apontamentos midiáticos

 

_revista do núcleo

_interdisciplinar de pesquisas

_midiáticas _intermídia

_vol 1 n. 2 - janeiro/junho de 2008

 

           

Literatura, mídia e tradução intersemiótica

expediente  

Aloísio Nunes


Dr. em Comunicação e Semiótica pela PUCSP e professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Alagoas. Nunes.aloisio@uol.com.br.


Resumo
O trabalho tenta um casamento entre literatura, mídia e a tradução intersemiótica. Define cada um dos termos e busca a mistura. A base desse casamento é a semiótica peirciana.

Palavras- chave: Literatura, mídia, tradução.


Colocando o problema.
Literatura: liter+atura, letra que atura, que atua. Onde houver letra há literatura. Onde houver letra há ação da letra. As letras nascem de traços, rabiscos, riscos, borrões. Portanto traços, riscos, rabiscos, borrões são a literatura nascendo, ganhando forma, textura, dimensão, profundidade e tamanho.
Mídia, em inglês, é o plural de médium. Em português, o pessoal que trabalha com publicidade e propaganda costuma usar o termo mídia para se referir aos meios de comunicação. Costumam dizer: a mídia impressa, para fazer referência a jornal, revista, etc., mídia eletrônica, para fazer referência ao rádio, a televisão, etc. Aqui mídia tem a conotação de suporte, o que no nosso entender, é o sentido que o pessoal da publicidade e propaganda uso. Para nós, assim sendo, mídia é o suporte onde a letra vai agir. Em algum momento letra e suporte são indistinguíveis. Tradução intersemiótica é a tradução que fazemos de um suporte para outro, isto é, uma letra age de determinada forma no suporte pedra, por exemplo, isto é, a letra sofre a determinados constrangimentos para que se adeque ao suporte; enquanto esta mesma letra num outro suporte, por exemplo, num pergaminho, sofre outros constrangimentos; numa tela de computador ou num outdoor a intersemiose guardará, tolerará, suportará, outra configuração.
Esperamos que no transcorrer deste texto possamos clarear mais cada idéia que apenas esboçamos na tentativa de seduzir o leitor para que ele nos acompanhe até o final deste pequeno ensaio.

A essência da linguagem
Por muito tempo se pensou que a essência da linguagem seria a de representar o homem e as coisas que o cercam. A ardem do mundo seria a ordem da representação através da linguagem. Portanto, caberia ao homem, através da representação, ordenar o mundo. Quanto melhor, quanto mais rigoroso e lógico o homem pensasse, melhor, mais rigorosa e lógica seria a representação do mundo. A preocupação com a representação melhor aquilatada, mais rigorosa e lógica do mundo levou a que se negligenciasse a linguagem propriamente dita; esqueceu-se, portanto, dos elementos que formam a linguagem, como se fosse possível pensar sem linguagem.

Imaginava-se que primeiro pensávamos e só depois nos utilizávamos da linguagem. Freud veio e flagrou o ato falho, o lapso de língua, o lapso de memória, o inconsciente. No próprio instante em que tentávamos representar o mundo, no próprio momento em que nos utilizávamos da linguagem para satisfazer, para conservar uma exigência de ordem, a desordem se manifestava, o caos se apresentava, o pânico punha a ordem às avessas. Ao mesmo tempo em que Freud fazia um estrago no conceito de representação, Saussure, por outro lado, o lado da lingüística, dizia que a linguagem tem como essência servir à comunicação. Isto quer dizer que ela não representa o mundo, ela distingue as coisas do mundo. Você disse porco ou porto? Como pode a pequena diferença entre os sons de t (porto) e c (porco) levar a coisas tão distintas? Para uma boa explicação dessa relação de linguagem e representação e linguagem e comunicação, o, leitor pode se valer do texto de Oswald Ducrot (1968).
Na verdade o essencial na linguagem é conceituar o que é linguagem. Saussure (s/d), no se Curso de Lingüística Geral diz que a linguagem é a junção da língua com a fala, uma de suas famosas dicotomias. E o que é a língua? È a linguagem menos a fala. A língua é social, nascemos e a encontramos e sobre ele individualmente não temos nenhum poder. A língua é um estoque de sons puros e uma bateria altamente regrada e combinatória. A língua junta sons a outros sons para formar palavras; palavras a outras palavras para formar frases, frases a outras frases para formar discurso. O essencial é o estoque de sons que nas línguas ocidentais giram em torno de 50 a 55 sons básicos. Desse estoque de sons derivamos todos os outros. Nós não arranjamos a sílaba que queremos, nós arranjamos a sílaba que a língua que falamos permite. É só pensar em por-co e por-to e imaginar quão diferentes são as coisas que representam. A conexão som e sentido é o eterno problema para o estudo da linguagem. Daí Saussure dizer que o signo lingüístico, o signo verbal é a conexão entre um significado e um significante. Essa dicotomia revela uma inquietação da conexão som e sentido. Significado e significante é uma inquietação fundada na lógica da língua, tanto no sentido em que os filósofos a pregavam quanto na concepção saussureana. Mas Saussure imaginava uma ciência que estudaria a presença dos signos no seio social e que essa ciência se chamaria semiologia e que a lingüística se submeteria a ela. Roland Barthes (s/d) tentou inverter este postulado reivindicando a supremacia da lingüística sobre a

semiologia e Derrida (1973) reivindica para a sua desconstrução o lugar que pertenceria a essa ciência imaginada por Saussure. Na verdade a questão é saber se a linguagem representa ”por natureza” ou por ”convenção”. Vejamos como nos coloca o assunto R. Jakobson ( s/d:101:102):

