apontamentos midiáticos

 

_revista do núcleo

_interdisciplinar de pesquisas

_midiáticas _intermídia

_vol 1 n. 2 - janeiro/junho de 2008

 

           

A Fabularização da Realidade no Campo da Política

expediente  

Ana Paula Saldanha

Professora do Curso de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas. Drª. em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Coordenadora no Núcleo de Pesquisa e Estudo em Comunicação e Informação ( EPEC),coordenadora da pós- graduação (Latu-Sensu) em Processos Midiáticos e Formas de Sociabilidade

 

Resumo

Para além da crise política, em dias atuais, e na qual todos nós brasileiros estamos acompanhando, experienciamos uma forte crise institucional, talvez a mais profunda pela descaracterização dos valores morais e éticos, respectivamente, do ator político e do gerenciamento da coisa pública no âmbito do campo da política brasileira. Essa(s) crise(s) são alimentadas dia a dia, e já completam anos, eleição após eleição, governo após governo, legislatura após legislatura, pelo crescente distanciamento entre cidadania e política, voto e representação, realidade e ficção.
A reiterada dissociação entre a vontade eleitoral e a ação de seus representantes eleitos rompe o nexo entre o cidadão e o dirigente político, cada vez mais distanciado do seu próprio eleitorado, seja pelos interesses que passa a representar após a eleição (os interesses dos financiadores de campanha, os interesses econômicos, políticos ou corporativos do segmento social que representa), seja pela conduta muitas vezes questionável que passam a adotar no exercício do mandato, o que se contrapõem ao discurso propagandístico de campanha, e reforçado posteriormente pelo locus midiático telejornalístico.

Palavras-Chaves: Fabularização -Mídia -Política-Telejornalismo

A política como ela é e o mundo fábula da política

Esta crise da representação da política provocada pelos sucessivos escândalos envolvendo os poderes políticos institucionalmente constituídos, a exemplo do executivo, do congresso nacional, é também uma das conseqüências da fragilidade dos partidos políticos e da formatação do sistema eleitoral de nosso país. O vai e vêm dos profissionais da política nos diversos partidos, é a negação de um comprometimento com o conteúdo programático desse, o que conseqüentemente ocasiona a “anarquia partidária”, elemento decisivo na desmoralização do processo eleitoral.
Tradicionalmente, a política, no sentido comum, trata do que o governo faz, e as conseqüências desse fazer que afeta a vida do cidadão, ou em outro sentido mais amplo, o do exercício do poder de algumas pessoas sobre outras.
Entretanto, nessas últimas duas décadas, tanto o estado quanto às formas de exercício de poder, sofreram mutações pela própria passagem da ditadura no regime militar, imposto em 1964, para um princípio de resgate de democracia nos inícios dos anos 80.
É compreensível que essa transformação no cenário político traga em si novas preocupações ao campo da política e da comunicação, conformadas pelo enfraquecimento do estado e o fenômeno da globalização, o que provocou novos olhares sobre o campo da comunicação e da política.
Paralelamente a esse fenômeno, vimos surgir à assunção do campo das mídias capitaneado pela televisão, e sua hegemonia como campo intermediador dos demais campos sociais. Insurge na contemporaneidade o que chamamos de “moralidade midiática”, pautadas nas anomias, em comportamentos moralmente desviantes, segundo seu ponto de vista, e no mercadológico. Essa moralidade midiática contamina os demais campos sociais, dentre eles, o campo da política, que para se tornar palatável ao gosto do eleitor confina-se numa cidade cenográfica para simular sua identificação com o público.
O texto de Rossi expressa de maneira transparente os picadeiros midiáticos da real fabulação da política. Vejamos:

“Pena que “o povo”, na verdade, seja constituído essencialmente, pelo que os mexicanos chamam de “acarreados”, a gente arrebanhada pelos manda-chuvas locais para fazer de conta que é um ato de massas, método levado a perfeição nos anos 70, de domínio do PRI(Partido Revolucionário Institucional). O projac para Lula é armado assim: escolhe-se uma cidade média ou pequena, de preferência nos arrabaldes. Nessas áreas, autoridades de grosso calibre são sempre atração, até turística, tão raras as chances de população local vê-las ao vivo (...) Será que o presidente se arriscaria a deixar os projacs que lhe oferecem para caminhar pela praça da Sé, em São Paulo, pela candelária, no Rio, pelas chamadas “bocas malditas” de Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte? Ou para ficar no Nordeste, a área em que sua popularidade ainda é comparativamente maior, será que se animaria a descer as ladeiras do pelourinho? Não dá nem para pensar em fazer esse teste, porque o risco de um vexame descomunal é explosivamente elevado” (Clovis Rossi,2005)


Logicamente que não estamos questionando as conquistas democráticas. A democracia, como regime, pelo qual optou a sociedade brasileira. Entretanto, isso não é o suficiente para coibir a má imagem da política pelo que as fazem e o mascaramento dessa má política de eleição a eleição pela fabularização operada pelo marketing eleitoral. O desencanto geral, em face da forma, como a coisa pública está sendo gerida é claramente identificável nas pesquisas que apontam que “Metade dos brasileiros não consegue citar nome de político honesto”, pesquisa esta realizada em julho último pelo instituto “Datafolha” e divulgada pelo semanário Veja em agosto de 2005. No entanto a fabularização da política através de sua instrumentalização pelo profissional de marketing e a primazia da imagem ofertada pelo campo midiático televisivo vêm atenuando esses efeitos da má política, somado ao fato de nosso país ter as campanhas eleitorais mais caras do mundo. Isso torna a corrupção inevitável e ajuda a eleger nulidades, como nos diz a Revista Veja (2005) em sua última edição do mês de agosto. A essa crise de representatividade do campo da política, soma-se grave crise da ética propagandística política em lapsos de tempos eleitorais, “a hipervalorização da propaganda”, possibilitada pelas ações dos profissionais de marketing, que lhes imputam um alto custo e conseqüentemente esse custo, caso candidato venha a ser vitorioso, é repassado posteriormente com os compromissos assumidos pelo governo com as agencias que lhe deram guarida durante a campanha. Ou seja, quem faz a propaganda do candidato no presente, se vitorioso, no futuro atenderá as melhores contas do governo.
Partamos de uma proposição que nos permita visualizar a processualidade da questão em estudo: perigosas relações se estabelecem entre o poder executivo, os demais poderes da República, os financiadores de campanha e os profissionais de marketing, através de suas agências de publicidade. Os complexos de comunicação, o sistema de partidos, a ausência da fidelidade programática, sem princípios ideológicos diferenciadores são fatores que elevam a política a um conto de fadas, um mundo mágico, onde tudo de bom é possível acontecer, propiciados por aqueles cuja imagem nos traga uma mensagem de otimismo com a vida.
Como atores eventuais, os políticos se confundem com os permanentes e representam seu papel, devidamente maquiados e penteados para uma platéia “invisível”, ingressando no terreno da contradição, porque ocupam o espaço público televisivo oposto ao espaço público da prática política, como formato da televisão e não da política.
(Weber, 2000: 45) acredita que esse deslocamento realizado pelo discurso político, para se agregar às práticas midiáticas, realiza-se de forma tensa e conflitual. Ela aponta uma oposição entre esfera política e midiática, amparada em diferentes pilares: a política, o discurso político, o espetáculo político. E conclui nos dizendo que:

