Enquanto os maceioenses ainda digerem a Operação Taturana, que indiciou a mega quadrilha da Assembléia Legislativa envolvida com o roubo de R$ 300 milhões dos cofres públicos do Estado, o pequeno município de Limoeiro de Anadia, a 112 quilômetros da capital alagoana, Maceió, aproveita o momento para expressar a insatisfação contra o defasado regime coronelista. Um movimento aparentemente tímido, mas que provocou uma grande reviravolta na história do poder político-criminoso alagoano.
Quem passa pela cidade depara-se com um fato curioso. Nas ruas acanhadas do município, em pleno período pós-eleitoral, um número massacrante de muros pintados com o número “20” deixa transparecer uma vitória para Sidney Vieira, candidato apoiado por Antônio Albuquerque. No entanto, o resultado apresentado nas urnas mostrou exatamente o contrário: com 56% dos votos, o candidato da oposição, James Marlan, de número “11”, venceu o pleito para prefeitura em 2009. Ao serem questionados sobre o paradoxo, populares hesitam em se explicar. Alguns poucos se limitam a dizer que ‘em Limoeiro, é Sidney no muro e Marlan no Coração’.
Este último pleito eleitoral do município marcou o que muitos costumam chamar de uma nova era. Com a vitória de James Marlan, a população conseguiu, ainda que de forma acirrada, acabar com os 21 anos de império da família Albuquerque. O encorajamento dos habitantes, segundo o jornalista Mendonça Neto, foi impulsionado pelo afastamento e pela prisão do deputado estadual Antônio Albuquerque, apontado pela Polícia Federal como líder do esquema criminoso que abalou o poder legislativo estadual. Além da acusação de crimes de corrupção, Albuquerque foi indiciado pela Polícia Civil como autor de crimes de mando no Estado, fato amplamente divulgado pela imprensa alagoana.
“Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”
Expressões como esta eram comumente utilizadas pelo deputado afastado Antônio Albuquerque, em seus comícios. Sem qualquer restrição judicial, o ‘coronel’ também abusava de jargões do tipo: “Quem manda no céu é Deus e quem manda em Limoeiro sou eu” e “Aqui tem comida, mas também tem lapada”.
Entre um silêncio e outro, diversos casos reforçam o orgulho e o autoritarismo do parlamentar. No dia 16 de outubro deste ano, por exemplo, policiais militares contaram que pessoas ligadas à Albuquerque foram surpreendidas por uma blitz, próximo à entrada de Limoeiro, com veículos irregulares. Sem pestanejar, Antônio Albuquerque enfrentou os policiais militares e tomou as chaves do veículo interceptado, que estavam às mãos de um tenente da PM, desafiando: “pode procurar a imprensa, não tenho medo de ninguém”.
Ostentando uma imagem de poder absoluto, Antônio Albuquerque consolidou seu império à base de troca de favores e intimidações. Para a professora Ieda Batista Gomes, que lecionou durante 13 anos em uma escola municipal de Limoeiro, o poder do parlamentar era sustentado pela inocência de uma população desprovida de valores educacionais e culturais. “Desde crianças, as pessoas já são orientadas a temer e adorar o deputado. A presença e o discurso dele são sempre marcantes nas datas comemorativas, tanto nas escolas, como nas ruas. Como o povo não tem muito acesso à informação, o discurso dele acaba imperando. Além de utilizar um sistema de terror generalizado, Albuquerque possui fortíssima influência no comércio. As empresas só entram com a permissão dele. “Na cidade, ou você trabalha para ele, ou trabalha na roça, por isso que ninguém evolui”, sustenta Ieda Gomes, mostrando-se inconformada com a situação: “Como é que as pessoas pagam suas próprias contas, vivem às próprias custas, e ainda têm medo de alguém como ele?”.
Quando o poder da imprensa é questionado
De acordo com o estudante universitário de Limoeiro, Franklin Magno, 31, há uma insistência por parte dos atuais administradores da cidade em manter a imprensa distante dos habitantes. “Não há venda de jornais aqui. Não há banca de revistas. A rádio comunitária que tinha era da prefeitura. Só conseguimos encontrar jornais em Arapiraca, isso quando os capangas dele não compram antes e queimam. Quando conseguimos comprar um jornal, temos que levar embaixo da blusa, escondido”, explica.
Franklin, que cresceu na companhia de Albuquerque, acrescenta que a comunicação por meio de celular também é precária por escolha da prefeitura. “Duas torres cobriam perfeitamente todo o município de Limoeiro, mas a prefeitura deixou de pagar a manutenção. A empresa até tentou acordo, mas a prefeitura não quis conversa”. Franklin argumenta que a restrição dos meios de comunicação é uma estratégia para que o povo não amplie suas concepções políticas.