O ressurgimento de controvérsias relativas à semiótica recoloca na ordem do dia a questão discutida com sagacidade no Crátilo, apaixonante diálogo de Platão: a linguagem lia a forma ao conteúdo ’por natureza’ (physei), como o quer a personagem cujo nome forneceu o título ao diálogo, ou ’por convenção’ (thesei), conforme os argumentos contrários de Hermógenes? No diálogo de Platão, o condutor do jogo Sócrates, inclina-se a reconhecer que a representação por semelhança é superior ao emprego de signos arbitrários, mas, a despeito do poder de sedução da semelhança, ele julga ter que admitir a intervenção de um fator complementar: a convenção, o costume, o habito.
A tensão se dá justamente aí: na representação por semelhança e na representação por convenção. É evidente que o pólo da representação por convenção é dominante nos estudos da linguagem. Saussure considerava o signo arbitrário. A palavra MAR nada tem a ver com o mar. Para Derrida essa arbitrariedade da representação acarretava o logocentrismo, o fonocentrismo e por isso ele propôs desconstruir essa noção de signo que vinha de Saussure.
Podemos considerar que essa noção da linguagem como representação é tão soberana e presente no nosso meio social que é quase impossível se desvencilhar dela. Sempre que falamos em representação imaginamos um conjunto de signos que se referem a coisas que estão no mundo e que são claramente identificadas através desses signos. A representação no teatro fala de coisas que identificamos no mundo real; a representação no cinema fala de coisas que identificamos no mundo real; a representação no romance fala de coisas que identificamos no mundo real. Até na poesia costumamos buscar esse tipo de representação. Uma visão dicotômica se faz muito forte por traz dessa noção de representação: de um lado o mundo real, do outro, a representação do mundo real. Essa noção de representação leva a que falemos do teatro verbalizando: como verbalizar a luz do teatro? Perdemos muito do teatro quando o verbalizamos. O m mesmo acontece com o cinema.

Enfim, com as artes visuais e musicais. Até mesmo com a literatura quando exigimos representação fiel, verossimilhança. Geral mente não compreendemos um capítulo que não se conclui: capitu; assim com temos dificuldades de aceitar também um romance que se volta para si mesmo: casmurro. Em literatura, os formalistas russos criaram o conceito de desautomatização justamente na tentativa de quebrar a expectativa de uma representação a muito esperada. Esperamos encontrar um vaso sanitário num banheiro, Duchamp desloca o vaso sanitário de sua posição esperada e petrificada, o expõe como obra de arte e isso choca e desautomatiza gostos e costumes. Essa posição, na verdade, é agressiva. É como uma bofetada no gosto público. E como se fosse preciso esbofetear alguém, aplicar-lhe um choque elétrico para que ele saísse do estado de sonolência e passasse a perceber o mundo que o cerca. Uma outra noção de signo, assim sendo, se faz necessária. A noção de linguagem fundada no conceito de signo lingüístico, verbal, não dá conta do não-verbal. Por isso Décio Pignatari fala de signagem, porque aí, tira-se do centro de atenção a língua e pôe-se o signo. É por isso também que Décio Pignatari abraça o conceito de signo elaborado pelo lógico, matemático e filósofo norte americano Charles Sanders Peirce. Aliás, Roman Jakobson (s/d) aponta Peirce como pensador que traz uma contribuição verdadeiramente inovadora e criativa para a compreensão do signo e para a superação da noção dicotômica presente na filosofia e na lingüística até hoje.
Décio Pignatari em seu livro Semiótica & literatura (1978), na introdução apresenta a semiótica como uma ciência que ajuda a ”ler” o mundo. O ler vem assim mesmo, entre aspas. É que pensamos que só podemos ler os signos verbais e que só podemos ler o mundo através dos signos verbais. Diz D. Pignatari (1978:13):
” Para o leigo, pelo menos, já o nome dessa nova ciência pode induzir a interpretações dúbias. Semiótica? Uma meia-ótica, uma ótica de zarolhos e caolhos? E o fato de ela possuir outro nome, semiologia, não facilita muito as coisas. Esses nomes, no entanto, vêm de uma raiz comum: Semeion ( do grego: signo), a mesma que vemos, por exemplo, na palavra semáforo. A semiótica ou semiologia, pois é a ciência ou Teoria Geral dos Signos, entendendo-se por signo, para evitar outros equívocos, estes de natureza astrológica, toda e qualquer coisa que substitua ou represente outra , em certa medida e para certos efeitos. Ou melhor: toda e qualquer coisa que se organiza ou tenda a

organizar-se sob a forma de linguagem, verbal ou não, é objeto de estudo da semiótica.”
Na verdade, hoje, usa-se apenas semiótica para referir-se tanto a semiologia de extração lingüística, quanto para referir-se a semiótica filosófica de Peirce. Por isso é preciso deixar claro para o leitor de que semiótica se esta falando. Na citação de D. Pignatari que acabamos de anotar o conceito de signo é claramente peirceana: signo é toda e qualquer coisa que substitua ou represente outra, em certa medida e para certos efeitos. Portanto, bastante mais geral e abstrato do que o conceito de signo de Saussure, que é a união do significado com o significante: além do mais o conceito de signos em Peirce é triádico: uma coisa que substitui ou representa outra para alguém e apenas em certa medida e para certos efeitos. A palavra casa, que é uma coisa, substitui ou representa a casa, que é outra coisa, para alguém e apenas em certa medida e para certos efeitos. Imagine um analfabeto diante da palavra casa. O que esse signo representa para ele? Que efeito teria esse signo sobre ele? A planta baixa de uma casa, que é uma coisa, substitui ou representa a casa, que é outra coisa, para alguém e apenas em certa medida e para certos efeitos. Mas o que é que vem Primeiro? O signo ou o objeto que ele substitui ou representa? Primeiro vem o signo. Mas de onde vem esse signo? Do objeto que ele substitui ou representa. Portanto o objeto determina o signo mas só conhecemos o objeto através do signo. Primeiro temos uma pura possibilidade, segundo temos um choque e por último temos uma lei. Diz ainda Décio Pignatari (1978:16):
”Toda e qualquer coisa enquadra-se em três categorias: Primeiro, Segundo e terceiro. A primeiridade as noções de possibilidade e de qualidade; a secundidade, as noções de choque e reação, de aqui-e-agora, de incompletude; a terceiridade, as noções de generalização, norma e lei.”
E Décio Pignatari (1978:17) termina assim sua apresentação da semiótica:
Mas, afinal, para que serve a semiótica? Serve para estabelecer as ligações entre um código e outro código, entre uma linguagem e outra linguagem. Serve para ler o mundo não-verbal: ’ler’ um quadro, ’ler’ uma dança, ’ler’ um filme e para ensinar a ler o mundo verbal em ligação com o mundo icônico ou não-verbal. A arte é o oriente dos signos: quem não compreende o mundo icônico e indicial,