“Oposto ao discurso televisivo está o discurso da política, mesmo tendo sido apropriado pela propaganda, pois não pode ter segredos e a sedução não lhe é inerente. Sua coerência está na possibilidade de explicitar, de esgotar sua comunicação com promessas em direção a vontades coletivas, objetivos sociais, segurança, estabilidade, com o desafio de transmitir confiança, verdade, coerência, desafio, tranqüilidade, integridade, dignidade moral, etc. Esse complexo e perigoso discurso tem de ser feito sob uma proteção carismática e pluralista, considerando que o leitor/telespectador/ouvinte exercerá sua condição de eleitor, determinando a continuidade de um tipo de discurso. Uma das variáveis desta relação é o fato dele não se desvincular dos códigos estéticos da mídia”.


Anomia talvez seja a palavra apropriada para nomear as relaçãoes que se estabelecem entre campo midiático e campo político na contemporaneidade, auto- explicando-se pelo fato do próprio significado da palavra: “A quebra de um padrão normativo, que pode variar, de um comportamneto irregular qualquer até o mais ferrenho ilegalismo.”(Sodré, 2002: 99). É o que acontece quando a política apropriada pelos mecanismos da atividade do marketing eleitoral e se apropria dos instrumentais midáticos para se fazer visível diante seus eleitores. Apropriando-nos de uma formulação de Weber no tocante a questão, poderíamos chamar de “Delito Estético” esses fenomenos da apropriação ou do apropiado entre campo midiátio e campo da política.

(des) Configurações entre fabularização e realidade do fazer político

É fato afirmar que ao campo midiático interessa através da espetacularização da noticia, da “ilusão simulativa”, utilizando uma terminologia de (Sodré, 2002: 96), capturar a atenção das pessoas, seduzi-las, entretê-las. Nesse caso, é preciso oferecer conteúdos, capazes de garantir entretenimento para capturar audiência de forma que esta possa ser submetida à exibição dos produtos. E assim o é quando o campo da política transita no “setting midiático”.
Também ao campo da mídia estão circunscritos os interesses políticos, inerentes aos poderes públicos formalmente constituídos. O fato é que não podemos deixar de reconhecer que a máxima que norteia a sociedade a qual estamos experienciando resume-se na seguinte frase: comunicação é poder. Segundo (Ramos, 1993), não há de fato instancia mais poderosa em qualquer sociedade, do que meios de comunicação. Instancias complexa porque em sua evolução liberal, devem ser aquelas mais livres de constrangimentos normativos - principalmente os de ordem legal - por serem as instancias responsáveis pela defesa de cidadania contra os abusos dos poderes executivos, legislativo e judiciário.
Intriga-nos, no entanto, que esses mesmos meios que evocam para si, serem guardiões da sociedade contra as “tiranias” do poder público constituído, sejam palco de visibilidade desse mesmo poder, maquiando o fazer da política em sua acepção ética, ideológica e moral em lapsos de tempos eleitorais, e a conivência dos atores políticos em benefício das estratégias de imagem, jogos discursivos orquestrados por uma linguagem telemidiática para conquistar e manter o poder. (Noblat, 1999: 11) nos fala que:

“A televisão se desenvolveu no país e passou a ocupar um espaço. Transformou-se no único, ou no mais expressivo instrumento de socialização dos brasileiros. A desidratação política da sociedade fez a televisão o sucedâneo dos partidos, dos sindicatos e das associações”.


Somando os elementos expostos acima há que se concordar que nesse espaço midiático, trava-se uma nova fórmula de disputa eleitoral. Substituindo as plataformas marcantes, de partidos fortalecidos, da soberania do ideológico, da eticidade e moralidade, o que podemos visualizar é a contaminação do campo da política as regras e a gramática midiática possibilitadas pelo acionamento do marketing eleitoral. Uma supervalorização desses elementos, onde a política, em sua modalidade eleitoral, deve resignar-se às regras e à formatação derivada da mídia em detrimento de uma política eleitoral alicerçada no fortalecimento dos partidos políticos, na ética, no gerir da coisa pública, na moralidade do ator político, enfim na cidadania. Esse “delito” do campo da política nos dá a certeza de que todos são iguais, os partidos, os políticos, as lideranças, ou seja, ninguém é confiável. No entanto cabe ao marketing eleitoral construir o diferencial entre esses atores políticos, mesmo que seja de quatro em quatro anos. A fabularização do pleito eletivo proporciona o encantamento e leva os eleitores a ingressarem num mundo encantado, o da política, onde ficção e realidade se entrelaçam. Assistimos assim um contra-senso se compararmos os dois momentos: eleitoral e pós-eleitoral, uma espécie de metamorfose entre o antes e o depois. Essa ruptura cria um sentimento de profunda frustração e tristeza cívica, que leva ao espetáculo degradante das denúncias e confissões envolvendo parlamentares e políticos no plano nacional e em quase todo o país.
De acordo com o cientista político Roberto Amaral (2005) “No Brasil, a eleição do presidente da república é plebiscitária, no sistema de dois turnos, desvinculada da formação das bancadas, embora a renovação do mandato presidencial e dos legislativos se dê no mesmo processo”. O que resulta desse sistema é que a base partidária que elege o presidente vez por outra consegue garantir maioria no Congresso, o que torna necessárias negociações no âmbito da Câmara e no Senado. Essas negociações, entretanto não se realizam em cima de programas de governo, pois ancora-se no varejo, individualmente, através dos parlamentares e não com os partidos, já que esses estão acometidos da fragilidade institucional. É exatamente à revelação pública dessas práticas que estamos assistindo presentemente.