De fato, a comprometida consciência da população pode ser observada por meio das opiniões emitidas pelos habitantes acerca do exercício eleitoral. Um funcionário da prefeitura, que não quis ser identificado, relatou a experiência de não ter o livre poder de escolha. “Eu votei no Sidney porque sou funcionário da prefeitura, e se não votasse nele iriam me chamar de ‘cara-preta’. Mesmo assim, eu ainda disse para todos que trabalham comigo: ‘vocês vão ver que o Marlan vai ganhar’. Era para o Marlan que eu estava torcendo”, acrescentou.
Já o estudante M.O.B, 20, com uma hesitação que não o permitiu sequer levantar a cabeça, relatou o medo de viver sob os olhos de ‘cachorro grande’. “Não é muito bom falar por aqui, não”, diz o rapaz em plena praça pública. “Tem gente dele em todo canto, observando”. Após alguma insistência, o jovem relatou o caso de um parente que já sofreu represálias por rasgar a própria camisa, que estampava a imagem de Albuquerque. “Ele tinha bebido e resolveu pegar a própria camisa e rasgar. Só que os capangas do homem viram e qual foi o resultado? Levou uma surra, para deixar de ser amostrado”.
Para Franklin Magno, o ‘respeito’ obtido por Albuquerque é resultado de um mito que já possui os dias contados. “O Albuquerque tinha uma imagem de homem indestrutível. Votavam nele como se estivessem votando em Deus. A morte para o deputado foi o povo de Limoeiro ter presenciado sua prisão pela Policia Federal. As pessoas descobriram que o ‘coronel’ é vulnerável como qualquer outro ser humano”.
Educação ‘Albuquerquiana’
“É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da Administração indireta”. Esta Lei 6.454/77 da Constituição Federal é mais uma das normas que não se aplicam ao município de Limoeiro de Anadia. A principal escola, que atende a cerca de 2.500 alunos, foi ‘homenageada’ com o nome do deputado. A Escola Deputado Antônio R. de Albuquerque possui em diversas salas o quadro com a foto estampada do parlamentar. A única biblioteca do município, situada dentro da escola, também leva o nome do deputado indiciado.
Como se não bastasse ter seu nome evidenciado nas fardas dos alunos, Albuquerque faz uso de uma liberdade total dentro da escola, para realizar seus discursos com o objetivo de formar, desde pequenos, seu público de futuros eleitores. M.O.B conta sua experiência. “Fui pedir à diretora para marcar jogo no ginásio municipal. Ela, então, me perguntou em quem eu iria votar. Eu respondi que não sabia. Aí ela disse:’ quero ver você no comício do Sidney, e aí a gente marca o seu jogo”.
A professora Ieda, que já lecionou na escola municipal, conta que era comum os professores serem chamados pela diretoria e orientados a pedir votos aos alunos. “Em época de eleições, devíamos fazer discursos para os candidatos deles. É um absurdo porque os professores estão lá para formar cidadãos. Não concebia esse tipo de coisa e, há 6 anos, resolvi apoiar a oposição. Três meses depois das eleições, me demitiram, sem justa causa”.
Para explicar o motivo dos professores realizarem esse tipo de serviço, Ieda Gomes explicou que, após 15 anos sem realização de concursos públicos, o processo seletivo para professores efetivos não passou de uma fraude. “Resultado: os professores que estão lá são subalternos de Albuquerque. Na época das eleições, são obrigados a conquistar votos pedidos por ele, ou pela diretora, que é sua irmã”, conta.
Apesar de ser uma escola com nome irregular, a municipal Antônio Albuquerque é o principal centro de estudos de todo o município, de acordo com a própria diretora, Maria das Graças Albuquerque.
“Temos também a Escola Municipal Nossa Senhora da Conceição, onde hoje funciona a creche e mudou o nome para Creche Menino Jesus de Praga, a Escola Municipal Maria Luiza; além da Escola Estadual Francisco Domingues, mas fora a nossa (Antônio R. Albuquerque), nenhuma delas possui ensino médio e biblioteca”. Maria das Graças afirma que a prefeitura já solicitou recursos ao Governo federal, para construção de uma nova biblioteca, por exemplo, mas não houve qualquer resposta. De acordo com o site da Controladoria Geral da União (CGU), a verba federal destinada à Educação, em 2008, para Limoeiro de Anadia, corresponde ao valor de R$ 3.467.601,84.
Enquanto a irmã de Albuquerque diz “Como vocês podem ver, Limoeiro não é esse monstro que a imprensa pinta”, entre muros pintados, resistência em emitir qualquer informação a ‘estranhos’, e mudanças de assunto com o vago “é muito complicado de se entender”, a população limoeirense aguarda, curiosa, o início de uma nova gestão, que lhes devolva um bem que talvez nem todos saibam que lhes foi retirado: a liberdade.
Nas palavras do jornalista Mendonça Neto, “para eles, isto não é nada. Não se pode, com a honra, comprar mansões, carros de luxo e impunidade... Para nós, porém, esta liberdade – que só a honra concede – é tudo”.