não compreende corretamente o mundo verbal, não compreende o Oriente, não compreende poesia e arte. A análise semiótica ajuda a compreender mais claramente por que a arte pode, eventualmente, ser um discurso do poder, mas nunca um discurso para o poder. O ícone, como diz Peirce, é um signo aberto: é o signo da criação, da espontaneidade da liberdade. A semiótica acaba de uma vez por todas com a idéia de que as coisas só adquirem significado quando traduzidas sob a forma de palavras.”
A arte é o oriente dos signos. O oriente é ideogramático. O ideograma é grafia de uma idéia. O ocidente é fonográfico. Fonograma é a grafia de um som. Por isso nossa discussão anterior sobre o som e o sentido. (porco/porto) e daí o conceito de signo lingüístico como a junção de significado e significante. Justamente na tentativa de fugir do fonocentrismo, do logocentrismo é que Décio Pignatari aponta para o Oriente, para sua escrita visual. Haroldo de Campos (1987) no texto intitulado Ideograma, anagrama, diagrama, num diálogo Ocidente/Oriente, busca explicitar as diferenciações entre a função referencial da linguagem, função especificamente apropriada para a comunicação, para o uso cotidiano e a função poética, função especificamente apropriada para a revelação da materialidade do signo, portanto, despreocupada com a comunicação, com a fidelidade e veracidade dos fatos.
Todavia, o homem necessita de comunicação. Primeiro os gritos, os grunhidos ( a fala nascendo), concomitantemente aos gritos e grunhidos, os gestos, a mímica ( a coreografia nascendo) e acreditamos que também concomitantemente riscos, rabiscos, borrões, desenhos e gravuras ( a letra nascendo, a escrita nascendo). A escrita começa na pictografia. Muitos anos depois temos a ideografia ( até hoje usada ano oriente) e por último o alfabeto fonético, a fonografia. Para a pictografia, diz-nos Haroldo de Campos (1987:40)
:
” Desde logo o ’Pictograma’ é decididamente um ’ícone’ e ícone é uma pintura que, em virtude de suas próprias características, se relaciona, de algum modo, por similaridade, com o real, embora essa ’ qualidade representativa’ possa não decorrer da imitação s servir, mas da diferenciada configuração de relações, segundo um

critério seletivo e criativo.”
Portanto, se topamos, num romance, num conto, num poema com riscos, rabiscos, borrões, desenhos, gravuras devemos considerar que fazem parte da escrita e que têm um caráter icônico, isto é, representa por similaridade com o real, e, no limite, se apresenta como o real, é a talidade. De ideograma diz-nos Haroldo de Campos (1987:50), citando François Cheng:

Mais do que simples suportes de sons, os ideogramas se impõem com todo o peso de sua presença física. Signos-presença e não signos-utensílios, eles chamam a atenção para sua força emblemática e pelo ritmo gestual que comportam . Em virtude de sua escrita, os chineses t~em a impressão de apreender o universo através dos traços essenciais cujas combinações revelariam as leis dinâmicas da transformação. Não é por acaso que na china a caligrafia, que exalta a beleza visual dos caracteres, tornou-se uma arte maior.
Na escrita ocidental, fonográfica, a talidade, o peso da presença física tem seu leito natural na poesia, no uso da função poética da linguagem. Um dos exemplos mais radicais é possível encontrar nas decifrações anagramáticas de Saussure, onde ele percebe o ’furor do jogo fônico’, nas palavras ressoando sob as palavras.
Haroldo de Campos (1987) vai ainda discutir o conceito de diagrama. Tal conceito aparece em Peirce associada ao conceito de ícone. O ícone é o signo que representa seu objeto por semelhança. A semelhança pode aparecer numa imagem ( seria um ícone de primeiridade) num diagrama (seria um ícone de secundidade) e numa metáfora (seria um ícone de terceiridade).
Parafraseando o que R. Jakobson diz da lingüística, poderíamos dizer que a semiótica interessa-se pela signagem em todos os seus aspectos - pela signagem em ato, pela signagem em evolução, pela signagem em estado nascente, pela signagem em dissolução.

Literatura cresce
Retomando o que dissemos no início deste trabalho podemos dizer que a literatura enquanto atuação da letra, fala de sofrimento, de

tolerância, de resignação, de comportamento, de satisfação, de conservação, de resistência, de sustentação, de permanência, de perseverança, de durabilidade. E, nunca, em momento algum, teve tantas facilidades de propagação. E, nunca, em momento algum, teve tanta gente, de um modo ou de outro ligado a ela. Cresce o número de escritores, de leitores, de editores, de críticos. Diz-nos Santaella (1992:160):

”Se a classificação proposta por Peirce é natural, quer dizer, referente àquilo que homens vivos fazem, pode-se imediatamente constatar que, do início do século para cá, as investigações, no campo da Literatura, à semelhança do que ocorre e está ocorrendo em quaisquer outros campos, vem passando por um nítido processo de crescimento, no sentido de aumento da variedade e diversidade. Enfim, os estudos literários tornaram-se mais complexos e os meios de transmiti-los, reproduzi-los e divulgá-los cresceram em igual medida.
Um exemplo do crescimento da literatura pode ser visto no livro organizado por José Luis Jobim, Palavras da crítica: tendências e conceitos no estudo da literatura (1992). Vejamos, neste livro de José Luis Jobim, quantos termos ressoando em torno de literatura: autor, autora, cânon, descontrução, gênero, história da literatura, ideologia, inconsciente, influência, leitor, literatura negra, nacionalismo literário, popular, tempo, teoria da literatura, texto, tradução, a própria literatura.

Mídia
O meio é a mensagem. O suporte á a mensagem. A forma é a mensagem. A forma é arbitrária ou natural, semelhante? Um grunhido, um grito, um son gutural monossilábico é um meio? Um suporte? Uma forma? Um gesto, um movimento, uma dança é um meio? É um suporte? É uma mensagem? É uma forma? Um risco, um rabisco, um borrão, um desenho, uma gravura é um meio? É um suporte? É uma mensagem é uma forma? Como podemos perceber estamos retomando a questão relativa à comunicação antes do aparecimento da escrita fonética, antes do aparecimento do alfabeto. Estamos no âmbito do nascimento da fala, nos grunhidos, nos gemidos, nos gritos, na mímica, no rebolado, na cantarolar, no

trauteio, na entonação, na corrida. Aqui todos os órgãos dos sentidos estão intensamente envolvidos. Estão aqui envolvidos: olho ( visão), ouvido ( audição) boca (paladar) toque ( tato), nariz (olfato). É como se o silêncio os deixassem desprotegidos, os ameaçassem. É preciso tocar uns nos outros ou nas coisas que os rodeia numa forma de envolvimento táctil-sensório. A escultura é obra da tactilidade. O toque é a necessidade de descobrir a textura das coisas: o duro, o mole, o rígido, o macio, o grande, o pequeno, o liso, o enrugado. O toque é a necessidade de descobrir como se comporta o tocado: fica estático, se move, aumenta ou diminui de tamanho, queima, é igual ou diferente de nós. O grunhido, o grito, o gemido preenche o ambiente, nos inclui, nos indiferencia do ambiente, faz com que reajamos ou busquemos reagir, prontamente, a cada situação. O envolvimento é sentimental e emocionado. Música, dança, rastros e marcas das coisas se roçando. Envolvimento coletivo e promiscuidade. Diz-nos Mcluham (1979:98)