“Qual é a agenda da vida pública brasileira de hoje, quais aqueles temas candentes que dividem a opinião publica, que põem em confronto os partidos? Qual o debate que agita o Congresso? Quais as polêmicas que dominam os jornais? Não, não há discussão política. Há negociações, lícitas ou não, entre representantes do Executivo e parlamentares, desprezando a via partidária, para assegurar o controle do Congresso”. (Amaral, 2005: 35).


Nos Estados Unidos, o fato de existirem dois fortes partidos, o Republicano e o partido Democrata, diferentemente do que ocorre em nosso país, detentores de propostas no que se refere aos interesses do povo americano, faz com que o debate no nível das idéias se sobreponha a exarcebação da exploração da imagem em si do ator político.
Segundo (Amaral, 2005: 31):

“O epicentro da crise está na relação, viciada entre Executivo e Legislativo, dado que a representação política neste país está em crise. A democracia convive com bons e maus governantes, mas não sobrevive à desmoralização das instituições. Um Congresso desmoralizado é Congresso que não se impõe ao respeito da sociedade. Nem o merece. Falece sem serventia”.


Portanto diante de tais argumentações há que se concluir que os protocolos discursivos/imagéticos da esfera do setting midiático, disponibilizado ao campo da política instrumentalizada pelo Marketing em momentos ditos eleitorais, são os mesmos que desconstróem o ator político no gerenciamento da coisa pública contaminando a própria especificidade do discurso político e da ação política.

