Entrevista: jornalista Bia Barbosa fala sobre Democratização da Comunicação e da Internet

A entrevista foi concedida a Ascom-COS durante o Enecom; Bia Barbosa também falou sobre a universalização da internet banda larga no Brasil

13/08/2014 12h20 - Atualizado em 18/10/2022 às 08h15

por João Paulo Macena

Estudante de Jornalismo

 

Durante o Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecom), a jornalista e membro da coordenação do Coletivo Intervozes, Bia Barbosa fez parte do painel A comunicação que queremos, onde ela falou sobre a democratização da comunicação, a aprovação do Marco Civil e universalização da internet banda larga no Brasil. Após a participação no painel, a jornalista concedeu entrevista para a Ascom-COS, detalhando a temática debatida no evento.

Ascom-COS – A aprovação do marco civil da internet foi uma verdadeira luta. Pra você, quais foram os maiores desafios?

Bia Barbosa: Foram vários desafios nesse processo. Primeiro, conseguir chegar a uma proposta de uma legislação que no seu conjunto enfrentasse os diferentes problemas que vinham sendo sentidos em termos de ameaça de direitos dos internautas. Questões como a privacidade, neutralidade de rede e liberdade de expressão são muito complexas. E você tratar de todas elas numa única legislação, por si só, já é um desafio. Tanto que outros países optaram por fatiar isso em leis especificas. Acho que um marco importante que a nossa legislação teve foi tratar isso de forma ampla e integrada. Um outro desafio são os interesses poderosos que estavam sendo enfrentados por essa lei. Pois a partir de um momento em que você tá garantindo direitos para os usuários, você tá criando obrigações para o Estado e para as operadoras que oferecem o serviço, provedores de conteúdo e para quem tem site na internet. Então você conseguir garantir que o interesse público e o interesse do usuário prevalecesse, mediante todos esses outros interesses foi uma briga muito dura. Precisou de muita mobilização social para isso. Acho que um terceiro obstáculo que, felizmente foi superado, foi a gente conseguir ter o apoio do Governo Federal para essa legislação. Se não tivéssemos conseguido esse apoio, dificilmente a gente tinha conseguido fazer a lei passar no Congresso Nacional. A pressão desses outros setores sobre o Parlamento era muito grande. E isso só foi possível nessa aliança que a sociedade civil conseguiu fazer com o Governo Federal nesse momento para conseguir aprovar a Lei.

Ascom-COS – O marco civil foi sancionado em abril. Já podemos ver alguns de seus benefícios, além da manutenção da neutralidade de rede?

Bia Barbosa: Ele entrou em vigor a menos de um mês. Nesse período, não foi feito nenhum tipo de monitoramento para saber do cumprimento da lei. Acho que o debate público que se criou em torno disso e o fato dos internautas estarem conhecendo cada vez mais os direitos que a Lei garante para eles, isso mesmo que ainda não tenham resultados concretos, mostram que, rapidamente, algumas questões serão garantidas. Se hoje você tem seu e-mail violado, o invasor já tem um tipo de punição diferente de dois meses atrás. Isso já tá em vigor. Este tipo de benefício já pode ser considerado imediato no momento em que a Lei tá em vigor.

Ascom-COS – Como a aprovação do Marco Civil garante que casos de espionagem, como os que foram denunciados por Eduard Snowden, não aconteçam?

Bia Barbosa: O Marco Civil é uma legislação nacional. E a denuncia do Snowden é uma questão internacional. Não é com uma lei nacional que a gente vai impedir que a espionagem internacional continue acontecendo. Mas o fato da lei ter sido aprovada aqui no Brasil, de a gente ter conseguido realizar o Net Mundial, que foi um encontro sobre governança na internet, realizado aqui em Abril e do Brasil tá ocupando, no cenário internacional, um espaço muito importante para fazer esse debate sobre a vigilância em massa contra a espionagem, tudo isso ajuda a mudar essa lógica que tava consolidada. Principalmente a partir do discurso dos Estados Unidos de que fazer espionagem faz parte da ação dos governos. A gente conseguiu mostrar no Brasil que é importante ter uma Lei que protege a privacidade do usuário. E vários países podem se inspirar no Marco Civil para aprovar legislações semelhantes. E cada legislação sendo aprovada num país sugere uma cultura de combate à vigilância em massa. Então, o discurso internacional contra a vigilância em massa também foi fortalecido pelo Marco Civil. A Lei não impede a espionagem que o Snowden denunciou, mas o próprio debate público que é feito sobre isso.