”O poder da voz em modelar o ar e o espaço em formas verbais pode ter sido precedido de uma expressão menos especializada de gritos, grunhidos, gestos e comandos, de canções e danças.”

O poder da palavra escrita estende e amplifica o ambiente. O mundo se torna maior. O poder da palavra escrita cria o individualismo e, portanto, o espaço individual, a intimidade. A palavra escrita estabelece uma mediação, como se fosse uma armadilha. Não temos mais acesso imediato e direto, ( na verdade nunca tivemos) não roçamos mais o mundo ( pelo menos da forma como fazíamos antes do aparecimento da palavra escrita, do alfabeto). A palavra escrita aumenta nossa atenção como se estivéssemos diante de uma armadilha. Portanto precisamos de um distanciamento diante da palavra escrita. Não mais, assim sendo, nos envolvemos. Des + envolvimento significa não-envolvimento. Perdemos, portanto, em capacidade emocional e sentimental. Na verdade, esfriamos. Nossa intuição é amortecida. Tornamos-nos calculistas. Tornamos-nos especialistas. Tornamos-nos livres emocionalmente. Ganhamos o poder de nos separar do grupo, da tribo, da família, da comunidade. A visão, o olho, é muito mais exigido com a palavra escrita. Diz-nos

ainda Mcluham ( 1979:101):

” O alfabeto significou o poder, a autoridade e o controle das estruturas militares à distância. Quando combinado com o papiro, o alfabeto decretou o fim das burocracias templárias estacionárias e dos monopólios sacerdotais do conhecimento e do poder. Deferentemente da escrita pré-alfabética, com seus inumeráveis signos de difícil assimilação, o alfabeto podia ser aprendido em poucas horas. Quando aplicados a materiais grosseiros como o tijolo e a pedra, um conhecimento tão extenso e uma habilitação tão complexa como a escrita pré-alfabética asseguravam para a corte dos escribas um monopólio de poder sacerdotal. O alfabeto acessível, juntamente com o papiro transportável, barato e leve, produziu a transferência do poder da classe sacerdotal para a classe militar. Tudo isto está implicado no mito de Cadmo e dos dentes do dragão, incluindo a queda das cidades-estado e a ascensão dos impérios e das burocracias militares.”
As letras do alfabeto são os dentes do dragão, visuais em sua linearidade. O alfabeto fonético é nossa terceira dentição, se pudéssemos assim dizer. O ideograma bossa segunda dentição e a pictografia nossa primeira dentição. A regra é nascermos sem dentes. Com o alfabeto fonético não mais embarcamos no transe tribal, nos libertamos da ressonância da palavra mágica e da teia do parentesco: a lei passa a ser escrita, espaço e tempo se tornam contínuos e os códigos um uniformes. Completa Mcluham (1979:105): ”agir sem reagir e sem se envolver é uma das vantagens peculiares ao homem ocidental letrado.”
Um aspecto importante que devemos anotar aqui é que Sócrates e Platão viveram na Grécia num período em que a escrita fonética está se estabelecendo, se firmando como forma de exteriorização do pensamento. Eric A. Havelock (1994), em Preface to Plato, belíssimo livro escrito em 1963, diz que entre Homero e Platão a forma de armazenagem de informação começa a se alterar, passando a informação a ser alfabetizada e com isso o olho suplanta o ouvido nessa tarefa. Está, portanto, começando acontecer uma mudança do oral para o escrito, do concreto para o abstrato. No primeiro capítulo

de seu livro Havelock trabalha o conceito de poética em Platão. Como tomos sabemos, o discurso se dá no sentido de que Platão pretende expulsar os poetas da República porque eles produzem uma versão de experiência que é duas vezes afastada da realidade e assim sendo, frívola e perigosa, tanto para a ciência quanto para a moralidade pública. Para Platão a poesia mutilava a mente, era uma espécie de veneno mental e assim sendo inimiga da verdade. Platão desejava destruir a poesia enquanto poesia para excluí-la como um veículo de comunicação. Não era a poesia de má qualidade que ele tentava excluir. Era toda e qualquer poesia que Platão abominava. Diz Platão: o poeta procura colorir suas frases e as embelezam pelo o uso do metro, do ritmo e da harmonia. É como se o poeta usasse de cosméticos para esconder a pobreza de suas frases. O apelo sonoro do metro, ritmo e harmonia da frase confundia a inteligência da comunidade. A confusão se dá porque podemos tem uma grande variedade de metros, de ritmos e de harmonia. A variedade atrapalha.
Porque Platão pensava assim? A explicação se encontra no conceito de mímese. O conceito de mímese está associado, em parte, pelo menos, a técnica de comunicação verbal do poeta, e em toda comunicação verbal temos uma distinção fundamental entre o método descritivo da comunicação verbal e o método dramático de comunicação verbal. Em Homero encontramos momentos onde o poeta descreve eventos e em outros momentos atores dramatizam. A dramatização é mimética. Mais adiante, no entanto, Platão vai dizer que quando o poeta faz um discurso na pessoa de um outro, ele assemelha seu meio verbal ao do emissor. Qualquer poeta que faz a si mesmo semelhante a um outro em voz e gesto está o imitando, isto é, está praticando mímese. Pode-se concluir que quem imita o emissor é semelhante ao emissor, e daí toda poesia ser mimética. Portanto Platão estava se manifestando contra a preservação da comunicação, porque poesia era comunicação preservada pela comunidade, era a comunicação oral que dominava a vida das pessoas daquele tempo.
Os livros começaram a aparecer, mas quantos? Quem os possuía? O sistema educacional da época era fundado na oralidade. Platão lutava contra isso. O inimigo, para Platão, portanto, era o estado oral da mente, ou estado poético da mente, ou ainda estado Homérico da mente. Nesse estado de mente era quase que impossível raciocinar cientificamente, fazer uso da análise, estabelecer relação de causa e efeito. Era praticamente impossível pensar com autonomia. Se você