Fabularização midiática: produção da política nos Telejornais

A mídia na contemporaneidade vem interferindo de forma crescente no processo político-eleitoral, como já dito anteriormente. A cena política é hoje protagonizada por “novos” atores que alteram o discurso político a partir do setting televisivo, instrumentalizado por saberes, técnicas, procedimentos, rituais e estratégias de comunicação.
Em se tratando de Brasil, a década de 80 e o processo de redemocratização representaram a busca de novos horizontes e a emergência de modalidades de estudos acerca das relações estabelecidas entre mídia e política. Até então, as discussões acadêmicas acerca desse objeto estavam remetidas aos possíveis “usos e abusos” cometidos pelos meios de comunicação. No final da década de 60 e início dos anos 70, apareceram os grandes questionamentos a respeito da magnitude da televisão e dos perigos sociais que isso poderia representar. Dessa compreensão, resultaram as teorias críticas no Brasil em relação à televisão, que tratam da massificação da sociedade e do controle da opinião pública.
As principais críticas que permearam essas duas décadas estavam direcionadas aos proprietários dos meios de comunicação, por serem detentores de conglomerado nacional de informações capaz de influenciar na formação da opinião pública, sob a guarda do regime militar. Essa época foi demarcada pelas chamadas “teorias conspiratórias” que atribuem a alguns poucos ricos capitalistas, dentre eles os proprietários dos meios de comunicação, intenções perversas de impor suas maquinações às massas e assim garantirem a continuidade de seu poder.
No início dos anos 80, com a derrocada do regime militar e o desenvolvimento acelerado das novas tecnologias e sua incorporação e aplicação no sistema televisivo, iniciou-se uma transformação radical na forma pela qual a televisão se apresentava. A nova fase da televisão no início dos anos 80, na visão de (Marcondes Filho,1994, p: 31), é aquela em que essa se “coloca na posição de domínio total no mercado de informações, mas modifica a relação com seu público, assim como modifica a maneira como passa a produzir seus programas”. A nova época é marcada pela segmentação, dispersão, autonomização de controle do sistema televisivo, o que mudou pontualmente o sentido do seu uso. Enquanto na primeira fase a televisão era um meio de comunicação que permitia que as pessoas vissem o mundo através da tela, na segunda fase sua característica principal é a de simulação do mundo, fabricadora de realidades,o que passamos s chamar de fabularização, onde a transparência da televisão cede lugar a um certo ocultamento de fatos, em detrimento de outros, amparada pela auto-referencialidade. Nessa nova fase, a discussão acerca do papel da televisão não mais se concentra na preocupação dessas enquanto transmissora ou manipuladora da verdade, e sim, remete a discussão para outro pólo, para o seu poder de representação/encenação em construir, histórias e narrativas sob o invólucro ficcional, as fábulas, inclusive quando se apropria da política. A televisão abdica, portanto, no momento em que se torna estrutura dominante de comunicação, de qualquer função ou compromisso com um relato fiel do mundo, o qual não interessa mais. O mundo lá fora não se sobrepõe mais à televisão, pelo fenômeno da auto-referencialidade, pois a televisão constitui-se na própria realidade.
Em se tratando especificamente das novas conexões que se estabeleceram entre o campo da política, a chamada “era Collor” da política brasileira talvez seja o exemplo mais significativo dessa mudança. O que pudemos apreender desse exemplo é que, a partir daquele momento, a política havia se adequado a uma nova modelagem, estetizante e espetacularizada da televisão, particularmente nos seus telejornais, não se conformando apenas enquanto instrumentos através dos quais a política alcançava seu público. pois, como nos fala (Fausto Neto,1999, pp:13-15), a mídia, a partir de um determinado momento da história, deve ser vista como agente situado numa cultura específica, que, dispondo de regras e poderes específicos, tem a capacidade de operar a própria construção de sistemas de representação.
Vista sob essa ótica, a televisão, particularmente o seu espaço telejornalístico, configura-se como um novo ator social “através da construção de fatos, sua tradução em acontecimentos midiáticos e o aval para poder divulgá-los, a televisão passa a ser reconhecidamente uma forma de intervir na realidade”. .(Rondelli, 1994, p: 231). Para ela a televisão importa, sobretudo, pelo fato de ser um das principais fontes de agenciamento político, onde pautas para a discussão são lançadas, tornando-se, portanto, palco para a fabulação e construção da vida política.
Portanto, a nossa proposição sugere que o espaço específico pelo qual a mídia vem se revelando como dispositivo de representação dos processos político é a televisão, particularmente os telejornais.
O telejornal, enquanto locus midiático, ao longo destes últimos anos, vem ganhando status de “peça teatral”, onde a política é encenada, espetacularizada, visibilizada e publicizada, segundo lógicas midiáticas. Pertencente ao campo do jornalismo, o telejornal, para Berger (1996), é detentor do ato de nomear, pois nele se encontra o poder de incluir ou excluir, de qualificar ou desqualificar, de legitimar ou não, de dar voz, publicizar e tornar público fatos/acontecimentos decorrentes de qualquer esfera social
Para compreender essa interferência do telejornal no campo da política é fundamental que acompanhemos a evolução dos telejornais, sua respectiva funcionalidade e suas práticas comunicacionais. Vejamos: nas décadas de 40 e 50, o telejornalismo obedecia a um formato simples, até mesmo pelas limitações tecnológicas da própria televisão, visto que essa se encontrava em sua fase inicial. Dentro desse formato, o apresentador simplesmente colocava-se diante das câmeras, limitando-se apenas a ler o que estava no “script”. Entretanto, a partir da década de 80, o desenvolvimento tecnológico, proporcionador de uma nova estética, aliado à vocação política e aos interesses mercadológicos da mídia, provocou um conjunto de mudanças significativas nas formatações dos telejornais. O telejornal passou a revestir-se de um caráter extremamente fictício, alimentado pela pirotecnia na produção de notícias, resultado do desenvolvimento tecnológico, brindando-nos com mais espetáculo para nossos olhos e menos informação propriamente dita. Portanto, os telejornais se apropriaram da nova linguagem televisiva onde espetáculos de cor, luz e som, montados no próprio setting televisivo, são os principais ingredientes na tessitura dos fatos, reformulados, rearranjados, inclusive aqueles fatos que decorrem do campo político.
A transmutação do jornalismo a partir da década de 80 está justamente no fato de esse não mais se conformar com uma espécie de relato das coisas da cotidianidade, pois, segundo Marcondes Filho (1994), a transformação da forma jornalística vem com os programas de jornalismo eleitoral, em que se criam debates políticos entre dois ou mais candidatos, cujo motivo teórico seria melhor informar o eleitor sobre o candidato em que votar. Entretanto, na realidade, o que ocorre não é bem o propósito formal proposto pelo espaço midiático. Para o autor pode-se verificar que esses debates não giram em torno de propostas dos candidatos e muito menos do convencimento das propostas para os eleitores, até porque não encontramos diferenças substanciais entre uma ou outra. O que norteia é certa homogeneidade de proposições, seja no campo econômico, saúde, segurança, enfim em tantos outros.
Observa-se que o que alimenta o fazer político, através de seus personagens, na contemporaneidade são as adversidades, as provocações, os xingamentos, as provocações e as miudezas geralmente pertencentes ao campo privado da vida pessoal, que são entoados pelos apresntadores de telejornais.
A partir daí, o telejornalismo passa a uma condição ficticiosa, característica dos “Contos de Fadas”, onde a informação reveste-se de um efeito fantosioso.
As alterações nos formatos dos telejornais podem também ser sentidas no momento em que a mídia evoca para si o papel de “gestor de avaliações políticas”, através de seus atores midiáticos os quais Fausto Neto(1996) denomina de “novos oráculos” ou como convencionalmente chamamos de “âncoras”. Para ele, esse novo protagonista da cena midiática conforma-se numa espécie de “novo mediador” a conduzir a possibilidade de oferecer e de se oferecer como um novo modelo ético de narrador. O âncora, para o autor, visa formalizar, através de um gênero discursivo moderno, a figura do antigo oráculo. Notável como aquele, reconhecido pelas autoridades, legitimado pela competência apropriada de uma certa matriz pedagógica, ele vai estar além do encenador. Esse novo protagonizador midiático

“(...) é posto numa posição de equivalência aos antigos deuses porque, a exemplo daquele, no lugar de onde fala prevê o futuro; contesta a ordem; impõe pautas morais e éticas; questiona o ato de outros poderes; veste-se de uma imunidade; aconselha os desesperados, os que estão em apuros; funciona como verdadeiro magistrado. Enfim (...), age através do corpo - da palavra e do gesto - e por estes códigos constrói a própria noção e funcionamento moral do mundo e das coisas”. (Fausto Neto,1996, p: 13)


