,
p: 110):
“O telejornalismo afirma mostrar ‘todo’ o mundo (ambição
de exatidão). Dizer ‘tudo’ (ambição de
diversidade) e falar de ‘tudo’ (ambição das
abrangências), quando apenas retira fragmentos com os quais constrói
o real como simulacro do realmente acontecido. A mídia não
inventa os acontecimentos políticos, mas detectam, dramatizam e
os produzem. Nesse contexto os jornalistas constituem-se como narradores
privilegiados do cotidiano e esse processo de representação
se faz através dessas narrativa”.
Portanto, o real, lapsos da cotidianidade, se constrói numa/e por
uma linguagem midiática, não mais conformada nos moldes
tradicionais a exemplo da objetividade, imparcialidade e neutralidade
antes requerida do texto jornalístico. Esse se caracteriza nestas
últimas décadas pelo mimetismo midiático, pela hiperemoção,
trágica ou cômica, por truques e montagens, pelo espetáculo
e pela encenação. Sob essas condições, a mídia
televisiva através de seus telejornais elabora sua visão
de mundo, onde se inclui a política, a partir de uma valoração
própria, produzindo um relato que nada mais é do que uma
simples versão do fato que ela mesma constrói. As histórias
contadas pela mídia, segundo (Weber,2000), vão des(qualificando)
os valores atributos da política. Para ela, a mídia faz
história a partir de uma valoração do cotidiano,
que é matéria e pauta da comunicação, daí
seu sucesso ininterrupto e eficaz, a especificidade individual ou social
não interessa. Ainda, segundo a autora, a estética ingressou
em conceitos e conteúdos, maquiando e valorizando partes e interpretações
de qualquer verdade. Sendo assim, a política está demarcada
pelo seu próprio simulacro. Seu discurso está deformado
na sua recepção pelo fato de ser desconhecido na sua causalidade.
É através desses expedientes que os telejornais editam o
mundo da política. Para os telespectadores, esse mundo que lhes
é apresentado pode nortear suas percepções e conseqüentemente
influir nas suas escolhas. Acontece que esse mundo que se dá ao
nosso conhecimento, certamente não é o espelho do mundo
real, não é um testemunho da realidade. O velho ditado “o
fato real em tempo real” não mais faz parte da realidade
midiática e nem conseqüentemente da realidade dos telespectadores.
Pois, como nos fala (Baccega, 2000), editar é construir uma realidade
outra, a partir de supressões ou acréscimos em um acontecimento.
Ou, muitas vezes, apenas pelo destaque de uma parte do fato em detrimento
de outra. Para ela, editar é ainda reconfigurar alguma coisa, dando-lhe
novo significado, atendendo a determinados interesses, buscando um determinado
objetivo, fazendo valer um determinado ponto de vista. Enfim, o ponto
de vista da mídia.
A produção de notícia no telejornalismo pode ser
compreendida como um processo de construção da realidade
pelo fato de nos ofertar um quadro interpretativo dessa (frame). Por exemplo,
no caso dos programas de entrevistas realizadas por alguns telejornais,
a mídia seleciona os temas a serem abordados acerca dos acontecimentos
políticos, independente da ordem de importância que esse
possa ter ou não no contexto da sociedade,da opinião pública..
Ficamos ainda com a impressão de que existe uma inversão
de papéis quando do transcorrer das entrevistas. O tema é
dado, as regras estabelecidas pelo próprio entrevistador, que conduz
a linha de argumentação a ser seguida. E o que vemos acontecer
freqüentemente é que o conjunto de argumentos disposto pelo
entrevistado sofre um apagamento no setting midiático, frente aos
argumentos do entrevistador. O assunto que ali deveria ser comentado,
debatido, exposto pelo entrevistado perde-se ao longo da entrevista. No
telejornalismo, os apresentadores/entrevistadores, supostos mediadores
de debates, apresentam-se como pequenos “diretores de consciência”.
Autodenominam-se, sem depender de muito esforço, os porta-vozes
da sociedade, que dizem “o que se deve pensar”, sobre o que
chamam de “os problemas da sociedade”.
Esse exemplo espelha as rotinas produtivas da mídia televisiva
quando se propõe a publicizar e dar visibilidade aos diversos discursos
que ali possam transitar. (Fausto Neto,1999, p: 17) nos aponta:
“(...) que apesar da vida privada, seus respectivos protocolos,
com seus pontos de vista e verdades, ser cada vez mais publicizado e posto
em praça pública (...) tal publicização opera-se
cada vez mais, através de regras privadas, que são os saberes
- enquanto forma e estratégia inerentes ao mundo do discurso midiático,
num locus específico chamado telejornal”.
Em decorrência do acionamento desse conjunto de lógicas que
regem as rotinas produtivas midiáticas, uma opinião corrente
encontrada no meio acadêmico é que a mídia televisiva,
através de seus telejornais, vem determinando, segundo seus interesses,
o que deve ser focalizado como sensacionalismo, denuncismo, espetáculo
ou não, fazendo-o de forma intencional e ficcional. O mimetismo
midiático, seguido da política de produção
de escândalos e a hiperemoção, passou a fazer parte
do repertório dos telejornais cujo slogan pode ser resumido na
seguinte frase: a mídia veicula escândalos, muitos deles
não verdadeiros, mas plausíveis.