não é autônomo quando pensa, como o seria moralmente? E como se individuar enquanto homem? Enquanto mulher? Mas aí cabe a pergunta: Platão esta contra Homero? A verdade é que Homero tinha mesmo uma função ’pedagógica’ de descrever o padrão de comportamento moral e social do povo grego. A Ilíada era uma compilação do mais alto padrão moral do tempo. Ensinava como as ações deveriam ser realizadas e prescrevia convenções e procedimentos. Era uma enciclopédia tribal onde a ordem das frases era paratática, isto é, narrada conforme aparece na ordem ’natural’. O estilo era formuláico: primeiro faça isso, depois aquilo, depois faça aquilo outro. A religião grega não era um problema de crença, mas de culto e o culto era composto de uma ordem acumulada e uma massa de procedimentos que tinha que ser performada. A performance tinha que ser hábil, tinha que ter um ritmo de fácil memorização, tinha que ter uma ”fórmula” especial de imagens padronizadas. O que era memorizado era uma síntese da experiência. Não havia análise ( pensemos nos programas de culinária de nossas televisões: agora pegue o sal, bote duas pitadas, agora pegue o alho, ponha dois dentes pequenos, etc. podemos pensar também na música popular, enfim, na televisão como um todo e na cultura popular em geral) Pensemos nos poetas ensinando como construir um navio, como colocá-lo no mar, como embarcar, como desembarcar, etc. O poeta, portanto, não pode inventar. Tem que se restringir a sua função. E aqui esta o seu poder. Ele aceita profundamente sua sociedade, não por escolha pessoal, mas por exigência de sua função, que é de memorizar, repetir, preservar a comunicação da experiência da comunidade, memorizar, repetir, preservar. Esta era a tarefa do poeta e da audiência. A fala era metrificada, ritmada, de fácil aceitação. A performance do ator/poeta envolvia música e dança, envolvia o corpo. O corpo como suporte para uma comunicação que deveria ser preservada. Havelock oferece os princípios psicológicos que governavam a memorização, a repetição e a preservação. Primeiro: toda fala é obviamente criada pelo movimento físico da garganta e da boca; segundo: na cultura oral, toda fala preservada é assim produzida ( pela garganta e pela boca): terceiro: toda fala só pode ser preservada quando é lembrada e repetida; quatro: para fácil repetição e assim sendo lembrança, os movimentos da garganta e da boca devem ser organizados de forma especial; quinto : essa organização consiste em juntar padrões de movimentos que sejam altamente econômicos, (isto é, rítmicos); sexto: esses padrões devem se tornar automáticos; sétimo: comportamento automático numa parte do corpo ( os órgão da voz) é então estendido, por comportamento paralelo, para outras partes do corpo ( ouvidos e lábios), enfim, o sistema nervoso inteiro é acionado para a tarefa da memorização.

comportamento automático numa parte do corpo ( os órgão da voz) é então estendido, por comportamento paralelo, para outras partes do corpo ( ouvidos e lábios), enfim, o sistema nervoso inteiro é acionado para a tarefa da memorização.
Portanto a performance poética, homérica, oral, exigia do poeta/ator e do auditório quase que os mesmos procedimentos na preservação da tradição. A performance é como que inconsciente e hipnótica e envolvia todos os órgãos do sentidos, portanto, o aparato digestivo e sexual, de forma prazerosa, sensual. E os fenômenos não-humanos, como entram na performance? São traduzidos por um com junto de ações que obedecem a agentes especiais, os deuses. Os deuses, portanto, animam a natureza. Se _conhecimento” preservado ( Havelock coloca conhecimento entre aspas) tem como objetivo ser obedecido nas formas psicológicas requeridas e impostas pela saga memorizada, torna-se possível definir suas características e conteúdos gerais, sob três aspectos: 1 - Ele, o conhecimento, é todo condicionado pelo tempo. Ele acontece num fazer específico, num acontecimento específico; 2 - os dados ou itens são elencados de forma paratática; ação sucede ação. A expressão gramatical básica que poderia simbolizar a ligação dos eventos seria a frase ” e agora...), 3- esses dados ou itens independentes são ordenados com grande sugestão visual. Eles são mostrados como pessoas ou são personificados. E isso os tornava mais fácil de visualização.
Havelock depois de explicar didática e belamente todos os aspectos da memorização, repetição e preservação da tradição da comunicação oral do povo grego de aproximadamente mil anos antes de Cristo, chama mais uma vez à cena Platão e a sua teoria das formas. Como deu para perceber, na tradição oral, não havia separação entre o que conhece e o conhecido, entre sujeito e objeto. Essa junção entre o que conhece e o conhecido, entre sujeito e objeto, é muito sensual. Platão vai conclamar a seus contemporâneos que façam essa separação, isto é, que abstraiam essa relação, isto é, que a torne abstrata, só assim é que se pode pensar, se pode transformar em alguém que conhece, num conhecedor. Portanto, devemos abstrair o objeto a ser conhecido. Aí entra a forma para Platão. Não devemos lidar diretamente com o objeto, devemos lidar com a forma de tal objeto. Até chegar a falar em forma, Platão fala de ’um si per se”, do que é ’um’, do que é, e do que é ’invisível’. O ’um si per se” acontece muito mais do que é, isto é, é mais visível do que pensado. Não