Por todas essas prerrogativas, o telejornal vem tornando-se um lugar midiático privilegiado, não só de representação da realidade, neste caso da política, mas de apresentação de uma dada realidade, podendo ser atribuído a este a responsabilidade de eleger ou derrotar Governos, demarcar idéias e conflitos políticos e apontar solução que “no mínimo contribui para fortalecer a idéia preliminar sobre qualquer fato, especialmente sobre aqueles mais complexos, como a política” (Weber: 2000, p: 70).
Subjacente a toda essa discussão está a idéia de funcionalidade dos telejornais. Para compreendermos como essa funcionalidade se processa nos apropriamos de algumas formulações de( Fausto Neto,1997) que bem explicam essa questão. Uma característica geral dos telejornais repousa no fato de serem formatados a partir de centros de produção e comandados por enunciador e/ou enunciadores centrais convencionalmente conhecidos por âncoras, como já visto anteriormente, e/ou apresentadores. Auxiliando os trabalhos desses profissionais, estão os co-apresentadores, especialistas, repórteres, que aparecem ao vivo ou em off, além de muitas outras categorias de profissionais que formam o composto do processo de produção do telejornal. Para ele, esse gênero televisivo é construído segundo rotinas e constrangimentos organizacionais, apresentando um formato padrão de estrutura. No entanto, de uma forma geral, os conteúdos dos telejornais não diferem uns dos outros. A marca de jornalismo declaratório pontua o telejornalismo brasileiro, em relação ao mundo da política especialmente. Não obstante, isso não nos impede que reconheçamos que cada telejornal seja detentor de modos e contratos que funcionam segundo estratégias inerentes a cada um deles, o que evidencia maneiras diferentes de se ofertar a realidade aos telespectadores.
Uma marca indelével dos telejornais é a pluralidade de vozes que ali ecoam, as quais( Fausto Neto, 1997) categoriza de “vozes de dentro”, “vozes de fora” e “vozes transversais”. (Verón,1981) parte do princípio de que o telejornal é plural pelo fato de mobilizar, permitir e fazer falar várias vozes, o que faz o seu regime de enunciação e conseqüentemente o seu trabalho de produção discursiva não serem revestidos de um caráter de neutralidade.
O discurso jornalístico, portanto, fica caracterizado como um discurso polifônico, como nos afirma Ducrot, pela característica dialógica que lhe é inerente, composto por várias vozes, entre elas a de produtores, repórteres, apresentadores, cinegrafistas, editores e proprietários das emissoras.
Apesar da validade desse conjunto de premissas acerca do discurso jornalístico, o que temos visto prevalecer é a voz da corporeidade midiática frente a outros conjuntos de vozes, através de seu discurso emoldurado por dimensões que lhes são próprias, tecendo o real, instituindo, segundo (Fausto Neto,1997), o seu lugar e suas posições como dispositivo ativo de gestação da política.
Um dos argumentos que encontramos para justificar a prevalência da voz do corpo midiático é o fato de esses campos se conformarem enquanto dispositivo singular.( Fausto Neto,1997) nos fala que a mídia é um campo possuidor da capacidade de unificar essa polifonia, ou seja, de uma multiplicidade de vozes presentes nos telejornais, o que o faz um lugar de excelência da negociação.
Outro aspecto, que nos interessa particularmente, quando nos referimos à funcionalidade dos telejornais, está no conjunto de variáveis presentes na rotina diária de sua produção que se apresentam como fatores formatadores desse campo. Dentre elas, encontram-se a limitação das fontes, a multiplicidade de acontecimentos, a concorrência de outras mídias de informação, a variável temporal etc. Particularmente a variável temporal se caracteriza por ser um fator limitador da notícia e muitas vezes impeditivo à sua publicização, dado ao critério seletivo que se processa em relação à escolha dos acontecimentos processados no nicho midiático. Essa impossibilidade de abarcamento de um cem números de acontecimentos decorridos na cotidianidade social faz com que a elaboração do produto jornalístico fixe uma pauta colocando limites na quantidade de informação que pode ser transmitida. Logicamente há que se reconhecer a natureza física de cada dispositivo midiático, bem como seu modo de transmissão, da duração, de seu funcionamento. No entanto, um dos fatores que fazem com que muitas vezes determinada matéria não seja publicizada em detrimento de outra está na questão concorrencial existente entre as emissoras. Portanto, não é de causar estranhamento que um editor opte por veicular determinada matéria em detrimento de outra, pelo fato de essa ter sido pautada por um outro telejornal, o que resulta numa certa imposição no agendamento de temas. A escolha do que vai ao ar ou não, o que chamaríamos de arbitrariedade de escolhas, também está subsumida a critérios econômicos, políticos, ideológicos, como nos fala (Barros Filho,1994), referente à competição interna dos profissionais e à competição da organização com seus principais concorrentes no campo midiático.
Barros Filho (1994) afirma, ainda, que ao se optar por um tema para compor o produto midiático, estamos fazendo-o pertencer à realidade social e paralelamente realizando um processo de exclusão de um outro tema, por hora preterido e condenado ao desconhecimento social. Portanto, através desses expedientes, o telejornal contribui para construções de realidades sociais através das construções discursivas de alguns acontecimentos, selecionados no próprio setting midiático. Ao tornar alguns acontecimentos visíveis, da ordem da noticiabilidade, a mídia determina-lhe sentido, obedecendo a critérios que estão subsumidos aos interesses dos grupos proprietários dos meios de comunicação, sejam eles mercadológicos, políticos, econômicos, mas também a critérios de audiência e ao seu próprio corpo profissional. Essa modelagem assumida pelos telejornais conforma-os como agentes protagonizadores da política na medida em que tecem a sua realização, apontando aquilo que deve ser visto ou excluído.
(Sartori,1998) ainda nos fala que os noticiários da televisão oferecem ao espectador a sensação de que o que está sendo visto é verdade, que os fatos vistos pelo espectador se sucederam da forma como esse pode ver. A aceitação dessa dupla perspectiva, segundo ele, nos imporia a pena de permanecer na mais morta ficção, já que a televisão pode mentir e falsear a verdade pela forma da veracidade inerente à imagem que faz a mentira mais eficaz e, portanto, mais perigosa.
Esse conjunto de proposições nos permite afirmar que o telejornal funciona como um sistema de (re)leitura do mundo, que fabrica versões, produz novas cenas, o que resultaria, segundo( Fausto Neto,1995, p: 121):


“(...) na construção de diferentes acontecimentos dentro dos media, abandonando o registro do real, segundo estratégias engendradas pelos dispositivos de enunciação(...) onde a televisão intervém no sentido de remodelar os fatos provenientes do campo político, na medida em que essa atividade na contemporaneidade solicita pedagogia mediadora”.