Ascom-COS – A nossa legislação serve de modelo para outros países?

Bia Barbosa: Acho que ele não serve de modelo no sentido de copiar uma legislação, os mesmos artigos, mas o espírito dela pode servir de bom exemplo. Foi uma Lei construída com participação social, com um amplo debate público sobre o tema e que contou com uma grande mobilização para ser aprovada. Então não é a toa que as organizações brasileiras que participaram desse processo têm dialogado com várias outras entidades que querem fomentar este tipo de debate nos seus países também, para que tenham legislações semelhantes. Não é que eles devam copiar, pois a realidade brasileira pode não ser equivalente a outros países. Mas você pensar que pode ter uma lei geral, que pode ser considerada uma constituição da internet como é o Marco Civil, nesse sentido, podemos sim servir de exemplo para outros países.

Ascom-COS – De que forma a democratização da internet banda larga deve ser abordada diretamente nas universidades?

Bia Barbosa: Precisamos começar a entender que na sociedade do século XXI completamente mediada pelos meios de comunicação de massa e que tem na internet uma de suas principais ferramentas de democratização da palavra, da voz e que potencializa uma diversidade de fonte de informação, nós precisamos discutir a internet como um serviço que precisa ser universalizado no Brasil. Não dá pra gente achar que só vai ter internet no Brasil quem puder pagar por isso. A gente precisa defender a internet como uma política pública, cobrando o papel do Estado, seja no âmbito municipal, estadual e federal, políticas públicas que universalize o acesso. E esse debate precisa começar a ser feito dentro das universidades, principalmente nas áreas diretamente relacionadas a essa discussão. A ampliação do acesso a internet vai beneficiar não só a liberdade de expressão, mas um conjunto de outros direitos que você pode ser acesso a educação, acesso a cultura, participação social via mecanismos de governo eletrônico. Tudo isso pode acontecer pela internet. É fundamental que seja feita a universalização.

Ascom-COS – E nas lutas pela universalização da internet banda larga do Brasil? O que tem sido feito através do Coletivo Intervozes?

Bia Barbosa: Temos participado de uma série de discussões. Existe uma campanha chamada “Banda larga é um direito seu” e que nasceu justamente para defender a universalização da internet banda larga com qualidade no país. E essa campanha tem feito além de debates, peças e vídeos, tem feito uma pressão muito grande de junto ao Ministério das Comunicações para que o Plano Nacional de Banda Larga muda a sua concepção e no lugar de trabalhar com a ideia de massificação, trabalhe com a ideia de universalização. Então ao mesmo tempo em que a gente participa de discussões como essa (Enecom) em vários estados e vários locais, fazemos uma pressão junto ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo para garantir a internet para todos e com qualidade.

Ascom-COS – E pela democratização da comunicação?

Bia Barbosa: A luta pela democratização da comunicação é bem mais ampla que a luta pelo acesso a internet. Hoje, a nossa proposta principal trabalhada junto com o Fórum Nacional pela democratização da Comunicação é o Projeto de lei de iniciativa popular da mídia democrática que visa regulamentar vários artigos da Constituição Federal e construir outros aspectos para regular o rádio e televisão. Garantindo, assim, a democratização, combater o monopólio, fomentar a produção independente regional, responsabilizar as emissoras que violam os direitos humanos na mídia e regular a publicidade infantil. Esse projeto de lei tá coletando assinaturas no Brasil todo, ele trata do conjunto da legislação para o rádio e televisão no Brasil. Então vai além da questão da internet esse é outro aspecto importante da nossa luta.

Ascom-COS – O painel que você participou tinha como tema “A comunicação que queremos”. Qual a comunicação que você quer?

Bia Barbosa: Quero uma comunicação plural, diversa e que respeite as nossas especificidades, não viole os direitos humanos, que seja um direto fundamental de cada cidadão e cidadã, que não dependa da ação do mercado, mas conte com políticas públicas para que ela chegue para todo mundo e que garanta voz para o conjunto da população brasileira.