podemos esquecer que Platão vivia num tempo de transição. Havelock cita Platão: ”Para a maioria dos homens é impossível entreter a beleza em si mesma, em vez de muitas belezas, ou qualquer ” em si mesmo” específico em vez de muitos específicos... Assim a maioria jamais ser intelectual”. A beleza em si mesma tem de ser abstraída do fluxo das ações e eventos, de certa forma, tem de ser isolada, muito embora esteja já nas ações, nos eventos, não é criação do intelecto. Os eventos e ações se sucedem independentes de nós, de nosso desejo, de nossa vontade e do nosso conhecimento. O bem está neles, independentes de nós. O problema é como eu penso a beleza , a justiça, o bem, que aí sim, já se está num outro nível de sofisticação intelectual, já está na convenção, no hábito.
De fato temos uma posição objetiva e outra subjetiva. A objetiva é visual. Precisamos primeiro ver as formas das coisas que são, sem dúvida, abstratas e universais. Ver não é argumentar. Ver é começar um processo de distanciamento. Ver é um estado de passividade. Na verdade ver é um pouco passividade, distanciamento e argumento.
Se estou certo na leitura que faço de Havelock, pensamos que Platão, na sua teoria das formas, quando diz ele das formas que sempre existiram e que continuarão a existir, ele está tendo uma posição realista, objetivista. Essas formas estão como que pregadas, coladas nas coisas do mundo e independem de nós. O nosso papel, talvez o primeiro papel é olhar para elas, ,é fazer theoria, dá para essas coisas tão diversas e caóticas uma ordem, é pô-las num fluxo processual coeso, porque as coisas e eventos têm uma ordem. Então, o que Platão queria mesmo era que o homem grego tivesse algum controle sobre o processo, abstraísse o mundo no qual ele esta inserido, e a escrita seria o meio mais adequado para fazer isso. Por isso podemos pensar que Platão dissesse para os poetas: parem de imitar e criem. Parem de ser os outros e sejam vocês mesmos. Aliás, os diálogos platônicos já eram um chamado para que pensássemos por nós mesmos.
Culpabilizar é produto do aparecimento do alfabeto, da escrita. As sociedades pré-históricas tinham o crime violento como algo patético. Diz Mcluham (1978:32) , o assassino é encarado da mesma forma que encaramos um doente de câncer: ”Deve ser horrível sentir-se assim, diziam eles. Quanto mais ganhamos consciência dos efeitos da mídia na formação e nas manifestações psíquicas, mais perdemos a

confiança em nosso direito de atribuir culpas. Hoje, que vivemos uma retribalização, parece estar acontecendo o mesmo que nas sociedades orais quando tratamos de criminosos, é como se eles (os criminosos) tivessem apenas feito um link e navegado por entre armas, sangue e atitudes imorais e nos lamentamos: deve ser triste viver assim.
Quando falamos em mídia as pessoas costumam pensar logo no conteúdo delas. Nos esquecemos que o conteúdo é a isca para o cão de guarda. Enquanto pensamos no conteúdo reservamos um lugar silencioso para ler. Enquanto pensamos no conteúdo ficamos em silêncio no escurinho do cinema diante de uma tela enorme. Enquanto pensamos no conteúdo sentamos no sofá com a luz acesa, comendo pipoca, e indo à cozinha e ao banheiro de vez em quando, além de comentáramos as mais variadas coisas. Enquanto pensamos no conteúdo o som do rádio nos faz dançar, cantar, rebolar.
Aprender a escrever, aprender a usar o alfabeto, a escrita, esfria, enrijece e por isso não é coisa de mulher. Por isso os pais antigamente inventaram que não deixavam as filhas estudarem para que elas não escrevessem cartas para os namorados, na verdade eles sabiam disso, desse esfriamento da mulher que aprende a ler e escrever. Por isso também que a jgreja católica nunca aceitou que a mulher se tornasse padre, isto é, ministrasse o sacramento da eucaristia, desse testemunho de Jesus e porque também sabia que dá testemunho é coisa de quem tem testículos ( basta conferir o Aurélio), e sabia também que a melhor posição para a mulher é a de escuta, de recepção, de acolhimento. E se essa é a melhor posição para a mulher é evidente que ela não serve para o homem. A homossexualidade em nossos dias se deve justamente a presença dos meios de comunicação de massa, da mídia. Os homens estão ouvindo muito rádio, estão passivos diante da televisão, e são acolhedores de muitos sons. O ouvido, como sabemos desde Freud, é símbolo que representa o órgão genital feminino. Sócrates nada escreveu. Jesus Cristo também não; Thomas de Aquino considerava que nenhum dos dois escreveu por considerarem que era impossível ensinar por meio da escrita. Para mais pro-vocações como estas remetemos o leitor para Mcluham (1987) Ainda nessa linha de definição de mídia e do impacto psicológico, éticos e estéticos que cada nova mídia nos impõe, vamos considerar agora o texto de Walter J. Ong (1982) que numa tradução livre seria: oralidade e alfabetização: a industrialização da palavra, onde ele oferece nove características da cultura oral ( a cultura que favorece a cópia. Nunca se fez tanto

download!) Diz Ong que a cultura oral é mais aditiva do que subordinativa. Ele esta falando do estilo formuláico, como já vimos anteriormente; e agora Deus disse faça-se a luz, e agora faça-se as águas, e agora... A cultura oral é mais agregativa do que analítica. E mais fria, as pessoas precisam se juntar para se esquentarem. A cultura oral é mais redundante ou ”copious”, é mais conservadora ou tradicionalista, está mais próxima ao mundo vivo, assimila o mundo estranho e objetivo, tornando-o mais familiar para os seres humanos; a cultura oral é mais agonística, nela se vive como se estivesse sempre numa esgrima, é mais empatia e participativa do que objetivamente distanciada, é homeostática, é mais situacional do que abstrata. Na verdade o que podemos ver com a listagem destas características é mais uma reafirmação do que temos dito até o momento sobre a oralidade, ou como diz Ong: ”cultura oral primária”. Hoje, no entanto, ainda segundo o mesmo autor, estaríamos vivendo uma ”cultura oral secundária” justamente porque a voz ganhou diversos suportes que não o corpo humano: a fita magnética, a fita cassete, o disco de vinil, o cd, o som no cinema, na televisão, no computador, etc. Hoje é quase impossível se livrar da oralidade secundária.
E aí é bom também falar da questão da língua mais uma vez. É bom falar do português, por exemplo, onde quer que vamos encontramos alguém falando o Português. Aliás, dizia Saussure que a língua só existe na massa dos falantes. Portanto, a língua é um meio de comunicação de massa. Diz Edmund Carpenter (1980:101):

”O Inglês é um meio de comunicação de massa - cinema, rádio , tv - são novas linguagens, cujas gramáticas ainda são desconhecidas. Cada uma delas codifica a realidade de um modo diferente; cada uma esconde uma metafísica única.”
Para mais informações sobre a comunicação, mais especificamente sobre a mídia na história das relações humanas, apontamos ao leitor o livro de Crowley e Heyer (1995)

Tradução intersemiótica
O conceito de tradução intersemiótica foi proposto por Roman