Em nosso estudo diríamos que a televisão ,pontualmente os telejornais fabularizam a política no seu próprio nincho midiático, através de mecanismos que acionam lógicas próprias de sua funcionalidade, o que a torna hoje uma atividade pública midiatizada.
Ainda se tratando da produção da política x dispositivo jornalístico, temos que os fatos políticos, ao ganharem visibilidade nos telejornais, adquirem o “status” de acontecimento e conseqüentemente viram notícia, segundo rotinas produtivas do campo jornalístico. Na concepção de (Traquina,1993, p: 167), as notícias são o resultado de um processo de produção, definido como percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias). Para ele:

“Os acontecimentos constituem um imenso universo de matéria-prima, onde a estratificação deste recurso consiste na seleção do que irá ser tratado, ou seja, na escolha do que se julga ser matéria-prima digna de adquirir a existência pública de notícia, numa palavra noticiável”.


Não obstante essa processualidade midiática, decorrente da própria rotina produtiva que o campo do telejornalismo estabelece, esse em alguns momentos realiza um movimento no sentido inverso. As notícias também passam a criar o próprio fato. Pois este último não necessariamente decorre de um processo natural, ou seja, da forma pelo qual ele é apreendido do “mundo real”. Logicamente, as “construções” de notícias no interior do espaço midiático têm como ponto de partida uma referência, pois não estamos aqui afirmando que a mídia as “cria”. Talvez a singularidade dessa questão esteja no fato de a notícia representar, segundo (Motta,1997), o estatuto do novo real, passando ela própria a significá-lo. Vejamos a processualidade dessa questão:
Em um determinado tempo na história do jornalismo, “fato” e “notícia” possuíam significados diferentes, obedecendo a critérios próprios. O fato, por ser de ordem da realidade, como tal, existiria por si só, independente e indiferente à notícia. Já a notícia, conformada como sendo da ordem da enunciação, constituiria um ato segundo em relação ao fato. Portanto, na cronologia que daí decorre, primeiro vem o fato, depois a notícia acerca desse fato. Mas o que presenciamos atualmente no campo jornalístico é que os acontecimentos dos fatos em si obrigatoriamente não se conformam na realidade; os fatos obedecem hoje a critérios diferenciados, e acontecem na própria enunciação jornalística, o que os torna fatos simbólicos, que existem apenas para significar e praticamente mais nada, onde a realidade é apenas a ancoragem do fato relevada a um grau de pouca importância; o que interessa é a ordem da significação e da enunciação.
Essas transmutações ocorridas no interior do campo midiático ficaram conhecidas como fato mensagem. Elas existem não por relação causa efeito com a realidade, mas elaboradas propositadamente para produzir um efeito de significação, para significar fatos-notícias, na medida em que existem para que deles se falem, para que os noticiem.

Ora, ao admitirmos que a lógica midiática que hoje rege os telejornais é orquestrada pelo acionamento da ruptura, da diversão e da encenação, e é essa lógica que aciona o interesse do público, os fatos-notícias provenientes do campo da política se encontram revestidos por essa linguagem. Pois, como nos fala (Gomes,1994), atualmente a política adaptada ao background do entretenimento é transformada pelo acionamento dos sistemas de ruptura, da diversão e da dramaticidade.
À luz ainda das idéias de (Gomes,1994), ao falarmos de ruptura, estamos nos referindo à quebra da continuidade, das regularidades, das expectativas usuais dos indivíduos, relativa aos concatenamentos de eventos e objetos da realidade que se dá em conformidade com nossas expectativas habituais. Ora, essa des-regularidade, ou a quebra da continuidade, na apreensão dos acontecimentos da realidade, desfaz a base permanente com que o indivíduo acostumou-se a pensar a partir de associações indefinidas e diferenciadas do cotidiano, não previsíveis que acionam a atenção e a memória. E a acionam diante de fatos e fenômenos que frustram as expectativas. Essa ruptura permite-nos pensar numa nova ordem de apreensão, uma nova ordem que fundamenta nossas expectativas, introduzindo um ritmo inesperado ou uma conexão inabitual. Nesse universo, o que interessa é a novidade produzida em escala industrial crescente, em parte pela velocidade das inovações tecnológicas, onde o indivíduo telespectador é convidado a não refletir, frente a um universo de pontos de vista distintos que ali se processam diariamente.
Isso posto, temos que, subjacente a esse estado de coisas, emerge de imediato o que (Gomes, 1996, p: 37) chama de “subsistema acionado pela diversão”. Para ele, diversão não é prazer, mas dela decorre uma espécie de prazer produzido pelas energias que surgem com o despertar da atenção. A noção de diversão, portanto, está relacionada ao novo, ao diferente, ao irregular, ao extraordinário.


“(...) ‘diversão’ remete a superficialidade lúdica, da beleza, da simplicidade, das imagens em profusão, da abundância desconexa de sons e sentidos, da embriaguez da aceleração dos recursos técnicos audiovisuais e, sobretudo pelo enfraquecimento de qualquer responsabilidade e cobrança”. (Gomes, 1996,p:37)