Para (Emiliano José,1994), também existe uma consciência
política dos meios ao intervir em determinados acontecimentos,
procurando dar-lhes uma direção e construí-los ao
sabor de seus interesses políticos, o que não quer dizer
que sempre consigam. Um recente artigo publicado “Agendando o Congresso
Nacional: da agenda setting à crise da democracia representativa”,
de autoria de (Malena Rodrigues, 2002), propõe realizar uma análise
sobre a relação entre imprensa e Congresso Nacional, fornecendo-nos,
segundo pesquisa empírica, alguns indicativos que nos permitem
outorgar “uma intervenção midiática”
no interior do campo político. Pode-se verificar através
da leitura do texto que os indicativos provenientes da realização
da pesquisa apontam no sentido de afirmar que a imprensa agenda tema para
os parlamentares via assessoria de imprensa, uma vez que os assessores
estão preocupados em inserir seus parlamentares na mídia;
que a imprensa agenda temas para os discursos parlamentares e para o requerimento
de informação; que a imprensa agenda temas para a discussão
em comissões e é capaz de incitar a criação
de uma comissão temporária; que a imprensa influencia a
ação parlamentar, mudando muitas vezes seu rumo; que a imprensa
é capaz de colocar em agendas temas latentes. E realiza esse movimento
por interesses próprios, interesses resguardados pelos proprietários
dos meios de comunicação, pois a mídia não
é meramente uma representante da sociedade civil como quer fazer
crer.
Mesmo possibilitando a visibilidade e a publicização da
política, o fato é que a mídia telejornalística
realiza a política sobre o crivo de sua auto-regulamentação,
ditando sua conduta. Apesar de a finalidade social da mídia televisiva
não ter como pressuposto a governabilidade, (Rubim, 2000, p: 75)
nos coloca algo da seguinte ordem:
“Não se pode negar, que, através de inúmeros
mecanismos, ele interfere e influencia o ato de governar, ao agendar temas,
requerer providências, propor soluções, criticar atitudes,
sugerir alternativas, produzir imagens públicas, engendrar climas
sociais(...). E ao realizar esse movimento a mídia aciona seu mecanismo
de produção da realidade não se pautando pela simples
referenciação do acontecimento e sim pela (re)construção
do próprio acontecimento”.
Um dos argumentos que talvez possa justificar esse modo do agir midiático
esteja amparado em sua própria constituição histórica
onde uma das suas principais características, como nos fala (Siebert,
1976, p: 56):
“(...) é atuar como um fiscal superior das ações
do governo mantendo o estado longe de possíveis abusos e desvios
autoritários, ou seja, a televisão através de seu
telejornalismo, atuando como Watchdog, o cão de guarda da sociedade
a favor da democracia, sempre pronta a expor as práticas arbitrárias
e autoritárias do poder central”.
Mas, se observamos a questão sob um outro ponto de vista, não
podemos deixar de apontar que a prática midiática, particularmente
a telejornalística, vem sendo demarcada por desvios, pelo menos
em relação ao que prescreve a sua constituição
histórica. O comportamento do campo midiático caracteriza-se
por uma auto-suficiência motivada por suas estruturas e seus interesses,
entre eles os de dimensões mercadológica, política,
tecnológica e aqueles derivados das rotinas produtivas relativas
às linguagens e às gramáticas midiáticas,
ou seja, de sua própria estética. A funcionalidade de imperativos
dessa ordem resulta em tensões, entrelaçamento, resignificações
que acabam por dar formato ao produto final, que é o produto midiático.
Dito isso, perdem-se de vista as idéias defendidas por (Fred Siebert,
1976), inspiradas na “Teoria Libertária da Imprensa”
e as idéias defendidas por Peterson (1976) inspiradas na “Teoria
da Responsabilidade Social”, oriunda dos ideários da teoria
liberal apud (Novelli, 2002). Para (Siebert, 1976), a principal responsabilidade
da imprensa era colaborar com a descoberta da verdade, ajudar a resolver
os problemas políticos e sociais por meio da discussão de
todas as variáveis que envolviam os assuntos, cuja característica
principal seria a independência da imprensa em relação
ao poder estatal. Essas premissas permitiram que se formulassem dois princípios
fundamentais que regeriam de início o comportamento da imprensa.
O primeiro deles, como nos fala (Novelli, 2002), atribuiu à imprensa
funções de Watchdog, ou seja, cão de guarda da sociedade,
a favor da sociedade, e o papel de quarto poder, isento e capaz de avaliar
de modo sóbrio a condução das causas públicas
pelos poderes constituídos. Já o segundo princípio
proposto por (Peterson,1976) prescrevia que a liberdade, atividade inerente
ao exercício da imprensa, deveria ser praticada concomitantemente
com suas obrigações. Pela própria posição
privilegiada que essa ocupa, é obrigada a ser responsável
perante a sociedade, por desempenhar uma função essencial
em seu contexto. Ele ressalta, porém, que a imprensa tem desempenhado
mal sua função de servir o sistema político e esclarecer
o público.
Parece previsível, portanto, que deferência de “quarto
poder” atribuída à imprensa por alguns segmentos da
sociedade possibilitou que essa se colocasse numa posição
de supremacia frente aos demais poderes constituídos, desvirtuando,
assim, o papel que lhe fora prescrito em função de sua constituição
histórica. Para (Novelli, 2002), a mídia, enquanto poder
de direito e não um poder de fato, posicionando-se acima das demais
instituições, pois não necessita submeter-se às
regras de controle que são indispensáveis para a regulação
dos órgãos públicos, apresenta-se de modo isento
e é capaz de tecer avaliações críticas ao
desempenho dos poderes formalmente constituídos. Ao se apresentar
dessa forma, a mídia, livre de constrições, sente-se
livre para dizer o que quer sobre qualquer assunto, dependendo dos interesses
políticos e econômicos que possam estar em jogo.
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