Jakobson (s/d) num texto intitulado ”Aspectos lingüísticos da tradução”. Nesse texto lemos o seguinte (s/d:69):

“ Para o lingüista como para o usuário comum das palavras, o significado de um signo lingüístico não é mais que sua tradução por um outro signo que lhe pode ser substituído, especialmente um signo ’no qual ele se ache desenvolvido de modo mais completo’, como insistentemente afirmou Peirce, o mais profundo investigador da essência dos signos.”
Na verdade, para Peirce, o significado de um signo ( não apenas um signo lingüístico) é outro signo melhor desenvolvido. O que importa aqui, no entanto, é que Jakobson indica três tipos de tradução. A primeira ele a chama de tradução intralingual ou reformulação que consiste na interpretação de sinos verbais por meio de outros signos verbais da mesma língua. Sempre que queremos saber o significado de uma palavra vamos ao dicionário e lá encontramos outras palavras que nos remetem a outras palavras e assim vamos traduzindo ou reformulando os nossos significados das coisas do mundo. O segundo tipo de tradução foi nomeado por Jakobson com sendo a tradução interlingual, a tradução propriamente dita, aquela que se faz de uma língua para outra, do Inglês para o Português, por exemplo. E o terceiro tipo de tradução é justamente o eu Jakobson chamou de tradução intersemiótica ou transmutação, que consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais. Tradução intersemiótica, portanto, se ocupa da passagem, da transmutação de um texto verbal - um poema, um conto, um romance etc , para a música, a dança, o cinema, a televisão, a pintura, o ciberespaço, etc, ou o inverso. E aqui entre o livro Tradução intersemiótica de Júlio Plaza(1987), onde podemos ver rigorosa e belamente intrincados os conceitos de função poética da linguagem ( Roman Jakobson), os meios de comunicação como extensão do Homem ( Marshall Mcluham) e a semiótica Peirceana.
Na verdade Júlio Plaza procura mostrar a tradução intersemiótica como uma poética e mais ainda como uma poética sincrônica, onde a função poética da linguagem deve ter caráter predominante. Plaza não fala, não se ocupa com qualquer tradução intersemiótica, mas apenas com aquelas de caráter poético, isto é, aquela que se volta para a
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talidade o signo, para a materialidade do signo. Na introdução (1987:7) Plaza diz-nos que ” a ação analógica sobre a história atropela a própria história concebida como processo lógico-evolutivo-diacrônico”. Isto quer dizer que a representação por semelhança atropela a história ou, poderíamos dizer, a obra de arte atropela a história. Isto quer dizer: a obra de arte nada tem a ver com a fidelidade e nem com a veracidade. Os artista nem são fiéis, nem mentem. No caso, quando falamos de tradução intersemiótica estamos nos referindo a eventos estéticos, criativos, onde a função dominante é a função poética. Não podemos considerar todo mundo que fez e faz poesia, ou conto, ou romance, ou teatro, ou dança, ou cinema, ou televisão, ou arquitetura, ou pintura, etc numa visão lógico-evolutiva diacrônica; consideramos apenas aqueles artistas que inovaram, que usaram a função poética da linguagem, isto é, que representaram o mundo por semelhança e por assim fazerem, revivificaram passado-presente-futuro. Diz-nos Plaza (1987:2):

”Mas é a visão da história como linguagem e a visão da linguagem como história que nos ajudam a compreender melhor estas relações. De acordo com W. Benjamin, toda forma de arte situa-se no cruzamento de três linhas evolutiva: a elaboração técnica, a elaboração das formas da tradição e a elaboração das formas de recepção. Também R. Jakobson, ’cada fato de linguagem atual é apreendido por nós numa comparação inevitável entre três elementos: a tradição poética, a linguagem prática da atualidade e a tendência poética que se manifesta.”
Como nenhum artista cria no vazio, estamos certos os formalistas russos quando diziam que o que mais influência um poeta é outro poeta (artista). O artista que busca a inventividade busca artista do passado ou do presente que foi ou é inventivo, isto é, artista que usa ou usa a função poética da linguagem. O nexo entre um e outro não é causal, é analógico, por semelhança. E isso, evidentemente, não levaria a produção de ” uma imagem’eterna’ do mundo”. Como diria W. Benjamin. Pelo contrário, levaria a uma reconfiguração vivificadora do passado-presente-futuro. A arte assim pensada aparece como um palimpsesto. No caminho da semiótica, diz-nos Júlio Praza ( 1987:8):

“Na medida em que a criação encara a história como linguagem, no que diz respeito à tradução, podemos aqui estabelecer um paralelo entre passado, como ícone, como possibilidade, como original a ser traduzido, o presente como índice, como tensão criativo-tradutora, como momento operacional e o futuro como símbolo, quer dizer, a criação à procura de um leitor” ( grifos do autor)
Passado como ícone significa passado como conjunto de indeterminações e possibilidade, como percepção cândida, como disponibilidade, acaso, originalidade irresponsável e livre, variação espontânea, presentidade como está presente, talidade, o tal qual, pura qualidade, o indivisível, não-analisável, o inocente, frágil, evanescência. O presente como índice significa o presente como tensão criativo-tradutora, como momento operacional, como ação-reação, compulsão sensual, existência, fatos brutos e abruptos, sensação, conflito, esforço, não-eu, luta, binariedade, choque. O futuro como símbolo significa futuro como a criação a procura de um leitor, mediação, processo, processo contínuo, devir, inteligibilidade, síntese intelectual, elaboração cognitiva, generalidade, infinitude, continuidade, crescimento, inteligência, signo.
Na verdade estamos retomando a discussão sobre a representação, no sentido de saber se a linguagem representa por convenção ou por semelhança, analogia. Aqui, no entanto, estamos falando de signo. Signo como definido Por Peirce. Ícone é o signo que representa seu objeto por semelhança. Índice é o signo que representa seu objeto por conexão dinâmica. Símbolo é o signo que representa seu objeto por convenção.
Plaza (1987) divide seu livro em duas partes. A primeira parte intitulada de ” A semiose da tradução intersemiótica” e é subdividida em quatro partes: 1 - a tradução intersemiótica como pensamentos por signos; 2 - a tradução intersemiótica como intercurso de sentidos; 3 - a tradução intersemiótica como transcriação de formas.; e 4-por uma tipologia da tradução. Na segunda parte, intitulada ” traduções intersemióticas e leituras”, temos a seguinte subdivisão: 1 - tradução simbólica; 2 - tradução indicial; e 3 - tradução icônica e 4 - política e poética da tradução intersemiótica.