Na verdade, uma idéia corrente entre aqueles que se dedicam a estudar o assunto em questão é que não procede em dias atuais uma completa dissociação entre diversão e informação. Assim sendo, o campo da política também passa a ser acionado por essa mesma lógica: o discurso ganha novos contornos, torna-se mais palatável, agradável ao gosto de um modelo, que se acostumou a conceber a televisão como entretenimento. Sob essa lógica, o discurso político publicizado pelos telejornais não causa estranhamento e passa a atingir um maior número de telespectadores.
O fim da fronteira entre informação e diversão obrigou o telejornalismo a se adaptar ao ritmo das mensagens publicitárias, construção de enredos, personagens, representações, etc., ancorado no entretenimento, numa perspectiva dramática, trágica ou cômica, onde o mecanismo do drama aciona a comoção por parte dos telespectadores. Colocada nesses termos, a idéia de dramaturgia, de teatro, enfim, de encenação pode ser incluída nesse novo cenário arquitetado pelo campo midiático. Costurada e alinhavada por um sistema informativo de dramatização, a comoção passou a fazer parte de um ideário midiático.
O que se destaca também em quase totalidade dos gêneros televisivos, e aqui particularmente nos referimos ao telejornalismo, é o impacto da imagem associado ao seu ritmo de transmissão. Para (Marcondes Filho,1994), um dos fatores conformadores da televisão é a primazia da imagem. Dada a evolução tecnológica, as imagens que tecnicamente reproduzimos do mundo externo podem ser mexidas,ou seja, nelas se podem interferir, mudar, ampliar, reduzir, intervir, remetendo-nos conseqüentemente à idéia de manipulação. Esse conjunto de operações modificou/alterou o ritmo que compõe a linguagem televisiva. Em tempos contemporâneos, podemos afirmar que as imagens são demarcadas por uma pulsação, um ritmo acelerado que perpassa todos os tipos de informação. O que se destaca nesse cenário são as cenas mais espetaculares que se enquadram num dos critérios solicitados pelo fenômeno da noticiabilidade, requerida pelo telespectador, a qual (Gomes,1994, p: 6) reconhece como “histórias do interesse humano” ou fait divers.
Na verdade, o telejornalismo se apresenta na contemporaneidade como um sistema de codificação de construção do real, onde o relato jornalístico referente aos fatos ocorridos no interior do campo político é um discurso que tem o fato como referente (não se tratando de negar a realidade). Mas o real que a informação institui é o produto de uma montagem. Nas palavras de (Weber,2000, p: 110):


“O telejornalismo afirma mostrar ‘todo’ o mundo (ambição de exatidão). Dizer ‘tudo’ (ambição de diversidade) e falar de ‘tudo’ (ambição das abrangências), quando apenas retira fragmentos com os quais constrói o real como simulacro do realmente acontecido. A mídia não inventa os acontecimentos políticos, mas detectam, dramatizam e os produzem. Nesse contexto os jornalistas constituem-se como narradores privilegiados do cotidiano e esse processo de representação se faz através dessas narrativa”.


Portanto, o real, lapsos da cotidianidade, se constrói numa/e por uma linguagem midiática, não mais conformada nos moldes tradicionais a exemplo da objetividade, imparcialidade e neutralidade antes requerida do texto jornalístico. Esse se caracteriza nestas últimas décadas pelo mimetismo midiático, pela hiperemoção, trágica ou cômica, por truques e montagens, pelo espetáculo e pela encenação. Sob essas condições, a mídia televisiva através de seus telejornais elabora sua visão de mundo, onde se inclui a política, a partir de uma valoração própria, produzindo um relato que nada mais é do que uma simples versão do fato que ela mesma constrói. As histórias contadas pela mídia, segundo (Weber,2000), vão des(qualificando) os valores atributos da política. Para ela, a mídia faz história a partir de uma valoração do cotidiano, que é matéria e pauta da comunicação, daí seu sucesso ininterrupto e eficaz, a especificidade individual ou social não interessa. Ainda, segundo a autora, a estética ingressou em conceitos e conteúdos, maquiando e valorizando partes e interpretações de qualquer verdade. Sendo assim, a política está demarcada pelo seu próprio simulacro. Seu discurso está deformado na sua recepção pelo fato de ser desconhecido na sua causalidade.
É através desses expedientes que os telejornais editam o mundo da política. Para os telespectadores, esse mundo que lhes é apresentado pode nortear suas percepções e conseqüentemente influir nas suas escolhas. Acontece que esse mundo que se dá ao nosso conhecimento, certamente não é o espelho do mundo real, não é um testemunho da realidade. O velho ditado “o fato real em tempo real” não mais faz parte da realidade midiática e nem conseqüentemente da realidade dos telespectadores. Pois, como nos fala (Baccega, 2000), editar é construir uma realidade outra, a partir de supressões ou acréscimos em um acontecimento. Ou, muitas vezes, apenas pelo destaque de uma parte do fato em detrimento de outra. Para ela, editar é ainda reconfigurar alguma coisa, dando-lhe novo significado, atendendo a determinados interesses, buscando um determinado objetivo, fazendo valer um determinado ponto de vista. Enfim, o ponto de vista da mídia.
A produção de notícia no telejornalismo pode ser compreendida como um processo de construção da realidade pelo fato de nos ofertar um quadro interpretativo dessa (frame). Por exemplo, no caso dos programas de entrevistas realizadas por alguns telejornais, a mídia seleciona os temas a serem abordados acerca dos acontecimentos políticos, independente da ordem de importância que esse possa ter ou não no contexto da sociedade,da opinião pública.. Ficamos ainda com a impressão de que existe uma inversão de papéis quando do transcorrer das entrevistas. O tema é dado, as regras estabelecidas pelo próprio entrevistador, que conduz a linha de argumentação a ser seguida. E o que vemos acontecer freqüentemente é que o conjunto de argumentos disposto pelo entrevistado sofre um apagamento no setting midiático, frente aos argumentos do entrevistador. O assunto que ali deveria ser comentado, debatido, exposto pelo entrevistado perde-se ao longo da entrevista. No telejornalismo, os apresentadores/entrevistadores, supostos mediadores de debates, apresentam-se como pequenos “diretores de consciência”. Autodenominam-se, sem depender de muito esforço, os porta-vozes da sociedade, que dizem “o que se deve pensar”, sobre o que chamam de “os problemas da sociedade”.
Esse exemplo espelha as rotinas produtivas da mídia televisiva quando se propõe a publicizar e dar visibilidade aos diversos discursos que ali possam transitar. (Fausto Neto,1999, p: 17) nos aponta:


“(...) que apesar da vida privada, seus respectivos protocolos, com seus pontos de vista e verdades, ser cada vez mais publicizado e posto em praça pública (...) tal publicização opera-se cada vez mais, através de regras privadas, que são os saberes - enquanto forma e estratégia inerentes ao mundo do discurso midiático, num locus específico chamado telejornal”.