Na primeira parte ”semiose da tradução intersemiótica” o autor busca discutir a ação dos signos quando eles são transmutados de um suporte para outro, de um meio para outro, de um sistema de signos para outro. O autor começa, com Peirce, definindo o conceito de signo ou representação como continuidade e diz que o pensamento é tradução visto não existir pensamento sem signos e o significado de um signo é outro signo mais desenvolvido, o signo trás nele mesmo o poder de ser melhor, isto porque o signo é determinado pelo o objeto, mesmo que não tenhamos acesso imediato ao objeto, só temos acesso mediato, por mediação, sígnico. A primazia lógica é do signo, no entanto.
A partir daí Plaza conceitua ícone, índice e símbolo, e destaca a especificidade do signo estético e o fato de o signo nunca cobrir o objeto totalmente, isto é, o caráter de incompletude do signo.
Se na primeira subdivisão Plaza discute signo conforme Peirce o definiu, e o faz belamente, na segunda subdivisão discute arrasadoramente as idéias de Mcluham de que os meios de comunicação são extensões do homem. Diz-nos Plaza (1987:45):

” Já viu Mcluham que ’qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão ou amputação de nosso corpo e essa extensão exige novas relações e equilíbrio entre os demais órgãos e extensões do corpo (...) como extensão e acelerador da vida sensória, todo meio afeta de um golpe o campo total dos sentidos.”
Portanto a ação dos signos quando da transmutação de um suporte para outro mexe no intercurso de nossos sentidos. Estamos no mundo e ao nos relacionarmos com ele criamos substitutos de nossos órgãos dos sentidos. Criamos substitutos para o olho, para o ouvido, para o tato, isto é, traduzimos o olho, o ouvido, o tato, etc. , isto é, inscrevemos o caráter de cada órgão dos sentidos nos meios que criamos para o substituir. Inscrevemos o caráter de o olho no telescópio e o exponenciamos; inscrevemos o tato nos sensores fotoelétricos que espalhamos no espaço, e o exponenciamos, inscrevemos o ouvido num gravador e o exponenciamos. Discutindo essas substituições, diz-nos J. Plaza ( 1987:49):
” A relação de substituição e complementaridade entre

original e tradução, nessa medida, pode ser vista como uma relação interlinguagens, onde empregamos signos como substitutos com graus de abstração e concreção relativos à coisa significada. A distinção entre experiência de primeira e de segunda mão significa, de um lado, a distinção entre percepção como contato imediato com a coisa em si, de outro, num grau superior mais complexo, com a coisa de forma mediata, através de algo que nos provoca o percepto indiretamente, isto é, através das linguagens e códigos, imagens e modelos como substitutos. Quer dizer: os signos se interpõem entre nós e o mundo, mas ao mesmo tempo nos presenteiam com significações e apresentações de objetos que, sem eles, não viriam até nós e com situações até mesmo previamente inexistentes.
Sem querer fazer um levantamento exaustivo dos códigos e linguagens existentes, podemos tentar, pelo menos, estabelecer categorias relativas às formas de produção e seus carateres, isto é, conforme seus suportes. Podemos, assim, distinguir os substitutos primários em suportes fisiológico-orgânicos, tais como: sons, fonemas, vozes, isto é, linguagem falada como sistema ”natural” articulado, porém sempre acompanhada das ’linguagens não-verbais’, como linguagens complementares da comunicação verbal e que segundo Ekman e Friesen, possuem um caráter sincrônico com a fala, ou seja, são a parte ’não-verbal’ da linguagem verbal, tendo, por isso mesmo, um caráter complementar, segundo os autores citados, em ’emblemas’, ’ilustradores’, e ’adaptadores’. O caráter emblemático-gestual-tradutor destas linguagens implica a não digitalização. Já Bateson vê o fenômeno como metacomunicação, ou seja, ’como um caso particular do contexto’. Bateson entende por metacomunicação uma comunicação que tem por objeto uma outra comunicação. Assim a metcomunicação possui um caráter nitidamente metalinguístico: signos gestuais que acompanham a fala para reforçá-la e ou contradizê-la.
Mas o organismo pode produzir também substitutos secundários, como tacos com ou sem instrumentos num suporte: o desenho, a escrita, um relação corpo-suporte, corpo-instrumento. Estes substitutos possuem um caráter artesanal, pois que dependem, por assim dizer, da energia corporal, de ferramentas-intrumentos elementares.

Os substitutos terciários, ou memórias artificiais, já possuem um caráter industrial-mecânico, quer dizer, tecnológico, uma vez que envolvem instrumentos e artefatos que chegam à complexidade dos aparelhos eletroeletrônicos os quais se encarregam de registrar e incluir os substitutos anteriores como conteúdo. Os processos de percepção e de criação de signos-substitutos conduzem constantemente uns aos outros com a tendência à mistura, saturação e, sobretudo, tradução e englobamento.”
Criamos substitutos e com eles nos relacionamos e isso gera uma relação de complementaridade entre original e tradução.
Na terceira parte da subdivisão Plaza discute a ação dos signos quando são transmutados de um suporte para outro como transcriação de formas, portanto, traduzir é transcrever uma forma em outra forma e assim sendo tradução é a transformação de aparências em aparências
Depois de colocar todos esses aspectos sobre a teoria da tradução intersemiótica, Júlio Plaza oferece uma tipologia das traduções: simbólica, indicial e icônica. Na verdade o que mais nos surpreendeu neste trabalho de Júlio Plaza foi o uso que ele fez das idéias de Mcluham num casamento com a semiótica peirceana e isso fica claramente colocado na grande citação acima posta. E o surpreendente é que a leitura oferecida por Plaza sugere um caminho seguro para que pensemos o equilíbrio entre os órgãos dos sentidos nesta época de cultura oral secundária.


Referências bibliográficas
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DERRIDA, J. (1973) Gramatologia. São Paulo, Perspectiva.
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HAVELOCK, Eric A. 91994) preface to Plato. Harvard University Press, Cambridge.
JAKOBSON, Roman (s/d) Linguística e comunicação. São Paulo, Cultrix.
8JOBIM, José Luis (org.)(1992) Palavras da crítica: tendênncias e

 

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