Em decorrência do acionamento desse conjunto de lógicas que regem as rotinas produtivas midiáticas, uma opinião corrente encontrada no meio acadêmico é que a mídia televisiva, através de seus telejornais, vem determinando, segundo seus interesses, o que deve ser focalizado como sensacionalismo, denuncismo, espetáculo ou não, fazendo-o de forma intencional e ficcional. O mimetismo midiático, seguido da política de produção de escândalos e a hiperemoção, passou a fazer parte do repertório dos telejornais cujo slogan pode ser resumido na seguinte frase: a mídia veicula escândalos, muitos deles não verdadeiros, mas plausíveis.
Para (Emiliano José,1994), também existe uma consciência política dos meios ao intervir em determinados acontecimentos, procurando dar-lhes uma direção e construí-los ao sabor de seus interesses políticos, o que não quer dizer que sempre consigam. Um recente artigo publicado “Agendando o Congresso Nacional: da agenda setting à crise da democracia representativa”, de autoria de (Malena Rodrigues, 2002), propõe realizar uma análise sobre a relação entre imprensa e Congresso Nacional, fornecendo-nos, segundo pesquisa empírica, alguns indicativos que nos permitem outorgar “uma intervenção midiática” no interior do campo político. Pode-se verificar através da leitura do texto que os indicativos provenientes da realização da pesquisa apontam no sentido de afirmar que a imprensa agenda tema para os parlamentares via assessoria de imprensa, uma vez que os assessores estão preocupados em inserir seus parlamentares na mídia; que a imprensa agenda temas para os discursos parlamentares e para o requerimento de informação; que a imprensa agenda temas para a discussão em comissões e é capaz de incitar a criação de uma comissão temporária; que a imprensa influencia a ação parlamentar, mudando muitas vezes seu rumo; que a imprensa é capaz de colocar em agendas temas latentes. E realiza esse movimento por interesses próprios, interesses resguardados pelos proprietários dos meios de comunicação, pois a mídia não é meramente uma representante da sociedade civil como quer fazer crer.
Mesmo possibilitando a visibilidade e a publicização da política, o fato é que a mídia telejornalística realiza a política sobre o crivo de sua auto-regulamentação, ditando sua conduta. Apesar de a finalidade social da mídia televisiva não ter como pressuposto a governabilidade, (Rubim, 2000, p: 75) nos coloca algo da seguinte ordem:


“Não se pode negar, que, através de inúmeros mecanismos, ele interfere e influencia o ato de governar, ao agendar temas, requerer providências, propor soluções, criticar atitudes, sugerir alternativas, produzir imagens públicas, engendrar climas sociais(...). E ao realizar esse movimento a mídia aciona seu mecanismo de produção da realidade não se pautando pela simples referenciação do acontecimento e sim pela (re)construção do próprio acontecimento”.


Um dos argumentos que talvez possa justificar esse modo do agir midiático esteja amparado em sua própria constituição histórica onde uma das suas principais características, como nos fala (Siebert, 1976, p: 56):


“(...) é atuar como um fiscal superior das ações do governo mantendo o estado longe de possíveis abusos e desvios autoritários, ou seja, a televisão através de seu telejornalismo, atuando como Watchdog, o cão de guarda da sociedade a favor da democracia, sempre pronta a expor as práticas arbitrárias e autoritárias do poder central”.


Mas, se observamos a questão sob um outro ponto de vista, não podemos deixar de apontar que a prática midiática, particularmente a telejornalística, vem sendo demarcada por desvios, pelo menos em relação ao que prescreve a sua constituição histórica. O comportamento do campo midiático caracteriza-se por uma auto-suficiência motivada por suas estruturas e seus interesses, entre eles os de dimensões mercadológica, política, tecnológica e aqueles derivados das rotinas produtivas relativas às linguagens e às gramáticas midiáticas, ou seja, de sua própria estética. A funcionalidade de imperativos dessa ordem resulta em tensões, entrelaçamento, resignificações que acabam por dar formato ao produto final, que é o produto midiático.
Dito isso, perdem-se de vista as idéias defendidas por (Fred Siebert, 1976), inspiradas na “Teoria Libertária da Imprensa” e as idéias defendidas por Peterson (1976) inspiradas na “Teoria da Responsabilidade Social”, oriunda dos ideários da teoria liberal apud (Novelli, 2002). Para (Siebert, 1976), a principal responsabilidade da imprensa era colaborar com a descoberta da verdade, ajudar a resolver os problemas políticos e sociais por meio da discussão de todas as variáveis que envolviam os assuntos, cuja característica principal seria a independência da imprensa em relação ao poder estatal. Essas premissas permitiram que se formulassem dois princípios fundamentais que regeriam de início o comportamento da imprensa. O primeiro deles, como nos fala (Novelli, 2002), atribuiu à imprensa funções de Watchdog, ou seja, cão de guarda da sociedade, a favor da sociedade, e o papel de quarto poder, isento e capaz de avaliar de modo sóbrio a condução das causas públicas pelos poderes constituídos. Já o segundo princípio proposto por (Peterson,1976) prescrevia que a liberdade, atividade inerente ao exercício da imprensa, deveria ser praticada concomitantemente com suas obrigações. Pela própria posição privilegiada que essa ocupa, é obrigada a ser responsável perante a sociedade, por desempenhar uma função essencial em seu contexto. Ele ressalta, porém, que a imprensa tem desempenhado mal sua função de servir o sistema político e esclarecer o público.
Parece previsível, portanto, que deferência de “quarto poder” atribuída à imprensa por alguns segmentos da sociedade possibilitou que essa se colocasse numa posição de supremacia frente aos demais poderes constituídos, desvirtuando, assim, o papel que lhe fora prescrito em função de sua constituição histórica. Para (Novelli, 2002), a mídia, enquanto poder de direito e não um poder de fato, posicionando-se acima das demais instituições, pois não necessita submeter-se às regras de controle que são indispensáveis para a regulação dos órgãos públicos, apresenta-se de modo isento e é capaz de tecer avaliações críticas ao desempenho dos poderes formalmente constituídos. Ao se apresentar dessa forma, a mídia, livre de constrições, sente-se livre para dizer o que quer sobre qualquer assunto, dependendo dos interesses políticos e econômicos que possam estar em jogo.

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